O holocausto e a doutrina bíblica da depravação total: como a Bíblia responde às diversas atrocidades cometidas pelo ser humano

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Rodion Românovitch Raskólnikov é o personagem central de Crime e Castigo, romance escrito entre 1865 e 1866 pelo célebre romancista russo Fiódor Dostoiévski. Como em vários outros de seus personagens, em Raskólnikov, Dostoiévski lida com a desconstrução da moral universal, onde o indivíduo que a desconstrói, se coloca acima das demais pessoas, e ultrapassa a barreira do “Não matarás”.

Raskólnikov é um jovem estudante, vivendo em São Petersburgo, no fim do século XIX, que se vê em um dilema moral. Ele é pobre, proveniente de uma cidade pequena, e sustenta seus estudos na capital por meio de aulas que dá para crianças, junto com uma ajuda enviada pela mãe, e alguns trocados enviados também pela irmã Avdótia Românovna. Em dado momento Raskólnikov perde o emprego de professor, sua situação financeira vai de mal a pior, ele é obrigado a abandonar os estudos e ainda está sendo cobrado, constantemente, pelos aluguéis atrasados. Ao mesmo tempo, sua mãe e irmã ficam dois meses sem poder lhe enviar qualquer quantia, o que dificulta ainda mais sua situação. Não fosse a ajuda da criada Nastácia, ele não teria nem o que comer.

Raskólnikov possui uma cosmovisão onde ele separa as pessoas entre os extraordinários, pessoas que tem alguma contribuição para a humanidade, pessoas “fora da curva”, e as pessoas comuns, considerados como “piolhos”. Um dia, em um bar, ele vê dois homens conversando, um estudante e um oficial, os homens conversam a respeito de Aliona Ivanovna, senhora usurária bem ranzinza e em certo sentido bem má. Raskólnikov havia conhecido essa mulher, pois penhorara um anel de ouro a troco de algum dinheiro. A conversa dos homens gira em torno de uma questão moral, observe:

– Ela é formidável – disse ele. – Tem sempre dinheiro para emprestar. Rica como um judeu, é capaz de pagar cinco mil na hora, e também não faz pouco caso de penhorar objetos que valem só um rublo. […] Eu bem que mataria e roubaria aquela velha maldita, e garanto a você que sem o menor peso na consciência – acrescentou o estudante com ardor. De novo, o oficial deu uma gargalhada, mas Raskólnikov estremeceu. Que estranho, aquilo! – Desculpe, mas agora eu quero lhe fazer uma pergunta a sério – empolgou-se o estudante – Claro, eu estava só brincando, agora há pouco, mas veja bem: de um lado, uma velhinha tola, desmiolada, insignificante, perversa, doente, que não faz falta a ninguém, ao contrário, é prejudicial a todos, que nem sabe para que está viva e que amanhã ou depois vai morrer por conta própria. Está entendendo? Está entendendo? – Certo, estou entendendo – respondeu o oficial, cravando os olhos atentos no companheiro exaltado. – Pois continue escutando. De outro lado, forças jovens, frescas, que se extinguem em vão, sem apoio nenhum, e são milhares, estão em toda parte! Cem mil boas ações e empreendimentos que podiam ser concretizados e incentivados com o dinheiro da velha, condenado a ir para um mosteiro! Centenas, talvez milhares de existências que passam a ter um caminho; dezenas de famílias salvas da indigência, da degradação, da morte, da depravação, das doenças venéreas… e tudo isso com o dinheiro dela. Mate a velha e pegue seu dinheiro para, com a ajuda dele, dedicar-se a servir toda a humanidade e o interesse geral: o que você acha, esse crime único e minúsculo não seria atenuado por milhares de boas ações? Em troca de uma vida, milhares de vidas salvas da podridão e da desagregação. Uma morte em troca de cem vidas… É uma questão de aritmética! E o que significa, no cômputo geral, a vida dessa velhota tuberculosa, burra e perversa? Não mais do que a vida de um piolho, de uma barata, e até nem isso vale, porque a velhota é nociva. Ela devora a vida dos outros. Raskólnikov sentia uma comoção extraordinária. Claro, tudo aquilo eram conversas e ideias de jovens, as mais rotineiras e frequentes, que ele já ouvira muitas vezes, apenas sob outras formas e sobre outros temas. Mas por que ele teve de ouvir aquela conversa e aquelas ideias exatamente agora, quando, em sua cabeça, tinham acabado de germinar… precisamente as mesmas ideias? […] Aquela conversa banal de taberna teve um efeito extraordinário sobre ele, no desdobramento posterior da questão: como se fosse, de fato, uma espécie de predestinação, de diretriz.[1]

A conversa que ele ouve no bar, coincide exatamente com o que pensava, e baseado nessa ideia ele leva a cabo sua intenção. Ele escolhe o dia e a hora oportuna, e por meio de uma armadilha acerta a cabeça de Aliona Ivanovna com um machado, só não contava que Lizavieta, irmã de Ivanovna, aparecesse no momento do crime e ele acaba matando também Lizavieta. O restante da história mostra como Raskólnikov lida com o castigo. Primeiro, sua própria percepção pessoal do que havia feito, e depois, as consequências legais de seu ato.

Os Pogroms

O século XX foi o século onde esse ideal de desconstrução da moral saiu das linhas teóricas e ganhou conotações práticas. Dentre os vários sistemas nefastos e mortais, o que mais se destaca, apesar de não ser o que matou mais, foi o nacional-socialismo. Em 1933, Adolf Hitler, líder do partido nacional-socialista chega ao poder na Alemanha, e sob a sua liderança se desencadeia a maior perseguição sistemática a um grupo étnico da história, conhecida como o Holocausto.

É fato que o antissemitismo não é algo inaugurado no Terceiro Reich. Durante toda a história os judeus tiveram suas terras assediadas por impérios vizinhos. Em 586 a.C, o reino de Judá é conquistado por Nabucodonosor, rei dos babilônios. Os judeus passam cerca de 70 anos no exílio, e ao final desse período, sob o domínio do império Persa, eles recebem permissão de voltar para sua terra. No ano 70 d.C., agora sob o império romano, os judeus novamente são atacados, o templo e toda a Jerusalém são destruídos. No entanto, é somente no ano de 135 d.C., na Revolta de Bar Kokhba, dessa vez sob a regência do imperador Adriano, que os judeus são expulsos de vez de sua terra, dando início a maior diáspora da história. Somente retornarão ao seu território em 1948, após a Segunda Guerra Mundial.

Entre esses dois acontecimentos, passa-se cerca de 1800 anos, os judeus são espalhados pelo mundo, mas isso não significa que tiveram vida fácil. Em cada nação que se estabeleceram sofreram discriminação, perseguição e morte. Na Rússia, na época dos Czares, há incontáveis relatos de perseguição e morte aos judeus, é nesse local que deu-se início aos famosos pogroms,[2] que eram uma espécie de espancamentos sistemáticos de judeus pela população. Muitas vezes esses espancamentos se davam sob a anuência das autoridades locais, e inúmeras vezes eram seguidos de mortes.

Por muitas vezes esses pogroms eram incentivados sob falsas acusações contra os judeus, como por exemplo, aquilo que ficou conhecido como o Libelo de Sangue que era uma falsa história de que os judeus matavam bebês não judeus e usavam o seu sangue para preparar bolos para a Páscoa. Baseado nessa mentira, muitas pessoas caçavam e matavam judeus na época da Páscoa, sob a alegação de estarem fazendo o bem, já que os judeus eram vistos como “malditos assassinos de crianças”.

Alemanha

Ainda que os judeus tenham sofrido e sido perseguidos em todos os momentos e em todos os lugares por onde fixaram morada, nada se compara ao que aconteceu na Alemanha nacional-socialista, durante todo o período do Terceiro Reich.

Uma das bases que legitimavam a perseguição sistemática aos judeus era a noção de que os seres humanos podem ser distinguidos por raça, e que algumas raças são superiores a outras. Laurence Rees, em seu livro O Holocausto: uma nova história, lista três tipos de antissemitismos: 1) O antissemitismo “tradicional”, que segundo ele era uma ideia vigente por toda a Idade Média de que os judeus deveriam ser preteridos pelos cristãos pelo fato de terem matado o Senhor Jesus; 2) O antissemitismo völkisch, que era a ideia predominante em algumas organizações culturais alemãs, de que havia no povo alemão uma conexão mística entre aqueles que habitavam o mesmo lugar, falavam a mesma língua e partilhavam uma mesma herança cultural. A suástica, por exemplo, foi usada como símbolo de vários desses grupos, e segundo eles, esse símbolo representava um vínculo com seus ancestrais mais distantes; 3) O antissemitismo racial, que era a ideia de que os seres humanos podiam ser distinguidos por raça, e que algumas raças, nesse caso a “raça” ariana, eram superiores a outras raças.

Junto a esses três tipos, soma-se o surgimento do movimento da eugenia. O cientista inglês Francis Galton cunhou esse termo em 1869, em um texto onde discute quem deveria procriar. Segundo ele, por meio de uma “cuidadosa seleção” seria possível produzir uma raça de homens superiores, “altamente dotados, por meio de casamentos criteriosos durante várias gerações consecutivas”. Laurence Rees diz que Galton nunca sugeriu impedir certas pessoas de procriar, mas outros o fizeram.

Sabe-se que o nacional-socialismo exterminou seis milhões de judeus, sem contar ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová e outros. E a grande pergunta que comumente se faz é: como isso foi possível?

A Grande Guerra, ou Primeira Guerra Mundial como ficou mais conhecida, aconteceu entre 1914 e 1918. Por volta de 1916 os alemães iam muito mal na linha de frente e o país estava enfrentando uma grande escassez de comida.

As pessoas procuravam alguém para culpar pelas dificuldades da Alemanha, e muitos começaram a culpar os judeus. O ministro da Guerra prussiano afirmou que seu ministério recebia continuamente queixas da população em geral de que grande número de homens da fé israelita estava se esquivando de seu dever de servir na linha de frente. […] o fato era que havia judeus alemães alistados no exército na mesma proporção que não judeus. Mesmo assim, prevaleceu a mentira de que eles haviam, de algum modo, fugido ao seu dever com a Pátria. Os judeus, e não era a primeira vez na história, tornaram-se um bode expiatório.[3]

Após a Grande Guerra – em que a Alemanha sai derrotada – houve um levante socialista. Em abril de 1919, revolucionários socialistas proclamaram uma “República Soviética” na Baviera. Na tentativa de impor políticas socialistas radicais em Munique, eles tomaram apartamentos caros de seus donos, a fim de colocar pessoas pobres no lugar. Usaram de violência em suas ações e com isso dez prisioneiros foram mortos. Como resposta, em maio de 1919, militares de direita entraram em Munique e derrotaram os comunistas matando mais de vinte mil deles. Segundo Laurence Rees, vários dos principais revolucionários comunistas eram judeus. Com isso, muitas pessoas acharam fácil justificar seu antissemitismo, fazendo uma ligação entre os judeus e o comunismo.

Quando surge o nacional-socialismo, ele surge declaradamente antissemita. A população alemã, no entanto, apesar de em sua grande maioria não ver os judeus com bons olhos, não era antissemita tão acentuada – ainda. Porém, com a nomeação de Hitler como chanceler, muitos aderiram facilmente à visão antissemita de Hitler de forma bem prática. Tudo por causa dos desdobramentos desastrosos da Grande Guerra no sentido econômico. Como já dito anteriormente, os judeus foram o bode expiatório, e quando as pessoas viram uma possibilidade de mudança no quadro econômico e que essa possibilidade trazia consigo essa carga antissemita, foi muito fácil assimilá-la. Alguns relatos da época mostram isso claramente logo no início da chegada dos nacional-socialistas ao poder.

Para muitos judeus alemães, o impacto de Hitler assumir a Chancelaria foi imediato. Eugene Leviné, estudante de uma escola com religiões mistas, lembra que um garoto não judeu, até então amistoso, abordou-o um dia e perguntou: “E aí, Leviné, já comprou passagem para a Palestina?”.

Arnon Tamir, em Stuttgart, teve um confronto similar: “O garoto mais estúpido da classe, que já vinha para a escola com uniforme de Stormtrooper, entregou-me um pedaço de papelão, onde estava escrito: ‘Passagem para a Palestina, caia fora e não volte nunca mais’”.

Em Hamburgo, a estudante judia Lucille Eichengreen e sua irmã também viveram uma súbita discriminação: “Hitler assumiu o poder em janeiro de 1933. As crianças que viviam no mesmo edifício […] não falavam mais conosco. Atiravam pedras em nós, xingavam, isso foi talvez uns três meses depois de Hitler assumir o poder. E não dava para entender o que havíamos feito para merecer isso. Então a pergunta era sempre ‘por quê?’”[4]

Além desses casos mais brandos, houve também casos de violência e assassinatos apoiados pelo povo comum. Em 25 de março de 1934, Kurt Bär, um Stormtrooper,[5] foi a um bar na cidade de Gunzenhausen. Era um Domingo de Ramos, e o dono do bar era judeu. Ao chegar ao bar, Kurt alegou que Julius Strauss, filho do dono, havia cuspido nele, o que era mentira. Com isso, Kurt espancou violentamente Julius, o seu pai e o resto da família. Quando uma multidão se ajuntou na frente do bar, Kurt interrompeu as agressões para fazer um discurso alegando que cristãos não poderiam tomar cerveja num bar de judeus, uma vez que os judeus eram seus inimigos mortais e responsáveis por crucificar o Senhor Jesus. Além disso, ele ainda afirmou que os judeus eram os responsáveis pelos dois milhões de mortos na Grande Guerra. Após seu breve discurso improvisado, Kurt retomou os espancamentos, dessa vez tendo o incentivo das multidões que gritavam “Dá nele! Dá nele!”.

Centenas de cidadãos da cidade saíram pelas ruas gritando “Os judeus têm que ir embora!”. As propriedades dos judeus foram atacadas, muitos foram presos e dois acabaram morrendo. Afirma-se ainda que as pessoas costumavam cantar pelas ruas: “E quando o sangue judeu pingar da faca, tudo será ótimo de novo! Camaradas da AS, vamos enforcar os judeus, colocar esses gatos gordos contra a parede!”[6]

Em outubro de 1938, quando a polícia cumpria ordens de deportar os judeus poloneses, uma testemunha relata o seguinte: “As ruas [na Alemanha] estavam pretas de gente gritando: ‘Juden raus! Aus nach Palästina!’” [Fora Judeus! Para a Palestina!].[7]

Qual foi o motivo de tudo isso?

Quando olhamos relatos como esses, tanto o fictício de Raskolnikóv, quanto os acontecimentos reais na Alemanha, é natural nos perguntarmos o porquê de pessoas comuns, donas de casa, trabalhadores, jovens, estudantes, agirem com tamanha violência e crueldade. Mas é aqui que a Escritura Sagrada nos traz a resposta. Segundo as Escrituras, todo ser humano, sem exceção, é capaz de cometer as maiores atrocidades. Todo e qualquer ser humano é capaz de agir como o personagem de Dostoiévski, é capaz de agir como os soldados da SS e é capaz de agir como o cidadão comum na Alemanha que gritava: Juden raus!.

O apóstolo Paulo escrevendo à igreja de Roma cita o salmo 14 nas seguintes palavras: “como está escrito: Não há justo, nem um sequer. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus. Todos se desviaram; juntos se tornaram inúteis. Não há quem faça o bem, nem um sequer. A garganta deles é um sepulcro aberto. Enganam com a língua; debaixo dos seus lábios há veneno de serpente; a sua boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés se apressam para derramar sangue. Nos seus caminhos há destruição e miséria; e não conhecem o caminho da paz. Não possuem o temor de Deus. (Rm 3.9-18 A21). Paulo aponta claramente a natureza pecaminosa do ser humano, e isso está explícito em todo o texto sagrado.

O pecado entra no mundo em Gênesis 3, e logo após a expulsão do homem do Éden, a Bíblia nos informa que Caim assassina seu irmão Abel. Isso se dá após Deus o advertir a respeito do sentimento que ele estava nutrindo em seu coração. “Então o Senhor perguntou a Caim: Por que te iraste? E por que estás com semblante abatido? Se procederes bem, não se restabelecerá o teu semblante? Mas, se não procederes bem, o pecado jaz à porta, e o desejo dele será contra ti; mas tu deves dominá-lo. Então Caim disse a seu irmão Abel: Vamos ao campo. E, enquanto estavam no campo, Caim se levantou contra o seu irmão e o matou.” (Gn 4.6-7 A21).

Logo após relatar esse acontecimento, como uma espécie de queda em espiral, o texto bíblico vai relatando a progressividade da maldade entre os seres humanos como consequência do pecado. Temos a história de Lameque, que tomou para si duas mulheres e assassinou de forma banal dois homens, até que o livro chega num ponto crucial, “O Senhor viu que a maldade do homem na terra era grande e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era continuamente má. A terra, porém, estava corrompida diante de Deus e cheia de violência. E Deus viu a terra, e ela estava corrompida, pois a humanidade toda havia corrompido a sua conduta sobre a terra” (Gn 6.5,11,12 A21). Está claro que quando essa passagem afirma que a terra estava toda corrompida, o texto está falando sobre a humanidade, e tudo estava dessa forma por causa do pecado e da maldade dos seres humanos. Deus então envia o dilúvio e somente 8 pessoas sobrevivem.

Após o dilúvio, a situação do ser humano, na medida em que foi se multiplicando, não foi muito diferente da época pré-diluviana. Os homens se reuniram em uma planície com o intuito de afrontar a Deus (Gn 11.1-4). Ninrode inaugura a escravidão (Gn 10.8,9), e logo vamos ter relatos de guerras, matanças, estupros (Gn 34), mais escravidão (Gn 37).

Na medida em que o homem vai se afastando de Deus ele vai criando para si seus próprios deuses segundo o seu coração impenitente. Com a idolatria surge também os casos de sacrifícios humanos em honra a esses deuses: “De que modo estas nações cultuavam seus deuses? […] elas fizeram para com os seus deuses tudo o que o Senhor rejeita e considera abominação; queimam no fogo para os seus deuses até seus filhos e filhas” (Dt 12. 30,31 A21). A maldade era sem tamanho.

A maldade que se tem em mente aqui não é trivial. A lista mais completa dos tipos de maldade vem de Levítico 18. A passagem registra incesto, adultério, bestialidade, prostituição ritual e atos homossexuais.[8]

Além desses exemplos práticos das consequências do pecado na humanidade, é preciso levar em conta o conceito bíblico de como o pecado afeta todos os homens. O apóstolo Paulo diz o seguinte: “Portanto, assim como o pecado entrou no mundo por um só homem, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, pois todos pecaram”. (Rm 5.12 A21).“Porque todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23 A21). O Senhor Jesus exemplifica bem como é o coração do homem pecador, ou seja, de todos os homens: “Porque do coração é que saem os maus pensamentos, homicídios, adultérios, imoralidade sexual, furtos, falsos testemunhos e calúnias” (Mt 15.19 A21). De acordo com os textos bíblicos, o homem é mau, é pecador e já nasce assim. (Sl 51.5).

João Calvino diz o seguinte a respeito da forma como o pecado original afeta o ser humano:

Por tal, vê-se que o pecado original seja uma depravação e corrupção hereditária de nossa natureza espalhada em todas as partes da alma, que primeiro nos torna réus pela ira de Deus e depois exibe em nós a obra que a Escritura chama de obra da carne (Gl 5.19). E isso é propriamente o que muitas vezes é chamado por Paulo de pecado, donde emergem obras como adultérios, devassidões, furtos, ódios, massacres, orgias, que por isso chama de frutos do pecado, ainda que, tal como em toda a Escritura e também depois por Paulo, sejam igualmente denominados “pecados”.[9]

É importante mencionar que, quando a Escritura afirma a depravação total do ser humano, ela não está dizendo que em todo momento de sua vida o homem deixa aflorar os atos dessa natureza totalmente corrompida. Existem várias circunstâncias que funcionam como freios a essa disposição má, como por exemplo: as autoridades e leis instituídas; a decência e a opinião pública, o medo da punição, etc. E tais freios são também fruto da graça de Deus. Por outro lado, Bavinck é cirúrgico quando diz:

Observe, porém, que, enquanto [alguns] fatores podem restringir a disposição pecaminosa do coração, eles não a erradicam. Em todos os tipos de considerações, pensamentos e desejos sórdidos, ela continua vindo à superfície. Quando as condições são favoráveis e a necessidade surge, ela geralmente rompe as represas e diques que a restringem, e aqueles que mostram, por suas palavras e atos assustadores, que odeiam a Deus e ao próximo, não têm outra natureza senão a que é compartilhada por todas as pessoas.[10]

Perceba que Bavinck utiliza uma linguagem que sugere que a maldade plena da qual o ser humano é capaz está como que represada, e quando as condições são favoráveis, ou quando a oportunidade surge, essa maldade rompe a represa e aflora. Por isso, Raskolnikóv assassina violentamente Aliona e de igual forma, por causa da necessidade, assassina também Lizavieta. Por isso, não só os nacional-socialistas, mas também o povo comum maltratava, expulsava, espancava e até matava judeus no período do terceiro Reich.

No livro de Deuteronômio, o Senhor Deus adverte o povo de Israel a respeito do que aconteceria, caso eles desobedecessem às palavras do Senhor e quebrassem a aliança que haviam feito com Deus. “E no cerco e na aflição com que os teus inimigos te afligirão, comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que o Senhor, teu Deus, tiver dado a ti. […] E a mulher mais mimosa e delicada, que de tanto mimo e delicadeza nunca pôs a planta do pé na terra, será mesquinha com o homem do seu coração, com seu filho e sua filha. Ela será mesquinha com a placenta que sair dentre os seus pés, e com os filhos que tiver; porque os comerá às escondidas pela falta de tudo, no cerco e na aflição com que teu inimigo te afligirá nas tuas portas”. (Dt 28. 53,56,57 A21).

Anos após este texto ter sido escrito, Ben-Hadade, rei da Síria, atacou e sitiou Samaria; por causa do sítio houve grande fome. Um dia quando o rei estava passando pelo muro da cidade ouviu duas mulheres brigando e uma delas clamou ao rei por socorro, e tal não foi a surpresa ao saber o motivo da discórdia: “Porém o rei perguntou: ‘Que tens?’ Ela disse: ‘Esta mulher me disse: Dá o teu filho, para que o comamos hoje; amanhã comeremos o meu filho. Cozinhamos o meu filho e o comemos’; no dia seguinte, eu lhe disse: ‘Dá o teu filho, para que o comamos’, mas ela escondeu o seu filho” (2Rs 6.28,29). A oportunidade fez romper a barreira e a maldade represada foi liberta.

Tudo isso nos faz enxergar com muito cuidado a realidade do pecado e, também, toda sua malignidade. O pecado explica por que coisas ruins acontecem. O pecado explica por que as pessoas matam, estupram, espancam, enfim, cometem os atos mais atrozes. Por isso o homem precisa se render a Cristo. Cristo é aquele que vence o pecado. Como João Batista afirmou: “Eis é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. O homem está infectado com esse mal e seu único remédio é Cristo Jesus. Como igreja do Senhor, precisamos urgentemente pregar Cristo às pessoas, mostrar que em Cristo há redenção, perdão dos pecados e reconciliação com Deus. Somente ele é a solução, somente ele traz paz.

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[1] Dostoiévski, Crime e Castigo. p. 91-93.

[2] O termo pogrom tem múltiplos significados, mais frequentemente atribuídos à perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso, aprovado ou tolerado pelas autoridades locais, sendo um ataque violento massivo, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos).

[3] Laurence Rees. O Holocausto, uma nova história. Vestígio. pg. 24-25.

[4] Ibid p. 75 – 76.

[5] Tropas de assalto da Antiga NSDAP, partido nazista alemão.

[6] Ibid p. 85-86.

[7] Eichman em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Hahhah Arendt. Companhia das Letras. p. 250.

[8] Paul Copan e Matthew Flannagan. Deus Realmente Ordenou o Genocídio? Vida Nova. p. 82.

[9] João Calvino. A Instituição da Religião Cristã. Livro II. Cap. I.8.p. 233

[10] Herman Bavinck. Dogmática Reformada. Cultura Cristã. Vol 3. P. 124

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