A ocorrência de catástrofes com grande amplidão de destruição exige a presença dos cristãos em socorro às vítimas. As vítimas ficam em choque ao perder, em questão de minutos, tudo que construíram nas suas vidas – casas, bens, às vezes alguém amado da família, e com a possibilidade de ficarem feridas ou adoecerem por condições insalubres, sem moradia, comida e nem água. O seu chão foi tirado. A terra, que deveria ser a base onde os pés se firmam, tremeu. A casa engolida por deslizamento de terra. A água limpa que traz vida e sacia a sede, trouxe a morte e destruiu os seus meios de sustento. Tudo que provê vida se torna incerto e traiçoeiro.
As pessoas ficam desesperadas e desesperançadas quanto ao futuro quando a base da sua vida foi eliminada. Perguntam-se o que foi que aconteceu. Como o Criador da natureza deixou isso acontecer? Quem é esse Deus? Muitos pensam que a mão de Deus pesa sobre eles. Em alguns casos, preferiram morrer junto com os seus amados e vendo o sonho da sua vida desaparecer diante dos seus olhos. Sentem-se culpados de não terem morrido juntos e por não conseguirem salvar os seus familiares.
Ao prestar ajuda para sobreviver física e materialmente, é necessário também ajudar a retomar a vida com esperança, sem medo do futuro, nem amarguras contra o Criador, não perdendo a fé, mas se aprofundando na dependência de Deus. Mas como os socorristas podem acalmar o medo e apresentar respostas? Eles mesmos ficam abalados diante de tão grande sofrimento. Ajudam calados e chorando juntos. Falam de coisas irrelevantes para quem está com sofrimento atroz. Acabam apresentando a Palavra de Deus que aos ouvidos das vítimas soa como incompreensão, exigência, colocando mais fardo na condição delas. Alguns se mantém alheios. Outros julgam como punição pessoal e merecida de Deus.
O contexto do sofrimento necessita de compreensão bíblica, tentando entender do ponto de vista de Deus como diretriz da ação para ministrar de forma relevante. Um modelo seria o livro de Lamentações de Jeremias, que chorou ao ver a desolação de Jerusalém destruída, mas que não perdeu a esperança por se apegar na misericórdia infindável de Deus. Harrison comenta que “Soberania, justiça, moralidade, julgamento de Deus e a esperança da benção no futuro distante são temas que surgem com grandeza solene das cadências de Lamentações.” Há muitas paralelas da situação mencionada por Jeremias. O sofrimento diante da destruição foi pessoal e coletivo, físico, material, emocional e espiritual (3:4-6).
Lamentações 3
I. Necessidade de conhecer a época – contextos
1. Contexto de sofrimento: O livro inteiro menciona um contexto de grande sofrimento, destruição da cidade inteira e dos seus muros, crianças morrendo de fome, mães desesperadas, moças desoladas, jovens mortos e levados ao cativeiro, sem mais sacerdotes, nem profetas ou príncipes. Lamentações se faziam em situações de luto e aqui era luto nacional.
2. Contexto de grandes pecados como causa fundamental do sofrimento em geral. No caso em Lamentações, o pecado foi nacional e coletivo. Em catástrofes, há causas diretas e indiretas. As diretas seriam guerras e violências provocadas humanamente. As indiretas seriam a ganância e exploração que provoca extrema pobreza e o aquecimento global, a corrupção de uso de material de qualidade inferior nas construções que não aguentam em terremoto e chuvas pesadas. Há outras que parecem falha da natureza como as placas tectônicas que se movem. Fundamentalmente, entende-se que o pecado humano ao romper com o Seu Criador trouxe a consequência da entrada do mal no mundo. O que foi criado bom, agora desanda. Jeremias mencionou grandes pecados (1:8, 14, 18, 22, 3:42; 4:6; 5:7), falsos profetas (2:14; 4:13), inversão de valores de Deus – escárnio aos justos, de injustiça social – exploração dos que não podiam se defender, perversão de justiça e direitos humanos – criação de Deus, iniquidade abundante e atos abomináveis contra o que é sagrado.
3. Contexto de perigo sério, perigo de vida (vs.53-55) – de morte física e de morte espiritual.
II. Jeremias reconheceu Deus como Senhor soberano sobre todos os contextos, conheceu o caráter d’Ele e, portanto, reconheceu os atos d’Ele e seus desígnios.
1. Reconhecimento da soberania de Deus v.3:38 – mal e bem (“desgraças e bênçãos” NVI) procede do Altíssimo. Tsunami, dezembro de 2004 provocou muitas discussões se foi punição de Deus. Os muçulmanos atribuíram castigo de Allah por algo que o povo fez, os hindus e budistas fizeram sacrifícios para aplacar a ira dos deuses ou dos espíritos.
2. Reconhecimento do amor, compaixão, misericórdias infindáveis e fidelidade do Senhor (vs.22-23 – hesed, grande amor, “carinho”, compaixões no plural para intensidade, com raiz na palavra rehem = ventre materno, a bondade amorosa se renova a cada manhã). É a razão de não sermos consumidos, de estarmos ainda vivos.
3. Reconhecimento da justiça de Deus que não tolera pecado (v.34-36 – exploração, maldade, injustiça, perversão do direito – situação brasileira e de muitos países).
4. Reconhecimento que Deus tem o plano de levar o homem ao arrependimento, permitindo sofrimento, trazendo-o à salvação. V.31-33 “não aflige, nem entristece de bom grado os filhos do homem”. Hoje continuamos a ouvir casos de conversões pós-tsunamis, de indagação dos povos pós-guerras e sua afirmação de que só Deus pode interferir e mudar, só Jesus pode acabar com as maldades que o próprio povo está cometendo contra os patrícios. Harrison afirma que “o autor de Jó e o de Lamentações reconhecem que uma reação positiva ao sofrimento é um pré-requisito à maturidade espiritual. Esta percepção é a base para a expectativa de que após a tribulação virá restauração e bênção, por causa da bondade de Deus, para um povo que realmente estiver arrependido.”III. A nossa reação de entendimento e convicção da justiça e misericórdia de Deus, que quer levar todos à salvação, leva à ação.
· V.21 trazer à memória – “fará voltar ao coração”, ao centro de afetividade, “o que pode me dar esperança” – a misericórdia infindável de Deus para com os homens;
· Não questionar, mas entender os atos de Deus (vs.37-39), castigo de pecado para levar ao arrependimento (vs.31-33). Stephens-Hodge ao comentar sobre crianças de peito que desfaleciam em busca de pão, “Sofrimento tal como esse é sempre um profundo mistério: mas nem mesmo uma criança pode ser considerada isoladamente”. W.F. Adeney “É uma monstruosidade acusar a providência de Deus por causa das conseqüências das ações que Ele tem proibido”. Na soberania de Deus, nada pode acontecer sem a permissão d’Ele. Quando Ele permite sofrimento, na Sua misericórdia fará emergir o bem do mal (Rm. 8:28).
· Sentir junto ao ver (v.1) – pessoal e corporativo como Neemias na confissão de pecado do povo. “Sofrimento pessoal (de Jeremias) e representante típico do povo” (Gaster).
· Lamentar com sinceridade, colocando-nos juntos no sofrimento e no pecado da humanidade, vs.40-42, na identificação com a pecaminosidade humana.
· Rogar, clamar com choro incessantemente até a misericórdia de Deus se manifestar, os pecadores se arrependendo, vs. 49-51. Harrison diz que podemos acreditar em uma divindade tão imutável e digna de confiança, e orar em completa submissão à Sua vontade soberana, que Ele olhe novamente com favor para seu povo.
· Advertir e proclamar para levar ao arrependimento, v.29 – “ponha a boca no pó”, a forma oriental de reconhecimento da indignidade, se prostrar em submissão total.IV. Ter certeza do final de todas as situações
· Deus ouve o clamor do Seu povo – v.56.
· Deus vem e se faz presente – v.57.
· Deus consola e assegura – v.57b “Não temas”.
· Deus defende dos inimigos – v.58 – punição dos inimigos.
· Deus salva – v.58b “remir a minha vida”.
Walvoord e Zuck mencionam sete princípios da natureza da aflição de Israel:
(1) Aflição deve ser aguentada com esperança na salvação de Deus, ou seja, a restauração final (3:25-30).
(2) Aflição é somente temporária e é amenizada pela compaixão e amor de Deus (vs.31-21).
(3) Deus não se regozija na aflição (v.33).
(4) Se a aflição vem por causa de injustiça, Deus a vê e não aprova (vs.44-46).
(5) Aflição ultimamente veio por causa dos pecados de Judá (3:39).
(6) Aflição deve cumprir o objetivo de trazer o povo de volta para Deus (v.40).
Devemos pregar o arrependimento igual como fazemos em qualquer situação também de bem-estar. Mas também devemos assegurar da misericórdia de Deus. A diferença está na ministração efetiva integral em contexto de grande sofrimento. Primeiramente nós mesmos precisamos ter o coração de compaixão, de identificação com o sofrimento dos povos e com a pecaminosidade do ser humano, chorar compungido rogando a Deus pela misericórdia, e a agir com compaixão como socorristas.
“O âmago do poema, tanto literal como espiritualmente, é a passagem central do capítulo central. Cinco vezes ocorre a palavra ‘esperança’. A aflição cumpre seu trabalho de humilhar (v.20). O sofredor compreende o seu significado e grita: tenho ‘ESPERANÇA’ (v.21). A nova esperança está apenas em Deus, como mostra o contexto. Isso é de novo enfatizado quando o poema termina –
“Tu, Senhor, reinas eternamente’ (5:19). A oração final do poema será ainda cumprida, ‘Renova os nossos dias como dantes’ (5:21).” Baxter
E quanto à pergunta de todo o tempo de “Por que o justo sofre?”, quanto aos inocentes sofrendo grandemente em catástrofes? “Ultimamente há profundidade nas ações de Deus que o homem finito não pode entender. A revelação de Deus em palavra e em ação mostra consistentemente sua justiça e amor em aliança; porém há sempre um resíduo de experiência humana que exige que curvemos a uma sabedoria alta demais para nossa compreensão. Encontramos o exemplo supremo na cruz e no grito de Jesus em Marcos 15:34. Por isso cada teoria fácil da Expiação tem falhado há muito tempo, pois há profundidades no Gólgota que passa a compreensão humana. Somente quando na glória veremos o livre arbítrio e a predestinação reconciliados que também compreenderemos como a soberana vontade de Deus é compatível com sua justiça e amor de aliança com o seu povo.” H.L. Ellison
“A minha porção é o Senhor, diz a minha alma, portanto, esperarei nele”.
Lamentações 3:24
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Bibliografia
Baxter, J.Sidlow, Examinai as escrituras, Jó e Lamentações, Vida Nova, 1993.
Harrison, R.K., Jeremias e Lamentações, introdução e comentário, Vida Nova, 1996.
———–, Introduction to the Old Testament, Tyndale, London, 1970.
L.E. H Hodge in “O Novo Comentário da Bíblia”, p.785, Vida Nova, SP, 1985.
Ellison, H.L. in “The Expositors Bible Commentary, Old Testament”, Vol. 6, p.699, Zondervan, Michigan, 2002.
Keil, C.F., Introduction to the Old Testament, Hendrikson, Mass., 1991.
Walton, J. H., Matthews V.H., Chavalas M.W., The Bible Background Commentary, Old Testament, IVP,
Downers Grove, 2000.
Walvoord, John F. e Zuck, Roy B., edit., “The Bible Knowledge Commentary”, p. 1210, Victor, Colorado, 2005.