Existem muitas razões para explicar esse declínio. Creio, porém, que duas contribuíram (e contribuem) para estas razões. A primeira seria a influência daquilo que se convencionou chamar de “pós-modernismo”, seja lá o que isso queira dizer. Mas, certamente, ao lado de seu cúmplice, o Ceticismo, a nossa época engendra “todas as tentativas de decidir entre alegações de verdade competindo pelo emprego de critérios universais supostamente racionais”.3 Outra razão apresentada por Griffiths encontra-se “na crescente sensibilização do ‘multiculturalismo’ e na relutância que muitos têm para se engajar numa empreitada que possa parecer alguma forma de superioridade baseada na cultura”.4 A Globalização tornou o mundo menor e, como consequência, a visão de uma “única religião verdadeira” parece ser desafiada pelo pluralismo religioso e pelo multiculturalismo.
Mas, se há esse declínio no campo da apologética, o mesmo não se pode dizer de uma disciplina coirmã: a Filosofia da Religião, especialmente na área de Epistemologia. Por causa do surgimento dessa disciplina, tem-se visto uma nova chance para a Apologética Cristã. A Apologética pode encontrar um renovo na esteira da Filosofia da Religião, hoje abundante nas universidades brasileiras5 e internacionais.6
O Cenário Atual
Os antigos temas teológicos começam a ressurgir nas Academias. Com o colapso do fundacionalismo clássico7 cartesiano e a revolução epistemológica, especialmente na Filosofia Analítica, os assuntos ligados à Religião já não são mais vistos como triviais e sem sentido (sentido positivista) e o desafio evidencialista não “anda bem das pernas”.
“O Evidencialismo sustenta que uma crença é racional para uma pessoa apenas se aquela pessoa tiver evidência, argumento ou razão suficiente para suas crenças”.8 William K. Clifford (1845 – 79)9 em uma palestra disse: “É sempre incorreto, por toda parte e para qualquer pessoa, acreditar em qualquer coisa sem evidência [prova] suficiente”. Estas palavras resumem a posição Evidencialista em sua versão mais forte. Segundo essa teoria epistemológica, temos a “responsabilidade moral” de crer apenas na presença de evidências ou provas. É possível que Clifford não tivesse as “crenças religiosas em mente”, mas é exatamente às crenças religiosas que se aplica o princípio de Clifford. Assim, espera-se que haja “provas suficientes” para, por exemplo, a Existência de Deus.10
Alvin Plantinga, um expoente da Filosofia Analítica da Religião, resume a sensação quanto ao sentimento moderno acerca do pensamento no campo da filosofia e da religião cristã, mas que, positivamente, o Cristianismo pode mais uma vez ser ouvido:
Pós-modernismo, claro, é variadamente caracterizado. Entre os pontos de vista que vão nesta rubrica encontram-se uma rejeição do fundacionalismo clássico; a declaração de que não existem fundamentos de qualquer tipo, clássico ou de outra forma; a alegação de que não existe tal coisa como objetividade (e, isto, é uma coisa boa também); a desconstrução (‘a empresa da desconstrução); a alegação de não existe tal coisa como a verdade ou, se existe, é algo totalmente diferente daquilo que nós pensamos (talvez seja uma construção social, ‘o que nossos pares nos deixam dizer’11 ou algo então de outro tipo); a alegação de que a verdade é feita, não descoberta; a alegação de que não existe qualquer objetividade e que tudo o que realmente importa é poder. Há oposição à “metanarrativas”, existe a insistência que Deus está morto (que é normalmente destinado a indicar, acredito, que não há nenhuma pessoa como Deus), e há referências ao deus paternalista (‘bom velho deus’ como Jacques Lacan se refere a ele). Há também uma espécie de exultação ou apoteose de autonomia, de modo que (como Heidegger) se sente culpado por não ter criado o mundo (junto com a sugestão de que Deus deve ter vergonha por ter a ousadia de interferir com a autonomia) […] Agora, muitas destas alegações não são candidatas lógicas para o posto de serem invalidadores da fé cristã, e de fato, algumas delas são totalmente agradáveis para o Cristianismo. Por exemplo, normalmente os pós-modernistas rejeitam o fundacionalismo clássico, que também foi rejeitado por porta-vozes valentes da fé cristã como Abraham Kuyper, William Alston e Nicholas Wolterstorff e, de forma antecipada, por Agostinho, Tomás de Aquino, Calvino e [Jonathan] Edwards […] Muitos outros temas da contemporaneidade podem apenas provocar aplausos entusiasmados a partir de uma perspectiva cristã: um pensa de simpatia e compaixão pelos pobres e oprimidos; o sentido forte de indignação com algumas das injustiças que nosso mundo exibe; celebração da diversidade e os ‘desmascarar’ do preconceito, da opressão e a busca de poder aparece como princípios morais auto-evidentes e os ditames da doce razão. Outro tema em que Cristão e Pós-modernos podem sinceramente concordar é a maneira pela qual, mesmo no melhor de nós, a nossa visão do que é certo e errado, verdadeiro ou falso, é muitas vezes nublado e encoberto pelo auto-interesse. De fato, os pós-modernos tendem a ver essas vigas nos olhos dos outros, mas não no seu próprio, mas nisso eles não diferem do resto de nós, incluindo os cristãos.12
Este cenário concede a mais nova oportunidade para libertar o Cristianismo de seu “cativeiro cultural”13 em trazê-lo novamente à esfera pública, demonstrando que o “Cristianismo não é apenas ‘dogmaticamente’ ou ‘doutrinariamente’ verdadeiro; ele é verdadeiro também em relação ao que está diante de nós, verdadeiro em relação a todas as coisas em todas as áreas da existência humana”.14
Os Desafios Contemporâneos: Racionalismo e Irracionalismo
Porém, para fazer isto é preciso reconhecer que em cada geração há desafios na comunicação da fé cristã. Não podemos pensar que comunicamos “no vácuo”, e não podemos crer que quando o fazemos não estamos “em confronto”. Desde a tarefa da evangelização corpo-a-corpo, pregação e outros discursos, especialmente no âmbito acadêmico, estamos inseridos numa batalha (Jd 3). Mas com quais armas lutar (Cf. 2Co 10.4, 5)? Os Cristãos têm pendulado entre dois caminhos.
Até meados no século dezenove, os Apologistas Cristãos procuravam comunicar o Cristianismo ou sob o padrão racionalista-modernista-iluminista ou sob uma filosofia romântico-existencialista. No primeiro caso, eles argumentavam, contra os modernistas, que a razão realmente apoia, e não solapa, as reivindicações da verdade cristã. Este é o caso das “Apologéticas Clássicas”15 e “Evidencialista”16 com seus apelos aos “Argumentos Clássicos para Existência de Deus” e aos “Fatos” interpretando as “Evidências que Exigem um Veredicto”. Esta é ainda a forma predominante de defender a fé, em que o apologista cristão permanece…
Na discussão de fatos e de suas interpretações, buscando provar ou negar ‘fatos’, suposições, exatidão, ou erro de interpretação. Raramente tais confrontos vão além do campo das evidências (como se houvesse uma área de neutralidade na qual pessoas “honestas” eventualmente pudessem concordar) para uma discussão profunda dos próprios termos agendados pelos anticristãos.17
O segundo caso, o romântico-existencialista, poder ser ilustrar por meio destas palavras do filósofo cristão dinamarquês Sören Kierkegaard:18
É agora meu propósito extrair da sua história [de Abraão], sob forma problemática, a dialética que comporta para ver que inaudito paradoxo é a fé, paradoxo capaz de fazer de um crime um ato santo e agradável a Deus, paradoxo que devolve a Abraão o seu filho, paradoxo que não pode reduzir-se a nenhum raciocínio, porque a fé começa precisamente onde acaba a razão.
Perceba que esse raciocínio separa radicalmente a fé e a razão e conduz a uma espécie de fideísmo.19 Nesse caso, a fé não é racional, mas apenas uma disposição emocional sem necessidade de que aquilo que se crer seja ou não verdade da Realidade. Não é muito diferente do Cristianismo apresentado hoje em dia. Falamos em Deus, Escritura, Jesus Cristo, Salvação, Perdão, Culpa, Graça, Céu, Inferno, Trindade, Encarnação, Regeneração, Novo Nascimento etc. e se esses termos não dizem nada, ou seja, não tem significado20 para um “Iluminista”, dizem muito menos para os ouvintes contemporâneos.
Na vila global da sociedade ocidental, os ouvintes atuais, jovens e velhos, têm uma familiaridade com os elementos da fé cristã que tem trazido um desprezo. Quem não tem ouvido tele-evangelistas na TV; ou visto um outdoor que tenha escrito frases e textos bíblico-religiosos? A civilização ocidental chafurda em fragmento de clichês cristãos e parafernálias. Esta saturação reduz o Cristianismo a slogans e frases sem sentidos. A Fé Cristã tornar-se apenas outra parte da cultura pop.21
Estamos perdidos no “misticismo semântico”,22 que pode até ser útil para despertar sentimentos existenciais ilusórios, mas que não se ajusta à realidade de significado. Ao adotar a visão humanística de defender a fé, os Cristãos se envolveram no dilema do pensamento secular: a tensão chamada de racionalismo-irracionalismo.23 No fundo, o que os cristãos esqueceram foi a antítese entre o “pensamento cristão” e o “pensamento não cristão” (Cf. Gen. 3.15).
A Necessidade da Apologética Bíblico-Reformada24
Curiosamente, é na tradição neo-calvinista holandesa, tendo como precursor Abraham Kuyper, que outra estratégia tem sido adotada. Ela não procura a demonstração da fé nem em base racionalista, nem em base empirista. Antes, ela desafia a pretensa autonomia, a neutralidade e a autossuficiência da razão humana. Esta abordagem tem demonstrado que o modernismo científico não está auto-justificado e que ele, portanto, tem suas próprias pressuposições e preconceitos que são, no final das contas, de natureza religiosas.
Responsáveis por uma filosofia robusta a partir da Teologia Reformada, o estadista Abraham Kuyper, o filósofo Herman Dooyeweerd e o apologeta Cornelius Van Til desenvolveram uma metodologia em que a Cosmovisão Cristã é contraposta às Cosmovisões Não-Cristãs não apenas no que diz respeito à Religião, mas também em outras áreas da vida. A implicação é que uma Teologia Reformada requer uma Apologética Reformada. E por que deve ser assim? Porque há uma relação pactual-religiosa fundamentada na distinção Criador-Criatura.
Tudo que fazemos é religioso, uma vez que tudo o que fazemos resulta da nossa condição de criaturas: o fato de que Deus nos criou para um propósito específico, para cuidar e desenvolver o mundo que ele fez. E, porque estamos arraigados na dependência de Deus para nossa existência, a nossa relação mais fundamental na vida é religiosa, que governa e modela todas as coisas que fazemos, e desta raiz surgem nossas cosmovisões. Porque tudo que fazemos é moldado por nossa obediência ou rebelião contra Deus e Seu Pacto, a religião está arraigada na vida humana e todas as coisas que fazemos têm um caráter religioso. Não existe maneira de mantermos a ideia de um mundo secular (ou seja, um mundo afastado de Deus), exceto sob a ilusão do pecado. Assim, nossas cosmovisões, nossa teologia, nossa filosofia [nossa visão da história, da política etc.] são formadas por nossa religião, isto é, pelo compromisso total do coração para o que conhecemos como Deus. Como vivemos o compromisso de nosso coração em tudo o que fazemos, esta religião molda todas as coisas em que estivermos engajados: teologia, filosofia, políticas, educação, economia etc. Todas as áreas da vida se encaixam porque tudo está enraizada em nossa vida religiosa. Para o Marxista somos basicamente seres econômicos; para o Freudiano somos basicamente seres reprimidos sexualmente; para o Cristão somos basicamente seres religiosos. A característica mais fundamental de tudo é a religião, isto é, a relação que temos com o que o quer que seja que chamemos de deus. Nossa cosmovisão é a expressão deste compromisso religioso, formando a maneira pela qual nós realmente vivemos nossas vidas e, portanto, como fazemos filosofia e teologia [ou política, ou história etc.] e como podemos expressar a nossa religião.25
O Sistema Apologético Reformado – a Tríplice Relação
A defesa da fé cristã, portanto, não deve apenas passar pelos “fatos” como se os mesmo fossem suficientes para estabelecer as verdades do Cristianismo. Envolver-se em apologética, portanto, não é uma tarefa que comece com os fatos sobre o Cristianismo, mas que comece onde as Escrituras começam: na distinção Criador–Criatura(metafísica) o que, por necessidade, requer uma epistemologia bíblica (revelação) com implicações éticas (deontologia pactual). Em outras palavras, é necessária uma apologética que tire “Deus do banco dos réus”26 e abra a jaula do leão.27
Tem-se reconhecido esta abordagem na Apologética de Cornelius Van Til, abordagem também conhecida como Pressuposicionalista. Reconhecer e raciocinar a partir de um conjunto de pressuposições que fuja tanto da “autonomia da razão humana”, bem como se apresente antitética ao modo não-cristão de pensar. Sendo assim, a apologética “é a defesa da filosofia cristã de vida contra as várias formas de filosofias não-cristãs de vida”. 28
Metafísica: Distinção Criador – Criatura
Segundo a Apologética Reformada, “qualquer teologia natural que raciocine autonomamente da lógica e/ou fundamento empírico para Deus resulta em uma exclusão da necessidade e autoridade revelacional endossando algum tipo de filosofia imperiosa”.29 Assim, tentar defender a fé cristã sob outra base que não a revelação não somente cai no dilema racionalismo-irracionalismo, mas toma para si outra fonte de autoridade última: a Criação. Desse modo, o não-cristão não apresentará uma resolução para o problema último do deterniminismo (Uno – racionalismo), bem como deverá, em alguma medida, defender algum tipo de contingência (Múltiplo – irracionalismo) como realidade última.
Epistemologia: A Necessidade da Revelação
Em sustentar a posição metafísica Criador-Criatura, a Apologética Reformada demonstra que a razão não será solapada, pois no Criador encontramos unidade e pluralidade, implicando uma necessidade da Revelação. A Revelação que Deus faz de Si como autossuficiente e autoconsciente nos fornece a base epistemológica para verdadeiro conhecimento sobre Deus, sobre o Homem e sobre o Mundo, mesmo que tal conhecimento não seja exaustivo, ainda assim, ele é verdadeiro. “O Conhecimento de Deus deve ser radicado em Sua própria auto-revelação”.30 O Cristianismo, então, não seria apenas probabilisticamente verdadeiro, mas necessária e certamente verdadeiro. A prova para isso seria que, sem o Deus Cristão revelado em Jesus Cristo e em Sua Palavra, não é possível provar qualquer coisa em termos de realidade, conhecimento e ética. Pela Revelação nós conhecemos os fatos de fato (1Co 2. 6 – 16 ;31 Rm. 1. 18 – 32 ).32 Quando os incrédulos fazem e acertam os conceitos da fé cristã, o fazem sobre bases cristãs. O não-cristão não tem direito a acreditar ou asseverar a verdade em termos de suas pressuposições, mas apenas sobre dos Cristãos (Cf. Rom 2. 14 – 16). Van Til chama esta postura do não-cristão de “capital emprestado”.33 Em outras palavras, o não-cristão não tem, na base de sua epistemologia, nenhuma razão sólida para seu discurso sobre a Verdade (seja metafísica, epistemológica, ética, lógica, religiosa, científica etc.), pois não há nada na sua Cosmovisão que sustente tais conceitos. Assim, o não-cristão “pega emprestado” da Cosmovisão Cristã as Pressuposições do Teísmo Cristão para afirmar tais conceitos. Enfim, a Cosmovisão Não-Cristã demonstra-se incoerente e insuficiente.
Por que você objeta quando eu explico que as realizações científicas, em virtude do fato de e a despeito de seus princípios de casualidade, que ele está, embora sem reconhecer, está tomando emprestadas as ideias Cristãs de Criação e Providência?
Fica claro que a Apologética Reformada é eminentemente epistemológica, o que implica que Cristão e Não-Cristão operam em convicções teológicas divergentes e, como tal, essa divergência não é resolvida em algum “terreno neutro”. Ambos possuem “convicções sobre a natureza da verdade, crença, significado, conhecimento, evidencia, prova etc.”35
Ética: uma Apologética Pactual
No entanto, não há como separar a metafísica da epistemologia das responsabilidades e obrigações epistêmicas como requeridas por aquilo que conhecemos.36 Jesus Cristo não nos dá apenas o conhecimento da realidade última, do conhecimento de Deus e de nós mesmo, mas também da ética (Cf. Jo 14.6; 17.1 – 5). Ele “veio nos restaurar o verdadeiro conhecimento, justiça e santidade”(Cl 3. 10; Ef 4.24).37 Sendo assim, “o profundo problema da apologética não é definitivamente intelectual, mas ético”. Assim se expressa o Dr. Cornelius Van Til38 ao dizer que, Deus, como personalidade absoluta, “é a categoria última da interpretação do homem em todo aspecto de seu ser”, não existindo nada para além da Divindade Triúna. O homem, como criado por Deus é absolutamente dependente neste relacionamento com Deus para encontrar o significado de sua existência em todos os aspectos. O que “é bom, é bom porque Deus diz que é bom” e porque a natureza e a vontade de Deus é fundamentalmente boa. Neste sentido, é impossível pensar que haja qualquer mal em Deus e que Deus criou o homem como mal. De acordo com as Escrituras, “Deus é personalidade moral infinita que revela ao homem a verdadeira natureza da moralidade”. Mesmo no Éden, Deus relacionava-se com o Homem por meio de um pacto e, por isso mesmo, precisava interpretar a revelação de Deus segundo Deus. Por busca de autonomia,39 o Homem rebela-se contra a Verdade de Deus e a suprime.
Uma Apologética Reformada, portanto, procura…
Descrever concretamente como a Queda afeta o pensamento o humano. O Homem Pecador, de acordo com Van Til, “procurou os seus ideais de bondade, verdade e beleza em algum lugar além Deus, diretamente dentro de si mesmo ou no universo dele. Ele tentou interpretar tudo com o qual ele entrou em contato sem referência a Deus”.40
Percebe-se que, como resposta aos desafios contemporâneos, uma Apologética Bíblica enfatizará os “incrédulos como violadores do pacto”, exatamente como o locus classicus paulinus em Romanos 1 – 3. O Apologista Cristão agirá como um “bom médico”,41 dando o remédio e diagnóstico correto sobre a situação do doente, mas de acordo com o médico mesmo e não de acordo com o doente.
O homem caído não pode, por seu próprio critério adotado, fazer uma verdadeira análise de sua própria condição. O medicamento que ele emprega para sua salvação é o remédio errado justamente porque o diagnóstico que ele tem feito se sua própria doença é feito pelo critério errado. O médico está apto a prescrever o remédio correto para um paciente justamente porque ele, ao invés do paciente, tem dado um diagnóstico correto da doença do paciente. Em um sentido infinitamente mais profundo, apenas Cristo, o grande médico, pode diagnosticar a doença do homem.42
Conclusão
A implicação apologética dessa abordagem aponta para uma necessidade de “re-ligação” do Ser Humano com o Deus Triúno novamente, apelando ao Homem como Criatura de Deus, Criados à imagem de Deus.
Não pretendemos nesse texto oferecer um Curso de Apologética. Antes, tivemos como proposta apresentar um “novo e vivo caminho” para apresentar a Fé Cristã a partir de bases cristãs legítimas e comprometidas com a Revelação Escriturística. Trata-se, portanto, de uma metodologia apologética, algo fundamental para o tema e ausente nos livros de apologética. Em minha modesta opinião, a Teologia e Filosofia Reformada são um sistema completo com uma perfeita “filosofia da história” na apresentação da Fé Cristã.
Deus mesmo é o único quem pode se defender. Uma Apologética que glorifica a Deus começará por considerar a Sabedoria Divina revelada em sua palavra. O apologista precisará aprender “pensar os pensamentos de Deus de acordo com Deus mesmo em campo de realização”.43
Portanto, qualquer abordagem que não considere o Senhorio de Jesus Cristo como precondição para defesa da fé (Cf. 1Pe 3.15), estará lutando com outras armas que não as Divinas (Cf. 2Co 10.4, 5). Em Cristo, todos os tesouros da sabedoria estão escondidos (Cl 2. 3) e, por isso, todo pensamento não-cristão é chamado, nas Escrituras, de tolice (Cf. Pv 28.26; 12.23). O Cristão deve aceitar o desafio do Incrédulo e responder-lhe por atacar o seu pensamento irracional.
A declaração e desafio central da Apologética Cristã são expressos pelas palavras de Paulo em pergunta retórica: “Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?”(1Co 1.20).
O Cristão deve responder ao ataque do incrédulo por atacar a posição do incrédulo em seus fundamentos. Ele deve desafiar as pressuposições do incrédulo, perguntando se o conhecimento é mesmo possível dada a perspectiva e hipótese do incrédulo. O Cristão não deve ficar na defensiva para sempre construindo respostas atomísticas para uma infindável variedade de críticas incrédulas; ele deve, por vezes, tomar o ataque e mostrar que o incrédulo não tem nenhum lugar inteligível para permanecer, nenhuma epistemologia consistente, nenhuma justificação para um discurso significativo, para predicação ou argumentação. A pseudo-sabedoria do mundo deve ser reduzida à tolice.44
O Desafio foi lançado. Abra-se a Jaula!
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Notas:
1GRIFFITHS, Paul J. An Apology for Apologetics. Maryknoll, NY: Orbis, 1991, p. 2.
2De Sete Instituições (Reformed Theological Seminary, Calvin Seminary, Covenant Seminary, Columbia Seminary – SC, Mid-America Seminary, Westminster Seminary California, Westminster Seminary em Filadélfia), apenas os dois de Westminster têm mais de um curso de apologetic como central em seus currículos. Vide: Westminster Theological Seminary in Philadelphia < http://www.wts.edu/about/beliefs/mission.html>; Westminster Theological Seminary in California < http://wscal.edu/academics/degrees-and-programs/>.
3 PAYNE, Michael W. The Fate of Apologetics in an Age of Normal Nihilism. In: OLIPHINT, K. Scott; TIPTON, Lane G.(eds). Revelation and Reason: New Essays in Reformed Apologetics. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2007, p. 220 – 241.
4Idem, p. 221.
5Entre as universidades brasileiras, podemos destacar a Universidade de Brasília (UnB) com o Grupo de Pesquisa da Filosofia da Religião da UnB, sob a direção do Prof. Dr. Scott Randall Paine e Prof. Dr. Agnaldo Cuoco Portugal. O programa é estendido à Pós-Graduação.
6Já entre as Universidades internacionais pode-se destacar a University of Notre Dame e a Oxford University.
7Fundacionalismo é a visão dominante, na epistemologia ocidental, acerca da justificação do conhecimento desde o Iluminismo. De acordo com a definição, fundacionalismo “é a visão de que conhecimento e justificação epistêmica (conhecimento-relevante) têm dois níveis de estruturas: alguns exemplos de conhecimento e justificação são não-inferencial ou fundacional; e todos os outros exemplos são, então, inferencial ou não-fundacional, na medida em que derivam, em última análise, a partir do conhecimento fundamental ou da justificação. Esta visão estrutural originou-se nos Analíticos Posteriores de Aristóteles (pelo menos em relação ao conhecimento), e recebeu uma formulação extrema nas Meditações de Descartes. Floresceu, com uma variedade de detalhes, em obras dos filósofos do século vinte como [Bertrand] Russel, C. I. Lewis e [Roderick] Chisholm. Versões do fundacionalismo diferem em dois projetos principais: a) a precisa explicação da natureza do conhecimento e justificação não-inferencial ou fundacional e; b) a explicação específica de como o conhecimento e justificação fundacionais podem ser transmitidos para crenças não-fundacionais. O fundacionalismo permite a diferença sobre esses projetos, desde que sua visão é essencialmente sobre a estrutura do conhecimento e da justificação epistêmica” (AUDI, Robert (ed). The Cambridge Dictionary of Philosophy. 2nd. Cambridge, NY: Cambridge University Press, 1999, p. 321). Como projeto, o fundacionalismo clássico tem ruído desde a última metade do século passado por procurar opções metaepistemológicas, isto é, por procurar examinar o substratum das teorias epistêmicas. Vide: GOMES, Davi Charles. A suposta morte da epistemologia e o colapso do fundacionalismo clássico. FIDES REFORMATA. Revista de Teologia. São Paulo – SP. Programa de Pós-Graduação Andrew Jumper (Mackenzie). v. 5, n. 2, p. 115 – 142, jul./dez. 2000. Disponível em:
9CLIFFORD, William K. The Ethics of Belief.IN: STEPHE, Leslie; POLLOCK, Frederick(ed). Lectures and Essays. London: Macmillan and Co., 1879, p. 186.
10O chamado “desafio evidencialista da crença religiosa”, especialmente ao Cristianismo, é fruto do Iluminismo na sustentação de que, primeiro, seria errado para alguém aceitar o Cristianismo, ou qualquer outra forma de teísmo, a menos que seja racional para ela aceitá-lo. Segundo, não é racional para alguém fazer isso a menos que ela apoie sua convicção religiosa sobre a base de outras crenças que deem a aquelas convicções fundamento evidente adequado. (Cf. PLANTINGA, Alvin; WOLTERSTORFF, Nicholas. Faith and Rationality: reason and belief in God. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame, 1983, p. 5 – 8)
11Palavras de Richard Rorty.
12PLANTINGA, Alvin. Warrant Christian Belief. New York: Oxford University Press, 2000, p. 422 – 424.
13Cf. PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta – libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 20, 25, 108.
14SCHAEFFER, Francis. A Arte e a Bíblia. Viçosa – MG: Ultimato, 2010, p.18.
15Fundamentada no Cartesianismo (Racionalismo)
16Fundamentada no Lockeanismo (Empirismo).
17GOMES, Davi Charles. Fides et Scientia: Indo Além da Discussão de “Fatos”. In: FIDES REFORMATA. São Paulo: v.2, n.2, jun – dez., 1997, p. 129 – 146.
18KIEKERGAARD, Sören. Temor e Tremor. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
19O Dr. Greg L. Banhsen fornece algumas definições de fideísmo contidas em Dicionários Filosóficos e Teológicos. Transcrevo com a fonte do Banhsen: “Fideísmo como ‘um termo pejorativo para teorias subjetivas que são baseadas sobre as experiências religiosas e que menospreza a razão em teologia’. Outros são claros: fideísmo sustenta que ‘verdades religiosas são inacessíveis à razão humana’, correspondendo, assim, a ‘redução da religião a uma fé irracional’. Fideísmo é a ‘visão que compreende o conhecimento [religioso] originado num ato fundamental de fé, independente da pressuposição racional’. De acordo com essa visão, ‘as declarações cristãs são matérias de fé cega e não podem ser conhecidas ou demonstradas verdadeiramente’. Fideísmo, como falamos, ‘é baseada sobre um salto de fé e uma negação de uma construção racional’. A fé fideísta é ‘exclusivamente determinada pelas emocoes’. A Encyclopedia of Philosophy diz-nos que fideísmo é ‘um tipo de irracionalismo’ onde a ‘verdade na religião é fundamentalmente baseada na fé ao invés da razão ou evidência’; declarações religiosas ‘não podem ser estabelecidas por provas’”(Cf. BANHSEN, Greg L. Van Til’s Apologetics – Readings and Analysis. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1998, p. 73.
20Para uma avaliação e exposição da garantia (warrant) para as Doutrinas Cristãs veja PLANTINGA, Alvin. Warrant Christian Belief. New York: Oxford University Press, 2000. Para avaliação do problema do significado, especialmente relacionado à Hermenêutica Bíblica, veja VANHOOZER, Kevin. Há um Significado neste Texto? Interpretação bíblica: os enfoques contemporâneos. São Paulo: Vida Acadêmica, 2005.
21JOHNSTON, Graham. Preaching to a Postmodern World – a guide to reaching twenty-first century listeners. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2001, p. 19.
22Expressão usada por Francis Schaeffer.
23Segundo Cornelius Van Til, a marca do “pensamento não-cristão” é uma “ dialética racionalista-irracionalista”. Porque a “unidade e pluralidade” são últimas no Deus Triúno, não existem “particulares puros”, nem “universais puros”.
24Para uma excelente defesa da necessidade da Apologética, veja a introdução do Dr. Edgar William em VAN TIL, Cornelius. Christian Apologetics. 2nd. Phillipsburg, NJ: P&B, 2003. Esta obra foi traduzida em publicada em português pela Editora Cultura Cristã com o título Apologética Cristã.
25GOUSMETT, Cristopher John. Introduction to a Christian worldview – a course in thinking Christianly about the whole of life. 1996, p. 20, 21. Disponível em:
27Expressão atribuída a Charles Spurgeon ao dizer que o “Evangelho é como um Leão que, para fazer o que lhe é natural, basta abrir a jaula”. Porém, esta era uma visão negativa da apologética.
28VAN TIL, Cornelius. Christian Apologetics. 2nd. Phillipsburg, NJ: P&B, 2003, p. 17.
29 BAHNSEN, idem, 2008, p. 4. (grifos no original)
30Ibdem.
31 Cf. GAFFIN, Richard B. Epistemological Reflections on 1 Corinthians 2:6–16. In: OLIPHINT, K. Scott; TIPTON, Lane G.(eds). Revelation and Reason: New Essays in Reformed Apologetics. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2007, p. 13 – 40.
32Cf. OLIPHINT, K. Scott. The Irrationality of Unbelief: An Exegetical Study. In: OLIPHINT, K. Scott; TIPTON, Lane G.(eds). Revelation and Reason: New Essays in Reformed Apologetics. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2007, p. 59 – 73.
33Ver a “parábola das duas cadeiras” de Francis Schaeffer.
34 VAN TIL, Cornelius. The Defense of Faith. 4th. Phillipsburg, NJ: P&B, 2008, p. 343.
35BAHNSEN, Greg L. Van Til’s Apologetics – Readings and Analysis. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1998, p. 144.
36Cf. PLANTINGA, Alvin. Warrant and Proper Fuction. New York: Oxford University Press, 1993.
38VAN TIL, Cornelius. The Defense of Faith. 4th. Phillipsburg, NJ: P&B, 2008, p. 75 – 78.
39 É interessante notar que a Serpente, na Tentação no Éden, ofereceu a possibilidade de nossos primeiros pais conhecerem a Natureza independente de Deus. Tem sido minha conclusão a partir do uso do verbo Wxßq.p.nI (niphal completo de xqp (abrir-se) e da preposição + infinitivo lyKiêf.h;l. (para dar entendimento).
40FRAME, idem., p. 188.
41“Um bom médico não prescreverá medicamentos de acordo com o diagnóstico que seu paciente faz de si mesmo. O paciente pode pensar que não precisa de nada mais do que um frasco de remédio, enquanto o médico sabe que uma operação imediata é requerida”(VAN TIL, Cornelius. VAN TIL, Cornelius. The Defense of Faith. 4th. Phillipsburg, NJ: P&B, 2008, p. 92.
42VAN TIL, Cornelius. Christian Theory of Knwoledge. Phillipsburg, NJ: P&B, 1996, p. 43.
43VAN TIL, Cornelius. Por que Creio em Deus. São Paulo: Ministério Refúgio, 2002, p.18.
44BAHNSEN, Greg L. Always Ready. Atlanta, Georgia/Texarkana, Arkansas: American Vision/Covenant Media Foudation, 1996, p. 55.
Tenho tentando compreender a teologia reformada, Mas vejo um obst culo que a meu ver torna intransponível um ponto por ela defendido:
O homem caído não pode, por seu próprio crit‚rio adotado, fazer uma verdadeira an lise de sua própria condição.
Como assim? O homem caído não raciocina? Porventura est privado da lucidez de suas faculdades mentais? Não distingue o que ‚ bom e errado? O bom e errado distinguido não ‚ senão o fruto de sua transgressão adquirida no pecado original, o qual lhe pode oferecer saber do bem quanto o que seja o mal?
Parte (2)
Como assim? O homem caído, do seu crit‚rio avaliativo, não pode fazer uma VERDADEIRA an lise de sua própria condição? E em qual analise senão falsificada ‚ feita? A consciência, então ‚ adquirida somente quando o Espirito Santo regenera nosso espírito morto? Nascemos e, sob processo gradativo de consciência, expressamos nossas razäes, desejos, sentimentos, relacionamentos e nos interagimos segundo o bem e mal distinguidos em nossa consciência.
Graça e Paz
No mundo pós-moderno o qual vivemos, precisamos de uma mensagem cristocêntrica. O mundo precisa ouvir que só Senhor Jesus que deve Adorado, Louvado, Reverenciado.
Obrigado.