Igreja diária

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Igreja todos os dias!

De que modo a igreja alcança os não crentes? Como ser igreja fora dos limites do espaço físico de um prédio ou templo? Aliás, o que é igreja? Templo, prédio, espaço físico, eventos são sinônimos de igreja? Para responder a essas e a outras questões, os pastores e professores Steve Timmis e Tim Chester escreveram Igreja diária: comunidades do evangelho em missão, publicado pela Editora Tempo de Colheita (2013). Trata-se da continuação de outra obra da pena da mesma dupla de autores: Igreja total: repensando radicalmente nossa apresentação do evangelho na comunidade (Tempo de Colheita, 2010).

No primeiro livro, os autores defendem a seguinte tese: “… a existência de dois princípios fundamentais que devem nortear a forma de ‘sermos igreja’, o evangelho e a comunidade. Os cristãos são chamados a uma dupla fidelidade: à fidelidade ao conteúdo central do evangelho e à fidelidade ao contexto primário de uma comunidade crente”.1  Argumentam, portanto, que o evangelho e a comunidade devem ser o centro da igreja e da missão.2

Em seguida, os autores passam a aplicar o princípio do evangelho e da comunidade a cada área da igreja: evangelização, ação social, missões, discipulado e ensino teológico, espiritualidade, apologética, jovens e crianças. Encerram o livro com a definição de sucesso ministerial.

Steve Timmis é o pastor principal da The Crowded House Church,3  rede de congregações espalhadas pela Inglaterra e pela Austrália. É responsável pela igreja em Sheffield, na Inglaterra. Também é diretor executivo da Atos 29 e responsável pelo desenvolvimento dessa rede de igrejas na Europa e no mundo.4  Com mais de vinte anos de experiência na área de plantação de igrejas, esteve ministrando na 4.ª Conferência da Atos 29 Brasil.

Tim Chester é copastor na The Crowded House Church, em Sheffield, e diretor do Porterbrook Seminary,5  escola teológica semipresencial formatada para formar plantadores de igrejas, líderes e missionários. É autor de mais de vinte livros, sendo um deles À mesa com Cristo (Tempo de Colheita). Tim tem Ph.D. em Teologia pela WEST (Wales Evangelical School of Theology) e já ministrou aulas de Teologia e Missiologia pela Inglaterra e pelo País de Gales. Para conhecê-lo melhor, acesse seu blog.6

Em Igreja diária, Timmis e Chester dão continuidade ao argumento de seu primeiro livro, mas com uma perspectiva mais prática e com um chamado “… para que todos nós sejamos uma igreja diária com uma missão diária” (p. 8) Para fundamentar essa percepção, os autores escrevem reflexões missionais sobre o livro de 1Pedro. A obra não é um comentário exegético, mas é um desejo dos autores de “explorar o que o Espírito Santo diria à Igreja Ocidental atual, através desta parte da Escritura”.7

O argumento para escrever o livro é que “os cristãos se encontram cada vez mais à margem da cultura. Na verdade, vivem em uma cultura pós-cristã. A maioria das pessoas da cultura ocidental não tem nenhuma intenção de frequentar a igreja. A maioria pronuncia o nome de Cristo como uma forma de expressar frustração”.8

Para apoiar o argumento, os autores observam o fenômeno de que “algumas igrejas predominantemente crescem, porém muito desse crescimento é fruto de transferência e não de novas conversões”.9  Eles explicam por que tudo aconteceu dessa forma:

No entanto, na maioria das vezes, nossa abordagem para evangelizar é baseada em uma mentalidade de cristandade. Nós esperamos que as pessoas venham à igreja quando tocamos o sino ou quando apresentamos um bom culto. Mas a maioria das pessoas se encontra desconectada. Mudar o que fazemos na igreja não irá alcançá-las. Precisamos encontrá-las no contexto da vida diária.10

O objetivo do livro não é ser um manual exaustivo de eclesiologia ou mesmo apenas um material sobre crescimento de igreja, mas um “livro que revela como seria uma igreja diária e uma missão diária, na prática”.11

Reconhecendo o que o povo de Deus já tem feito a esse respeito, Timmis e Chester querem “celebrar isso” e colocar o alvo de volta “no centro  da missão da igreja e talvez dar um pouco de direção e mostrar como isso pode ser feito de forma mais intencional”,12  sempre destacando o que desejam: encorajar o cristianismo no cotidiano.
  
Cristianismo diário e comum, mas à margem

Com base em uma reflexão sobre a Primeira Carta de Pedro, os autores começam por demonstrando o fenômeno da secularização da Europa e o fim daquela mentalidade de cristandade — com início no quarto século, por ocasião da conversão de Constantino —, na qual igreja e Estado firmavam uma aliança formal ou não.

Timmis e Chester entendem que a secularização não é necessariamente uma ameaça total para a igreja de Jesus Cristo; antes, uma oportunidade para o testemunho cristão perante uma fé nominal e para uma redescoberta da missão da igreja que, distante daquela cultura de cristandade, hoje se encontra à margem.

Os autores salientam que “com toda a redescoberta da teologia centrada no evangelho da Reforma Europeia, não resultou na recuperação da missão centrada no evangelho feita pela igreja local”.13  Para sustentar o argumento, eles expõem a causa: “Isso aconteceu porque os reformadores, em geral, aceitaram o pressuposto da cristandade de que a Europa era cristã. Quando alguém nascia, já fazia parte da igreja. Então, a missão da igreja para com a sociedade era pastoral em vez de evangelística”.14

Esse argumento não é uma crítica aos reformadores, pois os autores se identificam como integrantes da tradição reformada; todavia, fazem, sim, uma leitura histórica sobre a diferença entre os períodos (séculos 16 e 21) e sobre como a missão se conecta de forma diferente entre as duas culturas separadas pelo tempo.

Dessa maneira, os autores defendem um modelo de igreja reformada para um contexto pós-moderno e pós-cristão, partindo do pressuposto de uma teologia centrada no evangelho e portanto estática, mas uma eclesiologia que compreenda que os cristãos mantêm comunhão à margem da cultura e devem viver com esperança mesmo nessa condição.

Ao salientar a comunhão diária, os autores defendem a seguinte tese: “O contexto para comunidade e missões centradas no evangelho não está em eventos, mas na vida cotidiana”.15  Ou seja: “… o serviço em si deve ser feito no contexto da vida diária”.16

Dessa maneira, argumentam que a comunidade cristã pode impactar a cultura ao vivenciar a missão diária da mesma forma que o cristianismo primitivo impactou a sociedade romana nos primeiros séculos, pois para eles “a comunidade cristã demonstra a eficácia do evangelho”.17

As implicações da comunidade diária para o pastoreio dos cristãos têm como base a citação de Dietrich Bonhoeffer de que a comunidade cristã não deve ser idealizada, para não se tornar uma forma de legalismo, como se vê em seu livro Vida em comunhão. O papel dos cristãos na comunidade do evangelho é que cada um seja pastoreado pelo outro, que identifica a mentira por trás do pecado.

Nesse ponto, os autores lançam os pressupostos teológicos do pastoreio, a saber: Deus é grande, glorioso, bom e gracioso. Portanto, não precisamos estar no controle, temer as pessoas, procurar prazer em outro lugar ou provar nada a ninguém.18

Na missão diária, os cristãos são chamados a amar Jesus, as pessoas e a vida sendo contagiantes, acolhedores, entusiasmados e leitores do mundo como um teatro da glória de Deus, ainda que manchado pelo pecado.19  Aqui, os crentes são vistos como missionários diários e algumas comunidades caseiras são dirigidas por líderes sem formação teológica.20

Os autores entendem que “a comunidade do evangelho é a unidade central, o lugar onde evangelismo, cuidado pastoral, discipulado e a vida acontecem”.21  Isso se dá na contramão da cultura eclesiástica dos eventos, mais comum em ambientes em que a igreja tem relevância cultural e nos quais há uma mentalidade de cristandade, como por exemplo, no Terceiro Mundo, como salientou Philip Jenkins em seu livro A próxima cristandade.

Os autores adotam uma posição reformada para com a cultura, enxergando-a tanto em seus perigos quanto em suas oportunidades, como se vê no capítulo 5, e lendo-a com os pressupostos de uma cosmovisão cristã: Criação, Queda, redenção e consumação. Fornecem excelentes exemplos práticos de como a cosmovisão cristã pode criar espaços para conversas com não cristãos, usando elementos culturais e mostrando como a percepção de mundo é essencial para a leitura do fato e do fenômeno, o que serve de oportunidade com ótimo potencial para a evangelização de descrentes.

Por fim, no último capítulo, os autores encerram a reflexão sobre a Primeira Carta de Pedro e incentivam a igreja a ter esperança mesmo estando à margem da cultura e a encontrar nessa esperança a agenda para a vida e para a missão. Na conclusão, oferecem direcionamento para a formação de comunidades diárias centradas no evangelho que não dependam de eventos e de status cultural para encarnar o evangelho e viver em missão.

Igreja diária no Brasil

Uma vez que o livro foi escrito com base em uma experiência europeia e especificamente inglesa, é inevitável nos perguntarmos sobre a aplicabilidade da obra para o Brasil.

O autor desta resenha apresentou oficialmente o livro em seu lançamento na 4.ª Conferência de Atos 29 Brasil. Um dos autores, Steve Timmis, diretor executivo da Atos 29 Global, foi um dos preletores da conferência.

Na ocasião, foi salientado que, mesmo que o protestantismo no Brasil nunca tenha ocupado status oficial e esteja em franco crescimento — embora haja o que analisar no conteúdo desse crescimento em relação a uma teologia centrada no evangelho e na Escritura Sagrada —, pode-se dizer que há polos no Brasil em que encontramos centelhas de secularização, quais sejam:

1. Ambiente acadêmicos, onde prevalece uma cosmovisão naturalista, secular e imanentista em todo o saber científico, sem espaço para um pensar centrado em Deus, mas com oportunidades para os moldes propostos pelos autores do livro.

2. Ambientes em que o ateísmo e a secularização vêm crescendo. Os que se declaram sem religião podem ser campo missionário em potencial para pastores, missionários e plantadores de igreja, os quais são chamados a trabalhar com abordagens específicas aos secularizados.

3. Ambientes interioranos em que não há uma forte presença da igreja evangélica. Essa percepção foi levantada por um dos preletores da conferência em conversa particular com o autor desta resenha.

4. Ambientes em que o obreiro da missão pode ser oficialmente uma ameaça à cidade. Nesses casos, ele pode encontrar no modelo proposto para o livro uma ótima ferramenta para a plantação de sua igreja.

Por fim, o livro não tem a pretensão de ser a última palavra e muito menos um modelo definitivo para a igreja. É somente fruto da experiência de dois pastores que amam a Jesus e buscam encarnar o evangelho, vivendo a missão em seu contexto local.

A igreja brasileira, portanto, não somente poderá ser beneficiada com a obra, mas também poderá avaliar criticamente se a proposta se ajusta ao contexto local de nossos missionários e plantadores.

______________________
1Igreja total: repensando radicalmente nossa apresentação do evangelho na comunidade. Niterói, RJ: Tempo de Colheita, 2011.
2Igreja diária: comunidades do evangelho em missão. Niterói, RJ: Tempo de Colheita, 2013, p. 8.
3Disponível em: .
4
Disponível em: .
5
Disponível em: .
6Disponível em: .
7Igreja Diária, op. cit., p. 9.
8Ibid, p. 8.
9Ibid.
10Ibid.
11Ibid.
12
Ibid., p. 9.
13
Ibid., p. 23.
14Ibid.
15Ibid., p. 58.
16Ibid.
17Ibid., p. 64.
18Cf. p. 88-9.
19Cf. p. 110-1.
20Nesse quesito, os autores não são contra ministérios ordenados e líderes com formação teológica. Um deles mesmo é Ph.D. em Teologia, conforme indica o texto. Um dos autores dirige um seminário semipresencial para prover a formação teológica necessária ao treinamento e ao desenvolvimento de seus líderes.
21Ibid., p. 123.

1 COMENTÁRIO

  1. Boa leitura e se adequa a nossa realidade brasileira, pois uma teologia que nos ensina e nos d  um panorama de uma cultura nossa e com isso atingir melhor as pessoas com o evangelho.

  2. Ol  Marcos,

    obrigado por seu coment rio. Espero que lhe encoraje a ler o livro, pois ser  uma benção.

    O texto foi escrito em um contexto britânico, portanto, devemos focar nos princípios gerais, que são bíblicos, para aplica-los em nossa cultura local tupiniquim.

    Que Deus abençoe a sua leitura e edifique a sua vida,

    Em Cristo,
    Pr. Juan

  3. prazer em ler o seu artigo, mano de Cristo! pensei e repensei, e hoje percebo que de fato o texto ‚ uma experiência baseada em contexto bastante diferenciado, ao do nosso latino Americano. não tive acesso ao livro,por‚m em sua resenha percebe-se, que o desafio poder  ser at‚ mesmo para  rea da revitalização de igrejas machucadas, e que perderam a continuidade Missional em si mesma.hoje como Pastor Batista no subúrbio carioca, estou pensando justamente como fazer essa ligação além das nossas estruturas(templos) aos não crentes. valeu mano, fica na paz. em cristo, Pr. Helcias.

  4. O que tem deixado perplexo os não cristãos,na maioria das vezes,não e apenas a inoperância da (Igreja) no qual ela esta inserida,e sim a in‚rcia dos (cristãos) inseridos na mesma.Com isso a Igreja de todos os dias,fica meio que de ferias,sonolenta.Em Ef 5:14 o apóstolo Paulo chama a Igreja não apenas para estar acordada,mas para levantar-se,e estar esclarecidos por Cristo Jesus.

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