Um breve resumo da vida e da obra de Jonathan Edwards
Apesar do nosso propósito neste ensaio não ser principalmente biográfico, não podemos ignorar um pouco da história de Jonathan Edwards para compreender sua importância para a educação cristã.[1]
Jonathan Edwards (1703-1758) é considerado por muitos uma das mentes mais brilhantes – se não a mente mais brilhante – da história dos Estados Unidos. Ele foi o último dos grandes teólogos alinhados com a tradição reformada e puritana na Nova Inglaterra nas décadas antecedentes à Revolução Americana. Algumas das suas obras mais importantes – A Liberdade da Vontade (um tratado sobre a correspondência entre a soberania de Deus e a vontade humana, principalmente no processo da salvação), A Natureza da Virtude (um tratado sobre a centralidade do Evangelho para a virtude cristã) e Dissertação sobre o Fim para o qual Deus Criou o Mundo (sua obra dedicada à reflexão sobre a glória de Deus como o fio condutor da História) – figuram entre as principais obras teológicas da história da Igreja e também entre as obras teológicas e filosóficas de maior erudição na história da outra América.
Aliás, Jonathan Edwards destacou-se cedo na vida intelectual. Filho do Rev. Timothy Edwards – o único filho entre dez irmãs em sua casa – ele foi treinado cedo pelo seu pai nos estudos teológicos e linguísticos também, conseguindo ler em latim aos 6 anos de idade e em grego e hebraico até os 12 anos de idade. Ele ingressou na Universidade Yale – já naquela época uma das instituições de ensino de maior prestígio da América – às vésperas de completar 13 anos de idade e formou-se em 1720 antes de completar 18 anos de idade, inclusive como primeiro da sua turma. Após um período de aprofundamento nos estudos teológicos e um breve pastorado numa igreja presbiteriana na cidade de Nova Iorque, ele recebeu um convite para ser tutor na própria Universidade Yale, tendo uma carreira acadêmica promissora à sua frente.
Porém, devido a uma enfermidade, Jonathan Edwards não pode dar seguimento à sua vida acadêmica. Deus, em sua soberania, tinha outros planos para aquele jovem. Em 1726, aos 23 anos de idade, ele foi convidado para auxiliar o seu avô materno, o Rev. Solomon Stoddard – um dos pastores e pregadores mais influentes e consagrados das colônias norte-americanas – na cidade de Northampton em Massachussetts. Foi lá que Jonathan conheceu Sarah Pierrepont, com quem casou-se em 1727 e teve 11 filhos. Logo após o falecimento do seu avô, Jonathan foi empossado como sucessor dele à frente da igreja congregacional que ele pastorearia ao longo de 23 anos. Mesmo no pastorado, porém, ele nunca cessou de dedicar-se aos seus estudos teológicos, investindo até 13 horas por dia em suas meditações na Palavra de Deus.
Foi nesta época que Edwards destacou-se como um dos maiores pregadores e pastores da história dos Estados Unidos e da própria Cristandade. Aprouve a Deus, em sua graça soberana, usar a pregação de Jonathan Edwards para incendiar as colônias da Nova Inglaterra no que ficou conhecido na história como o Primeiro Grande Avivamento dos Estados Unidos, registrados em duas etapas entre 1734 e 1736 e depois entre 1740 e 1742. Após pregar uma série de sermões sobre a doutrina bíblica e protestante da justificação somente pela fé, Edwards relatou que o povo da sua cidade e das cidades e colônias vizinhas foi tomado por um senso tal da glória e da graça de Deus que muitos desviados retornaram à comunhão da igreja, as reuniões públicas dos cristãos tornaram-se mais vigorosas e fervorosas, houve um acréscimo incomum de centenas de almas salvas pelo Evangelho e o assunto nas ruas era a grande obra que Deus estava fazendo no coração de todos – homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e idosos. Segundo os relatos de Jonathan Edwards, nunca antes o povo daquele tempo havia experimentado tamanha convicção tanto dos seus pecados como do amor, da graça e da misericórdia de Deus em Jesus Cristo.
Edwards não foi apenas um dos principais catalisadores e testemunhas do avivamento na Nova Inglaterra, mas também o seu principal historiador e crítico. Diante das muitas críticas levantadas contra o “entusiasmo”, o “emocionalismo” e os excessos daquele avivamento, Edwards dedicou-se a examinar esse fenômeno e a catalogar o que ele cria ser, segundo os critérios bíblicos, os sinais questionáveis e inquestionáveis de uma obra genuína do Espírito Santo. Dali nasceu a sua famosa defesa do Primeiro Grande Avivamento, As Marcas Distintivas de uma Obra do Espírito de Deus,[2] discutivelmente a obra mais importante sobre avivamentos na história da Igreja.
Contudo, como Edwards mesmo constatou, assim como avivamentos vem, eles vão. Infelizmente, a piedade fervorosa e zelosa de Edwards – constatada desde muito cedo em suas famosas 70 resoluções redigidas quando da sua formatura da universidade ainda adolescente – não foi acompanhada pelo povo sob o seu pastoreio. Ao longo do seu pastorado em Northampton, o pastor Edwards já havia entrado em conflito várias vezes com os interesses ambiciosos e gananciosos da sua congregação. Mais próximo do fim do seu pastorado, os conflitos intensificaram-se por diversas razões: desde seu pedido por uma maior remuneração salarial para cuidar dos seus 11 filhos até sua confrontação pública da imoralidade sexual dos jovens da cidade – filhos de membros da sua congregação – a ponto dele barrar o acesso à Santa Ceia para os que não se arrependessem e se convertessem dos seus pecados. Finalmente, em 1751, Edwards foi dispensado do pastorado pela sua congregação. Deus, em sua soberania, tinha outros planos para Jonathan e sua família.
Pelos próximos 7 anos, uma porta de oportunidade abriu-se para Edwards. Deixando os confortos da colônia para trás, ele e sua família mudaram-se para a fronteira a fim de assumir um posto missionário junto aos índios Housatonnuck. Foi neste período que Edwards escreveu suas maiores obras teológicas. Mas, foi neste período também que ele pode experimentar aquilo que ele havia registrado em sua obra mais popular e conhecida, A Vida de David Brainerd – o relato dos esforços de um jovem missionário muito querido de uma das filhas de Edwards, cuja vida foi ceifada por uma enfermidade logo após retornar da frente indígena. Aliás, estima-se que esta obra sozinha tenha impulsionado grande parte do movimento missionário protestante do restante do século 18 e principalmente do século 19 – o grande século das missões protestantes – influenciando grandes homens e servos de Deus como William Carey, Henry Martyn, Robert M’Cheyne, David Livingstone, Andrew Murray, dentre outros. Aliás, a obra de Edwards sobre o missionário David Brainerd e uma outra obra sua intitulada Uma Tentativa Humilde, dedicada à promoção da oração congregacional em favor das missões, são apontadas por John Piper como sendo as forças propulsores das missões protestantes dos últimos 250 anos.[3]
Todavia, por uma última vez, Deus tinha outros planos para Jonathan Edwards. Em 1758, ele recebeu um convite para presidir a Universidade Princeton, outra instituição acadêmica de prestígio. Porém, após submeter-se logo em seguida a uma vacina experimental contra a varíola, Edwards foi acometido de uma febre que levaria à sua morte aos 54 anos de idade.
Antes de partir, Edwards deixou o seguinte recado para uma de suas filhas, Lucy:
“Cara Lucy, parece-me que é da vontade de Deus que a deixe em breve; portanto, transmita meu amor gentil à minha amada esposa, e diga-lhe que a união incomum que tem existido entre nós a tanto tempo é de tal natureza espiritual que, creio eu, ela perdurará para sempre; e, espero eu, que ela seja apoiada em meio a tal provação e submeta-se alegremente à vontade de Deus. E aos meus filhos, agora vocês ficarão sem pai, o que, espero eu, lhes sirva de motivação para buscarem o Pai que nunca os deixará.”
Quando Sarah, esposa de Edwards, acamada por uma enfermidade, recebeu a notícia do falecimento do seu esposo, ela registrou o seguinte recado à sua filha Esther:
“O que direi: um Deus santo e bom nos cobriu com uma nuvem escura. Ó, que beijemos o seu cajado e tapemos as nossas bocas. O Senhor o fez. Ele nos fez adorar a sua bondade por tê-lo [Jonathan] por tanto tempo. Mas o meu Deus vive e ele tem o meu coração. Ó, que legado meu marido, e seu pai, nos deixou! Somos todos entregues a Deus, e lá estou e amo estar.”
Que testemunho! Que legado! Queira Deus que todo marido e pai cristão pudesse deixar tal testemunho e legado para sua esposa e filhos nesta terra.
O legado de Jonathan Edwards para a educação cristã
Mas, então, qual será o legado que Jonathan Edwards deixou para a missão da educação cristã em nossa geração? Creio que podemos dividir esse legado em, pelo menos, 4 lições.
- A educação cristã deve estar centrada na glória de Deus.
Jonathan Edwards não foi o detentor apenas de um raciocínio teológico brilhante e de uma piedade fervorosa, mas de uma visão de mundo rara em nossos dias – uma visão de mundo centrada na glória de Deus. Tal visão foi registrada tanto em suas obras teológicas principais – como, por exemplo, a Dissertação sobre o Fim para o qual Deus Criou o Mundo – como também em suas famosas 70 resoluções registradas ao fim da sua adolescência e no início da sua juventude, especialmente as resoluções 1 e 4, que dizem:
“1. Resolvi que farei tudo o que considerar ser mais importante para a glória de Deus e para o meu próprio bem, ganho e prazer, por todo o tempo que eu viver, sem levar em conta quando, quer seja agora ou num futuro muito distante. Resolvi fazer tudo que eu pensar ser o meu dever, principalmente para o bem e proveito da humanidade em geral. Resolvi fazer isso, sejam quais forem as dificuldades que eu encontre, ainda que muitas e grandes.
- Resolvi nunca fazer qualquer coisa, quer por meio da alma, quer por meio do corpo, nada mais, nada menos, que não glorifique a Deus; nem ser, nem sujeitar-me a tal coisa, se puder evitá-la.”[4]
Ora, quantos dos nossos filhos, dos nossos alunos e dos nossos jovens – em casa, na igreja e na escola – tem uma visão de mundo e de vida como essa? Quantos deles estão resolvidos a viver o resto das suas vidas para a glória de Deus? Não estamos dizendo que todos poderiam viver exatamente como Jonathan Edwards; ele foi único e sem igual na história do Cristianismo. Sequer estamos dizendo que todos seriam capazes de registrar resoluções como essas de Jonathan Edwards na idade em que ele as registrou. Porém, se é possível para um jovem redigir uma resolução de vida como essa ao final da sua adolescência, por que não esperamos isso dos nossos jovens? Será que estamos treinando-os para tanto? Será que essa tem sido a nossa missão principal como pais, professores, pastores, mentores, discipuladores e educadores? Se não, qual tem sido a nossa missão então na educação das próximas gerações?
Pense nisso: a palavra “educar” vem do latim educare que significa instruir, treinar ou criar. Ela deriva de duas outras palavras: a preposição ex (para fora) e ducere (guiar, conduzir, liderar). A conotação original dessa palavra, portanto, é de conduzir alguém para fora de si mesmo, para outra realidade e outro mundo, por meio da instrução. Ora, nosso papel como educadores cristãos é justamente guiar, conduzir e liderar a próxima geração, com o auxílio da Palavra e da graça de Deus, para fora de si mesma, do seu universo egocêntrico, para outro mundo habitado por outras pessoas, vontades, conceitos e interesses; não só o mundo de outras pessoas, mas o mundo de Deus, criado por Deus, sustentado por Deus e ordenado para a glória de Deus. Como bem resumiu o apóstolo Paulo em Romanos 11.36 (NVI): “Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém.” Mais especificamente, nosso alvo como educadores cristãos é de instruir e treinar a próxima geração a pensar e viver para a glória de Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, pois a Escritura também diz: “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa.” (Hb 1.3) Esse deve ser o nosso alvo constante, quer ensinemos aos nossos filhos a Bíblia, matemática, história, geografia, literatura, as ciências ou as artes; afinal de contas, em Cristo “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento.” (Cl 2.3)[5] Logo, é em Cristo que todo saber encontra sua fonte, sua razão e seu propósito final.
Se falharmos nisso, se não cumprirmos o nosso mandato de educarmos a próxima geração para amar a glória de Deus em Cristo Jesus acima de todas coisas, não pensemos que o altar da mente e do coração dos nossos filhos ficará vazio. Como Paulo também deixou claro na sua epístola aos Romanos, quem não reconhece a glória de Deus acima de tudo trocará essa glória por outra glória passageira, por algo de valor imensuravelmente inferior a Deus. (Rm 1.18-23) E o que temos visto nos últimos anos? Jovens sendo educados para a glória do gênero, da classe, do partido, do Estado, do mercado, da cultura popular dominante, dentre tantas opções. Porém, se Deus diz em sua Palavra “Eu sou o Senhor; este é o meu nome! Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor” (Is 42.8), por que temos permitido que outros recebam a glória devida a ele na educação da próxima geração?
Não tenhamos dúvida: quem não educa para a glória de Deus educará para a glória de outro ser ou valor inferior a ele. E, se não existe um valor superior ao outro – como quer nos ensinar a agenda pluralista, relativista e multiculturalista do nosso tempo – então qualquer valor serve. Até mesmo nenhum valor específico. Conta-se a história de um pai cristão que esteve presente numa reunião de pais com os professores e diretores do colégio dos seus filhos. Após entregar uma belíssima apresentação sobre todos os recursos e a infraestrutura moderna do colégio, o diretor perguntou, de forma retórica, se ainda restava alguma dúvida dos pais a respeito da educação que os seus filhos receberiam ali. Após um silêncio constrangedor, aquele pai cristão fez uma única pergunta: “Que tipo de pessoas vocês desejam formar nesse colégio?” De repente, houve outro silêncio constrangedor. E o diretor respondeu: “Ninguém jamais nos fez essa pergunta.” Pois é. Antes tarde do que nunca.
Então, que tipo de pessoas queremos formar em nossos lares, em nossas igrejas e em nossas escolas? Se não estamos formando a próxima geração para viver para a glória de Deus, então ela viverá para a glória de quem? E, se não existem lares, igrejas e escolas que o façam, então estabeleçamos lugares assim que treinem a próxima geração para viver no mundo de Deus para a glória de Deus!
- A educação cristã centrada na glória de Deus possibilita enxergar a beleza e a ordem do Criador e da sua criação.
Quando ainda um jovem estudante, enquanto ele caminhava pelo pasto da propriedade do seu pai, olhando para o gramado e para o céu, Jonathan Edwards relatou o seguinte:
“Enquanto eu caminhava por lá, e olhava para o céu e para as nuvens; um senso da gloriosa majestade e graça de Deus invadiu a minha mente, além da minha capacidade de expressão. Eu parecia vê-los numa doce conjunção: majestade e ternura unidos juntos; parecia-me uma majestade santa, doce e gentil; e também uma doçura majestosa; uma doçura terrível, e uma ternura alta, grande e santa.
Depois disso, minha sensação das coisas divinas aumentou gradualmente, e tornou-se mais e mais viva, e tinha mais daquela doçura interior. A aparência de tudo foi alterada: parecia-me haver, em quase tudo, uma tranquilidade, um aspecto doce e uma aparência de glória divina.”[6]
Tamanha experiência da glória de Deus revelada na criação repetiu-se várias e várias vezes ao longo da vida de Edwards, conforme ele mesmo relatou, em suas caminhadas rotineiras pelos bosques e pelas florestas, em suas cavalgadas e em seus labores domésticos ao ar livre. Para Edwards, a criação – uma nuvem, uma árvore, um arco-íris, um pôr-do-sol, ou até mesmo o padrão do traçado da teia de uma aranha, que resultou em um trabalho científico produzido por Edwards e reconhecido pela comunidade científica da Inglaterra – não era apenas a criação, mas um pequeno reflexo da grandeza da glória do Criador de todas as coisas. Como disse o salmista Davi século antes: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra de suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite. Sem discurso nem palavras, não se ouve a sua voz. Mas a sua voz ressoa por toda a terra e as suas palavras até os confins do mundo.” (Sl 19.1-4a)
Pergunta: é assim que os nossos filhos, alunos e discípulos estão aprendendo a enxergar o mundo? Como um retrato belo e ordenado da glória de Deus?
É absolutamente urgente e imprescindível recuperar esse olhar bíblico e cristão do mundo para as próximas gerações. Devido ao avanço da filosofia naturalista e da hegemonia do pensamento evolucionista darwinista no último século e meio, fomos treinados a enxergar o mundo apenas como uma série de acidentes cósmicos sem nexo, sem razão e sem nenhum valor intrínseco. O mundo deixou de ser um lugar a ser cultivado, cuidado e contemplado como uma obra prima da glória de Deus a fim de ser um lugar dominado, controlado e explorado para a glória do homem.[7] Predomina em nosso tempo uma visão de mundo meramente materialista, utilitária e pragmática, que não consegue enxergar a ordem e a beleza do universo além daquela ordem que nós impomos ao mundo e da beleza que nós criamos segundo os nossos padrões corrompidos e pecaminosos. Em reação a tudo isso, uma nova onda de paganismo e misticismo tem avançado na agenda da educação contemporânea em nome da defesa do meio-ambiente, sob a rubrica de cuidarmos da “Mãe Terra” ou da “Mãe Natureza”, endeusando aquilo que a Palavra de Deus diz ser um espelho da glória do Criador, mas não o próprio resplendor da glória do Criador.[8]
Veja bem, nós cristãos não temos menos razão para cuidarmos do meio-ambiente; pelo contrário, temos mais razão. Por ser o mundo de Deus criado para a glória de Deus, sabemos que prestaremos contas a Deus pela nossa mordomia da sua criação. Portanto, não temos que endeusar ou paganizar o universo criado para justificar o cuidado com o mundo. Por outro lado, sabemos também que Deus criou este mundo e o confiou aos nossos cuidados, como vice-regentes e mordomos dele nesta terra. Por isso, não devemos ter receio de criar e cultivar coisas novas dentro do mundo que ele nos delegou, sabendo que isso também pode trazer honra e glória ao seu nome. Como bem relata os capítulos 1 e 2 do livro de Gênesis, foi Deus quem nos criou à sua imagem e semelhança para espelhar o seu domínio criativo e responsável nesta terra, colocando-nos aqui para cuidar e cultivar este mundo para a sua glória. (Gn 1.26-28; 2.15) É o mandato de Deus – também conhecido como o mandato cultural – que legitima o nosso trabalho criativo e cuidadoso neste mundo. Mas, é o mesmo mandato de Deus que nos lembra que devemos fazer isso com responsabilidade, como quem prestará contas a Deus.
Tal consciência não apenas confere um valor e um significado renovado ao nosso trabalho e serviço neste mundo – e não só para quem trabalha no campo e vive da terra como Adão e Eva! – mas também nos oferece um outro olhar do mundo, repleto de beleza e ordem. Mesmo os educadores não-cristãos reconhecem cada vez mais o quanto a interdisciplinaridade é vital para a melhor aquisição e retenção do conhecimento – isto é, o quanto é importante entrelaçar os diferentes campos do conhecimento (p.ex. matemática e física; química e biologia; literatura, história e geografia) para o melhor ensino e aprendizado da próxima geração. Pois bem, tal empreendimento é melhor realizado por aqueles que tem uma visão de mundo bíblica e cristã como a de Edwards, onde é sabido e esperado que encontremos uma certa ordem, harmonia e beleza no conhecimento do universo oriundos do Criador de todas as coisas, a fonte de toda razão e beleza.
Descartar o Criador da missão de educar para a vida é como remover o cordão que une as pérolas em um colar: podemos apreciá-las uma a uma e enxergar certa correlação entre elas, mas nunca conseguiremos uni-las num todo coerente e ordenado. Ou, para usar outra comparação, tentar compreender este mundo sem o seu Criador é como olhar para o mundo a partir de um espelho rachado e fragmentado em mil pedaços. Por mais que tentemos consertar o espelho, nunca veremos com nitidez e clareza o traçado ordenado e belo deste mundo por meio do seu reflexo fracionado. Somente Deus, por meio das lentes corretivas e curativas da sua Palavra, pode nos conceder essa visão privilegiada e ordenada deste mundo; e isso não só para a iluminação da nossa mente, mas também para a transformação do nosso coração, o que nos leva à próxima lição.
- A educação cristã centrada na glória de Deus promove a verdadeira piedade.
Para Jonathan Edwards, é insuficiente simplesmente reconhecer a glória de Deus em sua criação e até mesmo proclamar esta glória sem, ao mesmo tempo, regozijar-se nela. Em suas próprias palavras:
“Agora, o que significa glorificar a Deus se não regozijar-se nesta glória que ele exibiu? Um mero entendimento das perfeições de Deus não pode ser o fim para o qual ele criou o mundo; pois, seria tão bom para alguém não compreender a glória de Deus quanto enxergá-la e não ser movido de alegria por essa visão. O propósito maior da criação sequer pode ser o declarar a glória de Deus aos outros; pois, declarar a glória de Deus serve para nada se não para despertar a alegria em nós e nos outros pelo que declaramos.”[9]
Em outras palavras, a glória de Deus não existe apenas para esclarecer a nossa mente e para orientar as nossas ações neste mundo; ela existe também e, talvez, principalmente, para cativar o nosso coração e, assim, transformar as nossas paixões e prioridades neste mundo. Pois, conforme nos ensinam as Escrituras, o coração é a fonte da nossa conduta e de toda nossa vida (cf. Pv 4.23; Mc 7.21-22; Lc 6.45); ele é a “torre de comando” da nossa existência e a bússola moral e espiritual da nossa alma. Se o nosso coração não for cativado pela glória de Deus, por mais que a mente e a conduta forem treinadas para tanto, de fato não estamos dando toda a glória que é devida a Deus. E, em breve, quem sabe, se o centro da nossa vontade não estiver rendido à glória de Deus, nossos pensamentos e nossos passos também se afastarão dela.[10]
Para Jonathan Edwards, portanto, a glória de Deus não pode ser apenas o nosso pensamento principal, mas o nosso desejo e anseio principal por trás de tudo que experimentamos e fazemos nesta vida. Em suas próprias palavras:
“O deleite de Deus é a única alegria que pode satisfazer as nossas almas. Ir para o céu para deleitar-se plenamente em Deus é infinitamente melhor que as circunstâncias mais prazerosas daqui. Pais e mães, maridos ou esposas ou filhos, ou a companhia de amigos são apenas sombras; Deus é a substância. Aqueles são apenas raios dispersos; Deus é o sol. Aqueles são apenas riachos; Deus é o oceano.”[11]
A partir da vida e da obra de Edwards, portanto, podemos extrair a seguinte tríade para a formação cristã: educação-exultação-exaltação. Educamos para que outros compreendam o mundo de Deus com todo o seu entendimento. Compreendemos a fim de que exultemos em Deus de todo nosso coração. Exultamos em Deus para que exaltemos a Deus de todo o nosso ser.[12]
Nesse sentido, Edwards estava em sintonia com a longa tradição puritana de piedade descrita por alguns como “lógica em chamas” ou “luz na mente e fogo no coração”. Para Edwards, em concordância com a primeira pergunta do Catecismo de Westminster, o objetivo principal do ser humano era glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. Ou, como sugeriu John Piper, um discípulo contemporâneo de Jonathan Edwards, devemos glorificar a Deus ao gozá-lo para sempre, pois Deus é mais glorificado em nós quanto mais nos regozijamos nele.[13] Ou, nas próprias palavras de Jonathan Edwards, ao descrever a sua conversão a Cristo ainda novo:
“A primeira vez que eu me recordo de ter encontrado qualquer traço daquele doce e íntimo deleite em Deus e nas coisas divinas, o qual tenho experimentado desde então, foi ao ler estas palavras de 1 Timóteo 1.17: ‘Ao Rei eterno, o Deus único, imortal e invisível, sejam honra e glória para todo o sempre. Amém.’ Ao ler essas palavras, adentrou a minha alma e difundiu-se por todo o meu ser, um senso da glória do Ser Divino; um senso novo, bem diferente de tudo que havia experimentado antes. Jamais quaisquer palavras das Escrituras provocaram essa sensação. Pensei comigo mesmo quão excelente era esse Ser; e quão feliz eu era de regozijar-me neste Deus, e ser arrebatado para Deus no Céu, como que envolto por Ele. Eu continuei repetindo e quase que cantando essas palavras das Escrituras para mim mesmo; e dirigi-me à oração, em oração a Deus para que eu pudesse alegrar-me nele; e orei de forma bem diferente de como orava antes, com um novo tipo de afeição.”[14]
Pergunta: quanto oramos para que a próxima geração tenha um encontro semelhante a este que Edwards teve com Deus, a ponto de regozijar-se em sua glória de coração? Aliás, quanto estamos atentando para o coração da próxima geração do nosso lar, da igreja e dos que passam pela escola? Estamos contentes em simplesmente transmitir-lhes conteúdo de qualidade e treinar, até onde podemos, a conduta deles neste mundo? Ou estamos interessados e empenhados em cultivar na próxima geração corações que amam, temem e servem a glória de Deus? Aliás, que tipo de pais, professores, pastores, mentores, discipuladores e educadores precisamos ser para que isso seja possível? E isso somente pela graça de Deus, é claro, pois só ele tem o poder de transformar corações – tanto os nossos como os dos nossos filhos, alunos e discípulos! Será que nós temos um coração assim voltado, inclinado, rendido, cativado pela glória de Deus – não só a glória revelada na criação, mas supremamente pelo que Deus fez por nós no Calvário e no Túmulo Vazio, enviando-nos seu único Filho, Jesus Cristo, para morrer e ressuscitar por nós e pela nossa eterna redenção, conforme nos ensina o Evangelho? Se nós não tivermos um coração assim, que motivação a próxima geração terá para ter um coração cativado pela glória de Deus?
Como muitos já sugeriram, a palavra “aluno” vem do latim alumnus, que significa algo como “sem luz” ou “sem conhecimento” (i.e. a-lumni). O aluno, portanto, é aquele que carece da luz do conhecimento, luz essa que deve tanto iluminar a sua mente e o seu caminho como também aquecer o seu coração.[15] E não existe outra luz que cumpre esse fim melhor nesta vida do que a luz da glória de Deus! Porém, há quem defenda que a origem mais exata do termo alumnus é o vocábulo latim que significa “criança de peito, lactente, menino” do verbo alere que significa “fazer aumentar, nutrir, alimentar”. Nesse caso, ainda mais do que no primeiro, entende-se que o “aluno” é aquele que tem que ser nutrido e alimentado por outro capaz de supri-lo em sua carência. Só Deus pode fazer crescer em nossos filhos e alunos um coração desejoso por glorificá-lo de todo o seu ser. Ele mesmo poderia fazer isso sem a nossa ajuda. Mas, foi ele quem designou pais e mães em primeiro lugar – e, por conseguinte, professores, pastores e outros educadores – para despertarem neles um santo anseio pela sua glória. Como registrou Moisés em Deuteronômio 6.4-9: “Ouça, ó Israel: o Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças. Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar. Amarre-as como um sinal nos braços e prenda-as na testa. Escreva-as nos batentes das portas de sua casa e em seus portões.”
A educação bíblica e cristã, portanto, deve mover primeiro o nosso coração rumo a uma piedade que glorifique a Deus de todo nosso ser, antes que ela possa alcançar o coração da próxima geração. E isso deve acontecer primeiramente não em sala de aula ou no santuário da igreja, mas na vida comum do nosso lar, onde os filhos aprenderão a glorificar a Deus de mente e de coração, tal qual Jonathan Edwards aprendeu primeiro do seu próprio pai.
- A educação cristã centrada na glória de Deus possibilita o serviço fiel a Deus neste mundo.
Que tipo de serviço Jonathan Edwards prestou a Deus neste mundo, fruto da sua paixão pela glória de Deus? Em seus 54 anos de vida, ele serviu como filho, aluno, tutor, pastor, pregador, marido, pai, missionário, teólogo e, por fim, presidente de uma universidade. Tanto na vida doméstica como congregacional e cívica, Edwards foi um homem que viveu segundo a sua primeira resolução, de fazer tudo intencionalmente para a glória de Deus.
Que serviços a próxima geração prestará neste mundo? Só o Deus soberano sabe por certo. Porém, uma educação cristã intencionalmente voltada para a glória de Deus capacitará e libertará os nossos filhos para servirem como, quando e onde for, certos de que em tudo Deus deve ser glorificado e exaltado.
Isso, creio eu, em muito difere do tipo de educação que oferecemos hoje para os nossos filhos. Vivemos hoje um modelo educacional quase em sua totalidade mercantilista e utilitário, voltado tão somente para a aquisição de certos conhecimentos e aptidões que capacitarão os nossos filhos a conseguirem a tão cobiçada estabilidade e segurança do funcionalismo público ou a carreira mais rentável possível no mercado de trabalho. É imperativo saber que não educamos os nossos filhos principalmente para que eles ganhem bem, mas para que vivam bem e aprendam a fazer o bem, seja na função que for, para a glória de Deus. É possível glorificar a Deus no funcionalismo público? Certamente. É possível glorificar a Deus numa carreira próspera e rentável no mercado de trabalho? Também. Porém, de quantos serviços nobres e essenciais neste mundo estamos privando os nossos filhos ao deixarmos de encorajá-los primeiro a glorificarem a Deus com toda a gama de dons e talentos que o Senhor lhes deu – inclusive a vocação pastoral e missionária? “Ah, se eles não derem certo em mais nada, tudo bem, eles podem até pensar em ser pastores e missionários…” – é o que pensam muitas pessoas, até mesmo dentro da própria igreja!
Por mais fantasioso que seja, imagine comigo, por um instante, se Jonathan Edwards fosse educado em nossa geração e estivesse matriculado em uma das nossas escolas. O que pensariam dele? Talvez pensassem: “Um rapaz muito talentoso e inteligente, mas que vive com a cabeça na natureza e nas coisas de Deus, muito distante da realidade das coisas práticas deste mundo. Encaminhar para uma análise com a psicóloga.” Assim, talvez, rotularíamos uma das mentes mais brilhantes da história da Igreja, que marcou a sua geração e gerações desde então, inclusive da sua família e da sua nação. Caso haja alguma dúvida da utilidade prática e pública do testemunho de Jonathan Edwards, estima-se que 400 a 500 dos seus descendentes estiveram envolvidos em diversas posições de influência na sociedade estadunidense – tanto dentro como fora da igreja, até mesmo ocupando a vice-presidência daquela nação – fazendo da família de Edwards uma das mais importantes da história dos Estados Unidos da América.[16]
Em suma, não menosprezemos o que Deus pode fazer na vida dos nossos filhos e por intermédio deles neste mundo quando os educamos para a glória de Deus!
Conclusão
O legado da vida e da obra de Jonathan Edwards para a educação cristã é imenso. “Ó, que legado meu marido, e seu pai, nos deixou!” – foi o que disse Sarah Edwards para a sua filha Esther, quando do falecimento de Jonathan. E ela só viveu para ver os frutos desse legado até a sua geração.
Portanto, por que a educação cristã precisa de Jonathan Edwards? Ele nos ensina que:
- A educação cristã deve estar centrada na glória de Deus.
- A educação cristã centrada na glória de Deus possibilita enxergar a beleza e a ordem do Criador e da sua criação.
- A educação cristã centrada na glória de Deus promove a verdadeira piedade.
- A educação cristã centrada na glória de Deus possibilita o serviço fiel a Deus neste mundo.
Que o Senhor nos dê graça para promovermos este tipo de educação em nossos lares, em nossas igrejas, em nossas escolas e em nossa nação. E que venham os frutos, para a glória de Deus somente!
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[1] Para quem quiser uma boa introdução à sua vida e ao seu pensamento, confira As Firmes Resoluções de Jonathan Edwards de Steven Lawson (São José dos Campos: Fiel, 2010) e A Breve Vida de Jonathan Edwards de George Marsden (São José dos Campos: Fiel, 2015).
[2] Disponível em português sob o título A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais de Autenticidade (São Paulo: Vida Nova, 2016).
[3] “The Pastor as Theologian: Life and Ministry of Jonathan Edwards” (1988 Bethlehem Conference for Pastors), disponível em https://www.desiringgod.org/messages/the-pastor-as-theologian, acesso em 31 julho 2018.
[4] As Firmes Resoluções de Jonathan Edwards, p. 148.
[5] Para um breve esboço acerca da integração das diferentes áreas de conhecimento com a cosmovisão cristã, confira Solano Portela, O que estão ensinando aos nossos filhos? : uma avaliação crítica da pedagogia contemporânea apresentando a resposta da educação escolar cristã (São José dos Campos: Fiel, 2012), p. 269-276. Veja também os livros de Douglas Wilson, Por que as crianças precisam de educação cristã? (Brasília: Monergismo, 2015) e Filipe Fontes, Educação em casa, na igreja e na escola: uma perspectiva cristã (São Paulo: Cultura Cristã, 2018).
[6] “Extractions from his Private Diary,” em Jonathan Edwards: A Profile, ed. David Levin [New York: Hill and Wang, 1969], p. 27-28. Confira também Jonathan Edwards on Beauty, de Owen Strachan e Douglas Sweeney (Chicago: Moody Publishers, 2010), p. 47-70.
[7] Para um breve e proveitoso ensaio a esse respeito, confira a obra de Steve Turley, Educação Clássica vs Educação Moderna: a visão de C.S. Lewis (São Paulo: Trinitas, 2018).
[8] Como bem observa Gary DeMar em seu livro Quem Controla a Escola Governa o Mundo (Brasília: Monergismo, 2014), nem mesmo os evolucionistas conseguem fugir dessa tendência pagã e mística ao falarem da “evolução” em termos religiosos como o grande fator de ordenamento e condução proposital do universo: “Mesmo assim, os críticos do design inteligente atribuem personalidade, inteligência, design e propósito a essa fantasma milagroso que chamam ‘Evolução’. (…) A evolução se tornou o novo deus dos materialistas com todos os atributos de Deus que eles negam com tanta veemência… A evolução não é pessoa nem força; é o nome do mito que permite a seus propagadores livrar-se de Deus em nome da ciência.” (p.104-105)
[9] The “Miscellanies”, Entry Nos. a-500, The Works of Jonathan Edwards, vol. 13, no. 3, ed. Thomas A. Schafer (New Haven: Yale University Press, 1994), p. 200.
[10] James K.A. Smith destrincha este argumento em seu livro Você é aquilo que ama: o poder espiritual do hábito (São Paulo: Vida Nova, 2017).
[11] “The Christian Pilgrim”, The Works of Jonathan Edwards, vol. 2, p. 244.
[12] A tríade educação-exultação-exaltação me foi apresentada primeiro por Sam Storms em seu curso de Teologia Sistemática ministrado na Wheaton College em 2003.
[13] Confira Em busca de Deus: a plenitude da alegria cristã (São Paulo: Shedd, 2008).
[14] “Extractions from his Private Diary”, p. 26.
[15] Cf. Solano Portela em Por que as crianças precisam de educação cristã, p. 8-9.
[16] Para mais a esse respeito, confira George Marsden, A breve vida de Jonathan Edwards, p. 197-208.