O servo sofredor em Isaías 52.13-53.12

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Introdução
Um estudioso alemão chamado Bernhard Duhm, em seu comentário do livro de Isaías publicado em 1892,1 identificou quatro cânticos em Isaías 40-55, que similarmente apresentam um personagem conhecido como “o Servo do Senhor”:

1º cântico: 42.1-7;
2º cântico: 49.1-9;
3º cântico: 50.4-9;
4º cântico: 52.13-53.12.

Certamente o quarto cântico (Is 52.13-53.12) é o mais conhecido para os cristãos. Isso porque este texto isaiano descreve o sofrimento, a morte e a exaltação do Servo de Javé, e o NT reconhecidamente identifica este Servo com o Messias prometido pelos profetas do AT (At 8.32-33; cf. Mt 8.17; Lc 22.37; 1Pe 2.24). Não é sem razão, pois, que o personagem apresentado no quarto cântico é comumente chamado de “Servo Sofredor”.

Porém, a questão da identificação do Servo de Javé tem sido bastante disputada entre os comentaristas de Isaías. Por essa razão, o presente artigo primeiramente apresentará as várias opiniões sobre a identidade do Servo, para depois analisar exegeticamente o quarto cântico do Servo. O objetivo deste artigo é mostrar que a leitura cristã não é fruto de uma exegese descuidada do texto isaiano. Na verdade, uma análise das palavras hebraicas deste quarto cântico revela que o texto de Isaías realmente apontava para o Gólgota e para o túmulo vazio.

Interpretações
A identificação do Servo do Senhor tem sido objeto de muito debate na pesquisa bíblica. Três interpretações podem ser destacadas:2

1ª – A interpretação coletiva. O servo seria Israel, como povo ou comunidade que sofrera o exílio babilônico (cf. 41.8-9; 49.3). Muitos intérpretes que aderem essa perspectiva creem que, nesse quarto cântico, o sofrimento do Servo-Israel é vigário; Israel teria se oferecido como sacrifício de expiação pelos pecados das nações. A identificação do Servo com Israel fundamenta-se principalmente em Isaías 49.3: “Tu és meu servo, és Israel.” O problema para esta interpretação é muito simples: em 49.5, o Servo nitidamente distinguiu-se de Israel. Por isso, 49.3 não alude ao “Israel nacional, posto que no versículo 5 o Servo tem uma missão a Israel. O Servo Messiânico é o Israel ideal através de quem o Senhor será glorificado.”3  Além disto, de acordo com teologia dos profetas clássicos, os exílios sofridos por Israel (tribos do Norte) e Judá (Sul) foram resultado dos seus pecados contra a palavra de Javé (Os 8.13-14; Is 1.21-31; etc.). Dificilmente algum profeta diria que “Israel” apresentava a perfeição necessária e requerida à vítima do sacrifício expiatório. “Israel” não tinha condições para expiar a culpa das nações, porque ele mesmo era culpado e o seu pecado precisa ser expiado.

2ª – A interpretação individual.
Essa interpretação subdivide-se em pelo menos três ramificações: a) O servo seria um personagem escatológico-messiânico; b) O servo representaria algum personagem importante (Moisés, Joaquim, Jeremias ou Zorobabel); c) o servo seria o próprio profeta, o “Deutero-Isaías” (cf. 43.10; 44.26; 50.10; 59.21).

3ª – A interpretação complexiva que une a interpretação coletiva e a individual.
Segundo esta interpretação, houve uma evolução conceitual no Deutero-Isaías: teria passado da interpretação do Servo como Israel para a transferência do sofrimento e da morte vigária de um indivíduo (H. H. Rowley). Para outros intérpretes, o profeta teria associado as dores do Servo aos sofrimentos dos exilados na Babilônia, entretanto, mesmo fazendo essa associação, o quarto cântico anuncia que um personagem futuro reviveria a história trágica dos exilados; tratar-se-ia de uma figura escatológica a ser revelada no futuro do profeta.4

Atualmente a interpretação individual é a mais aceita entre os estudiosos. Citemos algumas evidências que apoiam-na:

1ª – No segundo e no terceiro cânticos o discurso está na primeira pessoa do singular. O Servo fala de suas dúvidas e crises interiores, tal qual Jeremias (Is 49.1-6; 50.4-9).

2ª – Em 42.1-7, o Servo refere-se a sua responsabilidade de pregador, e expõe a sua autocompreensão de profeta. Nessa linha de pensamento, muitos intérpretes identificam o Servo com o profeta Isaías.5  Richard E. Averbeck admite que, em dois dos cânticos, o profeta Isaías se identifica com o Servo (Is 49.1-6; 50.4-6), no entanto, no quarto cântico, o Servo distingue-se do profeta, e, no contexto de Isaías 40-66 (texto que o profeta Isaías, no século 8 a.C., visionariamente propõe restauração para os judeus exilados na Babilônia no século 6 a.C.), ele apresenta-se como Aquele que trará Israel à terra prometida.6

Para muitos estudiosos, o Servo seria uma alusão a Ciro, um tipo do Messias escatológico (cf. 42.5-7; 44.28; 45.1-7, 12-13). Em Isaías 44.28, Ciro é chamado de “ungido”, literalmente “messias”. No entanto, uma observação de Isaltino Gomes parece-nos pertinente: “A função do Servo extrapolaria a de recondução dos exilados. Teria uma dimensão soteriológica, isto é, com um significado de salvação. Ver o cumprimento desta dimensão em Ciro é, sem dúvida, fora de sentido. É restringir o texto no tempo, no espaço e na pessoa.” 7

É preciso reconhecer que, no livro de Isaías, o termo hebraico ‘ebed, “servo”, é aplicado a vários personagens:8 aos “servos do rei” (Is 37.5,24); àqueles que adoram a Javé (Is 22.20; 56.6; 63.17); aos profetas como porta-vozes de Deus (44.26); a Isaías (20.3); a Davi (37.35). Além disto, Israel também é apresentado como um servo através do qual o plano redentor de Javé é executado (Is 41.8-9; 43.10; 44.1, 2, 21; 45.4). Nos quatro cânticos do Servo (especialmente no quarto, que é objeto de análise do presente artigo), por sua vez, o termo ‘ebed não pode ser aplicado nem para algum personagem do AT nem para Israel.9  Na verdade, como o presente artigo demonstrará nas páginas subsequentes, o quarto cântico (Is 52.13-53.12) descreve o “Servo do Senhor” realizando uma obra que nenhum outro personagem do AT realizou.

É oportuno notar que a comunidade de Qumram relacionava o Servo a um personagem que futuramente seria levantado por Javé. Os qumranitas aguardavam um Messias que não somente sofreria e seria humilhado, mas também seria exaltado e glorificado. É o que se lê em um hino que está entre os rolos descobertos no Mar Morto:

[Quem] foi desprezado como [eu? E quem] foi rejeitado [pelos homens] como eu? Quem, como eu, suportou todas as aflições? Quem se compara a mim na resistência do mal? […] Quem foi considerado desprezível como eu e, no entanto, quem é igual a mim em minha glória?10

Ao que parece, quando os autores do NT aplicaram o texto isaiano a Cristo, eles demonstraram que as expectativas que os qumranitas alimentavam em relação ao Messias começaram a se cumprir na Pessoa de Jesus de Nazaré.

Mas será que Isaías 52.13-53.12 realmente apresenta a expectativa de que o Servo de Javé seria um personagem messiânico, que futuramente seria levantado por Javé para resgatar o seu povo dos seus pecados? Será que os autores do NT, ao aplicarem o quarto cântico a Cristo, não estariam promovendo uma reinterpretação cristã desconectada do sentido original do texto de Isaías? Propomos então uma análise do texto isaiano para averiguar essas questões.

Análise exegética
Os capítulos de Isaías 40-55 apresentam uma palavra de consolo e esperança para o povo de Deus. Essa parte do livro de Isaías pode ser resumida em 40.1: “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus”. Do ponto de vista teológico, Deus apresenta-se como Salvador e Resgatador de Israel (Is 43.1,14; 52.3,9). Em Isaías 51.1 a 52.12, texto que precede o quarto cântico (52.13-53.12), lemos palavras de consolo para a Sião que foi assolada por nações ímpias. Contudo, em 52.13-53.12, Deus não esmaga essas nações que destruíram Judá, mas esmaga o seu próprio Servo, para através Dele propor salvação para todos os transgressores. Portanto, Isaías 52.13-53.12 descreve como Deus iria efetuar a salvação prometida não somente em Isaías 51.1 a 52.12, mas em todos os capítulos de Isaías 40-55. 

Quanto à estrutura, Isaías 52.13-53.12 é composto por três estrofes, cada qual enfocando um tema relacionado ao Servo:

1ª – 52.13-15: a exaltação do Servo
2ª – 53.1-3: a rejeição do Servo
3ª – 53.4-6: a morte vigária do Servo
4ª – 53.7-9: a submissão do Servo
5ª – 53.10-12: o triunfo do Servo

Propomos agora uma exegese em cada uma dessas estrofes.

52.13-15: A exaltação do Servo
Esta estrofe descreve a fala de Deus:

52.13Eis que o meu Servo prosperará;11
será exaltado e elevado e será mui sublime.

14Como pasmaram muitos à vista dele,12 pois uma desfiguração13  humana era o seu aspecto, e a sua forma, daquela dos filhos da humanidade,

15assim espantará14  muitas nações,
por causa dele os reis fecharão a sua boca;
porque aquilo que não lhes foi anunciado verão,
e aquilo que não ouviram entenderão.

No v.13a, o verbo “prosperará” é a tradução de sakal hifil imperfeito “olhar para discernir”, “dar atenção a”, “ponderar”, “considerar”, “ser prudente”; “prosperar”, “ter sucesso”. Há uma questão que precisa ser respondida: este verbo, aqui, apresenta o sentido de “ser prudente” ou de “ter sucesso”? A forma verbal sakal nos textos sapienciais significa “agir com prudência”, mas, nos textos que não pertencem à literatura sapiencial (como Is 52-13-53.12), normalmente a raiz skl refere-se a uma pessoa de “sucesso”.15  No caso de Isaías 52.13, sakal refere-se à “prudência”, mas o enfoque do texto está no sucesso resultante da obediência a Javé. Esse mesmo sentido de sakal também é apresentado em Josué 1.7, 8.

O v.13b apresenta três ações verbais: 1) “será exaltado”, qal imperfeito rum “ser elevado”, “ser exaltado”. Trata-se de uma exaltação depois da humilhação. 2) “elevado” é a tradução de nasa’ nifal waw consecutivo perfeito “ser levantado”, “ser exaltado”. Refere-se a uma exaltação contínua. 3) “e será mui sublime” provém da raiz verbal gabah qal waw consecutivo perfeito “ser sublime”, “ser alto”, seguido pelo particípio adverbial me’od “extremamente”, “muito”.  Essa expressão destaca a posição de honra, adquirida pelo Servo de Javé.

Em outros textos de Isaías, essas três formas verbais (rum, nasa’ e gabah) descrevem a glória de Deus:16

Isaías 5.16: “Mas o Senhor dos Exércitos é sublime (gabah) em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça”.

Isaías 6.1: “….eu vi o Senhor assentado sobre um alto (rum) e sublime (nasa’ ) trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo”.

Isaías 33.10: “Agora, me levantarei, diz o Senhor; levantar-me-ei (nasa’) a mim mesmo; agora, serei exaltado (ramam )”.17

Isaías 57.15: “Porque assim diz o Alto (rum), o Sublime (nasa’), que habita a eternidade (…)”.

A conclusão é óbvia: o Servo é equiparado a Javé. Trata-se de um personagem divino. Portanto, não pode ser identificado com Isaías ou com outro profeta do AT. Ele não é somente homem. É Deus, também. Valhamos do comentário de Ridderbos, sobre Isaías 52.13: “Com boas razões, alguns intérpretes fazem com que estas palavras lembrem a ressurreição, ascensão, entronização de Cristo à mão direita do Pai”.18  Assim, o texto isaiano é uma antecipação de Filipenses 2.5-11.

No v.14, o profeta começa a descrever a humilhação do Servo. O verbo “pasmaram” é a tradução de shamem qal perfeito “estar desolado”, “estar aterrorizado”, “atordoar”, “estupefazer”. A raiz aponta para uma “desolação resultante de uma catástrofe, mas também pode significar “horror” e “estarrecimento”, que são “reações provocadas pela visão da desolação”19  (cf. Dt 28.37; 2Rs 22.19). O pasmo é provocado nas pessoas que veem as atrocidades cometidas contra o Servo de Javé. “desfiguração (da face)” é uma “esfiguração humana” (hebraico mixhat me’ix). O Servo estava totalmente desfigurado. Não parecia mais homem. Isso causa espanto e pasmo naquelas pessoas que olham para Ele.

O v.15 descreve a atitude das “nações” e dos “reis” diante do Servo. O verbo “espantará” é o hebraico nazah hifil imperfeito “fazer saltar”, “assustar”, e poderia ser traduzido como “causará admiração”. De acordo com Oswalt, trata-se de nazah II “espanto”.20  Há duas interpretações possíveis para esse verbo. Primeira: as nações e os reis estão espantados por causa da exaltação do Servo. Não entendem como alguém que apresenta uma face inumana (“desfiguração humana”, v.14), agora é exaltado à categoria de monarca. Por isso, as nações estão surpresas e admiram o Servo. Os reis fecham a boca, em sinal de temor (Jó 29.9-10, 21ss), pois “aquilo que lhes foi anunciado verão”; “isto é, o que agora eles veem com seus olhos ultrapassa qualquer coisa que já ouviram”.21 Uma segunda interpretação defende que o v.15 está totalmente voltado para a humilhação do Servo. É justamente essa humilhação que causa espanto nas nações e nos reis. “As perseguições que o Servo sofrerá com grande paciência (53.7) são um escândalo para os espectadores (52.14-15; 53.2-3, 7-9)…”.22  “Nesta redação, os gentios acharão chocante a humilhação do Libertador, visto que jamais ouviram antes que é por meio da perda de todas as coisas que o Salvador conquistará todas as coisas.”23

Na verdade as duas interpretações podem ser relacionadas. De acordo com o v.13, o Servo é equiparado a Javé. É exaltado. Mas no v.14, ele está desfigurado por causa do seu sofrimento. Então, o que causa espanto nas nações e nos reis é o fato do Servo exaltado ser humilhado. Trata-se de um monarca humilhado. Qualquer rei, diante dessa cena, ficaria estupefato. Pois o Servo, que é Deus, apresenta a face desfigurada por causa do sofrimento. Isto é inconcebível aos olhos humanos, principalmente aos olhos dos reis. Por isso, o profeta levanta uma questão em 53.1: “Quem creu naquilo que ouvimos?”. O personagen apresentado aqui se encaixa perfeitamente na figura do Cristo crucificado. A mensagem da cruz foi rejeitada pelos judaizantes do primeiro século, que esperavam um Messias que se apresentaria como Rei poderoso, um guerreiro heroi, que libertaria Israel do jugo do império romano. A mensagem do Evangelho, que apresentava o Messias crucificado e humilhado, era inaceitável para eles (Is 53.1; veja Rm 10.16; Jo 12.38;). A mensagem da cruz é loucura para os que se perdem (1Co 1.18)!

53.1-3: A rejeição do Servo

Não existe unanimidade entre os comentaristas sobre a identificação do pronome “nós”, em Isaías 53.1. Seriam as “nações/reis” como representantes dos gentios (52.15)? Seria o profeta como representante da comunidade de Israel? Possivelmente o pronome seja uma referência à comunidade de Israel, no caso, o remanescente fiel que crê no Servo de Javé.

53.1Quem creu naquilo que ouvimos24?
E a quem foi revelado o braço de Javé?

2Porque foi subindo como renovo25 perante ele 26
e como raiz de uma terra seca;
não tinha aparência nem formosura,
e quando olhamos para ele, nenhuma beleza havia para que o desejássemos.

3Era desprezado e rejeitado pelos homens;
homem de dores e que conhece27  o sofrimento28;
e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado29, e dele não fizemos caso.

No v.1, nota-se a forma verbal xemu‘atenu particípio qal “ouvimos”, “aquilo que foi ouvido de/por nós”30. O substantivo xemu‘ah significa “notícia”, “nova”. Mas essa mensagem seria recebida com incredulidade (cf. Jo 12.38; Rm 10.16). Na verdade, o que é rejeitado e considerado como inconcebível pelos incrédulos é a exaltação do Servo na primeira estrofe (52.13-15) quando comparada com seu sofrimento descrito nos versos seguintes.31

O “braço de Javé” expressa a ação salvífica de Deus para Israel. Considerando a total incapacidade de Israel para salvar-se a si mesmo, Javé faria isso por meio de seu poderoso “braço” (40.10; 48.14; 51.5; 52.10).  Mas essa ação poderosa de Deus só pode se “revelar” (hebraico galah “descobrir”, “remover”) mediante a humilhação do Servo. O poder de Deus se manifesta na fraqueza!

O v.2a refere-se às origens humildades do Servo. A palavra yoneq “renovo” significa “criança de peito” ou “árvore nova”. Este último sentido é mais plausível, pois aqui está relacionado com xorex “raiz” (de árvore).  O Servo está “subindo” (‘alah qal waw consecutivo perfeito “subir”, “ascender”), aparecendo a partir de um tronco fincado em “terra seca”.

O Servo “não tinha aparência nem formosura” (v.2b). Nada de atrativo. Claus Westermann comenta que no AT a boa aparência e a beleza física normalmente estão associadas à bênção de Javé, como se lê nas narrativas que apresentam José e Davi (Gn 39.6b; 1Sm 16.18); o Servo, porém, não tinha esses requisitos, o que poderia levar o seus observadores a dizerem que Ele não tinha a bênção de Javé.33

Será que Aquele nazareno, pobre carpinteiro, desprezado por seus familiares e por seu próprio povo, poderia mudar a história da humanidade? Seria Ele o Messias? Seria possível um profeta ser levantado da Galileia (Jo 7.52)? Um homem crucificado. Que poder há nisso? Entretanto, essa é a imagem apresentada no v.2: um renovo que surge em meio à sequidão. É a vida surgindo na “terra seca”, onde reina morte.

Mas os “homens” (v.3a) rejeitam as aparências humildes do Servo. Afinal, eles se atêm às aparências humanas, e desprezam o poder de Javé que seria manifesto a partir de um humilde troco de árvore fincado em terra seca. 

O v.3b apresenta duas descrições do Servo: “homem de dores e que sabe o que é padecer”. Na primeira, o Servo é ’ix mak’obot, “homem de dores”. A palavra mak’obot “dores” refere-se ao sofrimento físico e mental. Na segunda descrição, a forma verbal apresenta variantes textuais. O Texto Massorético apresenta widua‘ qal particípio passivo “e foi conhecido”. Seguimos a proposta da BHS/Biblia Hebraica Stuttgartensia: possivelmente trata-se de weyode‘a qal particípio ativo “e que sabe”, apresentado nos rolos de Qumran. De qualquer modo, a raiz verbal yada‘ “saber/conhecer” é utilizada com o sentido de “saber por experiência”. No caso, o Servo sabe por experiência o que é o “sofrimento. O substantivo hebraico holi normalmente é traduzido como “doença”, mas apresenta o sentido de “sofrimento”34.  Em alguns casos o significado da raiz hlh é de fragilidade decorrente de ferimentos físicos.35

Por fim, o v.3c descreve a rejeição do Servo. Ele não desperta nenhum interesse nos seus expectadores: “e dele não fizemos caso”.

O sentido geral do v.3 foi muito bem compreendido por Oswalt: “Ele [Servo] não é um dos vencedores; ele é um dos perdedores…Ele é um homem de dores e enfermidades; o que pode ele fazer pelo restante de nós?”.36

53.4-6: A morte vigária do Servo
Os v.3-6 descrevem a morte substitutiva do Servo. O texto apresenta a primeira pessoa do plural (“nós”). É a comunidade que fala, como em 53.1-3. O Servo foi castigado no lugar das pessoas dessa comunidade.

4Certamente, ele carregou os nossos sofrimentos37
e as nossas dores ele38  levou;
e o reputávamos como machucado, ferido por Deus e oprimido.

5Mas ele foi traspassado39  pelas nossas transgressões
e moído pelas nossas iniquidades;
o castigo que nos traz a paz estava sobre ele,40
e suas feridas foram cura para nós.41

6Todos nós, como ovelhas, andávamos desgarrados;
cada um se desviava pelo seu caminho,

mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós.

No v.4, a linguagem das duas primeiras frases aproxima-se da segunda frase do v.3 (“homem de dores e que conhece o sofrimento”). Novamente o profeta emprega os termos mak’obot “dores” e holi “sofrimento”, “doença”. Como já foi observado na análise do v.3, o termo holi não somente refere-se aos males físicos relacionados à doença, mas abrange todo tipo de sofrimento humano. mak’obot “dores” inclui sofrimentos físicos e mentais. Portanto, o Servo não sofre de alguma doença infectocontagiosa. O texto simplesmente realça sua dor e o seu sofrimento, tanto no âmbito emocional como no físico.  A análise dos verbos utilizados aqui revela que a morte do Servo seria vigária.  O verbo nasa’ “carregar” (“levantar”, “erguer”, “tomar”) apresenta o sentido da morte substitutiva do Servo. O mesmo verbo é empregado em Levítico16.22 em referência ao bode vivo, que, no “dia da expiação” (yom kippur), carregava sobre si as “iniquidades” de Israel, e as levava para o deserto: “aquele bode levará (nasa’) sobre si todas as iniquidades deles para terra solitária”.  O verbo sabal “carregar” apresenta o sentido de “carregar uma carga”, “arrastar-se”. No caso, era o ‘fardo’ do sofrimento da comunidade que pesava sobre o Servo. Ele “tomou sobre si” e “levou sobre si”; “consequentemente, carregou-o vicariamente como alguém que toma um fardo pesado do ombro de outrem e o carrega para aquela pessoa”.42

A última frase do v.4 continua a descrever o sofrimento do Servo. Ele é considerado pela comunidade como “machucado”, tradução de naga‘qal particípio “tocar”, “alcançar”, “bater”. A expressão seguinte o descreve como “ferido por Deus e oprimido”. O primeiro verbo, nakah hofal particípio “ser ferido”, “ser golpeado”, apresenta “Deus” como sujeito da ação. O segundo verbo, ‘anah poal particípio, pode ser traduzido como “ser oprimido”, “ser afligido”, “ser humilhado”, e, à semelhança do verbo anterior, a ação apresentada por ele é praticada por “Deus”. Quer dizer, não são homens que levam o Servo ao sofrimento, mas o próprio Deus. O plano não é humano; é divino.

Se no v.4 o Servo carrega sobre Si o sofrimento da comunidade, o v.5 explicitará que sua morte substitutiva não ocorre somente para suportar as dores do seu povo, mas, principalmente, para proporcionar o perdão dos pecados para ele. No TM/Texto Massorético, a forma verbal meholal “foi transpassado” é o poal particípio de halal “profanar”. Segundo a BHS, provavelmente trata-se de mehullal “profanado”, corroborado por Aquila e pelo Targum. No poal, grau em que se encontra o verbo hebraico, o sentido é de “ser ferido” (Strong’s Hebrew), e a raiz halal alude ao perfurar do corpo com um instrumento afiado (Is 51.9; Sl 109.22).43  Trata-se, pois, de uma morte violenta (Is 22.2; 66.16), resultante de uma perfuração. É impossível não identificar aqui aquilo que é descrito por Mateus 27.35: “Depois de o crucificarem, repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte.” O verbo grego utilizado por Mateus para “crucificar” é stauroo, que significa “fixar” ou “fincar com estacas”. A palavra “cruz” literalmente significa “estaca”, porque originalmente, no antigo Israel, era uma estaca usada em fortificações, e depois passou a ser usada como instrumento de tortura e morte. Num período posterior, possivelmente na época dos romanos, adicionou-se uma travessa horizontal (patibulum), na qual a pessoa era amarrada ou cravada. Notadamente o texto isaiano já antevia a crucificação do Messias, exatamente nos termos em que é descrita no NT.

Na sequência, o verbo “moído” é a tradução do hebraico dakah pual particípio “ser esmagada”, “ser despedaçado”. A razão de tamanha violência são as “iniquidades” da comunidade. O hebraico ‘awon “iniquidade” apresenta o sentido de “perversidade”, “depravação”. Já o termo pesha’ “transgressão”, na primeira frase do v.5, enfatiza a rebelião contra a autoridade de Deus.44

Os termos “transpassado” e “moído”, juntos, descrevem a terrível violência de Deus contra o Seu Servo. Afinal, é assim que Deus trata o pecado: com morte violenta. Nota-se aqui a seriedade da rebelião contra Deus. Não há outro jeito de lidar com o pecado, senão através da morte que é o salário do pecado. Assim, a morte violenta do Servo sinaliza a seriedade do pecado.

É importante também notar que os antigos israelitas acreditavam que todo sofrimento é resultado do pecado (veja a história de Jó; também Jo 9.2). Segundo esse ponto de vista, muitos achavam que o Servo estava sendo castigado por Deus por causa de algum pecado por ele cometido, quando, na verdade, estava sofrendo por causa das nossas transgressões.45

O final do v.5 ressalta que a morte do Servo trouxe “paz” para a comunidade: musar xelomenu ‘alayw “o castigo que nos traz a paz estava sobre ele”, literalmente “o castigo da nossa paz”. No hebraico trata-se de um genitivo que indica propósito: a punição sobre o Servo apresenta o propósito de trazer a “nossa paz”, implicando que a paz com Deus foi obtida mediante a morte do Servo que sofreu a justa punição requerida pelo próprio Deus.46  O termo musar “castigo” evoca a “disciplina” de um pai aplicada ao filho (Jó 5.17; Pv 22.15; 23.13).  A “paz”, xalom, é o bem-estar resultante de relações pessoais equilibradas e saudáveis. Quando o filho se rebela, o pai é ofendido, e o xalom/”bem-estar” é rompido; somente o “castigo/disciplina” pode satisfazer a justiça e restabelecer o xalom.47  Assim também, Deus não poderia se relacionar com o homem, até que sua justiça fosse satisfeita. Foi justamente a obra de Cristo que tornou possível a paz entre Deus e o homem (Rm 5.1).

A última frase do v.5 afirma que “suas feridas foram cura para nós”. O verbo rapa’ “curar” não se refere somente à cura física. Isaltino Gomes afirma que, em Isaías 6.10, o verbo está relacionado com a conversão, e em 1Pedro 2.24 “este texto é aplicado à obra de Jesus e a questão de ser sarado está ligado a ser salvo… ‘Sarar’ ou ‘curar’ é mais amplo que não ter doenças. É ter a maior de todas as curas, a saúde de relacionar-se bem com Deus.”48  Em Isaías 19.22, o mesmo verbo também está relacionado com a conversão. Portanto, é possível afirmar que rapa’ alude tanto à cura física quanto à espiritual, indicando a restauração holística do ser humano, que, aliás, é um conceito soteriológico muito importante no Antigo Testamento.49

As duas primeiras frases do v.6 ilustram a rebelião do pecado humano. Aqueles que cometem “iniquidade” (hebr. ‘awon) são como ovelhas desgarradas. Na segunda frase, a palavra ledarko pode ser traduzida como “pelo seu caminho” ou “para o seu caminho”. O termo derek “caminho” está prefixado com a preposição le, “para”, “em direção a”, e sufixado com o pronome na terceira pessoa “seu”, “dele’. Ou sentido da frase é: “cada um queria seguir o seu próprio caminho”. Aqui está o cerne do pecado. É o egoísmo. É a busca pela realização pessoal elaborada a partir de uma vida que trilha seus próprios caminhos independentemente da vontade de Deus. É a rebelião contra Deus em nome da realização de sonhos pessoais.

A última frase do v.6, à semelhança do v.5, descreve a morte vigária do Servo. Mas há um enfoque especial nela: “mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós”. A morte do Servo efetiva a expiação da “iniquidade de todos nós”. A palavra hebraica kullanu “todos nós” ocorre no início do v.6 e no seu final. É a primeira e a última palavra do verso. No início, todos se rebelam contra Deus. No final, todos são perdoados pela morte do Servo. Então, todos pecaram, mas o perdão alcançado pela morte do Servo está disponível para todos. É preciso explicar, contudo, que o “todos”, no contexto do quarto Cântico do Servo, são o conjunto de pessoas que compõem a comunidade de Javé.

Nossa análise dos v.4-6 constatou que o “servo” mencionado nesses versos de modo algum pode ser aplicado a Israel. O povo de Israel e o de Judá sofreram merecidamente os exílios. Pecaram. Diferente de Israel, o Servo era inocente. O Servo enfrenta o sofrimento cruel por causa dos pecados dos outros.

53.7-9: A submissão do Servo
Os v.7-9 focalizam a morte voluntária do Servo. Apesar das humilhações sofridas, o Servo seria honrado por Javé. 

7Foi oprimido,50 mas livremente ele se humilhou,51 e não abriu a boca;
como cordeiro foi levado ao matadouro;
e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores,
não abriu a boca.52

8Depois do aprisionamento e do julgamento, foi arrebatado,53
e de sua linhagem, quem dela cogitou?
Porquanto foi cortado da terra dos viventes;
por causa da transgressão do meu povo,54, 55 foi ferido.56

9Designaram57  a sua sepultura com os ímpios,
mas com o rico58  esteve na sua morte,59
ainda que não praticasse violência,
e nem engano se achasse em sua boca.

O v.7 descreve a morte submissa do Servo, que, como um “cordeiro” conduzido ao “matadouro”, “não abriu a boca”. O termo “oprimido” é a tradução da forma verbal niggas, nifal perfeito de nagas, “ser duramente pressionado”. Apresenta o sentido de ser “maltrato” (BJ). A mesma forma verbal é empregada em Êxodo 3.7, referindo-se à opressão dos egípcios sobre os israelitas. “Não era apenas uma coerção ou uma leve angústia emocional. Denota uma situação real, concreta, de sofrimento pesado.”60 A sentença seguinte inicia-se pela partícula adversativa “mas61 ele livremente se humilhou”. Enfatiza-se assim que o maltrato sofrido é voluntário. No texto hebraico, o sujeito da ação verbal é o pronome independente terceira pessoa masculina hu’, “ele”, que precede o nifal partícipio ‘anah “ser humilhado”, “ser afligido”. Normalmente a língua hebraica não utiliza o pronome pessoal antes das formas verbais. Quando utiliza, é porque focaliza o sujeito da ação. No caso, o pronome aqui em Isaías 53.7 enfatiza a voluntariedade do Servo; ou seja, se sofreu, é porque “ele livremente se humilhou”.  A terceira sentença, por sua vez, descreve o silêncio do Servo: “e não abriu a boca”.

É difícil não identificar aqui o Servo apresentado na nova aliança. As páginas do NT apresentam tanto a submissão (Lc 9.51) como o silêncio (Mt 27.11, 14) do Servo. O seu silêncio evidencia sua submissão. Cristo entregou-se voluntariamente. É verdade que Ele foi condenado à cruz por meio de um julgamento injusto e calunioso (Mt 26.59-61; Lc 23.2-4, 13-16). Contudo, não foram essas coisas que levaram Jesus à morte. Ele morreu porque se entregou a si mesmo (cf. 1Pe 2.23). Alguém já disse que não foi o ódio dos judeus que matou Jesus, nem o poder dos romanos. Foi Deus, o Pai, que entregou o Filho, e este voluntariamente se entregou como oferta pelos nossos pecados.

Na primeira frase do v.8, é difícil saber o sentido da preposição min “de”, prefixada no substantivo ‘oser “aprisionamento”. Neste texto, ela pode apresentar três sentidos: o sentido separativo (o Servo foi arrebatado/ “separado da terra”[grifo nosso]62 /libertado da opressão e do juízo – ou seja, foi liberto da morte e levado ao céu pela ressurreição, após sua morte), o sentido causativo (Servo foi libertado por causa dessas coisas) ou sentido temporal (o Servo foi libertado depois dessas coisas). Possivelmente o texto indica a prisão e o julgamento seguidos da prisão. A tradução da Bíblia de Jerusalém apoia essa interpretação: “Após detenção e julgamento, foi preso”. O termo ‘oser “aprisionamento” também apresenta o sentido de sofrimento ou angústia,63 sugerindo um aprisionamento acompanhado de torturas; o significado de ‘oser é “restrição”, “coerção” (Strong) ou “encerrar”, “aprisionar”.64 Esta palavra hebraica só ocorre em outras duas passagens do AT: Pv 30.16 (referindo à esterilidade); Salmos 107.39 (possivelmente referindo ao “aprisionamento”, como em Isaías 53.8). Na sequência do texto isaiano, lê-se o substantivo mixpat “julgamento”. No fim da frase, o verbo traduzido pela BJ como “foi preso” é o hebraico luqah qal perfeito, de laqah “arrebatar”, “tomar e levar embora”, traduzido mais literalmente como “foi arrebatado” (como na ARA). O sentido dessa primeira frase do v.8 é que após a detenção violenta (‘oser) e após o processo de julgamento (mixpat), o Servo foi condenado (luqah).

A sentença seguinte é uma indagação: “e de sua linhagem, quem dela cogitou?”. A palavra hebraica dor “significa geração que está viva num determinado período de tempo” 65 Dessa forma, o texto de Isaías refere-se aos contemporâneos de Jesus que não entenderam a razão de sua morte.66  O significado teológico da morte do Servo só é possível mediante a iluminação do Senhor.67  A sabedoria deste mundo é incapaz de reconhecer a cruz (1Co 2.8).

A frase seguinte afirma que o Servo “foi cortado da terra dos viventes”. A raiz verbal gazar “cortar”, empregada em outros textos para o corte de árvores (2Rs 6.4), descreve uma morte violenta. Isso é evidenciado na última frase do v.8: “foi ele ferido”, literalmente “um golpe para ele” (nega’ lamo). A morte do Servo é evidenciada na tradução da LXX: “ele foi levado à morte” (sugerindo a retroversão para o hebraico lammawet “para a morte”, em lugar lamo “para ele” ).68 O hebraico nega‘ “golpe”, “ferida”, é um ato de Deus (Êx 11.1) contra o Servo. Muitos comentaristas salientam que a violência descrita nesse texto é semelhante ao Salmo 22. Portanto, o “golpe” “representava mais que mera doença, ou mera violência, ou mera perseguição, mas seria a combinação de tudo que é mais terrível em todas elas: o total abandono da parte de Deus (Sl 22.1 [TM: 22.2]) que o NT chama de ‘segunda morte’ (Ap 2.11)”.69

Pela frase “por causa da transgressão do meu povo”, o texto novamente reitera, como em 53.4-6, que a morte do Servo é substitutiva. Foi a “transgressão/rebelião” (pexa‘) do seu “povo” que conduziu o Messias à morte.

Na primeira frase do v.9, o verbo “designaram” é tradução de yiten “ele designou”, qal com waw consecutivo imperfeito terceira pessoa masculina singular, de natan “dar”, “pôr”, “estabelecer”. Provavelmente trata-se do singular coletivo daqueles que crucificaram o Servo. A segunda frase, “mas com o rico esteve na sua morte”, apresenta problemas de tradução. Seguimos aqui o TM: ‘axir,“rico” (adjetivo) e bemotayw  “em sua morte”.  Os inimigos do Servo planejaram uma morte desonrosa para Ele. Crucificaram-no entre dois salteadores (Lc 23.32,33). No entanto, a profecia de Isaías haveria de se cumprir. Por isso, Deus levantou um homem rico de Arimateia, chamado José, que sepultou o Servo num túmulo novo, entre os ricos. Assim o Servo foi honrado, mesmo em sua humilhante morte.

As duas últimas frases do v.9 descrevem a inocência do Servo. Ele foi morto, “ainda que não” (‘al lo’ )70 tenha praticado (verbo ‘asah “fazer”) nenhuma “violência” (hamas). A palavra hamas “violência”, “injustiça” (ARA), essencialmente apresenta a ideia de violência pecaminosa, denotando maldade extrema.71 Também, não havia “engano” em sua boca. O substantivo mirmah, “engano”, “traição”, comumente é empregado no AT para se referir às palavras traiçoeiras e enganosas (Gn 27.35; 34.13; Sl 10.7; 17.1; 24.4; etc.).72  Quer dizer, somente os malfeitores, enganadores e traidores é que mereciam a morte violenta descrita nesses versos. No entanto, o Servo inocente esteve entre os “ímpios”. Foi tratado como um malfeitor. É assim que Cristo foi considerado por seus algozes. 

Portanto, a estrofe composta por 53.7-9 apresenta a entrega voluntária do Servo (v.7), sua prisão, julgamento, condenação e morte (v.8, 9).

53.10-12: O triunfo do Servo
Os v.10-12 compõem a última estrofe do quarto cântico do Servo, e descrevem a razão da morte do Servo, afirmando que o seu sofrimento e sua morte violenta não são uma fatalidade, um acidente na história. Essa última estrofe focaliza a exaltação do Servo, e relaciona-se tematicamente com 52.13-15. “Esses versos demonstram que a morte do Servo não foi um erro trágico; sua morte deverá justificar a muitos e trará glória para ele.”73

10E Javé desejou esmagá-lo,
fazendo-o adoecer;74
se der75 a sua alma como oferta pela culpa,
verá a sua posteridade
e prolongará os seus dias;
e a vontade de Javé prosperará76  nas suas mãos.

11Depois do penoso trabalho de sua alma, verá a luz,77
e ficará satisfeito;78
por seu conhecimento, o Justo,79 o meu Servo, justificará a muitos,
e as iniquidades deles levará sobre si.

12Por isso, eu lhe darei uma porção entre muitos,
e com os poderosos repartirá o despojo,
porquanto80 derramou para a morte a sua alma;
foi contado com os transgressores.
Contudo, levou sobre si o pecado de muitos
e pelos transgressores81  intercedeu

Nas duas primeiras frases do v10, “Javé” é o sujeito. A forma verbal empregada na primeira frase é hapes qal perfeito “ter prazer”, “desejar”, seguido imediatamente por daka’ piel infinitivo “esmagar”. O primeiro verbo, hapes, significa basicamente “sentir grande satisfação em alguma coisa”.82 Este vocábulo descreve o desígnio e a vontade de Javé.83  Deus desejou a morte do Servo. Novamente o profeta reitera que a desgraça que acometeu o Servo não foi resultado de uma trama de homens maldosos, mas sim, foi resultado da vontade de Javé (53.4). Revela-se assim a verdade neotestamentária a respeito da morte de cruz do Filho do Homem, que ocorreu “segundo o que está determinado” (Lc 22.22; cf. At 4.28; 22.3).

A razão do “prazer/vontade” de Javé na morte horrenda do Servo é explicada ao longo do v.10. “se ele der a sua alma como oferta pela culpa”. É difícil compreender o sentido da frase hebraica. Provavelmente o sujeito do verbo é o próprio Servo, como se lê na conjugação dos verbos seguintes, na terceira pessoa masculina: yir’eh “ele verá” e ya’arik “ele prolongará”. De qualquer modo, é possível notar que o Servo não foi coagido à morte. Ele deu sua alma como “oferta pela culpa”. Ele entregou-se voluntariamente (53.7). “Embora tantos pensem num Pai irado e um Jesus amoroso que veio aplacar sua cólera, a Bíblia ensina que Deus é amor. O Novo Testamento não diz que Jesus nos reconciliou com Pai, mas que o Pai nos reconciliou consigo, em Cristo (2Co 5.21).”84

A “alma”, nephex, é a vida. A vida do Servo foi uma “oferta pela culpa”. O termo hebraico ’axam (“culpa”, “pecado”; Gn 26.10; Jr 51.5) era um oferta que visava o perdão do “pecado” (hata’ah, Lv 5.6, 7, 10, 11-13). Além disto, no livro de Levítico, a “oferta pela culpa” também é apresentada numa linguagem legal e ritual, e constituia-se um tipo específico de sacrifício que apresentava o conceito de restituição (Lv 5.14-19); “… a ideia de satisfação, em relação aos direitos ou leis que haviam sido violados, era mais proeminente”.85 Sobre Isaías 53.10, Gary V. Smith afirma: “Esse verso indica que quando o Servo entregou a sua vida, ele se apresentou como uma compensação ou restituição (como a compensão ou a oferta pela culpa de Lv 5.14 – 6.7) para Deus por causa dos danos cometidos pelo povo contra Deus.”86  Valhamos ainda das palavras de Crabtree: “O Servo inocente dá a sua vida em lugar da vida do povo culpado a fim de satisfazer à justiça divina. Ele era mais que um mártir. O seu sacrifício representa o amor, bem como a verdade da lei divina.”87

O grande problema do ser humano é a sua alienação de Deus. Mas a morte do Servo é um sacrifício que restaura a comunhão entre Deus e os homens. Não existe perdão sem derramamento de sangue (Hb 9.22; veja Lv 17.11). Cristo é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29). “Um cordeiro não pode morrer no lugar de um humano, mas um homem perfeito poderia; e se o humano é também Deus, ele poderia morrer por todo pecado humano (Hb 9.11-14).” 88

A palavra “posteridade” é a tradução de zera‘ “semente”, “descendência”. No texto isaiano, refere-se àqueles que foram perdoados pelo sacrifício expiatório do Servo. Portanto, zera‘ são os descendentes espirituais do Servo, “a congregação nascida dele, o verdadeiro Israel (cf. Hb 2.13)…”.89

A expressão ya’arik  yamim “prolongará os seus dias” é usada no AT para se referir à promessa de durabilidade do reino dos monarcas de Israel, caso fossem obedientes à Palavra de Javé (Dt 17.2090; 1Rs 3.1491 92 ) . No Salmo 21.4 [TM: 21.5], uma expressão semelhante93  refere-se à promessa da eternidade do trono de Davi (cf. 2Sm 7.13-16; Sl 89.4 [TM: 89.5]; 132.12) que cumpriu-se cabalmente em Cristo.94 Portanto, é possível afirmar que, no texto de Isaías, o Servo é apresentado como uma pessoa ressurreta,95 que, mesmo tendo sofrido uma morte violenta, reinará eternamente. E não só isso. Considerando que a obra do Servo contempla a zera‘ “semente/descendência”, e, sendo esta “semente” aqueles que nasceram da morte expiatória do Servo e por Ele foram justificados (v.11), pode-se deduzir que o texto também se refere à ressurreição do povo redimido.96 

No final v.10, lê-se que “a vontade de Javé prosperará nas suas mãos”. Novamente o profeta apresenta a raiz hps (hepes “vontade”, “deleite”, “prazer”), que no início do v.10 aparece na forma verbal hapets qal perfeito “ter prazer”, “desejar”. Mas, se no início do verso a vontade de Javé era “esmagar” o Servo, agora, no final, a sua vontade é fazê-lo triunfar. A forma verbal salah qal imperfeito “prosperar” significa “ser forte/eficiente/poderoso”; “ser útil”; “ter sucesso”.97  Parece que o sentido correto da frase é transmitido pela tradução da BJ: “e por meio dele o desígnio de Deus triunfará”. No final, o desejo maior de Javé não é a derrota do Seu Servo pela morte ignominiosa, mas sim, a Sua vitória pela ressurreição. Pela cruz de Cristo e por sua ressurreição, a vontade de Deus triunfou.

O triunfo do Servo é descrito também no início do v.11: “Depois do penoso trabalho de sua alma, verá a luz, e ficará satisfeito”. A palavra ’or “luz” não consta no TM, no entanto, aparece em todas as cópias de Qumran, e também é acrescentada na LXX. Os verbos ra’ah qal imperfeito “ver” e sabe‘a qal imperfeito “ficar satisfeito” estão inter-relacionados.  “Os dois verbos constituem um só conceito, e significam que a contemplação da salvação que Ele adquirira para outrem e para Si próprio – fato que deve ser detalhado ulteriormente – O satisfaz e refrigera.”98

A frase seguinte descreve o efeito da morte do Servo sobre o seu povo: “por seu conhecimento, o Justo, o meu Servo, justificará a muitos,”. Para Ridderbos, o “conhecimento” do Servo, como em Isaías 50.4, “é um conhecimento espiritual concernente a Deus e ao Seu plano de salvação”.99 No entanto, a palavra hebraica da‘at “conhecimento” comumente refere-se ao conhecimento proveniente de um relacionamento. Assim, o Servo, através de sua experiência de sofrimento e morte vigária, poderá “justicar a muitos”. O verbo sadeq hifil imperfeito “justificar”, “declarar justo” (cf. Dt 25.1 e 1Rs 8.32) apresenta o sentido forense, porque o Servo é julgado e condenado em lugar de outros: “e as iniquidades deles levará sobre si”. Mas essa forma verbal também traz implicações éticas, já que a condenação do Servo visa conduzir aqueles que são declarados justos para uma relação com Deus.100  E só o Servo é capaz de fazer isso. Pois, ele é sadiq “Justo”, e o padrão para se avaliar sua justiça é a sua íntegra relação com Deus, já que o próprio Deus chama-o de “Justo” e de “meu Servo” (como se nota, diferente do v.10, nesse v.11 é o próprio Deus que fala). “Só um homem justo poderia conferir justificação a outros. O Servo é justo e justifica a muitos. Jesus é justo (At 3.14) e é ele quem nos justiça (Rm 5.1-2).”101  “De alguma forma, este Servo tem realmente sofrido a condenação proveniente de todos os pecados já cometidos, e em virtude desse fato ele está apto a declarar que todos quantos aceitarem sua oferta são justos, livres, diante de Deus.” 102

O v.12 descreve a vitória do Servo após a morte: “darei uma porção” é a tradução da forma verbal halaq piel imperfeito “repartir”, “dividir”. A segunda frase novamente emprega essa forma verbal, mas agora o sujeito é o Servo: “repartirá o desposo”. “O quadro é de um cortejo vitorioso com o Servo, de todos os povos, marchando em seu papel de vencedor, trazendo para casa os despojos da conquista.”103  “O homem de Dores agora é um Rei conquistador, que reivindica um povo numeroso como o Seu, por direito de conquista através de uma luta tremenda.”104  Entretanto, o “desposo” do Servo não são os bens saqueados de uma cidade, mas são os “homens reabilitados, libertados da pena merecida”.105

É notável que a causa de seu vitória não é o seu poder, mas a sua morte: “porquanto derramou para a morte a sua alma”. O verbo ‘arah, no grau causativo em que se encontra (hifil), apresenta o sentido de “derramar”, “esvaziar”. À semelhança do Salmo 141.8, essa forma verbal significa “esvaziar” a “vida” (nepex) com a chegada da morte. Declara-se assim que a razão do triunfo do Servo (descrito nas duas primeiras frases do v.12) é a sua morte. E não somente isso: “foi contado com os transgressores”. Ele não somente morreu pelos transgressores, como lemos em 53.5 (pesha’ “transgressão”); também foi considerado como um dos pox‘im “transgressores” (veja Lc 22.37).

Mas, na verdade, o Servo não era um dos pox‘im “transgressores”, pois, como assevera o final do v.12, ele morreu por eles, e por eles intercedeu. “Os transgressores, pelos quais Ele intercede são os que ocasionaram a Sua execução, e por cujas iniquidades Ele foi ‘transpassado’ (v.5). Ele foi assim considerado; eles eram de fato os transgressores. Aqui todos são levados a pensar no clamor! ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem’ (Lc 23.34) – um cumprimento literal.”106

À luz de Is 59.16,107 onde o termo “intercessor” é paralelo a “ajudador” (na tradução da ARA )108, é possível afirmar que o verbo paga‘ “interceder” aqui em 53.12 não descreve só a intercessão, mas engloba também a intervenção.109  O Servo intervém na vida dos “transgressores”, e os restaura à comunhão com Deus. Lembremos que, de acordo com o NT, os primeiros a gozarem dos resultados da morte vigária do Servo foram o ladrão arrependido e o soldado romano que, depois de crucificar a Cristo, reconheceu que verdadeiramente Ele era o Filho de Deus. De fato, o Servo conduziu ao paraíso celestial aqueles transgressores merecedores da punição eterna. 

Conclusão
O presente artigo constatou que o Servo de Javé apresentado em Isaías 52.13-53.12 dificilmente pode ser identificado com Israel ou com qualquer outro personagem do AT.

Notadamente há uma grande diferença entre o Servo e o povo de Israel:

1. O Servo não tem pecado; é perfeito. Só um Cordeiro perfeito poderia se oferecer como “oferta pela culpa” (53.10). Em contrapartida, Israel é pecador. Em Isaías 42.19, Javé acusa o seu povo de cegueira espiritual. Obviamente este povo rebelde não estava em condições para resgatar ninguém. Na verdade, ele mesmo precisa ser regado pelo sacrifício do Servo. 
2. O Servo sofreu imerecidamente o juízo de Deus. Ele foi oprimido por Deus porque outros pecaram contra Deus (53.4-6, 8, 11), diferentemente de Israel que sofreu o exílio merecidamente, pois pecou contra Javé (Is 1.25; 3.8; cf. Lm 1.8, 18; etc.). 
3. O Servo foi para o matadouro como uma ovelha, sem abrir a boca (53.7). Em contrapartida, Israel, quando foi julgado por Deus, reclamou contra Deus (Is 40.27).

Existem também nítidas diferenças entre o Servo e outros personagens do AT:

1) O Servo é identificado com Javé (52.13). Ele é homem, mas é Deus. Nenhum outro personagem do AT, seja dentre os profetas ou dentre os reis tementes a Javé, ousaria aplicar tais honrarias para si mesmo. 
2) O Servo de Javé realizou um sacrifício pelo pecado do povo; a oferta foi o seu próprio corpo (53.10). Nenhum outro personagem do AT realizou essa obra.
3) Conforme observamos, o texto de Isaías descreve a ressurreição do Servo, que resultaria na justificação dos pecadores (53.10-12); obviamente isso não se aplica a nenhum herói da fé do AT. O único que “ressuscitou para a nossa justificação” é Cristo (Rm 4.25).

As palavras de Isaías 52.13-53.12 são impressionantes. Nitidamente descrevem a humilhação, a condenação, a morte e a ressurreição de um homem. É praticamente impossível não ver essas palavras se cumprindo literalmente no Cristo apresentado no NT. Até parece que as palavras de Isaías foram escritas aos pés do Gólgota.110

Portanto, a pergunta do eunuco, “a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro?” (At 8.34), foi suficientemente respondida por Felipe: refere-se a Cristo (At 8.35).

______________________________________________________
1Bernhard Duhm, Das Buch Jesaja, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1892, 458 p.
2Richard E. Averbeck, “Christian Interpretations of Isaiah 53”. In: Darrell L. Bock; Mitch Glaser, The Gospel According to Isaiah 53: Encountering the Suffering Servant in Jewish and Christian Theology, Grand Rapids, Kregel Publications, 2012, p. 41-45; Werner H. Schmidt, Introdução ao Antigo Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 1994. p. 252-254; E. Sellin; G. Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Editora Academia Cristã/Paulus, 2012, p. 534-538.
3Nota de rodapé da New Internacional Version. 
4J. Steinmann, O livro da consolação de Israel e os profetas da volta do exílio, São Paulo, Edições Paulinas, p. 193-194.
5E. Sellin; G. Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p. 536; Hans-Jürgen Hermisson, “The Fourth Servant Song in the Contexto of Second Isaiah”. In: Bernd Janowski; Peter Stuhlmacher (ed.), The Suffering Servant: Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources, Grand Rapids, Eerdmans Publishing, 2004, p. 45-47. 
6
Richard E. Averbeck, “Christian Interpretations of Isaiah 53”, p. 33-60.
7
Isaltino Gomes Coelho Filho, Isaías: o Evangelho do Antigo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 2001, p. 151.
8Gerard van Groningen, Revelação messiânica no Antigo Testamento: a origem divina do conceito messiânico e o seu desdobramento progressivo, 2ª edição, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003, p. 556-557. 
9Gerard van Groningen, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p. 557-589.
10Israel Knohl, O Messias antes de Jesus, Rio de Janeiro, Ed. Imago, 2001, p. 28, 31.
11sakal hifil imperfeito “olhar para discernir”, “dar atenção a”, “ponderar”, “considerar”, “ser prudente”; “prosperar”, “ter sucesso”.
12Peshita e Targum: ‘alayw “diante dele”. TM (Texto Massorético) e alguns manuscritos (inclusive 1QIs1ª e 1QIsb): ‘aleyk “diante de ti”. 
13TM: mixhat “desconfiguramento da face”. 1QIsa: mxhty. Tradição babilônica: muxhat. Peshitta: mhbl. Targum: maxhat “arruinado”.  Veja a Vulgata.
14nazah II hifil imperfeito “causar um espanto”. John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, vol. 02, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 456. TM: yazzeh “aspergirá”, hifil imperfeito de nazah I “borrifar”, “salpicar”. LXX: “causará admiração”. BHS: provavelmente qal imperfeito yizzeh ou yizzu; outros propõem yirggezu qal imperfeito de ragaz “tremer”,  ou yibzuhu qal imperfeito de bazah “desprezar” . Siríaca: “purificará”.
15Gary V. Smith, Isaiah 40-66, Nashville, Broadman & Holman Publishers, 2009, p. 435 (The New American Commentary).
16Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 436.
17ramam I é uma variação de rum.
18J. Ridderbos, Isaías: introdução e comentário, São Paulo, Vida Nova, p. 424 (Série cultura bíblica).
19R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p. 1583.
20Veja John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 456.
21J. Ridderbos, Isaías, p. 425.
22A Bíblia de Jerusalém – Nova Edição, revista e ampliada, 5a edição, São Paulo, Sociedade Bíblica Internacional/Edições Paulus, 2002, p.1449.
23John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 463.
24xemu‘atenu particípio qal “aquilo que foi ouvido de/por nós”. John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías,  p. 456.
25yoneq “renovo”, “criança de peito”, “árvore nova”.  O termo “se refere a ‘um recém-nascido’, quer humano ou planta”. John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 457.
26TM: lepanayw “diante dele”. BHS: provavelmente lipnenu “diante de nós”.
27TM: widu‘a qal particípio passivo “e foi conhecido”. BHS: weyode‘a qal particípio ativo “e que conhece”, apresentado nos rolos de Qumran. Veja Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 436. 
28
holi “doença, sofrimento”. Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, São Leopoldo/Petrópolis, Sinodal/Vozes, 16a edição, 2003, p. 69.
29nibzeh nifal particípio de bazah “ser desprezado” . 1QIsa: wnbwzhw “o desprezamos”, escrito com o waw no final, provavelmente por influência do waw no verbo seguinte. BHS: wannibzehu “e foram desprezados”.
30John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 456.
31Hans-Jürgen Hermisson, “The Fourth Servant Song in the Contexto of Second Isaiah”, p. 30.
32John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 465.
33Claus Westermann, Isaiah 40-66: A Commentary, Londres, SCM Press, 1969, p. 261 (Old Testament Library). 
34Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 69.
35R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 466. Pv 23.35: “Espancaram-me, e não me doeu (halah)…” (ARA) . 2Rs 1.2: E caiu Acazias pelas grades de um quarto alto, em Samaria, e adoeceu (halah)…” (ARA).  2Rs 8.29: “…e desceu Acazias, filho de Jeorão, rei de Judá, para ver a Jorão, filho de Acabe, em Jezreel, porquanto estava doente (halah) (ARA).  Nesses textos, o sentido de halah é de debilidade física provada por ferimentos.
36John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 467.
37holayenu “nossos sofrimentos”. É mesmo termo do v.3, holi “doença, sofrimento”. Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 69.
38BHS: A Siríaca, a Vulgata e aproximadamente 20 manuscritos medievais apresentam o pronome na terceira pessoa hu’ “ele”.
39meholal poal partícipio “transpassado”, de halal “profanar”. BHS: provavelmente mehullal “profanado”, corroborado por Aquila e pelo Targum.
40musar xelomenu ‘alayw “o castigo que nos traz a paz estava sobre ele”, literalmente “o castigo da nossa paz”; um genitivo de propósito: “castigo designado para nossa paz”. John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 468.
41
rapa’ nifal perfeito singular seguindo pela preposição le (“para) com o pronome da primeira pessoa plural nu (nós).
42J. Ridderbos, Isaías,p. 428.
43Shalom M. Paul, Isaiah 40-66: Translation and Commentary, Grand Rapids, Eerdmans Publishing, 2012, p. 405 (Eerdmans Critical Commentary).
44Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 451.
45Isaltino Gomes Coelho Filho, Isaías, p. 168-169.
46Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 451.
47John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 473.
48Isaltino Gomes Coelho Filho, Isaías, p. 170.
49Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 451.
50nagas nifal perfeito “ser duramente pressionado”.
51wehu’ na‘aneh “mas ele livremente se humilhou”: pronome independente terceira pessoa masculina hu’ “ele”, com ‘anah nifal particípio “ser humilhado”.
52BHS: provavelmente esta frase precisa ser deletada.
53laqah qal perfeito “arrebatar”, “tomar e levar embora”.
54TM: ‘ammi “meu povo”. 1QIsa: ‘amo “seu povo”. Westermann sugere a primeira pessoa comum plural “nosso povo”. Claus Westermann, Isaiah 40-66, p. 254.
55TM: mippexa‘ ‘ammi “por causa da transgressão do meu povo”.  BHS: provavelmente mippix‘am “por causa da transgressão deles”.
56TM: nega‘ lamo “um golpe para ele”. 1QIsa: nugga‘ ou nigga‘ (pual?) “ele é ferido”. LXX: “ele foi levado à morte”, propondo a retroversão para o hebraico lammawet “para a morte” em lugar de lamo “para ele”.  
57TM: wayyiten “e ele designou”, qal com waw consecutivo imperfeito terceira pessoa masculina singular de natan “dar”, “pôr”, “estabelecer”. 1QIsa: wayitnu “eles designaram”. BHS: wayuttan.
58TM: ‘axir adjetivo masculino singular “rico”. BHS: provavelmente se‘irim  “demônios”. No entanto, tanto a LXX como o Targum traduzem “rico”, e, portanto, o TM não precisa ser alterado. Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 456.
59TM: bemotayw “em sua morte”.  1QIsa: bwmtw “o seu túmulo” ou “seu lugar alto”. Para uma defesa da tradução “seu lugar alto”, veja Betty Bacon, Estudos na Bíblia Hebraica, São Paulo, Vida Nova, 1991, p. 258.
60Isaltino Gomes Coelho Filho. Isaías, p. 172.
61Waw conjuntivo, aqui no sentido adversativo.
62J. Ridderbos, Isaías, p. 433. 
63Joseph Addison Alexander, Commentary on Isaiah, Grand Rapids, Kregel Publications, 1982, p. 300.
64John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 478.
65J. Ridderbos. Isaías, p.434, nota 30.
66Isaltino Gomes Coelho Filho. Isaías, p. 172.
67Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 454.
68Veja BHS.
69John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 477.
70A preposição ‘al “sobre”, seguida pelo advérbio de negação lo’ “não”, essencialmente significa “porque não”. Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 179. Abre-se assim a possibilidade de as duas últimas frases serem traduzidas como “porque não praticou violência, nem dolo algum se achou em sua boca”, indicando que a honraria que o Servo receberia por ocasião de sua morte (“com o rico esteve na sua morte”) ocorreria em virtude de sua inocência.
71R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 485.
72R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1431.
Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p.457.
73TM: halah hifil perfeito “tornar dolorido”, “fazer adoecer”. 1QIsa: wyhllhu, provavelmente “para que ele o transpasse”. A BHS propõe hhlym ’et-sam  (?) em lugar do TM heheli  ’im-tasim  “fazendo-o adoeçer, se ele colocar”.
75Vulgata: “se ele oferece”. TM: tasim qal imperfeito terceira pessoa feminino singular  “ela (“alma”?) colocará/depositará”. A tradução da Vulgata coaduna-se melhor com a conjugação dos verbos seguintes, na terceira pessoa masculina: yir’eh “ele verá” e ya’arik “ele prolongará”.
76tsaleah II qal imperfeito “ser forte/eficiente/poderoso”; “ser útil”; “ter sucesso”. Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 205.
77BHS: todas as cópias de Qumram acrescentam a palavra ’or “luz”; também acrescentada na LXX.
78TM: yisbba‘ qal imperfeito “ficar satisfeito”. A BHS propõe a revogalização: o patah debaixo da consoante bet, em lugar do gamets, formando assim um cólon entre o verbo e substantivo beda‘etto “em seu conhecimento”. 
79BHS: transposto para depois de beda‘etto “em seu conhecimento”.
80Para uma explicação da expressão causal tahat ’axer, veja John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 485, nota 380.
81TM: welappox‘im “e pelos transgressores”. BHS: as cópias de Qumran (1QIsa e 1QIsb) apresentam ulpix‘am “por suas rebeliões”, corroporadas pela LXX.
82R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 509.
83Is 44.28: “cumprirá tudo o que me apraz” (ARA); “ele cumprirá toda a minha vontade” (BJ). Is 46.10: “farei toda a minha vontade” (ARA). Is 48.14: “O Senhor amou a Ciro e executará a sua vontade contra a Babilônia”. Grifo nosso.
84Isaltino Gomes Coelho Filho, Isaías, p. 171.
85J. Ridderbos, Isaías, p. 437. Sobre o ’axam, não é necessário seguir a proposta de Hans-Jürgen Hermisson, que propõe a diferença entre um sentido sagrado e um sentido profano (supostamente em Nm 5.7-8; 1Sm 6.3-4, 8). Hans-Jürgen Hermisson, “The Fourth Servant Song in the Contexto of Second Isaiah”, p. 37.
86Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 458.
87A. R. Crabtree, A profecia de Isaías, vol. 2, Rio de Janeiro, Casa Publicadora Batista, 1967, p. 237.
88John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 469.
89J. Ridderbos. Isaías, p.437.
90yamim ‘al-mamlaktto “e prolongará os dias sobre[do] seu reinado”.
91weha’araktti  ’et-yameyka “e prolongarei os teus dias”.
92Gerard van Groningen, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p. 609.
93’orek yamim ‘olam wa‘ed  “continuidade de dias para sempre e sempre”.
94Ernst Hengstenberg, Christology of the Old Testament: And a Commentary on the Messianic Predictions, vol. 2, Project Gutenberg EBook of Christology of the Old Testament,  December, 2009, p. 303.
95J. Ridderbos, Isaías, p. 437.
96Ernst Hengstenberg, Christology of the Old Testament, vol. 2, p. 303; Gerard van Groningen, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p. 609.
97Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 205.
98J. Ridderbos, Isaías, p. 438.
99J. Ridderbos, Isaías, p. 438.
100Gary V. Smith, Isaiah 40-66, p. 462.
101Isaltino Gomes Coelho Filho, Isaías, p. 179.
102John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 493.
103John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 493.
104J. Ridderbos, Isaías, p. 440.
105Luis Alonso Schökel; José Luis Sicre Dias, Profetas I: Isaias – Jeremias, 2ª edição, São Paulo, Paulus, p. 344.
106J. Ridderbos, Isaías, p. 440-441.
107 Onde o termo “intercessor” é paralelo a “ajudador”.
108A Bíblia de Jerusalém: “Viu que não havia ninguém, espantou-se de que ninguém interviesse”.
109John N. Oswalt, Comentário do Antigo Testamento: Isaías, p. 495.
110J. Ridderbos, Isaías, p. 441.

1 COMENTÁRIO

  1. PR. LUCIANO: obrigado pela valiosa colaboração com este trabalho exeg‚tico meticuloso e a robusta argumentação sobre o servo sofredor em Isaías e o corte epistemológico ao identific -lo com a Pessoa de Cristo. Este artigo, na minha limitada an lise, contempla e fortalece o conceito da coerência e unidade interna das Escrituras como a Ipsíssima verba (Barth) . E, entre as citaçäes, chama-nos a atenção a seguinte: At‚ parece que as palavras de Isaías foram escritas aos p‚s do Gólgota.110. Destaco, por fim, o voc bulo vig ria pedindo melhor discernimento se se trata de um neologismo. JOÇO MARCOS PEDROSA – ES.

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