O uso de catecismos na tradição batista

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Instrução na fé! Esse seria o nome que substitui o termo catequese. Marcadamente influenciada pelo fundamentalismo, parte da tradição batista rejeita a catequese por achar que tal prática vem do romanismo[1]. Na verdade, a máxima fundamentalista: “só a Bíblia, nenhum credo” está por detrás desta rejeição.

Em detrimento disto, a tradição batista, junto com outras tradições da reforma, crê que a confessionalidade da igreja é saudável.[2]

A Igreja Batista tem uma rica história confessional:

“A. As mais proeminentes confissões de fé, formadas antes do Ato de

Tolerância de 1689, são:

  1. A Confissão de John Smyth, escrita provavelmente em 1609.
  2. A Confissão de Thomas Helwys, escrita provavelmente em 1611.
  3. A primeira “Confissão de Fé” dos Batistas Particulares, conhecida como a “Primeira Confissão de Londres”, escrita em 1644 por sete igrejas com o propósito de se distinguirem dos Anabatistas e Batistas Gerais.
  4. A primeira “Confissão de Fé dos Batistas Gerais” publicada em 1651 por 30 igrejas em Leicestershire e Lincolnshire.
  5. A “Confissão de Somerset” publicada em 1656 por 16 congregações de Batistas Particulares.
  6. A “Confissão dos Batistas Gerais” assinada em 1660 por representantes de vinte mil Batistas do Reino com o propósito de convencer Carlos II de que os Batistas eram respeitadores da Lei.
  7. A “Segunda Confissão de Londres”, dos Batistas Particulares, escrita em 1677, com o propósito de mostrar a sua concordância com a “Confissão de Westminster” – dos Presbiterianos – em todos os pontos exceto o batismo. Representantes de 107 igrejas da Inglaterra e Gales assinaram aquela “Confissão”. “O Credo Ortodoxo”, escrito pelos Batistas Gerais em 1678, denunciavam as heresias de Roma.” [3]

As mais importantes confissões de fé batista são a Segunda Confissão Londrina de 1689 e a Confissão de fé de New Hampshire (1833).

No que tange ao uso dos catecismos, Benjamin Keach foi um dos assinantes originais da Confissão de Fé Batista de 1689 de Londres. O Catecismo de Keach[4] foi originalmente publicado em 1693 (embora elaborado em 1677 compliado também pelo presbítero William Collins) para esclarecer a teologia da Segunda Confissão de Fé Batista 1689:

“Questão 109 – O que é oração? Resposta: Oração é uma oferta de nossos desejos a Deus, por coisas que concordem com Sua vontade, em nome de Cristo, com confissão de nossos pecados e grato reconhecimento de Suas misericórdias. (1 João 5:14; 1 João 1:9; Filipenses. 4:6; Salmo. 10:17; 145:19; João 14:13, 14). Questão 110 – Que regra Deus deu para nosso direcionamento na oração? Resposta: Toda a palavra de Deus é útil para nos direcionar em oração, mas a regra especial de direção é aquela oração que Cristo ensinou a seus discípulos, comumente chamada de A Oração do Senhor (Mateus 6:9-13; 2 Timóteo. 3:16, 17)” [5]

Charles Spurgeon, considerado como o príncipe dos pregadores e Pastor do Tabernacúlo Metropolitano, foi um batista reformado e compilou o breve catecismo adaptando a eclesiologia batista, no prefácio ele escreve:

“Tenho certeza que o uso de um bom catecismo por nossas famílias será uma grande proteção contra os erros doutrinários que cada dia aumentam. Por isso, formei este catecismo usando outros da Assembléia de Westminster, para ser usado em minha igreja. Se for usado em casa ou classes deve ser explicado e as palavras cuidadosamente decoradas, pois serão melhor entendidas com o passar dos anos.

Que o Senhor abençoe meus amigos e suas famílias eternamente é a oração do seu pastor, C. H. Spurgeon.”[6]

74. Pergunta. Como o Batismo e a Ceia do Senhor se tornam úteis espiritualmente?

Resposta. O Batismo e a Ceia do Senhor se tornam úteis espiritualmente, não por causa de nenhuma virtude em si mesmos, nem em quem os administra (I Coríntios 3:7; I Pedro 3:21), mas só pela bênção de Cristo (I Coríntios 3:6) e obra do Espírito naqueles que os recebem pela fé (I Coríntios 12:13).

  1. Pergunta. O que é o Batismo?

Resposta. O Batismo é uma ordenança do Novo Testamento, instituído por Jesus Cristo (Mateus 28:19), para ser à pessoa batizada o símbolo de sua comunhão com Ele em sua morte, sepultamento e ressurreição (Romanos 6:3; Colossenses 2:12), de ser enxertado nEle (Gálatas 3:27), da remissão dos pecados (Marcos 1:4; Atos 22:16) e de sua entrega a Deus através de Jesus Cristo, para viver e andar em novidade de vida (Romanos 6:4-5).

  1. Pergunta. Quem pode ser batizado?

Resposta. Todos aqueles que realmente professam arrependimento (Atos 2:38; Mateus 3:6; Marcos 16:16; Atos 8:12, 36-37; Atos 10:47-48) para com Deus e fé em nosso Senhor Jesus Cristo e nenhum outro.

  1. Pergunta. Os filhinhos dos que se professam crentes devam serbatizados?

Resposta. Os filhinhos de tais crentes professos não devem ser batizados porque não há ordem nem exemplo nas Santas Escrituras para que sejam batizados (Êxodo 23:13; Provérbios 30:6).

  1. Pergunta. Como é o batismo administrado de modo correto?

Resposta. O batismo administrado de modo correto é pela imersão, isto é: o mergulho de todo o corpo da pessoa na água (Mateus 3:16), em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, de acordo com a instituição de Cristo e a prática dos apóstolos (Mateus 28:19-20), e não pela aspersão ou derramamento de água, ou mergulho de uma parte do corpo, segundo a tradição dos homens (João 4:1-2). 

  1. Pergunta. Qual é a obrigação daqueles que são corretamente batizados?

Resposta. É obrigação daqueles corretamente batizados, o se darem a uma igreja verdadeira de Jesus Cristo em particular (Atos 2:47; I Pedro 2:5), para que possam andar irrepreensíveis em todos os mandamentos e ordenanças do Senhor (Lucas 1:6).”[7]

Outros batistas também elaboraram catecismos como por exemplo o conhecido John Bunyan, autor do famoso livro alegórico “O Peregrino” escreveu um catecismo chamado “Instrução para ignorantes” para não convertidos em 1675. Os batistas da Philadélfia também publicaram catecismo assim como a associação Charlerston em 1813.

Em 1892, o teólogo John Broadus com John Dagg foram comissionados pelos  batistas do Sul para compilar um catecismo para a Escola Bíblia Dominical[8] e o famoso pastor contemporâneo recém aposentado, John Piper também produz uma versão adaptada do catecismo batista.[9][10] No Brasil, O pastor Wilson Porte Jr escreveu um livro chamado “Um guia de discipulado cristão” não da forma tradicional em perguntas e respostas mas contendo recursos para a resposta do aluno.

Como escrito neste artigo, a tradição batista confessional deve resgatar a chamada arte perdida da catequese para solidificação dos crentes e instrução daqueles não-convertidos que estão chegando à igreja e há material disponível para auxiliar os pastores e líderes na aplicação da mesma na igreja contemporânea.[11]

Uma sugestão ou direção em nível prático é utilizar algum catecismo na classe de membresia para o ingresso de novos membros, seja neófitos (novos convertidos) ou transferência comunitária e eclesiástica de cristãos confessantes, a igreja local vai se beneficiar do nivelamento doutrinário e confessional.

Caso o pastor ou a igreja manifeste alguma dificuldade com o termo “catequese”[12], uma opção já sugerida por mim a um pastor local é utilizar o termo “Manual de instrução da fé.” (Como já escrito no primeiro parágrafo). Pode evitar o embate, caso haja dificuldade com o termo catecismo, e mesmo assim, o efeito benéfico, salutar e edificante ser experimentado pela igreja.

Certamente, a igreja colherá os frutos com a graça de Deus.

__________________

[1] Há outras razões para tal fenômeno envolvendo não só a tradição batista, mas o evangelicalismo como um todo. Um dos fatores foi a ênfase moralista dada as narrativas bíblicas no movimento moderno de Escola Bíblica Dominical, cf. PACKER, J. I, PARRETT, Gary A. Firmados no Evangelho: Edificando crentes a moda antiga. São Paulo: Cultura Cristã, 2012 e http://voltemosaoevangelho.com/blog/2015/10/o-evangelho-a-catequese-e-a-renovacao-da-igreja/

[2] http://voltemosaoevangelho.com/blog/2015/09/a-importancia-de-credos-e-confissoes/

[3] FERREIRA, Franklin. História dos Batistas. Rio de Janeiro: STBSB, 2004. P 10. Apostila, material não

publicado.

[4] http://oestandartedecristo.com/data/OCatecismodeWilliamCollinseBenjaminKeach.pdf

[5] www.koinonia.org – Acesso em 02/08/2006.

[6] SPURGEON, C. H. Catecismo Puritano (Batista) com provas.

www.monergismo.com/catecismos/catecismo_puritano. Acesso em 02/06/2006. Publicado depois de 14 de outubro de 1855, quando Spurgeon estava com 21 anos. Em 14 de outubro, Spurgeon, pregou seu sermão número 46 as pessoas que se juntaram para ouvi-lo na New Park Street Chapel. Quando o sermão foi publicado conteve um anúncio deste catecismo. O texto daquela manhã era: “Senhor, tu tens sido nosso refúgio de geração a geração” (Salmos 90:1).

[7] Ibid.

[8] SELPH, Robert B. Os Batistas e a doutrina da eleição. São José dos Campos, SP : Fiel, 2005. P 50.

[9] http://www.reformedreader.org/ccc/bcat.htm

[10] http://www.reformedreader.org/ccc/baptistcatechism.htm

[11] Para aplicação da catequese na igreja atual cf. PACKER J. I, PARRETT Gary A. Op Cit. Para aplicação em diversas áreas (familiar, jovens, cristãos no trabalho) junto com a origem da catequese, filosofia educacional e histórico ver SIQUEIRA, Juan de Paula Santos. O ministério pastoral e a catequese nas igrejas confessionais. In. FERREIRA, Franklin (Org.) A glória da Graça de Deus: Ensaios em honra a J. Richard Denham Jr. São José dos Campos: Editora Fiel, 2010.

[12] Esse fenômeno pode acontecer por uma indisposição anti-romanista, aplicando-se a prática da catequese. Para a origem e desenvolvimento do uso de catecismos, além do artigo já citado, publicado pela Editora Fiel, segue outro artigo de minha autoria onde exploro mais a origem do catecismo. https://teologiabrasileira.com.br/ecoar-as-escrituras-aos-ouvintes-da-palavra-pioneirismo-e-desenvolvimento-da-catequese-e-dos-catecismos-na-reforma-evangelica-europeia-do-seculo-xvi/

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