Resenha: História da Filosofia e Teologia Ocidental

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John M. Frame é professor emérito de Teologia Sistemática e Filosofia no
Reformed Theological Seminary em Orlando. Ensinou teologia e apologética no Westminster Theological Seminary, na Filadélfia e no Westminster Seminary na Califórnia. É autor de vários livros, entre eles Teologia em três dimensões, publicado por Vida Nova.

Recomendado por inúmeros teólogos e filósofos respeitados em todo o mundo, o livro História da Filosofia e Teologia Ocidental é o resultado de quarenta e cinco anos de trabalho de John Frame sobre temas filosóficos. O livro destaca-se pela abordagem abrangente com que o autor organizou sua obra, oferecendo uma análise panorâmica de todos os períodos em que se desenvolveu o pensamento filosófico na história, desde os pré-socráticos até os pós-modernos. A análise apresentada é ampla, mas o autor deixa claro, desde o início, que
não se trata de um olhar neutro. Como característica distintiva, Frame constantemente expressa suas opiniões pessoais sobre os temas abordados, fundamentando-se em uma cosmovisão cristã que considera a Bíblia como a inerrante Palavra de Deus, que orienta e norteia todas as coisas.

O livro é composto por treze capítulos, cada um dedicado à análise de um período específico. Além desses treze capítulos, a obra também inclui aproximadamente duzentas páginas de apêndices.

A filosofia e a Bíblia

Frame inicia sua obra dedicando três páginas inteiras a vários textos bíblicos que
abordam conceitos como sabedoria e conhecimento de Deus. Ao contrário do que é comum em outras obras, o livro não apresenta uma seção específica de introdução, o autor já organiza todo o primeiro capítulo de maneira introdutória, denominado “A filosofia e a Bíblia”.

Frame demonstra como o texto bíblico se dedica extensivamente ao tema do
saber. A principal questão abordada é que, para os autores bíblicos, a sabedoria
não é dissociada de Deus; pelo contrário, o verdadeiro conceito de sabedoria na
Bíblia está fundamentado no temor ao Senhor.

Ele segue prossegue apresentando o conceito comum de filosofia: “A palavra ‘filosofia’ significa, em sua etimologia, amor pela sabedoria. ‘Sabedoria’, por sua vez, é ‘um tipo de conhecimento elevado, um conhecimento que mergulha no profundo significado e na relevância prática’” (p. 49). Em sua definição particular, a filosofia é “o esforço disciplinado de articular e defender uma cosmovisão. Uma cosmovisão é uma concepção geral do universo” (p. 49).

Para Frame, enquanto as outras ciências, como química e biologia, buscam o entendimento de aspectos particulares do universo, a filosofia lida com as verdades mais gerais da realidade: o que é, como o sabemos, como devemos agir. Nesse sentido, Frame defende que a cosmovisão é uma designação apropriada para o objeto da filosofia.

Neste ponto, o autor deixa claro os pressupostos que serão fundamentais em sua investigação ao longo das quase mil e duzentas páginas do livro:

• O mundo é acessível à mente humana.
• A apresentação da busca histórica pelo entendimento desse mundo.
• A apologética baseada na cosmovisão cristã, que admite um Deus criador e o mundo como criação desse Deus.
• O homem como imagem de Deus.
• O pecado e suas consequências.
• A expiação de Cristo como salvação da humanidade
• O retorno de Cristo, bem como a consumação de todas as coisas.

Após esclarecer isso, Frame parte para responder à seguinte pergunta: Por que estudar filosofia? Sua resposta utiliza os conceitos de Aristóteles e Sócrates. Aristóteles afirmou que “todos os homens, por natureza, têm desejo de saber”. Sócrates, alguns anos antes, havia afirmado que “a vida não examinada não vale a pena ser vivida”.

Frame então reformula a pergunta: Por que um cristão, em especial, deve estudar a história da filosofia? Ele apresenta três benefícios do estudo para responder a esse questionamento que podem ser resumidos da seguinte forma: a) teólogos, pregadores e mestres cristãos precisam, de forma geral, aprimorar a qualidade de seu pensamento, em particular, de sua argumentação. b) Ao longo dos séculos, a filosofia influenciou de forma significativa a teologia cristã, trazendo conceitos como “natureza”, “substância” e “pessoa”, que são termos da doutrina da Trindade e da cristologia que não se encontram na Bíblia, sendo resultado da aplicação da filosofia nos estudos teológicos. c) Como boa parte do estudo filosófico não estava sob a influência do cristianismo, quando os cristãos estudam filosofia, eles se familiarizam com os mais formidáveis adversários do evangelho. Frame então passa a demonstrar, de forma panorâmica, as subdivisões da filosofia: metafísica, epistemologia e teoria do valor. Existe uma relação entre essas três subdivisões e o autor as explora com precisão argumentando que essas áreas não são independentes umas das outras; cada subdivisão pressupõe e influencia as demais.

Filosofia grega

No segundo capítulo, Frame aborda a filosofia grega. Embora os gregos não tenham sido a primeira civilização do Ocidente, sua contribuição para a arte, arquitetura, ciência, política, guerra, educação, poesia, história e filosofia é notável e não pode ser ignorada.
O autor reconhece o valor dessa contribuição, mas deixa claro que a cosmovisão grega não pode ser adotada, tampouco sintetizada com a cosmovisão bíblica.

Embora haja temas comuns explorados tanto pela Bíblia quanto pelos gregos, não
há compatibilidade nas conclusões.

Frame destaca a diversidade das cosmovisões gregas, enfatizando que é necessário mencioná-las no plural. Por exemplo, Homero e Hesíodo acreditavam nos deuses gregos tradicionais, enquanto Heráclito, Xenófanes e Epicuro os desprezavam. Parmênides defendia a ideia de que as coisas não mudam, ao passo que Heráclito acreditava na constante mutação. Esses exemplos e outros deixam claro as variações existentes nas cosmovisões gregas.

Outro ponto explorado por Frame é a ênfase da filosofia grega na supremacia da razão humana. Apesar das discordâncias entre os filósofos em diversas áreas, todos concordavam que a boa vida consistia em uma vida de racionalidade. Nesse sentido, o autor afirma que a própria razão tornou-se um deus para eles, “um objeto de fidelidade última, o padrão supremo da verdade e da falsidade, do certo e do errado — embora eles não a descrevessem dessa forma” (p. 112).

A partir desse ponto, Frame realiza uma investigação panorâmica da filosofia
grega, apresentando as escolas de Mileto, Heráclito, Parmênides, os atomistas,
Pitágoras, os sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles, o estoicismo e Plotino.

Filosofia cristã antiga

No terceiro capítulo, Frame explora a filosofia cristã antiga, denominada assim
devido ao seu enfoque nos chamados “pais da igreja” e nas discussões de seu tempo.
Novamente, o ponto de partida é o fato de que a filosofia cristã tem suas raízes na Bíblia Sagrada. Em outras palavras, os autores bíblicos produziram seu material com base na crença em um Deus criador, na Trindade, na tripersonalidade e no senhorio desse Deus.
Os autores do Novo Testamento, especialmente o apóstolo Paulo, reconheceram que a filosofia era uma área de guerra espiritual e alertaram contra a sabedoria do mundo. Após o fechamento do cânone, essa batalha continuou com os pais da igreja.

Os primeiros foram os Pais Apostólicos, cujos escritos apresentam uma preocupação mais pastoral, oferecendo conforto em meio à perseguição e ao martírio. Em seguida, surgiram os pais apologetas, fortemente influenciados pela filosofia grega em seus escritos. Eles se dedicaram a defender o cristianismo contra o pensamento judaico, as perseguições romanas, a filosofia grega e as constantes heresias que surgiam, como o gnosticismo, docetismo, marcionismo, entre outros.

Frame aborda o pensamento de Justino Mártir e suas principais obras, como Diálogo com Trifão e Primeira apologia, além de apresentar um panorama do pensamento dos principais pais da igreja, desde Irineu até Agostinho.

Filosofia medieval

Ao analisar a filosofia medieval, Frame postula uma significativa mudança contextual que foi responsável por uma considerável transformação na abordagem filosófica: enquanto os pais da igreja produziam seus pensamentos e obras em meio a perseguições e mortes, na era medieval, os filósofos cristãos estavam livres para pensar e escrever sem qualquer limitação, além do fato de não estarem mais sob uma tradição filosófica pagã Ainda assim, percebe-se nitidamente que a filosofia grega continuou tendo uma forte influência sobre eles. Essa influência permaneceu sem ser perturbada até a Reforma Protestante, com os protestantes mantendo sua ênfase em uma teologia bíblica mais radical.

Assim como nos outros capítulos, Frame realiza uma análise panorâmica dos principais nomes da filosofia medieval, apresentando o pensamento de Boécio, Pseudo-Dionísio (que por muito tempo foi pensado ser “Dionísio, o Areopagita”, convertido por Paulo em At 17) e João Escoto Erígena.

Frame mostra como Anselmo de Cantuária, mesmo influenciado por Platão, estabeleceu um pensamento muito mais ortodoxo em termos de teologia, sendo chamado inclusive de “o segundo Agostinho”. O autor faz uma análise interessante das principais obras de Anselmo, como Monologium, Proslogium e Cur Deus Homo, sendo esta última a principal obra do período medieval a analisar o motivo da encarnação de Cristo, onde já se encontra a ideia
de substituição penal.

Após abordar Avicena, Al Ghazali, Averróis e Maimônides, o autor chega a Tomás de Aquino, o maior nome desse período, conhecido como o “Doutor Angélico”. Aquino entendia que, embora Deus exceda a razão, é preciso usá-la para conhecê-lo. “Tomás define filosofia como a disciplina na qual a razão humana é suficiente. A sagrada doutrina é a disciplina na qual recebemos a verdade pela revelação e pela fé” (p. 235, grifo do autor). Tomás de Aquino também percebia uma certa sobreposição entre a filosofia e a teologia, pois ambas tratam de Deus.

O pensamento da primeira modernidade

No capítulo cinco, Frame aborda como as tentativas frustradas de sintetizar a cosmovisão bíblica com a filosofia grega resultaram em uma cisão entre alguns pensadores que defendiam uma posição bíblica mais consistente e outros que se voltavam mais ao secularismo. Ele se dedica à análise da Renascença, a qual, embora não tenha sido necessariamente um período de descrença, caracterizou-se por não ter a Bíblia como centro.

Isso é impressionante, pois esse foi o período em que se desenvolveram o
antiquarianismo, com o lema “ad fontes”, e o humanismo, movimentos responsáveis por um exame mais detalhado das Escrituras, levando a uma melhor compreensão dos textos bíblicos. Frame compreende a Reforma Protestante como um fenômeno da Renascença e fala sobre Martinho Lutero e João Calvino, os principais nomes desse movimento.

Após a Reforma, Frame se aprofunda no surgimento do racionalismo e empirismo, afirmando que, entre 1600 e 1800, todos os filósofos podem ser agrupados sob essas duas categorias. Ele menciona nomes como René Descartes, Baruch Espinosa e Leibniz na ala racionalista, e Locke, Berkeley e Hume no lado empirista. Além disso, um pequeno espaço é reservado para falar do britânico Thomas Hobbes, que, segundo Frame, poderia ser incluído facilmente em qualquer uma das duas categorias.

Iluminismo

Ao analisar o Iluminismo, Frame tem como ponto de partida uma transformação no final do século 17, que levou muitos a lerem a Bíblia não como Palavra de Deus revelada, mas como um mero documento humano, portador tanto de erros quanto de sabedoria religiosa. “Tanto Hobbes quanto Espinosa […], negaram a autoria mosaica do Pentateuco e questionaram muito do que a Escritura diz a respeito de Deus e do mundo. Ao lado deles, havia um grupo de estudiosos bíblicos dedicados a criticar as alegações das Escrituras, como H.S. Reimarus (1694-1768) e o Barão D’Holbach (1723-89), que escreveram uma biografia de Jesus destituída de qualquer elemento sobrenatural. A Bíblia de Thomas Jefferson, da qual ele procurou extirpar qualquer elemento sobrenatural, foi parte desse processo” (p. 330).

Dessa forma, Frame passa a tratar sobre o surgimento do liberalismo teológico, que, mesmo rompendo com a crença na autoridade bíblica e na intervenção sobrenatural de Deus, tentou seguir apenas alguns preceitos morais e éticos do cristianismo, sendo um exemplo disso o “deísmo”.

Apesar de todo esse declínio no que diz respeito à revelação bíblica, alguns nomes se destacaram nesse período, indo na contramão do liberalismo e escrevendo a favor do cristianismo bíblico, sendo Blaise Pascal, Joseph Butler e Jonathan Edwards como alguns deles.

Kant e seus sucessores

Apesar de toda a convulsão que vem sendo explorada ao longo do livro, Immanuel Kant marca um ponto definitivo de mudança, sendo considerado o filósofo mais influente desde o seu tempo até a atualidade.

De acordo com o autor, a representatividade significativa de Kant advém do fato de ele ensinar que devemos raciocinar de forma autônoma, e nunca de outra forma. Essa afirmação de Kant representava uma crítica à heteronomia, ou seja, quando o indivíduo é governado por leis externas a ele. Para Kant, a heteronomia é incompatível com a moralidade, pois nos torna escravos de forças externas.

Frame dedica várias páginas para explorar o pensamento kantiano, abordando os conceitos de fenômeno e númeno, assim como a ética e teologia de Kant. Ele então analisa Hegel, Schopenhauer, Feuerbach e Karl Marx como os principais nomes que foram influenciados por Kant.

Teologia do século 19

No capítulo 6, Frame aborda o surgimento da teologia liberal, destacando os teólogos que, seguindo os filósofos racionalistas, negaram qualquer aspecto sobrenatural das Escrituras. No capítulo 7, ele se dedicou ao desenvolvimento do pensamento kantiano, que continuou negando a ideia de revelação especial, insistindo que todo apelo à revelação deve ser testado pela razão.

Em seguida, Frame abordou a influência de Kant no pensamento hegeliano, que ainda afirmava haver aceitabilidade para a religião desde que limitada por uma cosmovisão racionalista. Ele também apresentou o pensamento de Feuerbach e Marx que deram um passo adiante e descartaram completamente a religião.

Agora, no capítulo 9, ele se volta para aqueles que consideravam haver um lugar de
importância para a religião e até mesmo para a teologia. Aqui ele analisa a teologia
do século 19 como um desenvolvimento da teologia liberal surgida no Iluminismo.

Nesse contexto, Frame inicia investigando o pensamento de Friedrich Schleiermacher, conhecido como o pai da teologia moderna liberal. Ele destaca que, embora Schleiermacher não seja o primeiro teólogo liberal, desempenhou um papel de destaque na sistematização de seu pensamento e influenciou outros com suas ideias. Schleiermacher acreditava que a religião é uma experiência subjetiva, devendo ser vivida e compreendida a partir do ponto de vista do próprio indivíduo, rejeitando a ideia de que a religião pode ser reduzida a um conjunto de dogmas ou doutrinas.

No restante do capítulo, Frame analisa alguns dos principais nomes da teologia liberal do século 19, como Albrecht Ritschil (que reduziu a teologia à análise do Jesus histórico e à vida atual do crente), Wilhelm Herrmann e Adolf Von Harnack (que desconsiderou os milagres, anjos e demônios, resumindo tudo ao relacionamento de Deus e da alma).

Na parte final do capítulo, Frame dedica uma extensa análise ao pensamento do dinamarquês Søren Kierkegaard, destacando sua importância e o caráter único
de seu pensamento que aborda temas como temor, ansiedade, desespero, escolhas,
decisões e etapas da vida. Frame afirma: “O pensamento de Kierkegaard é bem
diferente de qualquer coisa que o antecedeu. […] ele medita sobre temor, ansiedade, desespero, escolhas, decisões, etapas da vida, comunicação e muitos outros
assuntos que se tornaram parte da filosofia nos últimos tempos” (p. 455).

Capítulos finais

No capítulo 9, Frame analisa o pragmatismo, a fenomenologia e o existencialismo, destacando sempre os principais nomes e suas obras, de Nietzsche a Sartre. Dois capítulos são dedicados ao estudo da teologia do século 20, com ênfase especial na teologia de Karl Barth. Vale destacar que a análise que Frame faz de Barth é abrangente e muito respeitosa. No entanto, Frame inclui Barth na lista da teologia liberal e explica o motivo: “Barth parece judicioso demais acerca do conteúdo da Escritura para ser comparado com tais pensadores. Mas ele se enquadra, claramente, na definição de ‘liberalismo’ que eu apresentei no capítulo 6: ‘qualquer tipo de teologia que não se submeta à autoridade infalível da Escritura’. Sua exposição do conteúdo real das Escrituras, apesar de toda sua terminologia ortodoxa, está muito longe do que a Bíblia ensina” (p. 544). Mesmo assim, a análise geral de Frame sobre Barth é digna de apreciação, vale a pena conferir no livro.

Estamos diante da obra mais completa disponível sobre a interrelação histórica entre filosofia e teologia. Frame procura ser o mais cronológico possível, contribuindo para um entendimento sólido da história em seus devidos contextos. Sua metodologia é totalmente acessível, permitindo que mesmo aqueles sem conhecimento prévio de filosofia acompanhem o livro sem se perder nos assuntos abordados.

Estamos diante de um livro que pode ser utilizado como leitura obrigatória em cursos de teologia filosófica e até mesmo teologia histórica. Organizado por períodos, os estudantes podem fazer uso de capítulos avulsos, sem a necessidade de ler toda a obra, caso estejam procurando um assunto específico.

Ao final de cada capítulo, Frame presenteia os leitores com um guia de estudos abrangente, contendo dezenas de perguntas para auxiliar na fixação dos temas
tratados. Além disso, o autor disponibiliza uma extensa bibliografia para aqueles
que desejam adentrar nos assuntos.

Edições Vida Nova está de parabéns por presentear o público de língua portuguesa com essa obra tão importante para todos os amantes da boa teologia.

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