A necessidade de relacionamentos para o desenvolvimento da igreja- Parte 3

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Continuação…

5. ENFRENTANDO PROBLEMAS NOS RELACIONAMENTOS
O apóstolo Paulo ensina que a produção natural da natureza humana, através de palavras, de pensamentos, de desejos, de atitudes, de sentimentos e de comportamentos, é teologicamente conhecida como “obras da carne” (Gl 5.19-21), as quais se manifestam nos relacionamentos, interferindo neles e prejudicando-os.46 Essa produção se configura como a pecaminosidade do ser humano, conforme atestada pela Bíblia (Gn 6.5; 8.21; Jó 15.16; Sl 51.5; Ro 1.18-32; 5.12; 2Timóteo 3.1-5). A antropologia bíblica ensina que cada área da pessoa humana — corpo, alma, espírito, mente, personalidade, caráter, temperamento, emoções, sentimentos, atitudes, palavras etc. —, foi afetada irremediavelmente pelo pecado.47 Dentro dessa linha de pensamento, todos os seres humanos são pecadores e, por isso, produzem, conscientemente ou não, as “obras da carne”. Por causa delas, os seus relacionamentos são conflituosos, independentemente da cultura, das condições sociais, educacionais, econômicas e políticas do ser humano.

Para ilustrar tal fato, temos uma passagem de Tiago, quando escreveu a sua carta para a igreja cristã primitiva. Na comunicação, descreveu os problemas de relacionamento que estavam existindo entre os membros da igreja e a causa devida, veja-se: “De onde vêm as guerras e as contendas que há entre vocês? Não vêm das paixões48 que guerreiam dentro de vocês?” (Tiago 4.1, NVI,  grifo nosso).

O Senhor Jesus parece descrever duas características intrínsecas da natureza humana.49 Estas produzem os problemas nos relacionamentos: a dificuldade de enxergar os próprios pecados (“traves”) e a compulsão patológica para procurar falhas na vida de outras pessoas (“ciscos”), conforme Mateus 7.1-5.

Com base nessas características, concordamos com as palavras do salmista em 19.12 (“Quem pode discernir os seus próprios erros […]” [NVI]). Jesus exorta seus discípulos, primeiramente, a procurar tirar o “cisco do próprio olho”. Em outras palavras: é preciso que busquem diligentemente o auxílio do Senhor para discernir os próprios pecados sob a perspectiva divina a fim de tratá-los eficazmente! 50

Para isso, o autor de Hebreus convida seus leitores a buscarem o trono da graça para que o Sumo Sacerdote Jesus se compadeça das fraquezas e para encontrarem graça que os auxiliarão no momento da necessidade (Hb 4.14-16).

Paulo diz, em 2Coríntios 3.16-18 que, quando um crente se aproxima do Senhor sem o “véu”, isto é, com plena sinceridade51, reconhece suas fraquezas e características pessoais: de temperamento, de personalidade, emocionais, psicológicas etc., logo será transformado52 progressivamente pelo Espírito Santo, à imagem de Jesus.

E como resultado dessa transformação operada pelo Espírito, os discípulos passarão a ter condições cada vez melhores de se relacionar e de resolver os conflitos que vierem ocorrer.

 
6. O MINISTÉRIO DE ACONSELHAMENTO PASTORAL
No Brasil, por volta da década de 1980, surgiu o Ministério de Aconselhamento Pastoral (MAP) com o objetivo de capacitar pastores e líderes da igreja local para usarem os recursos do aconselhamento do Ministério Pastoral para que o aconselhando se ajuste consigo mesmo, com as pessoas de sua convivência (familiares, amigos, colegas de trabalhos, membros da igreja etc.) e com Deus.

Para o MAP, aconselhar não é meramente “dar conselhos”, mas é um processo para comunicar a Palavra de Deus. Tal processo procura interpretar as Escrituras corretamente, à luz do Espírito Santo, para aplicar na vida do aconselhando. Tais conselhos ajudam-no a se ajustar melhor com Deus, com si mesmo e com o mundo em derredor. Isso o levará a libertação das más atitudes, vícios, convicções, percepções e sentimentos enfermos que venha a possuir.

Como se pode notar, o MAP se faz importante e necessário para a igreja. Esse ministério reconhece que, na convivência regular dos seus membros e devido à pecaminosidade da natureza humana, os problemas de relacionamento irão aparecer, de modo que, o emprego do MAP irá ajudá-los a se relacionarem melhor. Basicamente, os princípios do “aconselhamento pastoral” são:53
 
a) Diagnosticar o mais precisamente possível o(s) problema(s) apresentado(s) pelo aconselhando.

b) Analisar a(s) provável(eis) causa(s) e o(s) desenvolvimento(s) do(s) problema(s) do aconselhando.

c) Buscar, nas Escrituras, através de uma correta interpretação, uma Palavra de Deus, especificamente, relacionada a cada problema apresentado pelo aconselhando.

d) Planejar estratégias de auxílio ao aconselhando, como também efetivá-las com base na resolução dos problemas apontados.

Tudo isso para que o aconselhando se ajuste melhor na sua relação com o Senhor e, também, com as pessoas de sua convivência, principalmente aquelas que ele teve algum problema de relacionamento.

 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aqui foram tecidas algumas considerações finais sobre o que foi exposto nos capítulos anteriores, sintetizando-os e, ao mesmo tempo, formulando algumas conclusões:
 
1) Segundo a Bíblia, foi Deus quem criou e formou cada parte daquilo que constitui o ser humano: corpo, alma, espírito, mente, emoções e sentimentos; não apenas de Adão e Eva, mas de todas as pessoas.

2) Na perspectiva divina, é bom que as pessoas se relacionem, convivam, interajam e se comuniquem ricamente entre si para que cresçam e amadureçam.

3) A igreja cristã não é um somatório de seres individuais dentro de seu espaço físico e que participam das programações religiosas. Todavia, como o corpo humano, deve também existir, de modo contínuo, uma ampla interação de emoções, de práticas e de afetos entre os seus membros durante as celebrações, para que esta se desenvolva saudavelmente.

4) Uma das características marcantes da igreja primitiva de Atos 2—5, além da dedicação ao “ensino dos apóstolos”, às “orações” etc., era a comunhão (relacionamentos).

5) A exortação de Paulo escrita em Romanos 12.1-2 deve ser obedecida pela igreja, no sentido de que os seus membros não reproduzam em suas vidas os padrões do mundo onde estejam inseridos (individualismo, hedonismo e egocentrismo, etc.).

6) Por causa da natureza humana, decaída, herdada de Adão e Eva, é que as pessoas projetam, em seus relacionamentos, conscientemente ou não, as influências desse pecado original. Este afetou irremediavelmente toda a constituição da pessoa humana: desejos, vontade, sentimentos, emoções, palavras, atitudes, o caráter e a mente. As Escrituras afirmam que a causa dos problemas de relacionamento é o pecado do homem. Tal verdade é atestada pela Bíblia, desde o primeiro homicídio (de Abel, em Gn 4.8) até os momentos finais da história da humanidade registrada em Apocalipse 20.7-10.

7) Aquele que é nascido do alto (Jo 3.3-8) teve a sua natureza humana regenerada pelo Espírito Santo, de modo que, progressivamente, o seu interior é transfigurado na imagem de Jesus. Isso significa que, potencialmente, os crentes em Jesus terão boas condições para se relacionar satisfatoriamente entre si e com outras pessoas. Contudo, há a necessidade de conhecer a si mesmo, suas fraquezas, defeitos e virtudes. Tratar-se diante do trono da Graça para que, através de seus relacionamentos, Deus seja glorificado.

8) A prática constante do perdão como a Bíblia ensina é o remédio eficaz para a cura de relacionamentos feridos. A maior dificuldade em exercer o perdão está na “dureza de coração” (Mt 19.8), porque, para perdoar ou pedir perdão é imprescindível, antes, humilhar-se diante do Senhor, isto é, negando-se a si mesmo!

9) Dentro da atmosfera de relacionamentos, é que o ser humano poderá conhecer melhor a si mesmo; isso quando outras pessoas de sua convivência vierem “apontar o cisco no seu olho” que poderão ser fraquezas e ou características que necessitam ser tratadas, ou perceberem as virtudes, frutos e dons do Espírito existentes.

Por isso, segundo as Escrituras, o foco da existência da igreja deve ser a glória de Deus (1Co 10.31; 1Pe 4.11), o cumprimento da missão evangelizadora no mundo (Mt 28.18-20; Mc 16.15), a realização de serviços sociais (Lc 10.25-37; 1Jo 3.16-18) e a edificação dos membros (Mt 16.18; 1Ts 5.11).

Entretanto, tudo isso só ocorrerá através de relacionamentos.54


Como é bom e agradável quando os irmãos convivem em união! É como óleo precioso derramado sobre a cabeça, que desce pela barba, a barba de Arão, até a gola das suas vestes.

É como o orvalho do Hermom quando desce sobre os montes de Sião. Ali o Senhor concede a bênção da vida para sempre (Sl 133 [NVI]).

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Notas e Referências Bíbliográficas:
[46] Dos 15 tipos de obras listadas no texto grego de Gálatas 5.19-21, pelo menos oito são reveladas e percebidas no contexto de relacionamentos: ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja. Em todos os conflitos de relacionamentos, sejam nas personagens bíblicas, seja na história da humanidade extrabíblica, essas obras estão atuantes, embora em muitas ocasiões tenham recebido outros nomes pela sociedade de cada época.

[47] Erickson, discorrendo sobre a magnitude do pecado, diz “o pecado é um problema da pessoa como um todo”. Cf. ERICKSON, Millard. Introdução à teologia sistemática. São Paulo, Vida Nova, 1997, p. 263.

[48] A palavra grega que Tiago usou nesse versículo é hêdonê sendo empregada cinco vezes no nt (Lc 8.14; Tt 3.3; Tg 4.1, 3 e 2 Pe 2.13), sempre tem o sentido negativo de “prazer pecaminoso” (satisfação da natureza humana decaída). Comentando Tiago 4.1, David diz “Tiago não porá a culpa [sobre os conflitos interpessoais dos membros da igreja] em forças externas: a fonte são seus próprios impulsos maus, ou, como Paulo diria, o ‘velho homem’, a velha natureza carnal”. Cf. DAVID, Peter H. Novo comentário bíblico contemporâneo: Tiago. São Paulo, Vida, 1997, p. 129.

[49] A exortação de Mateus 7.3-5 está direcionada para os seus discípulos (Mateus 5.1-2). Ou seja: mesmo aqueles que nasceram do Espírito e que são seguidores fiéis de Jesus estão sujeitos a praticar aquilo que ele condenou aqui: de não verem os seus próprios pecados, como eles são sob a perspectiva divina, e de não procurar tratá-los junto ao Senhor.

[50] O foco da exortação de Jesus em Mateus 7.1-5 é para que o seu discípulo “procure enxergar a trave e a tirar do seu próprio olho”, e ponto final. A ênfase está nesses dois pontos, a fim de que o discípulo não julgue com condenação o seu próximo. Quando se age assim, afloram os problemas de relacionamento. Segundo essa passagem bíblica, quando não se enxergam os próprios pecados, objetivando tratá-los corretamente, instintivamente vai se procurar defeitos em outras pessoas (julgar pecaminosamente) e, como resultado, os relacionamentos ficarão afetados negativamente.

[51] Existem diversos tipos de “véu”, com os quais um convertido pode encobrir o seu rosto; isso, às vezes conscientemente, às vezes não, quando se aproxima do Senhor: tradicionalismo, formalismo, legalismo, existencialismo, o orgulho de não enxergar a si mesmo como o Senhor o vê. Um exemplo pecaminoso disso é a igreja de Laudiceia em Apocalipse 3.17, que via a si mesma diferente de Jesus.

[52] O verbo grego (metamorfoumetha) no presente do indicativo passivo, que Paulo usou em 1Coríntios 3.18 e que foi traduzido por “transformados”, é o mesmo empregado por Mateus em 17.2 e significa “transformar, mudar a realidade interior para outra diferente”. Cf. RIENECKER, Fritz & ROGERS, Cleon. Chave lingüística do Novo Testamento grego. São Paulo, Vida Nova, 1997, p. 341. Portanto, esse contato com o Senhor não é uma mera prática religiosa sem consequências reais na vida daquele que o busca. Ocorre uma mudança profunda, progressiva, real em tudo aquilo que constitui o interior da pessoa humana.

[53] Ver: FRIESEN, Albert. Cuidando do ser: treinamento em aconselhamento pastoral. Curitiba, Esperança, 2002, p. 29.

[54] Por isso que uma das ênfases da igreja deveria estar em “criar e desenvolver relacionamentos” e não “as mais eficazes técnicas de evangelização” ou os “melhores métodos de crescimento da igreja”.

1 COMENTÁRIO

  1. WANDERSON, BOA TARDE MANO DE DEUS.
    COMO PASTOR BATISTA AQUI NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, QUERO LHE PARABENIZAR PELO ARTIGO, E COMO O MESMO PODERá ME AJUDAR A RESPEITO DE UMA JORNADA DE PREGAÇÕES, EM UMA IGREJA MUITO MACHUCADA PELA AUSÒNCIA DE SENTIMENTOS FRATERNOS.VENHO, ATRAVÉS DESSE COMENTáRIO, PEDI AO IRMÇO A AUTORIZAÇÃO, DO ARTIGO PARA SÉRIE DE PALESTRAS QUE Já CITEI. CRENDO NA POSSIBILIDADE, AGRADEÇO, E LHE DESEJO DESENVOLTURA A CADA DIA EM SEUS ARTIGOS. A PAZ DE CRISTO, MEU IRMÇO. SEGUE O MEU CONTATO: PRHELCIAS@HOTMAIL.COM, OU 9210 3076 6311.

  2. Obrigada por nos apresentar um estudo minucioso sobre a necessidade de relacionamentos saud veis e comprometidos para que a igreja cumpra seu papel no mundo. Solicito sua permissão para utilizar sua linha de raciocínio e algumas frases (reformuladas) para ministrar em um retiro.Agradeço desde j  sua dedicação e seu compartilhar conosco. Deus continue lhe abençoando.

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