Introdução à Cosmovisão Reformada: Anotações quase aleatórias (10)

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4. Cosmovisão e arte

Em suas Memórias, Ludwig Richter [1803-1884] lembra uma passagem de sua juventude, quando certa vez, em Tivoli, ele e mais três companheiros resolveram pintar um fragmento de paisagem, todos firmemente decididos a não se afastarem da natureza no menor detalhe que fosse. E embora o modelo tivesse sido o mesmo e cada um tivesse sido fiel ao que seus olhos viam, o resultado foram quatro telas completamente diferentes – tão diferentes quanto as personalidades dos quatro pintores. O narrador concluiu, então, que não havia uma maneira objetiva de se verem as coisas, e que formas e cores seriam sempre captadas de maneira diferente, dependendo do temperamento do artista – Heinrich Wölfflin.1

Você não precisa acreditar em tudo o que pensa, e a razão é simples: nós vemos o que queremos ver. (…) O nervo óptico, o único nervo com ligação direta com o cérebro, na verdade transmite mais impulsos do cérebro para o olho do que vice-versa. Isto significa que seu cérebro determina o que o olho vê. Você já está pre-condicionado. É por isso que, se quatro pessoas presenciarem um acidente, cada uma vai relatar algo diferente. Precisamos nos lembrar, e ensinar aos outros, que não devemos acreditar em tudo o que pensamos – Rick Waren.2

Podemos definir arte como uma expressão intelectual — consciente ou não3  —, subjetiva e sensível de nossa cosmovisão. Intelectual porque é própria do homem como ser pensante.4  Subjetiva porque é pessoal. Sensível porque não existe arte secreta e também porque a arte precisa ser “manufaturada”5  para se tornar perceptível; ela necessita ser experimentada. O próprio Deus, antes de criar o homem, compartilha consigo mesmo a respeito deste grandioso empreendimento (Gn 1.27).

O nosso padrão de beleza será sempre limitado e subjetivo ainda que cada aspecto da Criação tenha a sua beleza própria decorrente de sua natureza e propósito. A nossa inspiração ao belo, independentemente de condicionantes culturais, sociais, ideológicos e pessoais, tem dois condicionantes ontológicos: somos criaturas e, como tais, estamos sujeitos a um delimitador existencial pelo fato de todo o nosso conhecimento ser mediado, portanto, parcial, é suscetível a ruídos e desvirtuamentos tanto na percepção quanto na comunicação.6 Outro ponto, mais significativo, é que com a Queda nos tornamos essencialmente pecadores, perdemos a nossa sensibilidade espiritual e, como vimos, todo o nosso ser foi afetado pelo pecado, nada ficou imune a esta depravação. Além disso, o que nos inspira, a Criação em todas as suas manifestações tem também a mancha do pecado. Portanto, como já dissemos, a Beleza absoluta está em Deus. O usufruir da beleza e do senso de beleza são dons da graça comum de Deus. A Arte com “A” maiúsculo pertence somente a ele, em quem temos de forma plena e perfeita o Belo e o padrão absoluto de beleza. Somente Deus pode de forma absoluta dizer que a sua obra é boa e perfeita dentro dos objetivos que foram por ele santa e sabiamente estabelecidos (Gn 1.31). A proximidade de Deus, aquele que é belo em sua santidade (Sl 27.4; 96.9), nos aperfeiçoa, nos concedendo maior sensibilidade para com a beleza expressa na Criação, nos feitos humanos e em nossas relações fraternas.

Calvino (1509-1564) entendia que a arte e as demais coisas que servem ao uso comum e conforto desta vida são dons de Deus; portanto, devemos usá-las de forma legítima a fim de que o Senhor seja glorificado.7 Quanto mais o homem se aprofunda nas “artes liberais” e investiga a natureza, mais se aproxima “dos segredos da divina sabedoria”.8  Ainda que as artes não tenham poder redentivo e, a bem da verdade, não é este o seu propósito, elas contribuem para temperar a nossa vida com mais encanto e beleza, quer pelo que reproduz (o seu tema),9 quer pela forma de fazê-lo (habilidade).10  A beleza da arte não está simplesmente em sua temática, mas, também, na qualidade daquilo que reproduz e reinventa a partir da natureza que a alimenta.11 Analisemos alguns aspectos disso:

A) BOA QUALIDADE COM UMA COSMOVISÃO DEFEITUOSA
Devemos tomar cuidado para que não confundamos a cosmovisão do artista expressa em sua arte com a qualidade com a qual ele a retrata. Posso apreciar com entusiasmo a qualidade de uma obra sem, necessariamente, concordar com a mensagem comunicada.12 Porque não concordo com a cosmovisão do artista nem por isso a sua obra se torna simplesmente em algo de baixa qualidade.13

Horton emprega figuras fortes, porém, ilustrativas. Depois de dizer que considera “obras-primas” trabalhos dos ateus J.P. Sartre (1905-1980); A. Camus (1913-1960) e Richard Wagner (1813-1883),14  ainda que não concordasse com a visão deles, arremata: “E Wagner, compositor favorito de Hitler e um devoto do niilismo ateísta de Nietzsche que produziu o Holocausto, hoje é ouvido em auditório em Tel Aviv”.15 

Contudo, cabe aqui uma advertência. Não sejamos ingênuos. Uma obra da qual discordo da cosmovisão de seu autor, porém, foi bem elaborada, pode não contar com minha aprovação simplesmente porque considero que o mesmo apelou com cores por demais exageradas e desnecessárias para enfatizar o seu ponto. Exemplifico: no intuito de retratar a beleza do amor entre um homem e uma mulher, o diretor pode apelar para cenas de nudez e sexo; para descrever as práticas religiosas idólatras e a sua associação com a sensualidade, usar do mesmo expediente. Para falar de violência pode-se chegar a atos de extrema violência para impactar o seu público, etc. De certa forma, o meio é a mensagem. Os meios revelam os meus fins. A minha cosmovisão pode ser vista, por vezes, no meu objetivo não declarado, ainda que revelado. Vejam se não é isso que acontece em muitos de nossos comerciais, programas de humor ou até mesmo em um quadro de determinado programa que ajuda a mulheres, escolhidas alheatoriamente nas praias, a se “vestir” melhor com roupas de banho, “valorizando” o seu tipo físico. Creio que tudo que existe é digno de ser estudado, todavia, nem tudo que existe precisa ser retratado com a mesma ênfase e com detalhes desnecessários.

B) BOA COSMOVISÃO COM BAIXA QUALIDADE

Orbaneja, o pintor de Úbeda, que, perguntando-se-lhe o que pintava, respondeu: ‘o que sair’. E às vezes pintava um galo, de tal feitio e tão pouco parecido, que era necessário escrever-se-lhe ao pé em letras grandes: ‘Isto é um galo’. – Miguel de Cervantes (1547-1616).16

De igual modo, posso apreciar o tema e a mensagem de uma obra, reconhecendo, contudo, a baixa qualidade do que foi produzido. Em outras palavras: porque algo foi feito supostamente para Deus, um dueto, por exemplo, não o torna agradável ouvi-lo. Por eu ser um cristão sincero e desejar glorificar a Deus com minha arte, não torna boa a qualidade de minha obra. Não podemos confundir as coisas sem incorrer em falta grave. Isto me faz lembrar uma brincadeira muito comum entre familiares e amigos: Achamos linda uma camisa ou um sapato na vitrine até vermos com alguma dificuldade o preço exorbitante na etiqueta meio escondida (no fundo já desconfiávamos). Em geral produtos baratos ou em “promoção” são os que têm seus preços expostos. Os produtos passam imediatamente por uma transformação metafísica: “são muito feios”, declaramos com um misto de ironia e frustração.

Algo que pode contribuir para a baixa qualidade do que fazemos é a pressa em pegarmos tendências e modismos, sem nos darmos conta de sua consistência e, portanto, durabilidade. Dificilmente uma arte apressada poderá durar. Tudo que fazemos é transitório, sabemos. Contudo, isso não significa que seja descartável. A nossa obra deve primar por consistência de propósito (glorificar a Deus) e de composição (qualidade), não por modismos circunstanciais. O que é, é. A excelência no que fazemos deve caracterizar a nossa produção, ainda que nossos contemporâneos não reconheçam necessariamente a qualidade do que produzimos.17 

C) COSMOVISÃO E AVALIAÇÃO

A avaliação cristã de todas as coisas deverá ser crítica e construtiva. Como sabemos, o artista não é neutro e, consequentemente sua obra também não é. Aliás, o que seria neutro em nossa existência?18  A cosmovisão do artista não pode estar acima de uma avaliação. O seu produto não é simplesmente produto de seu gênio autônomo, tão desejado, porém, inexistente. Aliás, inclino-me a crer que o seu gênio é profundamente modelado pelo “clima” ou “atmosfera” de sua época, pelas cores com as quais a realidade é pintada e os acordes que dão o tom aos valores hodiernos, ainda que isso não determine uma única forma de apreensão e expressão, como sublinha Wölfflin (1864-1945).19  O artista, como todos nós, não pode ser separado da história e da sua história.

Como cremos que podemos conhecer a verdade — ainda que não exaustivamente —, nenhuma cosmovisão está acima de uma avaliação bíblica. Os bereanos se constituem em exemplo de uma avaliação criteriosa do que ouviram primariamente com atenção e interesse, independentemente de quem lhes ensinava, conforme narra Lucas: “Ora, estes de Bereia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando (“fazer uma pesquisa cuidadosa”, um “exame criterioso”, “inquirir”) as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim” (At 17.11). O nosso desejo de servir a Deus não nos deve tornar presas fáceis de qualquer ensinamento ou doutrina; precisamos cientificar-nos se aquilo que é-nos transmitido procede ou não de Deus. Para este exame, temos as Escrituras Sagradas como fonte de todo conhecimento revelado a respeito de Deus e do que ele deseja de nós. O não investigar (Sl 10.4) é um mal em si mesmo. Um bom princípio é examinar o que se nos apresenta como realidade dentro de suas multifárias percepções,20 não nos deixando seduzir e guiar por nossas inclinações ou pelas tendências massificantes. Em geral, quando nos faltam critérios objetivos apelamos para o gosto como critério definitivo e solitário. Assim, somos conduzidos simplesmente por princípios que nos agradam sem verificar a sua veracidade. O fim disso pode ser trágico. Assim, por mais autoeloquentes que possam se configurar aspectos da chamada realidade, precisamos examiná-los antes de os tomarmos como pressupostos para a aceitação de outras declarações também reivindicatórias. Quando nos omitimos deste exame, deste juízo crítico, sem percebermos estamos contribuindo para que os ensinamentos hoje aceitos inconsistentemente, amanhã se tornem pressupostos que determinarão as nossas escolhas e avaliações.21 

As hipóteses de hoje poderão se tornar nas teorias de amanhã e as futuras leis do pensamento e da moral. Neste caso, já estarão acima de qualquer suspeita e discussão: tornaram-se verdade. A ciência é, com frequência, um refinamento das observações cotidianas.22

Como escreveu Pearcey: “A questão importante é o que aceitamos como premissas básicas, pois são elas que moldam tudo o que vem depois”.23  Há o perigo de, sem nos darmos conta, formar a nossa cosmovisão baseados em um mosaico de peças promíscuas, contraditórias e excludentes. O homem não é medida de todas as coisas como queria Protágoras (c. 480-410 a.C.)24  e os renascentistas ao revisitarem a sua frase.25  No entanto, isto não significa a admissão de falta de um referencial, antes, na afirmação de que Jesus Cristo é a medida, o cânon da verdade e, portanto, de toda avaliação que fizermos da realidade que nos circunda.

Os bereanos tinham um padrão de verdade; eles criam na sua existência e acessibilidade. Examinaram o que Paulo dizia à luz das Escrituras, ou seja: o Antigo Testamento. Se não tivermos um referencial teórico claro, como poderemos analisar de modo coerente a realidade? Sem referências, tudo é possível dentro de um quadro interpretativo forjado conforme as circunstâncias e interesses. Todo absoluto envolve antíteses. (Voltaremos a tratar desse assunto mais à frente.)

Talvez, mesmo para nós cristãos falte hoje, ainda que não de hoje, um pensamento cristão; uma mente cativa a Cristo que nos propicie o desenvolvimento de uma cosmovisão cristã.26

Rookmaaker (1922-1977), em sua obra inacabada, é bastante enfático:

Hoje, se estudarmos os grandes artistas e seus feitos, não conseguiremos identificar qual era a força propulsora de sua vida, no que eles criam, o que defendiam. Essas coisas, vistas como subjetivas, são deixadas de fora. Temos a impressão de que esses grandes nomes do passado eram capazes de produzir suas obras de arte a partir de sua própria genialidade e ideias, e que a religião tinha pouco a ver com isso. Precisamos nos atentar para esse fato para não cairmos nessa perversão inerente, pois ela é fundamentalmente uma inverdade. Os estudiosos modernos, os historiadores, os historiadores da arte e os filósofos (assim como os artistas), fazem muito mais do que apenas seguir as tendências. Eles operam a partir de uma perspectiva básica da vida e da realidade. Essa perspectiva geralmente se configura como uma religião irreligiosa.27

Sendo olhada pelo ângulo correto e abrangente, a arte descreve a nossa situação de pecado e miséria, contudo, deve retratar também a nossa nova humanidade, redimida por Cristo. Aqui não há nenhum idealismo, antes, um realismo bíblico: somos chamados como sal da terra e luz do mundo, a apresentar a perspectiva abrangente da realidade bíblica.28  Assim, ela nos conduz a glorificar a Deus, o Senhor de toda Criação e, também da Sua Recriação.29  O artista sem a cosmovisão cristã tenderá a cair em um destes dois aspectos verdadeiros, porém, reducionistas: pessimismo niilista ou otimismo romântico sem um fundamento sólido.30 Somente o cristão com uma cosmovisão bíblica consistente pode, de fato, retratar ambos os aspectos da realidade: pecado e restauração; separação e reconciliação, morte e ressurreição em Cristo Jesus, o Deus encarnado. Somente em Cristo poderemos ter uma visão objetiva da beleza da realidade proveniente de Deus: “O mundo dos sons, o mundo das formas, o mundo das cores e o mundo das ideias poéticas não pode ter outra fonte senão Deus; e é nosso privilégio, como portadores de sua imagem, ter uma percepção deste mundo belo, para reproduzir artisticamente, para gozá-lo humanamente”.31

Dentro desta perspectiva, o artista tenta reproduzir a sua percepção da natureza, por mais crua que ela seja, ou a sua visão de como deveria ser. Ele molda a natureza32  e esta o educa de forma retroativa, gradativa e cativante.33  A natureza criada por Deus pode e deve ser valorizada a despeito do pecado e de sua mancha sobre toda a Criação; ela continua sendo uma manifestação da majestade e bondade de Deus. Dentro da visão de Calvino, a arte deve ser vista como proveniente de Deus que nos adornou com estes dons. Por isso mesmo, ela deve ter um uso legítimo.34  A arte não tem um fim em si mesma, antes está a serviço do homem com o fim de conduzi-lo a Deus.35 Portanto, a revelação de Deus é o elemento aferidor da natureza e do propósito da arte. Dentro desta perspectiva, a arte, ainda que tratando de coisas materiais, com objetivos não especificamente transcendentes, é sempre missionária, ainda que não no sentido redentivo, mas, no sentido de que mesmo objetivando trazer frescor, descontração e estímulo, refletirá sempre uma referência maior, valores transcendentes que referendam até mesmo o meu lazer e as coisas aparentemente banais de meu cotidiano.

Bavinck (1854-1921) escreve de modo magistral, mostrando que a arte provém de Deus, tendo também um sentido confortador:

A arte também é um dom de Deus. Como o Senhor não é apenas verdade e santidade, mas também glória, e expande a beleza de seu nome sobre todas as suas obras, então é ele, também, que, pelo seu Espírito, equipa os artistas com sabedoria e entendimento e conhecimento em todo tipo de trabalhos manuais (Ex 31.3; 35.31). A arte é, portanto, em primeiro lugar, uma evidência da habilidade humana para criar. Essa habilidade é de caráter espiritual, e dá expressão aos seus profundos anseios, aos seus altos ideais, ao seu insaciável anseio pela harmonia. Além disso, a arte em todas as suas obras e formas projeta um mundo ideal diante de nós, no qual as discórdias de nossa existência na terra são substituídas por uma gratificante harmonia. Desta forma a beleza revela o que neste mundo caído tem sido obscurecido à sabedoria mas está descoberto aos olhos do artista. E por pintar diante de nós um quadro de uma outra e mais elevada realidade, a arte é um conforto para nossa vida, e levanta nossa alma da consternação, e enche nosso coração de esperança e alegria.36

Contudo, continua ele, a arte, como não poderia deixar de ser, tem seus limites. Isto deve ser observado com atenção:

Mas apesar de tudo o que a arte pode realizar, é apenas na imaginação que nós podemos desfrutar da beleza que ela revela. A arte não pode fechar o abismo que existe entre o ideal e o real. Ela não pode transformar o além de sua visão no aqui de nosso mundo presente. Ela nos mostra a glória de Canaã à distância, mas não nos introduz nesse país nem nos faz cidadãos dele. A arte é muito, mas não é tudo.(…) A arte não pode perdoar pecados. Ela não pode nos limpar de nossa sujeira. E ela não é capaz de enxugar nossas lágrimas nos fracassos da vida.37

As declarações de Bavinck revelam a sua cosmovisão cristã. Devemos então entender que a chamada “arte cristã” não deve ser caracterizada pelo seu tema (assuntos bíblicos, os quais, obviamente têm a sua relevância própria ou temas considerados religiosos),38 mas sim, pela sua qualidade e pelo seu propósito, tendo em vista o caráter cristão. Não existe escola que ensine “arte cristã”. Podemos quem sabe estudar em uma escola de arte, porém, não de arte cristã, como se esta fosse um tipo de arte.39 O artista cristão revelará naturalmente em sua arte a sua fé.40
 
Nem toda arte que tem como tema assuntos bíblicos é arte cristã. Por exemplo, pelo fato de eu elaborar uma música com tema “evangélico” ou reproduzir na tela uma cena bíblica, não quer dizer que o meu produto seja necessariamente “arte cristã”. Na realidade posso apenas ter descoberto que esta é uma boa fatia do mercado no qual devo aplicar o que julgo ser o meu talento e vocação.41 Ou, reproduzir tais temas dentro de uma cosmovisão totalmente secular que me domina ainda que não tenha percebido isso. Por outro lado, podemos ter um escritor cristão que resolva escrever uma obra de ficção, filosofia, educação ou de administração de empresas e o faz com competência, com amplo referencial cristão, tendo como meta glorificar a Deus reconhecendo a sua graça em sua vida e produção. Esta obra seria uma “arte cristã”. Nesse caso particular, as obras pedagógicas de Comênio e os diversos livros de ficção de C.S. Lewis (1898-1963) devem ser considerados como ilustrativos desse princípio.

A arte cristã, se é que podemos falar assim, deve ser avaliada a partir de sua cosmovisão, qualidade e propósito. A arte cristã só é possível a partir de um cristão. Devemos pedir a Deus que nos dê discernimento para que, neste mundo caído, possamos refletir em nossas obras a obra de Deus em nós. Deste modo, seria mais razoável dizer ao artista cristão que não faça “arte cristã”, mas que seja um artista aplicado, coerente com a sua fé. Em síntese: seja um cristão artista. Há sempre o perigo de nos apossarmos de todo um modelo secular, colocar um verniz cristão e não percebermos as incompatibilidades entre o conteúdo e a forma, nos esquecendo de que a forma também não é neutra. Há o risco evidente de o meio superar a mensagem. É preciso ter cautela para não usarmos ferramentas  nas quais estejam pressupostos conceitos não cristãos, nos tornando inocentes úteis de uma determinada cosmovisão. Tais ferramentas tendem a moldar o seu usuário.42

São significativas as observações de Colson (1931-2012) e Pearcey:
 

O perigo é que a cultura popular cristã possa imitar a cultura em voga, mudando somente o conteúdo. (…) Estamos criando uma cultura genuinamente cristã, ou estamos simplesmente criando uma cultura paralela com uma aparência cristã? Estamos impondo um conteúdo cristão a uma forma já existente? A forma e o estilo sempre transmitem uma mensagem própria.43

Rookmaaker, especificando a música, comenta:

Falar de música cristã não significa necessariamente falar de uma música cuja letra transmita uma mensagem bíblica explícita ou expresse a experiência de uma vida de fé e obediência piedosa. A obediência não está restrita às questões de fé e ética. E aí entra a totalidade da vida. É a mentalidade, o estilo de vida, que recebe forma e expressão artística.44

Cosmovisão cristã não significa ter o mesmo senso estético ainda que o nosso propósito seja o de glorificar a Deus. Como criados à imagem de Deus, temos inteligência e sensibilidade, contudo, não somos uniformes.

O artista cristão é como um cristal que reflete a luz da revelação de forma diversificada. A nossa unidade não significa uniformidade. Deus cria do nada, nós, do nada, nada criamos, contudo, remodelamos as formas atribuindo sentido imaginativo e imitativo à Criação, fazendo o que é-nos próprio na condição de imagem.45 O nosso trabalho encontra o seu modelo em Deus, aquele que nos inspira com seu testemunho e ensino: “9Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. (…) 11 porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há….” (Ex 20.9,11).46

Assim, além de percepções variadas, há gostos e talentos diferentes, ainda que com o mesmo propósito último: “Num sentido podemos nos regozijar porque, nos artistas, divergências na recepção do testemunho do Santo Espírito conduzem a formas diversas, apesar da analogia deste testemunho, e deve-se ver, na variedade destas orientações, uma viva riqueza de realizações”.47

Portanto, isto não significa que toda obra de arte, independentemente de sua técnica e beleza, seja agradável a Deus. Como temos insistido, a arte em seu conjunto reflete a cosmovisão do artista.48  Esta deve ser avaliada a partir de uma cosmovisão bíblica.49 Por sua vez, “a arte cristã é a expressão da vida integral da pessoa toda que é cristã. Aquilo que o artista cristão retrata em sua arte é a totalidade da vida. A arte não deve ser apenas um veículo para um tipo de evangelismo autoconsciente”. 50

Como princípio geral para a nossa criação e avaliação, deve permanecer a instrução de Paulo aos filipenses, envolvendo o discernimento necessário em todas as coisas, exercitando a mente de Cristo que está sendo formada em nós: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Fp 4.8). 51

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1Heinrich Wölfflin, Conceitos Fundamentais da História da Arte, 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, (2ª tiragem) 2006, p. 1.
2
Rick Waren, A batalha pela sua mente. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 27. 
3O conteúdo do que revelamos nem sempre é consciente. Li posteriormente Panofsky, inspirado em Pierce: “[Conteúdo] é a atitude básica de uma nação, período, classe, crença filosófica ou religiosa – tudo isso qualificado, inconscientemente, por uma personalidade e condensado numa obra” (Erwin Panofsky, Significados nas Artes Visuais,  São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 33). Panofsky trabalha de forma mais detalhada a respeito do conteúdo à frente (Erwin Panofsky, Significados nas Artes Visuais, p. 47ss).
4Veja-se: Hannah Arendt,  A Condição Humana, 11. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense, 2011 (2ª tiragem), p. 210-211.
5Veja-se: Hannah Arendt,  A Condição Humana, p. 211.
6Ernest Cassirer (1874-1945), diz: “…. Nenhum processo mental chega a captar a realidade em si, já que, para poder representá-la, para poder, de algum     modo, retê-la tem de socorrer-se do signo, do símbolo. E todo    o simbolismo esconde em si o estigma da mediatez, o que o obriga a encobrir quanto pretende manifestar. Assim, os sons da linguagem esforçam-se por ‘expressar’ o acontecer subjetivo e objetivo, o mundo ‘interno’ e ‘externo’; porém, o que captam não é a vida e a plenitude individual da própria existência, mas apenas abreviatura morta. Toda essa ‘denotação’, que as palavras ditas pretendem dar, não vai, realmente, mais longe que a simples ‘alusão’; alusão que parecerá mesquinha e vazia, frente à concreta multiplicidade e totalidade da experiência real” (Ernest Cassirer, Linguagem, Mito e Religião, Porto: Rés-Editora, (s.d.), p. 11-12). Em outro lugar: “A linguagem é a primeira tentativa do homem para articular o mundo de suas percepções sensoriais. Esta tendência é uma das características fundamentais da linguagem humana” (Ernst Cassirer. Antropologia Filosófica, 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p. 328).
7Cf. João Calvino, As Institutas, I.11.12; John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), Vol. I, (Gn 4.20), p. 217-218; Vol. III, (Ex 31.2), p. 291.
8João Calvino, As Institutas, I.5.2.
9Ilustrativo é o desenho feito por Peter Paul Rubens (1577-1640), Retrato de seu Filho, Nicholas (c. 1620).
10Neste particular, um bom exemplo é o desenho feito por Albrecht Durer (1471-1528), Retrato de sua Mãe (1514).
11“O princípio é que há liberdade para se fazer algo a partir da natureza, que seja distinto dela e que possa ser levado à presença de Deus. Em outras palavras, a arte não precisa ser ‘fotográfica’, no sentido mais simples da palavra fotografia!” (Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 23). Cézanne (1839-1906), um artista de grande sensibilidade, simplicidade e acessibilidade, em carta a Charles Camoin (1879-1965) datada de 22/02/1903, disse: “Mas preciso trabalhar. Principalmente na arte, tudo é teoria desenvolvida e aplicada em contato com a natureza” (Paul Cézanne, Correspondência, São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 239. Também em H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999 (2ª tiragem), p. 15). Em outra ocasião, revelando problemas no “sistema nervoso”, diz: “É preciso prosseguir. Devo, pois, produzir a partir da natureza” (Carta a seu filho Paul, datada de 13/10/1906. In: Paul Cézanne, Correspondência, São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 271. Também em H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, p. 20). Em cartas a Émile Bernard (1868-1941) datada de 25/07/1904: “Para fazer progressos, só através da natureza, e o olho se educa no contato com ela” (Paul Cézanne, Correspondência, p. 248. Também em H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, p. 17). Esta, datada de 12/05/1904: “O Louvre é um bom livro a ser consultado, mas também não deve ser mais do que um intermediário. O estudo real e prodigioso a ser empreendido é a diversidade do quadro da natureza” (Paul Cézanne, Correspondência, p. 246. Também em H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, p. 16). Novamente, em 1905 depois de março: “O Louvre é o livro em que aprendemos a ler. Não devemos porém contentar-nos em reter as belas formas de nossos ilustres predecessores. Saiamos delas para estudar a bela natureza, tratemos de libertar delas o nosso espírito, tentemos exprimir-nos segundo nosso temperamento pessoal. O tempo e a reflexão, além disso, pouco a pouco, modificam a visão, e finalmente nos vem a compreensão” (Paul Cézanne, Correspondência, p. 256. Também em H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, p. 18). (Para uma avaliação sensível da vida e obra de Cézanne, recomendo: Fayga Ostrower, A Grandeza Humana: Cinco Séculos, Cinco Gênios da Arte,  Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 109-127).
12“A verdade de uma cosmovisão apresentada por um artista deve ser julgada à parte de sua grandeza artística” (Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 53). “A arte não é neutra. Podemos e devemos julgar seu conteúdo, seu significado e a qualidade do entendimento acerca da realidade que está incorporada nela” (H.R. Rookmaaker, A Arte não Precisa de Justificativa, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 51).
13“Não estaremos sendo verdadeiros com um artista como pessoa se desprezamos sua arte simplesmente porque discordamos de seu ponto de vista” (Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 53). Ainda que a sua cosmovisão não esteja isenta de uma avaliação crítica à luz da Palavra por mais requintada que seja sua arte (Ibidem., p. 55,57).
14Wagner foi um leitor entusiasta do ateu L. Feuerbach (1804-1872) (Cf. Francis A. Schaeffer, Como Viveremos? São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 98).
15Michael S. Horton, O Cristianismo e a Cultura, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 107. O exemplo de Horton pode ser documentado. Houve de fato protestos, porém, também aplausos. Vejam-se, por exemplo: http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/1428634.stm; http://www.guardian.co.uk/world/2000/oct/27/israel2 (consultas feitas em 29.12.2013). 16Miguel de Cervantes de Saavedra, Dom Quixote de la Mancha, São Paulo: Abril Cultural, 1978, II.3, p. 326. (Adaptei a tradução).
17Veja-se: Frank E.  Gaebelein, What is Truth in Art?: In: Leland Ryken, ed.  The Christian Imagination: Essays on Literature and the Arts,  2. ed. Grand Rapids, MI.: Baker, 1986, p. 100-101.
18Veja-se: H.R. Rookmaaker, Arte Moderno y la Muerte de una Cultura, Barcelona: CLIE/Publicaciones Andamio, 2002, p. 285-286.
19Heinrich Wölfflin, Conceitos Fundamentais da História da Arte, 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, (2ª tiragem) 2006, p. 331ss. No campo da história, tempos percepções semelhantes. Destaco dois autores: Jacob Burckhardt (1818-1897) – um dos maiores historiadores do século XIX –, referindo-se à sua obra magna sobre o Renascimento (1855), admitiu que: “….os mesmos estudos realizados para este trabalho poderiam, nas mãos de outrem, facilmente experimentar não apenas utilização e tratamento totalmente distintos, como também ensejar conclusões substancialmente diversas” (Jacob Burckhardt, A Cultura do Renascimento na Itália: Um Ensaio, São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 21). Do mesmo modo, um historiador contemporâneo, Delumeau: “Identificar um caminho não implica achá-lo sempre belo, como não implica que não haja outro possível” (Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, Lisboa: Editorial Estampa, 1984, Vol. I, p. 21).
20“A prova de que as coisas são apenas valores é óbvia; pegue-se uma coisa qualquer, transmita-lhe diferente sistema de valoração e se terá outras tantas coisas diferentes em lugar de apenas uma. Compare-se o que é a terra para um lavrador e para um astrônomo: para o lavrador é suficiente pisar a rubra pele do planeta e arranhá-la com o arado; sua terra é um caminho, uns sulcos e umas messes. O astrônomo necessita determinar exatamente o lugar que o globo ocupa em cada instante dentro da enorme suposição do espaço sideral: o ponto de vista da exatidão o obriga a convertê-la em uma abstração matemática, em um caso da gravitação universal. O exemplo poderia continuar indefinidamente. “Não existe, portanto, essa suposta realidade imutável e única com a qual se pode comparar os conteúdos das obras artísticas; há tantas realidades quanto pontos de vista. O ponto de vista cria o panorama. Há uma realidade de todos os dias formada por um sistema de laxas relações, aproximativas, vagas o suficiente para os usos da vida cotidiana. Há uma realidade científica forjada em um sistema de relações exatas, impostas pela necessidade de exatidão. Ver e tocar as coisas não são, no fim das contas, senão maneiras de pensá-las” (Ortega y Gasset, Adão no Paraíso: In:  Juan Escárnez Sánchez, Ortega y Gasset,  Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010, p. 127).
21Veja-se: C.S. Lewis,  A Abolição do Homem,  São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 5.
22Creio ser interessante ler o artigo: Taylor B. Jones,  Por que uma visão bíblica da Ciência?: In: John MacArthur, ed. ger., Pense Biblicamente!: Recuperando a Visão Cristã do Mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, especialmente, p. 337-363. 23Nancy Pearcey, Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de seu Cativeiro Cultural, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 44.
24Apud Platão, Teeteto, 152a: In: Teeteto-Crátilo, 2. ed. Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, p 15. Citado também em Platão, Crátilo, 385e. Aristóteles, diz: “O princípio (…) expresso por Protágoras, que afirmava ser o homem a medida de todas as coisas (…) outra coisa não é senão que aquilo que parece a cada um também o é certamente. Mas, se isto é verdade, conclui-se que a mesma cousa é e não é ao mesmo tempo e que é boa e má ao mesmo tempo, e, assim, desta maneira, reúne em si todos os opostos, porque amiúde uma cousa parece bela a uns e feia a outros, e deve valer como medida o que parece a cada um” (Metafísica, XI, 6. 1 062. Veja-se também, Platão, Eutidemo, 286). Platão diferentemente de Protágoras, entendia que a medida de todas as coisas estava em Deus. “Aos nossos olhos a divindade será ‘a medida de todas as coisas’ no mais alto grau” (Platão, As Leis, Bauru, SP.: EDIPRO, 1999, IV, 716c. p. 189).
25“Vivemos em uma cultura que procura nos convencer de que o homem é a medida de todas as coisas – cada um é o próprio capitão de seu destino e o senhor de sua alma” (W. G. Tullian Tchividjian,  Fora de Moda, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 44).
26“Nossas igrejas estão cheias de pessoas que são espiritualmente nascidas de novo,  mas que ainda pensam como não cristãs” (William L. Craig,  Apologética para Questões Difíceis da Vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 14).
27H.R. Rookmaaker, A Arte não Precisa de Justificativa, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 16-17.
28Veja-se: H.R. Rookmaaker, Arte Moderno y la Muerte de una Cultura, Barcelona: CLIE/ Publicaciones Andamio, 2002, p. 282-283.
29“…. se vocês confessam que o mundo outrora foi belo, mas que pela maldição tornou-se desfeito e por uma catástrofe final deve passar para seu pleno estado de glória, superando até mesmo a beleza do paraíso, então a arte tem a tarefa mística de lembrar-nos, em suas produções, da beleza que foi perdida e de antecipar seu perfeito brilho vindouro. Este último caso mencionado é a confissão calvinista” (Abraham Kuyper, Calvinismo, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 162).
30Schaeffer depois de interpretar o Davi (1504) de Miguel Ângelo (1475-1564) como uma declaração humanista (Francis A. Schaeffer, Como Viveremos? São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 42-43), conclui: “Os humanistas tinham certeza de que o homem, partindo de si mesmo, seria capaz de resolver qualquer problema. A fé no homem era total. O homem que, partindo de si mesmo, era capaz de se esculpir a si mesmo na rocha, diretamente na natureza, poderia resolver tudo. O brado humanista era ‘eu posso fazer o que bem quiser; espere só até amanhã’. Mas Da Vinci, em seu brilhantismo, acabou, no final de sua vida, vendo que o humanismo seria derrotado”. (Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, p. 45). Aliás, o próprio trabalho de Miguel Ângelo na Capela Sistina (Vaticano) (1512) revela uma obra de tal monta – tanto no aspecto físico como intelectual – que seria difícil conceber que um homem sozinho a pudesse realizar no espaço de 4 anos: “É muito difícil a um mortal comum imaginar como foi possível a um ser humano realizar o que Miguel Ângelo realizou em quatro anos de trabalho solitário nos andaimes da capela papal. O mero esforço físico de pintar esse gigantesco afresco no teto da capela, de preparar e esboçar as cenas em detalhe, e de transferi-las para o teto, já era suficientemente fantástico. Miguel Ângelo tinha de deitar-se de costas e pintar olhando para cima. De fato, habituou-se de tal modo a essa posição acanhada que até quando recebia uma carta durante esse período tinha que lê-la assumindo a mesma posição. Entretanto, a proeza física de um homem para cobrir esse vasto espaço sem ajuda nenhuma pouco representa em comparação com a façanha intelectual e artística. A riqueza de novas invenções, a metria infalível de execução em todos os detalhes e, sobretudo, a grandeza das visões que Miguel Ângelo revelou aos pósteros proporcionaram à humanidade uma nova ideia de poder do gênio” (E.H. Gombrich, A História da Arte, 16. ed. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1995, p. 307-308).
31Abraham Kuyper, Calvinismo, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 164.
32Veja-se: Carta de Cézanne (1839-1906) a Émile Bernard (1868-1941) datada de 26/05/1904. In: Paul Cézanne: In: H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999 (2ª tiragem), p. 16-17).
33Cézanne (1839-1906) em carta a Émile Bernard (1868-1941) datada de 25/07/1904, escreveu: “Para fazer progressos, só através da natureza, e o olho se educa no contato com ela (Paul Cézanne: In: H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999 (2ª tiragem), p. 17).
34João Calvino, As Institutas, I.11.12.
35Ver: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 573ss.
36Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 21-22.
37Herman Bavinck, Teologia Sistemática, p. 22. Do mesmo modo, veja-se: Michael S. Horton, O Cristianismo e a Cultura, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 84.
38Neste caso específico, podemos observar que Arão, em momento de fraqueza espiritual e de caráter, cedendo à pressão do povo, usou de suas habilidades artísticas para fazer um bezerro de ouro, fugindo totalmente ao propósito da arte exibida por Deus na Criação e na entrega dos Dez Mandamentos. “Feriu, pois, o SENHOR ao povo, porque fizeram o bezerro que Arão fabricara (hf'[‘) (‘asah)” (Ex 32.35/Ex. 32.1,21,3). O contraste perfeito está na obra de Deus: “Viu Deus tudo quanto fizera (hf'[‘) (‘asah), e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia” (Gn 1.31). “As tábuas eram obra (hf,[]m;) (ma`aseh) de Deus; também a escritura era a mesma escritura de Deus, esculpida nas tábuas” (Ex 32.16). (Para um estudo pormenorizado das palavras hebraicas, vejam-se, entre outros: Eugene Carpenter, hf'[‘: In: Willem A. VanGemeren, org.,  Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, Vol. 3, p. 544-550; Thomas E. Mccomiskey, ‘Asâ: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1179-1181; Helmer Ringgren, hf'[: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry, eds., Theological Dictionary of the Old Testament,  Grand Rapids, MI.: Eerdamans, 2001, Vol. 11, p. 387-403).
39Veja-se: Jacques Maritain,  Arte y Escolastica, Buenos Aires: La Espiga de Oro, 1945, p. 87ss; 212ss.
40Calvin G. Seerveld, assim define Arte Cristã: “A arte é realmente cristã quando a obra de arte satisfaz a norma artística no mundo de Deus e tem um espírito de santidade que reconhece que nossa existência como criaturas assediadas pelo pecado precisa ser reconciliada com Deus mediante Jesus Cristo” (C.G. Seerveld, Arte: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, Vol. I, p. 120-121).
41“Houve um tempo quando artistas cristãos podiam produzir trabalho de qualidade porque eram responsáveis para com a corte ou a igreja, e não para a indústria multimilionária, que é a Música Cristã Contemporânea” (Michael S. Horton, O Cristianismo e a Cultura, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 72).
42Veja-se: Nancy Pearcey,  Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de seu Cativeiro Cultural, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 48.
43Charles Colson; Nancy Pearcey, O Cristão na Cultura de Hoje, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 291.
44H.R. Rookmaaker, A Arte não Precisa de Justificativa, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 61. Vejam-se: Francis A. Schaeffer, Some Perspectives on Art. In: Leland Ryken, ed., The Christian Imagination: essays on literature and the arts, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1986, p. 96; Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 28,72-75; H.R. Rookmaaker, Arte Moderno y la Muerte de una Cultura, Barcelona: CLIE/Publicaciones Andamio, 2002, p. 284-285; Allan M. Harman, Comentários do Antigo Testamento – Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 11. 
45As palavras imagem, imaginativo e imitar têm uma raiz comum.
46Veja-se: Leland Ryken, Redeeming the Time: a Christian Approach to Work and Leisure, Grand Rapids, MI.: Baker Book, 1995, p. 159ss.
47Paul Romane Musculus, La Prière dês Mains: L’Église Réformée et L’Art, Paris: Editions « Je Sers » 1938, p. 192. 48Veja-se: Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 53-54.
49Assim pensava Calvino conforme interpretação de Biéler (André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 574).
50Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 74. Veja-se também: Ibidem., p. 44). Rookmaaker (1922-1977), amigo de Schaeffer (1912-1984), também escreveu: “Em um sentido profundo, a arte dos cristãos deve ser cristã e mostrar o fruto do Espírito com uma mentalidade e um entusiasmo positivos devido à grandeza da vida que recebemos. (…) Somos cristãos quer durmamos, comamos ou trabalhemos; qualquer coisa que fizermos, faremos como filhos de Deus. Nosso cristianismo não serve apenas para os momentos piedosos ou atos religiosos. E o propósito da vida não é o evangelismo; é a busca do reino de Deus” (H.R. Rookmaaker, A Arte não Precisa de Justificativa, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 37-38). “Na arte, nós estamos novamente no âmbito da criação, não da redenção; graça comum, e não salvadora; o secular, e não o sagrado. Contudo, a criação, o comum, e o secular todos têm a bênção de Deus mesmo sem que tenham utilidade na igreja ou em missões evangelísticas” (Michael S. Horton, O Cristianismo e a Cultura, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 75. Veja-se também a p. 80).
51Veja-se: Grant Horner, Glorificando a Deus na Cultura Literária e Artística: In: John MacArthur, ed. ger., Pense Biblicamente!: Recuperando a Visão Cristã do Mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, especialmente, p. 511ss.

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