A urgência de uma teologia prática

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Introdução

Quando abordamos o argumento nos dias de hoje, nos perguntamos por que é essencial identificar quem está fazendo a pergunta e quem está respondendo. Por exemplo, para o crente leigo, o estudante de teologia, o vocacionado, o pastor, o teólogo e até mesmo o incrédulo, cada um terá explicações diferentes. Em geral, existem dúvidas consideráveis sobre o termo “teologia” e sobre a tarefa teológica. Muitos participantes de tradições religiosas não têm ideias claras sobre o lugar ou a identidade da matéria. Em alguns contextos, às vezes é vista como um “algo” abstrato e teórico “feito” por outros, geralmente um grupo de elite — o clero. A teologia prática, como disciplina teológica formal, é quase desconhecida no nível da igreja local. Na melhor das hipóteses, ouvir sobre o assunto geralmente se refere à educação cristã ou ao cuidado pastoral.

Nesse sentido, a prática tem sido tradicionalmente entendida como a aplicação da teologia gerada por uma divisão disciplinar acadêmica, quase como praticar ou colocar em ação o que você aprende em sala de aula. Em tal contexto, surge a pergunta: “Como as perspectivas da teologia acadêmica podem ser aplicadas à vida da igreja?”.

Em resposta, pelo menos na história recente, a educação cristã, a liturgia, o cuidado pastoral ou a missão foram incluídos. O uso moderno do termo “teologia prática” e essa divisão das disciplinas teológicas refletem o pensamento de Friedrich Schleiermacher, que se preocupou em organizar o conhecimento e o que ele chamou de “afetos religiosos”. É importante destacar que o pregador berlinense tentou organizar o conhecimento teológico a partir da experiência humana e considerou a teologia prática como a “rainha das ciências” ou a “coroa dos estudos teológicos”, ou seja, é a prática ou aplicação de conhecimento teológico. De acordo com seus escritos, a teologia prática produz o que a teologia acadêmica desenvolve.

Historicamente, essas subdivisões são relativamente recentes. Uma das primeiras crenças da igreja primitiva era que a vida dos crentes deveria ser guiada por uma cosmovisão fundamental, sendo uma das tarefas centrais da comunidade eclesial. Embora o termo “teologização” ainda não fosse usado naquele momento, o processo e seu conteúdo representam o berço da teologia cristã. Essa crença na importância de formar uma cosmovisão básica estava ligada à ideia de Paulo de ter a mente de Cristo e produzir os frutos do Espírito. Isso envolveu não apenas uma aceitação intelectual da fé cristã, mas também uma experiência emocional e um comportamento correto. A missão da igreja era transmitir essa visão do mundo.

Essas primeiras questões práticas levaram a um debate sobre como formar a mente de Cristo nos crentes, bem como a suficiência de materiais de ensino e como essa visão de mundo deveria se manifestar. Portanto, a primeira reflexão teológica deliberada ou acadêmica na igreja cristã foi sobre questões práticas ou espirituais. Isso provavelmente incluiu conflitos de exegese, mas o problema principal era prático.

Outra dimensão da discussão teológica na igreja primitiva era a apologética. Como os cristãos deveriam lidar com discursos que desafiassem ou rejeitassem suas crenças e ações? Esse debate era sobre questões puramente filosóficas e práticas, mas a questão principal era como comunicar a mensagem do evangelho. A cosmovisão cristã era diferente das religiões de mistério e das várias escolas de filosofia. Tais diferenças, sem dúvida, geraram debates teóricos ou filosóficos abstratos. No entanto, o argumento que marcou a discussão foi como comunicar a boa-nova ao mundo à nossa volta.

Em outras palavras, enquanto o debate teológico e filosófico foi intenso, seu ponto de partida e objetivo final eram práticos. Tal discussão não era dirigida exclusivamente aos não-crentes. As mesmas questões levantadas por pessoas de fora da fé também eram levantadas por pessoas de dentro da igreja. Tudo se orientava, direta ou indiretamente, para a compreensão da fé, ou visão do mundo cristão, a mente de Cristo e sua formação. A teologia era profundamente prática e havia pouca ou nenhuma separação entre teoria e prática.

Premissa

Os primeiros mil anos da teologia cristã foram guiados pela prática cristã, embora essa afirmação seja uma generalização. Ainda que várias questões teológicas sejam abstratas ou acadêmicas, a teologia é uma disciplina prática no sentido de responder à pergunta: “O que significa ser cristão?”. Os debates e discussões envolveram a vida de todos na igreja e tiveram implicações imediatas na formação da mente de Cristo. Para entender isso, é importante estudar três paradigmas:

  1. Paradigma da teologia habitual

Desde as origens da igreja cristã até o início da Idade Média, a teologia predominou como um habitus de vida e zelo concebido como conhecimento de Deus. Ela era construída por meio de disciplinas como oração, estudo e participação litúrgica e visava formar os cristãos, os párocos e as comunidades eclesiais. Os principais seguidores da teologia eram os pais da igreja, a hierarquia sacerdotal e os conselhos evangélicos.

A teologia desenvolveu-se principalmente por meio do diálogo crítico com ataques internos e externos à igreja, provenientes de outras religiões e filosofias. Nessa época, a teologia foi definida como uma atividade sistemática, especialmente em relação à sua conexão com a reflexão filosófica, tanto pelo acordo metodológico quanto pela rejeição das premissas do conhecimento filosófico.

No entanto, uma divisão começou a surgir na prática da igreja, e dois tipos diferentes de mestres passaram a existir: um grupo especializado em formar os cristãos em suas vidas diárias e outro especializado em preparar para a santidade em pequenos grupos de solitários ou monges. Em ambos os casos, a orientação espiritual era conduzida por mentores que faziam parte da comunidade de fé.

2. Paradigma da teologia científica

O modelo de teologia que prevaleceu desde a Idade Média até a Contrarreforma consistia em um quadro ordenador para todo o conhecimento humano, assim como as nascentes universidades da Europa. A metodologia utilizada foi essencialmente a mesma do paradigma anterior, mas houve mudanças significativas na ênfase metodológica, na relação com a filosofia e, principalmente, na função da teologia. Essa função ultrapassou as fronteiras eclesiais e assumiu um papel decisivo no desenvolvimento do conhecimento europeu, fazendo da teologia a “rainha do conhecimento”.

A especialização começou a aparecer com o desenvolvimento das escolas catedrais na Alta Idade Média, que passaram a dominar a tarefa da educação espiritual. Essa especialização foi formalizada no século 18, quando as instituições passaram a funcionar como universidades semiautônomas, criando think tanks acadêmicos que ensinavam teologia ou educavam monges. Clérigos e mentores que moravam e trabalhavam nas comunidades locais continuaram a ter uma influência significativa, mas seu “ministério prático” passou a ser visto em contraste com o “trabalho acadêmico” dos mestres, que eram considerados disciplinas práticas, mas especulativas ou teóricas.

Como resultado, a identidade original e a função da teologia como disciplina prática para guiar o desenvolvimento da mente de Cristo foram perdidas nos institutos de formação. A teologia passou a ser vista não como uma disciplina prática, mas como especulativa ou teórica. A distinção entre teologia prática e especulativa ou teórica foi formalizada por Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, na qual incluiu as preocupações da teologia monástica em uma última seção, que se refere à resposta à graça de Deus e à prática. Isso foi em desacordo com sua preocupação central com a crença cristã, que, em sua teologia, estava diretamente ligada à teologia teórica ou especulativa. A prática foi colocada em uma subseção chamada exatamente “Teologia Prática”. Como resultado, a prática e a crença foram cada vez mais separadas.

3. Paradigma da teologia disciplinar

O paradigma atual de teologia surgiu com a modernidade e ainda prevalece, embora esteja em transição nos últimos anos. Ele se caracteriza pela subordinação da teologia aos imperativos do mundo acadêmico, devido à perda de prestígio e poder das igrejas no campo acadêmico e do conhecimento em geral.

Essa subordinação transformou a teologia em uma “ciência”, ou melhor, em um sistema disciplinar do saber, subdividido em campos de conhecimento teológico ou disciplinas particulares. Essas áreas desenvolveram diferentes probidades e metodologias de acordo com os departamentos científicos e acadêmicos com os quais começaram a se vincular.

Os sujeitos teológicos tornaram-se cada vez mais teólogos “profissionais”, seja ao serviço das igrejas ou mais diretamente ligados às universidades, desenvolvendo uma fidelidade, mesmo que por vezes em detrimento de sua lealdade eclesial.

Atualmente, a teologia lida com os grandes conflitos que o desenvolvimento da racionalidade moderna tem apresentado às igrejas e à adesão à fé cristã individualmente. No ambiente formativo, a teologia é cada vez mais considerada uma disciplina científica, enquanto no ambiente eclesial é vista como reflexão doutrinal-dogmática.

A questão

Sabe-se que a teologia prática não é apenas uma aplicação da teologia acadêmica, mas também é mais do que teologia moral. Ela não está relacionada academicamente à superstição, que é uma prática. O tema que será abordado neste artigo é: “Dado o seu histórico e os recentes desenvolvimentos na filosofia prática, o que seria a teologia prática?”.

A raiz da palavra “prática” é “práxis”, que significa ação. No entanto, as concepções modernas de “práxis” geralmente incluem dois elementos: ação e reflexão. A teologia prática é uma teologia da ação e da reflexão sobre essa ação. Outras disciplinas se concentram nas interpretações verbais do evangelho cristão, mas a teologia prática estuda como o evangelho é interpretado ou expressado na ação, tanto individual quanto coletiva. Esse foco também destaca a importância central da experiência vivida e da situação contemporânea. Nesse sentido, a teologia prática é uma interpretação ou reflexão crítica sobre a mensagem cristã na ação que a igreja contemporânea deve lembrar.

Historicamente, isso se limitava ao trabalho do pastor, ou ação pastoral, mas é dever de todo cristão. Como mencionado, a teologia prática tem sido e continua sendo chamada de teologia pastoral. No entanto, a ação pastoral não se refere apenas ao serviço do pastor. Ela é cada vez mais entendida como a ação da comunidade da igreja, ou a ação dos crentes. Nessa perspectiva, a teologia prática é a interpretação da mensagem cristã na ação da comunidade eclesial.

No entanto, há um problema com o uso da palavra “ação” quando se limita a teologia prática à interpretação da mensagem cristã na ação da igreja. Isso limita o nosso pensamento ao “fazer” em oposição ao “ser”. O resultado é um retorno ao estudo das “práticas” de cuidado, educação, missão etc. A comunidade eclesial é mais do que suas ações. A comunidade eclesial, ou a vida unida da igreja, é koinonia. Portanto, o objeto da teologia prática não é exclusivamente a ação da igreja, mas sua vida: comunhão, convivência, partilha, participação e solidariedade. A vida comunitária da igreja envolve o acolhimento, o ser e o agir, e esses três elementos são inseparáveis. John Deschner entende esses aspectos em termos de adoração, solidariedade e serviço: “A teologia prática tem a ver com a inteira vida da congregação: adoração, solidariedade e serviço”.

Um dos objetivos deste artigo é ilustrar a complexidade da teologia prática. Não há consenso, histórico ou atual, em relação a uma “definição geral” da teologia prática. No entanto, existem temas comuns. Em meio a essa diversidade de perspectivas, é possível identificar três preocupações comuns que permeiam a teologia prática: a reflexão teológica deve estar centrada na experiência e na ação concretas, deve ajudar a compreender a experiência e orientar a ação, e os modelos teológicos devem ser influenciados por experiências e ações concretas.

Para esclarecer, devemos examinar a perspectiva básica de que a teologia prática é a interpretação ou reflexão crítica sobre a mensagem cristã em ação e na vida total da igreja. Esta definição identifica temas-chave: interpretação e reflexão crítica, a mensagem cristã em ação e a vida da igreja, que inclui a teologia prática como princípio e fim da vida e ação da igreja na sociedade.

Conclusão

A prática é o modo de ser da teologia como objetivo final da reflexão e construção teológica, que é prática, não especulativa. O primeiro é o compromisso com o serviço cristão. A teologia vem depois, isto é, o segundo ato. Como nos propôs Dietrich Bonhoeffer, em sua eclesiologia eminentemente “prática”, por assim dizer, já que não se trata de uma elaboração interessada em especulações, mas nas consequências do que significa ser um discípulo comunitário de Jesus.

A teologia de Bonhoeffer fornece material de pesquisa sobre tópicos como cristologia e eclesiologia e tem sido uma inspiração para experimentar a espiritualidade cristã, retornar à igreja primitiva e lutar por justiça na sociedade, ao escolher se submeter apenas ao senhorio de Cristo. Infelizmente, em nome de sua maneira de pensar, ele foi preso e executado. Tão convencido disso, a caminho da forca, pronunciou suas últimas palavras: “Das ist das Ende — für mich der Anfang des Lebens” (“Este é o fim — para mim o começo da vida”).

No que diz respeito especificamente à sua eclesiologia, expôs um dos argumentos que está no centro da proposta deste tema. Do ponto de vista de uma teologia pública, sua compreensão provocará uma mudança radical na mensagem da igreja ao mundo:

A mensagem da igreja para o mundo só pode ser a palavra de Deus para o mundo, ou seja, Jesus Cristo e a salvação nesse nome. Em Jesus Cristo, Deus definiu sua relação com o mundo; não conhecemos nenhuma outra forma de relacionamento entre Deus e o mundo, exceto por meio de Jesus Cristo. Por essa razão, também não há outra forma da igreja se relacionar com o mundo a não ser por meio de Jesus Cristo. Ou seja: a correta relação da igreja com o mundo deriva unicamente do evangelho de Jesus Cristo e não de um direito humano natural, racional ou de um direito humano universal.

Como escreveu, a teologia prática oferece a possibilidade de construir pontes entre diferentes perspectivas dentro da igreja e entre a igreja e o mundo. No entanto, a teologia prática oferece mais do que um espaço de diálogo entre diferentes perspectivas. Seu propósito original é formar a mente de Cristo. Por essa razão, a teologia prática oferece mais do que uma zona neutra onde diferentes opiniões podem ser formuladas, expressas e discutidas. Esse diálogo crítico é essencial, mas não é um fim em si mesmo.

O escopo da teologia prática é descrever, analisar, interpretar e propor ações com o objetivo de contribuir para a vinda do reino de Deus, ou para a formação da mente de Cristo. Embora esses dois conceitos tenham por vezes interpretações diferentes, permanecem valiosos porque indicam propósitos e crenças compartilhados dentro da comunidade cristã. São símbolos fundamentais que formam e expressam ideais e esperanças.

O que o reino de Deus e a mente de Cristo significam para o mundo hoje? Que formas assumem no século 21? Essa perspectiva é verdadeira? Caso contrário, como foi pervertida para servir e satisfazer necessidades institucionais? Quais ações expressam melhor as intenções subjacentes? Como podemos aplicá-las, de acordo com o ensinamento de Jesus? A teologia prática levanta essas e outras questões, não apenas no contexto e na linguagem da fé cristã, mas também na sociedade. Seus objetivos e métodos buscam responder por meio do diálogo crítico a serviço da sabedoria prática.

A função específica da teologia prática é atuar como consciência crítica da igreja e da própria teologia. Isso é decisivo para lembrarmos de nossa tarefa, que é a prática eficaz da fé. O compromisso da teologia prática é envolver-se com as comunidades eclesiais e, para isso, precisa estar em constante sintonia com as necessidades e exigências do mundo atual. Por essa razão, avaliemos criticamente a vida e ação da igreja diante dos desafios e condições histórico-sociais do presente. Nossa responsabilidade é ajudar as comunidades eclesiais, por meio de Jesus Cristo, a continuarem sendo um acontecimento salvífico aqui e agora. O propósito da teologia prática é ser um veículo para o Espírito Santo que move a igreja por meio de sua praticidade.

O objetivo principal deste artigo é enfatizar que a prática não é uma opção, mas o próprio modo de ser de qualquer teologia. Embora ainda exista uma divisão disciplinar acadêmica entre teologia bíblica, histórica, sistemática e prática, essa classificação não deveria fazer sentido devido à natureza da ação teológica. Toda atividade teológica deve ser prática, ou seja, deve visar orientar a ação cristã presente em resposta à ação de Deus — no passado, presente e futuro.

Uma cristologia prática nos mergulha nas profundezas do universo do conhecimento de Deus e de sua relação com sua criação. É um conhecimento que permanece, sem separação, confusão, mistura ou divisão — racionalmente místico e misticamente racional, teoricamente prático e praticamente teórico.

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Referências bibliográficas:

BONHOEFFER, D. Ética (São Leopoldo: Sinodal, 2008).

DESCHNER, J. “Preface to practical theology”. In: United Theological Seminary, 1981.

MADDOX, R. “Recovering theology as a practical discipline: a contemporary agenda”. In: Theological Studies, 1990.

MOORE, M. E. “The aims of practical theology: diversity in the United States”. In: The School of Theology at Claremont, 1995.

SCHLEIERMACHER, F. “Brief outline on the study of theology”. In: T. & T. Clark, 1850.

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