Diálogo e Antítese nos Estudos Internacionais: Uma releitura reformacional do Realismo Cl ssico de Hans Morgenthau

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Introdução
O Realismo Clássico permanece no centro das discussões teóricas e práticas nos estudos das Relações Internacionais (RI), constituindo-se como uma das principais tradições no campo da política e da economia política internacional. Esta tradição teórica, presente nos primórdios do campo dos Estudos Internacionais, apresenta substrato teórico que influencia (ou fomenta) um longo debate nas Ris que perdura até os dias atuais. Pode-se dizer que o Realismo, submetido a alterações no processo de desenvolvimento do campo das RIs, tem resistido a críticas ferrenhas advindas de outras perspectivas teóricas do campo, se adequando aos questionamentos levantados por expressivas correntes teóricas, a saber, liberais, marxistas, construtivistas e pós-estruturalistas.

Hans Morgenthau, segundo Shilliam (2007, p. 301), permanece como o “padrinho” da vertente americana do campo, sendo crucial para a reformulação histórica da disciplina por meio da exposição do embate entre duas dicotômicas “visões de mundo” apontadas por: o universalismo ético do Liberalismo e o particularismo amoral do Realismo. Desta forma, Morgenthau, conjuntamente com Edward Carr, se constitui como um autor de estrema relevância para a compreensão do Realismo Clássico nos Estudos Internacionais.

O presente artigo tem como finalidade a releitura do realismo clássico morgenthaliano à luz da Filosofia Reformacional encontrada no arcabouço teórico-filosófico de Herman Dooyeweerd e Roy A. Clouser. Destarte, efetuará uma releitura da abordagem morgenthaliana utilizando autores não tão somente pertencentes à escola reformacional de pensamento, mas que largamente contribuem para a hipótese aqui levantada. Acredita-se que a Filosofia Reformacional possui uma estrutura teórica capaz de contribuir para com a disciplina validando e refutando hipóteses sugeridas pela abordagem realista. Os principais argumentos aqui trabalhados, dentro da percepção reformacional serão: (1) a suposição clouseriana da “crença religiosa” e seu impacto na construção teórico-científico; (2) o argumento dooyeweerdiano do “dogma da neutralidade religiosa da razão”, (3) bem como a questão “Natureza-Liberdade” presentes no pensamento dooyeweerdiano e também tratados em Clouser. (1) Em um primeiro momento, buscar-se-á a demonstração do que Clouser define como “crença religiosa”, bem como seu papel na construção argumentativa da não “neutralidade religiosa da razão” e sua relevância para a construção teórica. Acredita-se que segundo o pensamento reformacional há a possibilidade de se compreender o papel da teoria no processo de compreensão teórica por uma abordagem inovadora e tão pouca utilizada no âmbito dos Estudos Internacionais. Através da compreensão do conceito clouseriano da crença religiosa, levanta-se a hipótese da refutação do dogma da neutralidade religiosa da ciência, perceptível em todo o pensamento teórico ocidental. (2) Uma vez estabelecido os parâmetros desenvolvidos por Clouser, a segunda parte do artigo se valerá da releitura realista morgenthaliana, no intuito de evidenciar os pressupostos que influenciaram o pensamento de Morgenthau. Serão abordadas as argumentações contidas em William (2007), Shilliam (2007), Molloy (2006), Frei (2001). Conjuntamente, serão utilizados os escritos de HOLLIS e SMITH (1990), visando a apresentação do contexto vivido pelo autor, das suas mais tenras experiências, até o seu impacto nos Estado Unidos e sua influência na Política Internacional.  Tentar-se-á estabelecer as conexões entre a abordagem realista contida em Morgenthau e a tradição alemã de pensamento em ciências sociais, cujos principais pensadores seriam Carl Schmitt, Max Weber, Hegel e Friedrich Nietzsche. Uma vez estabelecido isto, apontar-se-á as escolas européias que o definem como um possível historicista, em detrimento das correntes cientificistas. (3) Tendo-se estabelecido o contexto em que Morgenthau escreve, submete-se o mesmo aos fundamentos da filosofia reformacional expondo os argumentos dooyeweerdianos do dualismo Natureza/Liberdade, a crítica e definição do historicismo, bem como as definições clouserianas de crença religiosa segundo, o que hipoteticamente se argumenta aqui, o tipo Dualista ou Panteísta. Por fim, por meio dos escritos de Ramos e Freire (2008), serão feitos apontamentos quanto os possíveis desdobramentos do argumento reformacional em Relações Internacionais e a possibilidade do programa de pesquisa reformacional se tornar um efetivo instrumento teórico para a melhor compreensão dos Estudos Internacionais.

1) A crença religiosa e a hipótese metafísica1

Tendo como um “pano de fundo” teórico o pensamento dooyeweerdiano, inicia-se aqui o desenvolvimento argumentativo no intuito de explicitar os problemas da natureza da crença religiosa, a conexão para com a idéia de realidade incondicionalmente real ou não-dependentemente, e sua relação com o restante da realidade. A este conjunto de idéias abordadas, dá-se o nome, segundo Carvalho (2006), de “hipótese metafísica”.

Destarte, visa demonstrar e problematizar os aspectos da autonomia da razão, primordialmente aquilo que se estabelece como um dogma: a crença na autonomia religiosa da razão – segundo Roy A. Clouser (2005). Nesse sentido faze-se necessário problematizar a racionalidade da identificação entre a razão e o “eu” que a utiliza e a confiança incondicional nesta razão, em especial “a forma pela qual tal confiança conduz a uma absolutização acrítica de certos aspectos da experiência, em detrimento dos outros” (CARVALHO, 2009, p.5).

Conjuntamente, reivindica-se que a crença religiosa é caracterizada, de forma essencial, pela referência implícita ou explícita a uma realidade não-dependente ou incondicionada, e que, por sua vez, isto implicará na indiferenciação qualitativa entre crenças metafísicas e crenças religiosas. Uma vez compreendido isto, levanta-se a hipótese de três tipos base de crença religiosa, conjuntamente com a apresentação do conceito de cosmovisão como meio de explicação da relação entre as crenças religiosas e o restante das crenças que compõem a visão-de-mundo (cosmovisão) de um indivíduo.

1.1) A natureza da crença religiosa em Clouser
Baseando-se nos escritos de Herman Dooyeweerd, o Dr. Roy A. Clouser (2005) em “The Myth of Religious Neutrality” apresenta-nos um programa de pesquisa teísta, visando uma “reforma interna” da ciência. Percebe-se a proposta de uma redefinição da natureza e importância da crença religiosa para o pensamento teórico. Inicialmente, em sua argumentação, coloca em questão o próprio conceito de religião buscando uma conceituação do que seria a crença religiosa. De forma não ingênua, Clouser compreende o quão difícil seria definir o que seria “religião” e o quão longe estaria do escopo de seu trabalho. Por isso, seu intento focaliza-se em um uso particular do termo, no sentido em que ele qualifica o termo crença religiosa (Clouser 2005, p.9). Desta forma há um auxílio na reflexão sobre a relação entre a crença religiosa e outras formas de crenças, como aquelas que são tipicamente contadas como crenças produzidas pelo pensamento teórico. (CARVALHO, 2009, p.8).

Surge então a necessidade de uma redefinição do conceito de “Crença Religiosa”. Par isto, ao definir a crença religiosa, Clouser o faz levantando conjuntamente um estudo comparativo das crenças religiosas de diversas religiões, sendo elas as maiores na contemporaneidade (Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Taoísmo, Budismo e Hinduísmo), assim como aqueles cujo passado se fazem os mais remotos e antigos conhecidos – como a crença grega nos deuses Olímpicos, a religião Romana, o politeísmo Egípcio, a religião Cananéia, dentre outros. Somado a isto, busca também estabelecer este conceito em cultos menores (Druidismo, Mitraísmo, Zoroastrismo, Xintoísmo, cultos aborígenes, dentre outros) e expressões percebidas como “casos dúbios”, como os ensinos Epicuristas sobre os deuses. Neste processo, seu intuito é definir a crença religiosa de forma que “estabeleça o conjunto de características compartilhadas unicamente por todas as coisas do tipo definido”, ou seja, de forma não arbitrária (CLOUSER, 2005). Para isto deve-se analisar o maior número de casos possíveis referentes a este tipo e separando as verdades referentes ao mesmo (CLOUSER, 2005, p.10). Sua ilação prévia estabelece-se no fato de que não há crenças em comum que se repitam universalmente. Neste sentido, Clouser estabelece dois limites ao utilizar essa abordagem analítica, sendo eles (1) não definir qual seria a religião verdadeira e (2) pensar nas religiões do ponto de vista de suas crenças ou enquanto crenças (relacionando ritos, moral, símbolos, etc como formas de crença).

Discutindo as propostas religiosas de maior relevância, Clouser percebeu contra-exemplos para cada exemplo encontrado em cada uma delas, a saber, oito em suma: (1) códigos éticos, (2) adoração, (3) crença em um “Ser Supremo”, (4) “preocupação última” 2  ou “realidade última”,3 (5) atribuição de valor irrestrito, (6) transcender a morte, (7) esperança de salvação e (8) transcendência da finitude.

Uma vez fundamentadas tais premissas teóricas, fica esclarecido a dificuldade para se definir, de fato, a base para a construção da definição da crença religiosa (religião). Buscando solucionar tal entrave, Clouser propõe uma mudança de abordagem teórica. Em vez da comparação de estruturas e conteúdos religiosos específicos, em conexão com a crença religiosa, sugestiona a consideração da estrutura da própria crença religiosa. Neste sentido, o que se conclui seria a certeza de que em todas as religiões ocorre uma diferenciação entre o que é o “divino” e o “não-divino”. Contudo, não há acordo entre elas sobre o que seria o “divino”, e sobre qual seria a relação humana para com ele (moral, ritos, valores, dentre outros). Mas, por sua vez, percebe também que a convergência para o que se acredita ser divino é universal (CLOUSER, 2005, p.17). Destarte, o que é compartilhado pelas inúmeras religiões, e que poderia ser utilizado numa definição não-arbitrária, seria a orientação da crença para o que recebe o “status” de divindade.

Ao introduzir esta nova percepção, seu pensamento resultou numa distinta compreensão de que “a atribuição de “divindade”, no interior da crença religiosa, consiste na atribuição de incondicionalidade” (CARVALHO, 2006, p.4). O significado de “divino” estaria relacionado com o ser “não-dependentemente real”. Clouser propõem então uma distinção entre o que é “divino” e quem é o “divino”, de forma que a primeira indagação definirá quem possuirá o “status” de divindade e a segunda apontará quem, de fato, ocupará esta posição (CLOUSER, 2005a, p.18). Desta forma, enquanto a segunda pergunta distingue as diversas religiões, a primeira auxiliará na identificação dos tipos de religião segundo suas noções de deidade. Esta estrutura, segundo o autor, se repetirá até mesmo em formas de crenças religiosas que não tem uma definição clara do que seria a divindade, uma vez que o objeto da crença religiosa sempre será uma realidade outorgada com status de incondicionalidade.

Compreendendo a distinção entre “ocupante” e “status”, Clouser concluirá que todas as religiões examinadas por ele concordavam com esse critério de forma que elas sustentavam que “[…] o divino é o que quer que seja incondicionalmente e não dependemente real” (CLOUSER, 2005, p. 19). Assim, temos a aplicação deste conceito em todas as grandes religiões: Yahweh no judaísmo, Alah no Islã, Tao no taoísmo, Brahman-Atman no Hinduísmo, etc. Destarte, diversos estudiosos modernos da religião reconhecem a conexão entre a crença religiosa e a atribuição de incondicionalidade (CLOUSER, 2005, p.44).4  Herman Dooyeweerd intitulava esta realidade divina como “arché” (origem ou princípio), de forma que esta realidade não-dependentemente real seria a Origem absoluta do sentido cósmico (CARVALHO, 2009, p.10).

Em suma, um sistema religioso, em termos de crença, é composto de crenças fundamentais sobre a ou as realidades “não-dependentes” – aquelas que se denominam como realidades divinas – como sendo distintas das realidades dependentes. Conjuntamente a isto, percebe-se também a existência de um conjunto de crenças associadas ou relacionadas a ritos, tradições, mitos, dentre outros. O que tornará essas outras crenças “religiosas” será o fato de objetivarem a relação dos crentes com o divino (CARVALHO, 2009, p.11).  Clouser definirá critérios para a definição da crença religiosa, os quais se definem como condição sine qua non para a formulação do conceito. Deste modo, segundo o autor, uma crença é religiosa desde que:

1)    Seja uma crença em alguma coisa como sendo divina per se, não importando como isto é descrito posteriormente, ou
2)    seja uma crença sobre como o não-divino depende do divino per se, ou
3)    seja uma crença sobre como os humanos vem a estabelecer um relacionamento apropriado com o divino per se,
4)    sendo que o núcleo essencial da divindade per se é ter o status de realidade incondicionalmente não-dependente. (CLOUSER, 2005ª, p.24)

Desta forma, a crença em uma determinada divindade irá demandar algum tipo de adesão da vontade e certo impacto emocional no indivíduo que a sustenta. Entretanto, há o entendimento de que a confiança daqueles que crêem num Deus pessoal não será percebido em todos os tipos de crença. Atesta-se isto no caso dos materialistas, por exemplo, cuja dimensão volitiva da “confiança” está fundamentada num modo de vida materialista por aqueles que aderem a esta “cosmovisão ”,5 gerando a certeza de que tal forma de vida se demonstra melhor do que a forma teísta. Neste sentido, o materialista precisa confiar na “não existência de Deus”, fazendo com que a fé para ele nunca se revele como confiança pessoal, pela simples razão de que o fundamento de todas as coisas é impessoal – ao contrário do teísta que utiliza de sua fé pessoal devido à existência de um Deus pessoal, base para a razão, motivação e origem desta mesma fé.

Contudo, Clouser (2005) irá declarar que nem toda confiança é religiosa, podendo existir, por exemplo, a confiança em um ator social (o Estado), ou no indivíduo qualquer (amigo), ou até mesmo na capacidade de um determinado objeto (o secar de um secador, por exemplo). Assim, uma confiança se faz religiosa quando o objeto da confiança é tido como incondicionalmente confiável, ou seja, quando ela é tomada (se faz) como a certeza fundamental e fonte de segurança existencial. Segundo Clouser (2005, p.33): […] “considerar alguma coisa como incondicionalmente confiável pressupõe que ela é divina no sentido proposto por nossa definição.” O que se conclui destas afirmativas seria o fato de que mesmo quando alguém rejeita uma crença religiosa explicitamente fundamentada em deuses, ou até mesmo opta por uma forma de ateísmo, isto não garante a ausência de crenças em realidades equivalentes capazes de serem classificadas, percebidas ou descritas como fundamentos divinos no sentido próprio, ou garanta que seu sistema de crenças seja “irreligioso” (CARVALHO, 2009, p.12).

2) Os tipos básicos de crença religiosa: dualista, monista-panteísta e teísta
Uma vez estabelecido a definição de crença religiosa (crença sobre o que é a realidade divina e/ou como se dá a relação entre o cosmo e o indivíduo para com esta realidade), e a relação desta com a cosmovisão (visão de mundo), Clouser (2005) identificará três tipos básicos de crença religiosa que operam como hipóteses metafísicas básicas. Seria de grande importância ressaltar que a distinção entre estes três tipos se dá pela relação entre estas formas de crença e a divindade (o “supremo”). Assim, temos que o monoteísmo oriental estabelece-se na identificação da “divindade” como a totalidade do cosmo, deste modo, classificando-se panteísta. Por outro lado o dualismo, que poderá manifestar-se em suas formas “pagãs” ou numa forma científica moderna, tende a identificar o “divino” como uma parte do cosmo, de forma a sujeitar a parte “inferior” à parte “divina”. Por fim, o teísmo bíblico estabelece uma diferenciação qualitativa entre o Criador e a criatura, separando claramente o atributo (posição) de “divindade” da natureza, em todas as suas dimensões, afirmando, entretanto, a presença do Criador na criatura de forma restrita ou limitada (CARVALHO, 2006, p.5).

O tipo Dualista ou “pagão” se estabelece sobre a premissa de que o divino será “[…] alguma parte, aspecto, força ou princípio no universo, aberto à nossa experiência e pensamento ordinário” (CLOUSER, 2005, P.44). Isto significa que nesta concepção a realidade é tida como um continuum ontológico, sendo que algumas regiões deste continuum são tidas como divinas e outras, tidas como dependentes destas. Ou seja, a divindade nada mais é que parte ou subdivisão da realidade; um segmento dentro da amplitude cosmológica.  O paganismo, por exemplo, é percebido por Clouser como um tipo que costumeiramente forma algum tipo de dualismo religioso. Enquanto o monismo percebe tudo como um único ser, o dualismo percebe a realidade como “a composição de duas substâncias ou forças contrárias” (CARVALHO, 2009, P.19).6 Esta relação poderá ser percebida desde a antigüidade, no dualismo persa (presente no Zoroastrismo e Maniqueísmo), por exemplo. Contudo, o dualismo grego, segundo Carvalho, seria o sistema mais influenciador da cultura ocidental, introduzindo o dualismo forma/matéria (CARVALHO, 2009, p.19)  . Este, por sua vez, se fez a subestrutura básica para o desenvolvimento do gnosticismo, se tornando posteriormente um dos mais preponderantes concorrentes do catolicismo cristão primitivo. Como resultado do dualismo grego, a espiritualidade “helênica” produziu conseqüências práticas que versavam na percepção do trabalho “material” como inferior, que por sua vez, acabavam por desprezar a pesquisa empírica e artesanal. A herança dualista grega permeou o mundo ocidental por algum tempo, trazendo a incapacidade de produção científica sistemática e tecnológica industrial – o que veio a romper-se somente com a renascença, conjuntamente com a Reforma protestante (CARVALHO, 2009).

Por sua vez, o tipo Monista-Panteísta (ou Panteísta) de crença religiosa (ou religião, nos termos aqui explicados), possui como principais representantes o Hinduísmo e o Budismo. A percepção clouseriana irá inferir que, curiosamente, o tipo Panteísta inverterá o arranjo ontológico do paganismo.

Fica estabelecido então que tanto para o paganismo quanto para o panteísmo, a realidade será percebida como um continuum. A divergência perceptiva estará, entretanto no fato de que para o paganismo o divino será uma subdivisão do todo, enquanto que para o panteísmo o todo será uma subdivisão do divino. Assim temos que para o monismo-panteísta a crença religiosa versa sobre a premissa de que a realidade inteira é uma única essência, “o todo”. Este “todo” se faz a divindade enquanto que a realidade não divina será apenas aparentemente não divina, superficial ou ilusória. Na prática religiosa, o monismo-panteísta define que o caminho da realização individual estará na harmonização deste indivíduo com a realidade que está oculta sob a aparência. Desta forma, Carvalho afirma que no monismo “[…] não há interesse em transformar a realidade. Pelo contrário, é preciso dedicar-se à meditação para receber a iluminação mística, e compreender que o sofrimento e o mal são na realidade ilusões” (CARVALHO, 2009, p.18).

Contrapondo os modelos monista-panteísta e dualista, Clouser apontará um terceiro tipo, chamado Teísta ou tipo “Bíblico”. Sua principal característica será a negação da existência de uma realidade contínua. Deus e o cosmos serão duas realidades distintas, sendo que o primeiro se constitui criador, enquanto que o segundo se faz criatura. Esta criatura (cosmo) foi criada de forma boa, perfeitamente projetada por um Ser divino e pessoal. Clouser estabelece esta afirmativa de forma mais concisa quando declara que “o Ser de Deus não é o ser da criação” (CLOUSER, 1999, p.44). Desta forma, não há uma parte desta criação que em si mesma seja má ou inferior a outra, como atesta o dualismo grego. Não haverá uma parte ou aspecto da criação que seja autoexistente.

A concepção dooyeweerdiana de Criação/Queda/Redenção, perceberá que a queda do homem levou o mundo à permanência caótica, compreendida como a negação livre e sustentada da ordem natural. Assim, tem-se que o mal existe, porém se demonstra diferente das afirmações monistas e dualistas que o compreende como uma ilusão (no caso do monismo) e não poderá ser identificado como “uma criatura ou aspecto da realidade” (CARVALHO, 2009, p.20). Portanto, tem-se que o teísmo compartilha com o monismo e com o niilismo “soft” a premissa da negação de atribuição de autoexistência ao cosmo em sua superfície. Contudo, de forma diferenciada dos mesmos, afirma a realidade e a bondade do cosmo criado, atribuindo ao mesmo realidade (ser real) e não uma condição ilusória a ser superada como no próprio monismo. Ainda, o teísmo também poderá ser tido como uma forma de dualismo, na medida em que reconhece a existência de uma realidade criada e outra não-criada. Porém, diferencia-se do mesmo ao postular a premissa de que a divindade não poderá ser compreendida ou identificada como nenhuma parte ou segmento da realidade temporal.

Desse modo pode-se afirmar que as tradições de origem bíblica se distinguirão do paganismo ao rejeitar a exaltação de uma parte da criação com o status de divindade, e consequentemente, do panteísmo ao recusar a noção de cosmo ilusório. De forma conclusiva para o argumento teísta, haverá “uma consistente ênfase, no interior dessa tradição, na gravidade do pecado da idolatria – a negação da descontinuidade básica Criador-criatura, como a origem do mal humano” (CARVALHO, 2006, p.7).7 Assim, afirma Francis Schaeffer,8 que “a realidade é tudo, menos o pecado” (SCHAEFFER apud CARVALHO, 2009, p.20).

Por conclusão temos que as três hipóteses metafísicas supracitadas estabelecem três tipos básicos de cosmovisão, examinadas sob o ponto de vista da orientação religiosa basilar de cada uma delas. Destarte, estas correspondem, segundo Clouser, às três grandes tradições filosófico-religiosas – as diversas formas de Dualismo pagão dominante no ocidente e também presente no oriente, o Panteísmo oriental e o Teísmo existente em religiões como o Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo. Contudo, estes tipos são acrescidos de suas variações desenvolvidas ao longo do tempo por meio dos diferentes contextos históricos em que tiverem presente.

Uma vez compreendido a relação entre crenças religiosa, hipótese metafísica e cosmovisão, passemos à construção do argumento levantado por Clouser do papel da crença religiosa no pensamento teórico-científico.

3) O papel ou impacto da crença religiosa no pensamento teórico-científico
Como em Dooyeweerd, Clouser fará distinção entre dois níveis básicos de experiência cognitiva, uma em nível “ordinário”, outra em nível “teórico”. No nível “ordinário”, ou pré-teórico, ocorre a formação de conceitos a partir da “atenção” a certas particularidades dos fatos da experiência. Percebe-se, neste nível, pouco rigor e controle para com a formação de conceitos. Entretanto, no nível “teórico”, intensifica-se esta “atenção”, fazendo com que ocorra uma concentração mais analítica sobre certas propriedades, conduzindo o estudioso a abstração9  teórica em diferentes níveis. Neste sentido temos que no nível ordinário ocorrerá a baixa abstração, enquanto que no nível teórico ocorrerá a alta abstração (CLOUSER, 2005, p.64). A matéria da abstração, ou material abstraído, seria o “insumo” necessário para a construção dos conceitos.10 Por conseguinte, tem-se que no pensamento pré-teórico, as conexões lógicas serão realizadas de forma inconsciente, natural, e acompanhando a intenção do indivíduo. Por outro lado, no pensamento teórico, o indivíduo realizará atos logicamente qualificados, de forma consciente e sistemática.

Deste modo, segundo o argumento, teríamos dois tipos de conceitos, um pré-teórico e outro teórico, sendo que os conceitos teóricos seriam marcados pelo rigor na distinção dos tipos de propriedades e pelo controle lógico no estabelecimento de conexão entre as propriedades, relações e partes de coisas. O ato logicamente qualificado não poderá então conter a plenitude (totalidade) do fato real, uma vez que sua característica definidora se faz pela intensificação da atenção. Ou seja, será esta intensificação da atenção que “conduzirá ao isolamento de certas particularidades do fato, para serem submetidos a síntese lógicas” (CARVALHO, 2006).

Ponto fulcral do pensamento clouseriano será a necessidade irredutível da distinção dos tipos de propriedades, por parte da explicação científica, visando considerar um aspecto de certo fato e a relação entre as propriedades de outros tipos e o fato, do ponto de vista daquele aspecto (CLOUSER, 2005, p.78). Segundo Clouser (2005, p.187): “As teorias científicas postulam conceitos que combinam propriedades de diferentes tipos e especificam como eles se relacionam”. Compreende-se então que as explicações buscam seu início explicativo da hipótese sobre a relação entre os tipos de propriedades (CARVALHO, 2006).

Devido a isto, Clouser irá afirmar a impossibilidade de construção de um conceito teórico sem expressar, em um determinado momento, uma pressuposição sobre a estrutura geral da realidade e da inserção daquele fato real dentro da realidade. Ao examinar os conceitos utilizados por uma teoria científica, surgiria a possibilidade de estabelecer a relação entre os tipos de propriedade isolados pela teoria e os outros tipos de propriedade que formam o conjunto total da experiência pré-teórica. (CARVALHO, 2006)

Tem-se então que na explicação filosófica e científica, utiliza-se a “estratégia” da identificação e um dos aspectos da experiência com a realidade incondicionada. Como a explicação visa a busca do sentido por meio de outros sentido, será somente feito por meio da redução de uma dimensão da experiência. Deste modo, as pressuposições metafísicas reducionistas são fundamento para teorias metafísicas e explicações cientificas reducionistas. Clouser percebe que o grau de coerência de uma teoria científica variará de pessoa para pessoa, conforme suas pressuposições metafísicas (CLOUSER, 1996, p.8).

Entretanto, apoiando-se no pensamento dooyeweerdiano, Clouser criticará esta estratégia ao afirmar que este tipo de procedimento, “tido como experiência ordinária, pré-científica, na qual a totalidade dos aspectos é dada simultaneamente e de forma interdependente, é considerada enganosa” (CARVALHO, 2006, p.11).  O ponto culminante estará no fato de que grande parte das teorias metafísicas rejeita essa experiência, buscando identificar a natureza básica da realidade “no interior do pensamento abstrato, escolhendo um ou outro dos aspectos abstraídos para explicar todos os outros” (CLOUSER, 2005, p.2). Percebe-se então, segundo Clouser, que a crença religiosa desenvolverá um importante papel ao fazer a articulação entre a metafísica e a ciência por meio do seu atributo supracitado, o de atribuição de incondicionalidade. Em termos metafísicos, a crença sobre a realidade divina será a crença sobre a natureza do fundamento do mundo, ou da realidade não-dependente. O pensamento teórico (cientifico e filosófico), necessariamente terá que utilizar de uma pressuposição sobre a relação entre os aspectos da realidade e sobre a realidade incondicionada (última). Destarte, obrigatoriamente, as teorias deverão oferecer explicações sobre a natureza da conexão inter-aspectual, sendo “forçadas” a um posicionamento quanto qual seria a natureza básica da realidade.

Consequentemente, por meio do tipo básico pagão de crença sobre a realidade incondicionada tem-se que sua grande marca será a identificação de um “recorte” da realidade. Como atesta Carvalho (2009, p.12): “No interior da atividade científica, o “paganismo” consistiria da atribuição de incondicionalidade a um aspecto da experiência, abstraído no processo teórico, com a consequente tentativa de reduzir as propriedades e relações dos fatos reais a este aspecto teoricamente abstraído.”

Clouser (2005) claramente não atribui igualdade a religião e a metafísica, uma vez que a religião se constitui num fenômeno humano complexo, enquanto que a metafísica se caracteriza por um procedimento teórico. A grande “pedra-angular” da construção argumentativa clouseriana é que o papel da metafísica seria o de explicar a estrutura do real, contudo, o fundamento ou pressuposto teórico do qual parte a metafísica seria uma pressuposição sobre a realidade incondicional e não-dependente que é religiosa, por natureza. Ou seja, a teoria para se apresentar com tal, carece da realidade incondicional, sendo ela religiosa pelo fato de que o incondicional é o divino, e o divino será o religioso – aquilo ou aquele a quem se atribui o status de incondicional ou não-dependente. Uma vez que a ciência não poderá operar sem pressuposições metafísicas, não haverá uma teoria científica que não possua pressupostos versados em crenças religiosas – segundo os tipos e crenças religiosas utilizadas por Clouser: Dualista (pagã), Monista-Panteísta (panteísta) ou Teísta (bíblica). Desta forma Carvalho atesta que “a crença religiosa sempre migra para a ciência, por meio de suas inevitáveis pressuposições metafísicas” (CARVALHO, 2006, p.13).

O pensamento científico surge da tentativa de se abstrair uma “dimensão” (ou parte) da “realidade” (totalidade), no intuito de torná-la lógica. O pensamento dooyeweerdiano nos esclarece que o pensamento científico não nos concede nenhum acesso mais profundo à realidade. Ou seja, o pensamento científico pode nos auxiliar na compreensão de alguns processos que são qualificados por uma dimensão da realidade, que é abstraída da totalidade, porém não leva ao fundamento em si. Assim, nos termos aqui abordados, toda a construção teórica partirá de um ponto, cujo fundamento remonta a uma crença religiosa (nos termos aqui propostos).

Morgenthau e seu contexto
Faz-se necessário, para a argumentação aqui apresentada, a exposição do corpo teórico (ou parte dele) que Hans Morgenthau desenvolve durante a década de 1940, mais precisamente em seu “Política entre as Nações” (1948). Nesse sentido, ao analisarmos seu contexto histórico, poder-se-ia compreender melhor as razões e o ‘back-ground’ teórico-filosófico que o influenciaram. Para isto, utilizaremos aqui a abordagem apresentada por Hollis e Smith (2007), no que tange a conjuntura histórica estadunidense em que o autor se encontrava na época de seu escrito. Conjuntamente, serão abordados outros textos e autores, como Michael Williams (2007), Robbie Shilliam (2007), Seán Molloy (2006), dentre outros, que corroboram para a argumentação aqui apresentada ao demonstrarem a herança intelectual e filosófica que permeava o argumento morgenthaliano. Usar-se-á, porém, a linha histórica apresentada por Hollis e Smith (2007), visando a estruturação, de forma coesa, do argumento aqui exposto, ainda que os mesmos possuam lacunas e inconsistências em algumas de suas assertivas teóricas. Entretanto, o que nos vale aqui é a apresentação contextual em que se encontrava Morgenthau e, cabendo-nos, serão apontados os devidos questionamentos com suas prováveis ou possíveis respostas. 

No que diz respeito à percepção realista dos Estudos Internacionais, constata-se sua estruturação e organização enquanto disciplina a partir do fim da Primeira Guerra Mundial. Edward H. Carr traz para o campo das RIs as primeiras discussões expondo em seus escritos11 o debate inicial entre idealistas e realistas. Mas é somente em Morgenthau que, de fato, percebe-se uma consistente organização do realismo como uma abordagem teórica dos Estudos Internacionais (HOLLIS; SMITH, 1990).

Por mais que Carr tenha produzido as mais consistentes críticas ao Idealismo, foi Morgenthau o ‘popularizador’ da nova abordagem Realista e sua proposta era o estudo das Relações Internacionais por meio de uma abordagem Realista-cientificista. De forma categórica, o autor sintetizou sua abordagem em seis princípios que constituem basicamente o âmago do Realismo político. Sendo assim, é fulcral a compreensão morgenthaliana dos Estudos Internacionais, uma vez que, o Realismo Clássico influenciou e, de certa forma, influencia até a contemporaneidade as análises do cenário internacional, bem como dos atores que o compõem.

Tendo nascido em 1904 na Alemanha, Morgenthau era filho único de pais judeus e rigorosos. Vivenciou períodos solitários e, uma vez sendo judeu, cresceu testemunhando o crescente anti-semitismo e a descriminação na escola. Este cenário proporcionou a Morgenthau uma vida reclusa, dedicada aos estudos, principalmente no que tange as leituras historiográficas, filosóficas e literárias. Na década de 1920 teve a oportunidade de estudar nas Universidades de Frankfurt e de Munique, especializando-se em direito e diplomacia. Foi exatamente neste período que pode se dedicar e aprofundar seus estudos no trabalho de Max Weber, autor que tanto admirava e que tanto o influenciou posteriormente. No final da década de 1930, Morgenthau já lecionava direito público na Universidade de Genebra e, posteriormente, teve oportunidade de ir à Espanha, um pouco antes de partir para os Estados Unidos da América (EUA), devido à consolidação do poder de Hitler na Alemanha (GRIFFITHS; ROACH; SOLOMON, 2009, p. 50).

Ao chegar aos EUA, Morgenthau obteve grandes oportunidades para lecionar em diversas universidades, podendo, inclusive, servir ao governo americano como consultor do planejamento político durante os anos da década de 1940, bem como conselheiro do Pentágono durante a década de 1960. Como teórico, seu primeiro livro publicado foi Scientific Man versus Power Politics de 1946, representando uma arranjada exposição da filosofia realista, bem como uma incisiva crítica ao que ele chamava de ‘liberalismo racional’.12 Como contraposição as predominantes crenças liberais da época, baseadas em hipóteses otimistas quanto à natureza humana, o autor inicia ali as primeiras exposições dos tradicionais conceitos metafísicos e religiosos sobre a ‘queda do homem’ (GRIFFITHS; ROACH; SOLOMON, 2009, p. 51). Argumento esse bem presente no realismo teológico de Reinhold Niebuhr,13 que, segundo Ronaldo Mota Sardenberg (MORGENTHAU, 2003, p. XXII), conjuntamente com E.H. Carr e o próprio Morgenthau, são “os fundadores do realismo anglo-americano”.14 Niebuhr foi uma influência ao pensamento de Hans Morgenthau que, segundo Lang Jr. (2007, p. 25, tradução nossa),15 o considerava como o “pai de todos nós”, levando-o a se conectar com suas “raízes judaicas”.
Entretanto, é de suma importância frisar aqui que o ambiente intelectual em solo americano poderia ser compreendido, segundo Souza (2006), em dois ambientes intelectuais distintos: de um lado havia a tradição acadêmica estadunidense classificada por Niebuhr (1984)16 como “otimismo histórico”, ou seja, uma crença na razão como absoluta e capaz de ser o instrumento-chave para a compreensão dos seres humanos e do mundo; do outro, uma tradição de cunho germânico, no que tange o pensamento em ciências sociais, que focava em elementos como teoria e história, demonstrando-se cética quanto ao papel da razão, desde seu propulsor, Nietzsche. Uma vez que o mundo das ciências sociais não responde a uma mesma lógica vista nas ciências naturais, a razão instrumental, responsável pelo progresso das ciências chamadas naturais, não teria a mesma agência no campo das sociais. Assim, a história de forma otimista das ciências naturais daria lugar a uma dimensão trágica nas ciências sociais.

Disto extrai Morgenthau o axioma que define a política como a luta pelo poder. Isto ocorre devido ao fato de que ‘homem político’ é um inato ser egoísta e com uma compulsão insaciável pelo domínio do outro. Afirma que a Natureza Humana é evidenciada em três dimensões – biológica, racional e espiritual. Contudo, foca-se na “vontade-de-potência”17  como sendo característico para se definir a política, distinguindo-a da ‘esfera’ econômica (busca racional pela riqueza), e da religiosa (esfera espiritual da moralidade). O desdobramento disto se dá nos seguintes termos: uma vez que o âmbito político é caracterizado pela uso da força visando o domínio do outro, a moralidade assim como a razão, seriam “virtudes subordinadas na política, meros instrumentos para se alcançar e se justificar o poder” (GRIFFITHS; ROACH; SOLOMON, 2009, p. 51, tradução nossa).

Política entre as Nações
inicia-se com uma sentença contundente pronunciada por Morgenthau (2003), afirmando que o propósito principal de seu livro era a apresentação de uma teoria de política internacional. Para o autor existem somente duas formas para se abordar a política internacional: a primeira estabelece uma ordem racional e moral, baseando-se em uma gama de princípios morais universalmente aceitos; a segunda, antagonicamente, concebe tais eventos políticos como o resultado de forças inerentes a natureza humana. Desta forma, temos que na primeira abordagem a premissa vigente é a de uma bondade própria da natureza humana, capaz de superar todas as falhas percebidas na forma pela qual a sociedade internacional se arranja. Entretanto, pela abordagem secundária, uma vez percebendo os eventos políticos como inerentes da natureza humana, afirma que há a necessidade de se trabalhar a favor destas forças para se compreender as relações internacionais, e não contra elas. Morgenthau argumenta então que os princípios morais, como afirma a primeira abordagem Idealista, não são aplicáveis para a compreensão das RIs, uma vez que, pela abordagem Realista, há a concepção da natureza humana como ela é, e não como ela deveria ser, assim como lida com os eventos históricos segundo os fatos ocorridos e não como se gostaria que ocorressem. Deste modo, a tentativa pretendida por Morgenthau seria a criação de uma ciência das Relações Internacionais que, segundo Hollis e Smith, “as colocou em um caminho positivista de análise dos eventos, uma vez que se baseava em uma noção de forças ocultas produzindo comportamentos” (HOLLIS; SMITH, 1990, v.14-16, p.23, tradução nossa). 18

Apesar de não ser unânime esta percepção e passível de grande contestação,19 como apresentada por William (2007), Shilliam (2007), Molloy (2006), Frei (2001),20 dentre outros, se julga pertinente aqui sua demonstração devido a possibilidade explicativa contextual que nos presta, dando-nos a oportunidade de compreender melhor a própria percepção para com o autor em sua época. Molloy (2006), por exemplo, afirma que:

Morgenthau serve com um efetivo contraponto ao seu contemporâneo E. H. Carr. Mesmo tendo Morgenthau também adotado uma abordagem dialética, em seu caso na relação entre poder e moralidade, Morgenthau estava comprometido em desenvolver uma teoria singular do Realismo, e que, mesmo não sendo racionalista, faltou com o elemento dialógico da abordagem de Carr. Foi esta “falta” do diálogo teórico que forçou Morgenthau a mover-se entre o ceticismo radical nietzschiano e a forma idealista de teorização weberiana. (MOLLOY, 2006, p. 76)

A principal queixa realizada por Morgenthau para com o racionalismo, segundo Molloy (2006, p. 77, tradução nossa), era “a má-compreensão da natureza do conhecimento social”. Morgenthau afirma que os modelos racionalistas são descritos como “ídolos”, produto do desejo racionalista do século dezessete por uma ordem análoga à ordem percebida no mundo natural, “uma visão da ciência irremediavelmente ultrapassada no século XX” (MOLLOY, 2006).

Percebe-se, contudo, que esta postura nem sempre esteve presente no pensamento morgenthaliano como em Política entre as Nações, principalmente ao vermos suas declarações passadas repudiando aqueles que tentaram transpor a política para o campo da ciência e permitiam a razão transpor aquilo que é político. Tais afirmações levaram alguns a percebê-lo e classificá-lo segundo a tradição interpretativa. Mesmo assim, sua preponderância para as Relações Internacionais fica evidente ao se constatar a influência do seu pensamento para o campo. Dois pontos fundamentais levantados por Hollis e Smith (1990), seriam: (1) a afirmação, em Morgenthau, de que há forças determinando as relações internacionais, de forma que, sem isto, sua tese desfalece; (2) conjugado a isto, a questão da natureza humana. A conclusão que os autores chegam seria que, com isto, Morgenthau visa “estabelecer suas tendências ‘humanísticas’ de uma forma cientificista” (HOLLIS; SMITH, 1990, v. 31-32, p. 23, tradução nossa). Entretanto, Frei (2001) aponta para um caminho inverso como se lê em Igor Abdalla Medina de Souza (2006):

A partir do enquadramento desse argumento dentro da lógica da tradição germânica de pensamento em ciências sociais, é possível levantar dúvidas sobre a concepção do realismo como um paradigma desenvolvido no interior do mundo anglo-saxão e atendendo aos seus princípios. Com efeito, os enfoques mais recentes sobre os escritos de Morgenthau ainda em solo europeu apontam para a constatação de que os seus escritos pós-1937 pouco ou nada acrescentam de novo ao arcabouço construído antes de sua chegada aos Estados Unidos. A própria obra mestra do realismo, A Política entre as Nações, primeiramente publicada em 1948, já havia sido planejada desde, pelo menos,1933.
Além da ausência de análises dos escritos da fase européia de Morgenthau, outro fator induziu as historiografias de Relações Internacionais ao erro quanto às origens do realismo na disciplina: depois de ingressar nos Estados Unidos, Morgenthau, conscientemente, ocultou as referências basilares do seu pensamento. Em vez de citar os pensadores alemães que lhe serviram de base para o desenvolvimento da teoria realista, Morgenthau optou por mencionar, em seus textos, pensadores anglo-saxões, o que chega a ser compreensível em virtude da intensa atmosfera antigermânica dos anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra. Não constitui exagero supor que a diferença entre alemão e nazista não era clara para a maior parte das pessoas àquela época. Nesse contexto, apresentar uma teoria política como declaradamente germânica não era uma atitude das mais prudentes, sendo o caminho alternativo mais óbvio “citar autores anglo-saxões e autoridades clássicas para conferir suporte à sua posição”. (FREI APUD SOUZA, 2006, p. 122)

Devido à influência contemporânea destas análises, que focam a fase europeia do pensamento morgenthaliano, surgiram novas interpretações que contestam a concepção tradicional deste realismo pautado em escritos maquiavélicos e hobbesianos. Estas abordagens ao analisarem a real influência, ou pressupostos teóricos-filosóficos, sobre o pensamento de Morgenthau, constatam que as origens do realismo nos Estudos Internacionais remontam a tradição alemã de pensamento em ciências sociais, cujos principais pensadores seriam Carl Schmitt, Max Weber e, como supracitado, Friedrich Nietzsche. Nesse sentido, tem-se então a presença de três maiores princípios herdados desse pensamento: (1) a herança nietzschiano-weberiana da crença na impossibilidade de resolução de conflitos de valores, (2) o argumento nietzschiano da “vontade de potência”, ou “vontade de poder”, que caracteriza a luta pelo poder em virtude da natureza humana (animus domini) e, por fim, (3) a tentativa de estabelecimento da autonomia do político como esfera particular da vida social, advinda de Carl Schmitt. Isto então forma os fundamentos para que haja uma mudança da visão otimista e teleológica da modernidade, capaz de possuir uma razão medidora do progresso advindo da mesma, para ceder lugar à concepção trágica do período moderno – a tecnologia e seus avanços não se demonstram capazes de conter os conflitos de valores, ao contrário, os potencializam aumentando a luta pelo poder. Souza (2006) aponta-nos que:

A medida do desenvolvimento do racionalismo científico é a medida da preponderância da irracionalidade na cena política, esta última concebida como uma esfera da vida social que responde por suas próprias leis, enraizadas, em ultima instância, na natureza humana. (SOUZA, 2006, p. 124)

Segundo Hobsbawm (2003),21 os Estados Unidos da América (EUA), emergiam ao final da Segunda Guerra Mundial como a maior potência mundial. Assim, temos que o corpo político americano, visando justificativa intelectual para confrontar o poder soviético, busca suporte na comunidade acadêmica capaz de muni-los com o desejado – algo não tão simples de se obter, devido ao fato da política anteriormente adotada ser a de ‘não envolvimento’ em questões de cunho internacional. Por fim, percebe-se que todos os primeiros defensores da corrente Realista em solo americano foram imigrantes europeus. Isso significa, em tese, que a maioria deles compartilhavam uma herança intelectual que submetia as causas e as análises dos eventos sociais a uma observação de nível macroscópico.  Nesse sentido, o contexto era favorável para a aplicação dos métodos das ciências naturais ao ambiente internacional (HOLLIS; SMITH, 1990, p.24).

Retomando a teoria morgenthaliana, é sabido que o autor institui seis princípios básicos que compunham o centro de seu argumento. O primeiro deles atesta que:

O realismo político acredita que a política, como aliás, a sociedade em geral, é governada por leis objetivas que deitam suas raízes na natureza humana. Para estar em condições de melhorar a sociedade, é necessário entender previamente as leis pelas quais a sociedade se governa. Uma vez que a operação dessas leis independe, absolutamente, de nossas preferências, quaisquer homens que tentem desafiá-las terão de incorrer no risco de fracasso.
O realismo, por acreditar na objetividade das leis da política, tem de admitir igualmente a possibilidade de desenvolver-se uma teoria raciona que reflita essas leis objetivas, mesmo que de modo imperfeito e desequilibrado. Ele também acredita, portanto, na possibilidade de distinguir, no campo da política, entre a verdade e a opinião; entre o que é verdadeiro, objetiva e racionalmente, apoiado em provas e iluminado pela razão, e aquilo que não passa de um julgamento subjetivo, divorciado da realidade dos fatos e orientado pelo preconceito e pela crença de que a verdade consiste nos próprios desejos . (MORGENTHAU, 2003, p. 4-5)

Isso então implicaria na possibilidade de construir uma teoria que fosse pautada em leis objetivas, como nos apresenta Hollis e Smith (1990). Em suma, “as leis objetivas da natureza humana, combinadas com a afirmação de que os atores são racionais, pode dar-nos um mapa para se explicar as relações internacionais” (HOLLIS; SMITH, v. 38, p. 24; v.1-2, p. 25).22

Seu segundo princípio fundamenta-se na assertiva de que para se compreender e se direcionar nesse mapa, faz-se necessária a definição do conceito de interesses desses atores, definidos em termos de poder. Esse conceito seria capaz de demarcar a política internacional uma esfera autônoma de ação, o que implicaria na percepção de que as considerações éticas são de pouca valia para se compreender as ações dos estados ou dos atores internacionais (MORGENTHAU, 2003). Nesse sentido, seu conceito de poder permite a compreensão das ações dos tomadores de decisão, sem a necessidade do escrutínio de sua ‘percepção de mundo’ (cosmovisão), ou suas intenções. Como afirma Morgenthau (2003, v. 26-28, p.7), “[…] uma teoria realista da política internacional evitará, portanto, duas falácias populares: a preocupação com motivos e a preocupação com preferências ideológicas”. Mesmo frente a tais afirmações, o autor deixa claro que nem sempre a política internacional será tão racional em termos de autointeresse, como seu segundo princípio afirma.

Seu terceiro princípio atesta que este interesse definido como poder “constitui uma categoria objetiva que é universalmente válida, mas não outorga a esse conceito um significado fixo e permanente” (MORGHENTAU, 2003, v.28-31, p.16). Isso significa que o seu conceito chave é o interesse propriamente dito, tratado como o “componente perene da política”,23 aquele que não sofre modificações frente às ações do lugar e do tempo. Isto possibilitou aos realistas considerarem diferentes formas para as relações internacionais e, principalmente, tratando objetivamente o conceito de interesse, possibilitou um meio ‘universalizante’ inicial para se compreender os eventos internacionais (HOLLIS; SMITH, 1990).

Como quarto ponto, aponta que o Realismo percebe a importância dos princípios morais como norte da ação política, uma vez que essa moralidade virá acompanhada daquilo que o autor chama da ‘prudência’. Nesse sentido, tem-se que os interesses estatais devem estar acima da própria moral utilizada pelo estadista ao se tomar alguma decisão. Os limites dos princípios morais seria a prudência, afirma o autor. Deste modo, atesta Morgenthau que:

Não pode haver moralidade política sem prudência, isto é, sem a devida consideração das consequências políticas da ação aparentemente moral. […] o realismo considera que a prudência – a avaliação das consequências decorrentes e ações políticas alternativas – representa a virtude suprema na política. A ética, em abstrato, julga uma ação segundo a conformidade da mesma com a lei moral; a ética política julga uma ação tendo em vista as suas consequências políticas. (MORGENTHAU, 2003, p. 20-21)

O axioma extraído deste princípio seria que enquanto um homem, ou o ‘tomador de decisão’, poderia agir em um determinado momento segundo uma ética em prol ou segundo os princípios morais, o Estado, contudo, não poderia. Fato é que para o Estado, as ações do mesmo deveriam ser submetidas a um ‘julgamento’ segundo um critério distinto daquele utilizado pelo o homem, a saber, por exemplo, a sobrevivência nacional (HOLLIS; SMITH, 1990, p. 26).

Como contraponto as afirmativas Idealistas, o quinto princípio define que não há possibilidade de haver uma moral universalizante aplicável a todos os estados em âmbito internacional, como norte das ações políticas dos mesmos. Pelo contrário, elas são de cunho particular. Um estado qualquer formulará políticas com roupagem moral somente se estas forem sujeitas as suas vontades e atendam seus interesses. As aspirações morais de uma determinada nação, segundo o realismo morgenthaliano, não se aplicará a toda a humanidade. Assim tem-se que, segundo Morgenthau:

O realismo político recusa-se a identificar as aspirações morais de uma determinada nação com as leis morais que governam o universo. […]. Uma coisa é saber que as nações estão sujeitas à lei moral, e outra, muito diferente, é pretender saber, com certeza, o que é bom ou mau no âmbito das relações entre nações. (MORGENTHAU, 2003, p. 21)

Morgenthau afirma e reafirma em seu sexto princípio a autonomia da esfera política em relação às demais esferas como a econômica, a jurídica, a religiosa, dentre outras. Ao definir os interesses em termos de poder, firma-se que para o Realismo político, a supremacia estará com questões de cunho político, ao passo que, por exemplo, para o economista, os interesses versarão sobre os termos de riqueza. O principal aqui é que para o realismo morgenthaliano, abre-se um espaço para se pensar os fenômenos sociais de maneira distinta. Contudo, tudo será subordinado a uma análise política, uma vez que a mesma estuda fenômenos específicos, outorgando-a legitimidade autônoma sobre as demais esferas sociais.  O ponto crucial, segundo Hollis e Smith (1990), levantado por Morgenthau no sexto princípio, e facilmente perceptível no segundo capítulo do “Política entre as Nações”, seria o fato de que o Realismo revoga para si o título de “um meio científico de se pensar as relações internacionais” (HOLLIS; SMITH, 1990, v. 14-15, p. 27).

Devido a estes e outros demais fatores, não apontados aqui por questões didáticas, o Realismo tornou-se, durante as décadas de 1940 e 1950, o credo fundamental da política externa estadunidense. Historicamente, permaneceu com o seu popularismo em meio político devido ao fato de sua conveniência em promover análises justificáveis em meio a uma conjuntura internacional após as falhas na década de 1930 e, posteriormente, no período das duas grandes Guerras Mundiais e da Guerra Fria, promoveu justificativas plausíveis demonstrando a necessidade do envolvimento norte-americano em tais questões (HOLLIS; SMITH, 1990).

Uma vez compreendido as heranças do pensamento morgenthaliano, prossegue-se aqui com a suposição de que, em termos dooyeweerdianos, a abordagem de Morgenthau poderia ser concebida como um ideal historicista e não simplesmente positivista. Isto irá proporcionar a Morgenthau, em termos dooyeweerdianos/clouserianos, a construção de toda sua argumentação teórica sobre o motivo-base humanista natureza/liberdade, pautados num fundamento “pagão” de crença religiosa. Os fragmentos weberianos, nietzschianos e hegelianos presentes em Morgenthau, possibilitam-nos perceber este pressuposto historicista ou do “historismo” como aponta Dooyeweerd (2010), podendo ser classificado, devido ao dualismo proveniente da natureza de seu pensamento, segundo Clouser, como uma teorização pautada na crença “pagã” religiosa. Deste modo, julga-se necessário a exposição do argumento sobre o ‘motivo-base’ humanista natureza/liberdade em Dooyeweerd, a apresentação do historicismo e sua crítica dooyeweerdiana/clouseriana, bem como a classificação clouseriana da crença religiosa pagã como abaixo se segue.

Releitura reformacional da abordagem Morgenthaliana
Buscando uma melhor compreensão do argumento reformacional, se faz necessário o breve detalhamento dos conceitos que serão aqui utilizados. É pertinente ressaltar que grande parte do pensamento dooyeweerdiano está presente na argumentação de Clouser – estruturada e apresentada na primeira parte do presente artigo. Contudo, visando um firme embasamento e uma consistente argumentação, julgou-se necessário a exposição de alguns conceitos específicos dooyeweerdianos, valiosos para a releitura da abordagem realista morgenthaliana.
Segundo os pressupostos reformacionais contidos na abordagem clouseriana, pautados na filosofia dooyeweerdiana, há uma dimensão tácita que guia o pensamento teórico, e esta é dependentemente religiosa e pré-teórica. Segundo Freire (2009),24 o pensamento teórico será:

[…] medido teoricamente pela formulação de modelos ontológicos que possibilitam sua identificação. Em outras palavras: as raízes de cada uma das correntes de pensamento ‘internacionalista’ provêm de um comprometimento religioso que direciona os conceitos teóricos mais ‘superficiais’ por intermédio de uma formulação geral acerca da natureza básica da realidade. (FREIRE, 2009, p. 2-3)

Sabe-se, contudo, que outros autores tenham feito uma ligação entre a religião e o pensamento teórico – Carl Schmitt (2006) e Kubálková (2000). Porém, a argumentação aqui utilizada, parte de uma tradição distinta fundamentada na filosofia reformacional cujo principal propulsor e organizador seria Herman Dooyeweerd. A escola reformacional tem como influência a noção agostiniana no que diz a respeito ao impulso religioso que norteia o pensamento teórico. Isto serve de fundamento para Dooyeweerd ao apresentar em seu arcabouço filosófico os ‘motivos-base’25  que influenciam o pensamento ocidental. Um dos principais pontos levantados pela filosofia reformacional seria a rejeição à autonomia da razão alçada pela visão humanista do mundo. Esta autonomia, em termos dooyeweerdianos, assumiria a função de “fundamento último” de qualquer teoria.

Segundo Dooyeweerd, o pensamento científico surge da tentativa de se abstrair uma “dimensão” (ou parte) da “realidade” (totalidade), no intuito de torná-la lógica. Assim como Kant, Dooyeweerd consentia com a existência da dimensão lógica e das dimensões não-lógicas – também conhecidas atualmente como metalógicas – que são percebidas nas construções teóricas científicas. Entende-se então que toda teoria seria uma tentativa de conceituar uma realidade metalógica (LEITE; CARVALHO; CUNHA, 2006). Contrapondo a tendência teórica ocidental, que pretendia buscar por meio da razão filosófica e científica o verdadeiro fundamento da realidade, oculto da visão ordinária, Dooyeweerd afirmou que tal pensamento científico não nos concede nenhum acesso mais profundo à realidade. Ou seja, o pensamento científico pode nos auxiliar na compreensão de alguns processos que são qualificados por uma dimensão da realidade, que é abstraída da totalidade, porém não leva ao fundamento em si.

Uma vez compreendido isso, a teoria científica seria então uma tentativa de se isolar uma parcela ou modalidade da experiência vivenciada e descrevê-la de forma lógica. Porém, para se realizar essa análise teórica, haveria a necessidade de um embasamento numa visão-da-totalidade que trazemos em nosso sistema de crenças, que controlará, em todo o processo, a teorização bem como seus resultados. Essa visão-da-totalidade seria então o fundamento, ou a “essência” da realidade que está, necessariamente, inserida em toda teoria científica. Os conceitos, por mais rigorosos que sejam, só passam a ter um sentido lógico à luz de outros conceitos. Deste modo, na tentativa de se pensar teoricamente, a visão-de-totalidade estará presente como um “dicionário de presuposições” (DOOYEWEERD, 1960).

Dentre os principais argumentos dooyeweerdianos está a afirmação, baseada na visão teológico-filosófica do homem como um ser essencialmente religioso, de que o princípio motivador e controlador de uma cultura não é, primeiramente, a política, a economia ou as idéias, mas sim a religião. Cada comunidade, segundo Dooyeweerd, é unida por um espírito comum (duvnamiç) que controla ativamente a vida dessa comunidade. O autor chamou esse poder de motivo-base religioso (religious-ground-motive) da cultura. Os motivos-base são as forças motivadoras que dominam o desenvolvimento da cultura, da ciência (seja ela qual for) e da filosofia ocidental. Como nos afirma Carvalho (2006, p. 125):

Os pensadores ocidentais muitas vezes foram dominados por um determinado motivo-base sem nem mesmo terem a consciência disso, de forma que, o sentido religioso dos motivos-bases está além do alcance desses pensadores justamente porque toda a explicação histórica, em si mesma, pressupõe um ponto de partida central e supra-teórico que é dado por um motivo-base religioso. (LEITE; CARVALHO; CUNHA, 2006, p. 125)

Uma vez compreendido isto, Dooyeweerd classifica então quatro motivos-bases da cultura ocidental, a saber: (1) o motivo-base matéria/forma; (2) o motivo-base bíblico criação-queda-redenção; (3) o motivo-base escolástico natureza/graça e (4) o motivo-base humanista natureza/liberdade. Devido aos fins visados aqui, cabe-nos somente a apresentação do motivo-base humanista natureza/liberdade, conjuntamente com a apresentação do historicismo, uma vez que Dooyeweerd assim o faz em seu No Crepúsculo do Pensamento Ocidental.

No período renascentista se desenvolveu o humanismo ocidental, fruto da rejeição dos pensadores europeus ao dualismo forma/matéria presente na filosofia grega, bem como a síntese escolástica natureza/graça. Dos principais axiomas humanistas destaca-se a noção de que o homem encontra sua realização na plena libertação daquilo que o oprime, como no contexto em que surge o humanismo, as opressões políticas e religiosas advindas da idade média (CARVALHO, 2006). Dooyeweerd classifica este “tipo” de ser com grande impulso libertário, demiurgo e senhor de seu destino, como o “ideal de personalidade”, que ansiava pela razão, conseguir o controle racional da realidade, utilizando para isso a crítica racional, a pesquisa científica e a tecnologia. Isto favoreceu em muito na predominância de uma perspectiva mecanicista do mundo – o qual poderia ser dominado pelo uso do conhecimento matemático e industrial chamado por Dooyeweerd de o “ideal de ciência” (CARVALHO, 2006).

Este ‘ impulso dialético’ instaura no ocidente, como apresenta-nos Carvalho (2006, v. 30-31, p. 129), um […] “dualismo que se tornou o princípio dinâmico por trás da nossa cultura: o dualismo natureza/liberdade”. Tem-se então, por meio deste dualismo, que o homem é um espírito racional, ansiando por liberdade para se realizar-se. Contudo o principal obstáculo a este mesmo homem, para sua plena realização, seria a natureza capaz de impor limitação à liberdade. Este dualismo se apresenta de forma contraditória, promovendo embates entre o homem, desejoso da liberdade e a natureza que o impede. Isto instigou no homem o desejo e a busca pelo controle da natureza, levando-o a construção de uma imagem mecanicista, materialista e ateísta do mundo (CARVALHO, 2006). Carvalho (2006, p. 130), aponta no evolucionismo darwiniano “a tentativa de explicar a origem da vida de forma naturalista, sem se apoiar na fé em Deus”. Instaura-se neste período o “naturalismo filosófico”; naturalismo este que busca a explicação da natureza a partir da própria natureza, “como se ela fosse um mecanismo combinado de leis determinísticas e acaso cego”. A principal questão seria a incoerência existente neste dualismo moderno, que se apresenta nos seguintes termos: (1) afirma sua liberdade excluindo o Deus pessoal do motivo-base bíblico; (2) busca o controle da natureza em seu próprio benefício explicando-a como um mecanismo impessoal; (3) vê-se como parte da natureza, passando a ser concebido por meio das leis naturais. Disto surge o grande “impasse” dualista: uma vez que este homem faz parte da natureza e está submetido às leis da mesma, torna-se um produto do mecanismo evolucionário, o que negará a este a liberdade e a dignidade (FREIRE, 2009). Destarte, como nos aponta Carvalho (2006, v.25-26, p.130), “o ideal de ciência, nascido do ideal de personalidade, torna-se a sua principal ameaça, […], ao buscar a liberdade desenfreada, o homem moderno construiu uma ciência naturalista que renega sistematicamente a personalidade humana”.

Esta contradição dualista natureza/graça esteve presente no pensamento de Descartes, perceptível em seu postulado sobre a origem e a ordem da realidade, que percebia a moralidade e a racionalidade ligadas a um ego pensante, situado fora do mundo natural e mecânico, em que o ideal humanista da ciência se aplica. Descartes, assim como Hobbes e Leibniz, defendiam a primazia da natureza frente à liberdade (DOOYEWEERD, 2010, p. 124-126).26 Freire (2009) acrescenta ainda:

Rejeitando o dualismo, Hobbes aceita o movimento mecânico, de uma forma igualmente religiosa, como a origem última de tudo. O pensamento internacional hobbesiano reflete o mesmo princípio – mesmo o Estado era considerado como um “corpo” sujeito às leis do movimento mecânico. Seguindo este ideal humanista inicial da ciência, o pensamento internacional tende a enquadrar o que está “fora” da comunidade política, em termos de analogia ou contraste, com o que está “dentro”. (FREIRE, 2009, p. 16-17).

De forma oposta a esta primazia à natureza, estavam aqueles que defendiam a primazia da liberdade, como John Locke, Rousseau e Immanuel Kant. A primazia da natureza (mecânica e matematicamente concebida) permanecia no pleno oposto à primazia a liberdade, resultante do ideal humanista. Esse compartimento da natureza era entendido na antítese entre natureza ou determinismo mecânico, e liberdade ou agência (DOOYEWEERD, 2010, p. 126-129). Posteriormente, a visão mecânica e matemática da natureza e do direito, concebendo o Estado a partir do contrato, somando indivíduos, sem violar suas liberdades, foi questionada pelo romantismo e pelo idealismo pós-kantiano.27 O romantismo percebeu que conceber a natureza como um mecanismo impessoal e a sociedade como tal ameaçava a liberdade do individuo. O Idealismo (ou contrapartida irracionalista) pós-Kantiano, por sua vez, respondeu a visão racionalista de Kant sobre a autonomia humana. Enquanto o racionalismo busca eliminar a irredutibilidade individual do sujeito humano, reduzindo seu verdadeiro eu a uma lei geral da razão prática, a visão irracionalista “rejeitava toda a lei geral como uma falsificação da verdadeira realidade e absolutizou a incomparável individualidade subjetiva da personalidade humana” (DOOYEWEERD, 2010, p. 130). Para lograr êxito, escapando das conseqüências anárquicas do irracionalismo ético, ambos, romantismo e idealismo pós-Kantiano, fundiram sua ética à idéia de comunidade humana, especificamente a idéia de comunidade nacional. Ou seja, liberdade humanista somente se daria ao homem em sua comunidade nacional, à nação e ao Estado.  Toda a individualidade passou a ser subserviente ao Estado. O Estado, o interesse nacional, passou a ser a Origem última da moralidade e da vida social.

O romantismo com isso introduz o historicismo que, radicalmente, negou qualquer lógica universal na natureza ou na sociedade. Dooyeweerd (2010, p. 118), afirma que “o historicismo radical faz do ponto de vista histórico uma totalidade abrangente, absorvendo todos os outros aspectos do horizonte da experiência humana”. Até mesmo o “centro religioso da experiência humana”, o eu, é reduzido a um fluxo contínuo de momentos históricos. No historicismo, para Dooyeweerd, todos os padrões e concepções ligadas às esferas que compõe a realidade (ou escala modal), apontadas por ele mesmo (quinze ao todo), serão vistas como a expressão de uma cultura ou civilização particular. Nesse sentido, o historicismo nada mais é do que a “absolutização” de um simples aspecto da experiência temporal. (DOOYEWEERD, 2010, p. 118)

Uma vez tendo concebido a natureza historicamente como Origem, alguns campos do conhecimento foram afetados diretamente por tal absolutização historicista. Surgiram escolas de direito, como a sociologia do Direito, por meio de Jellinek. A sociologia, tendo como um grande precursor Weber, a filosofia influenciada por Dilthey, Gadamer e Hegel, dentre outras (DOOYEWEERD, 2010, p. 135-137). O romantismo tardio, por sua vez, igualou sociedade à vida dentro do Estado. A sociologia buscou mesclar elementos da concepção matemática/científica da natureza, mais a idéia de fases históricas como visto em Comte. Em Durkheim, percebeu-se a fundamentação cientificista, conjugada com a concepção histórica. Na biologia, do mesmo modo que em Durkheim, viu-se Darwin. A biologia de Darwin seria uma biologia historizada, sendo tudo contingente ao período histórico; embora haja uma mescla com o ideal de ciência, há um mecanismo geral que regule essa contingência.28

Desta forma, enquanto o humanismo clássico lida com o dualismo entre natureza/liberdade, mantendo a abordagem individualista da liberdade e uma cosmovisão mecanicista, o humanismo romântico,29 aponta Freire (2009, p. 17, tradução nossa), “emerge como reação a estes aspectos de seu predecessor ao reafirmar a ‘liberdade’ de uma formar radicalizada”. Deste modo, tem-se que o “motivo da liberdade provê um novo entendimento de ‘natureza’ focando no seu aspecto histórico, mas esta nova compreensão, por sua vez, demandou uma mudança na leitura romântica de ‘liberdade’ (FREIRE, 2009, p. 18, tradução nossa).

Nesse sentido, há a possibilidade de se conceber o realismo clássico nas relações internacionais por meio de dois tipos distintos: um secular com Carr e Morgenthau; o outro ‘cristão’ com Niebuhr e Butterfiel.  Ainda que possuam naturezas religiosas diferentes, ambos compartilham da oposição ao otimismo liberal e seu comprometimento com um Ideal de ciência e uma engenharia social. Percebe-se ainda que ambos compartilhem uma formação histórica do sistema internacional, focando-se no ‘poder’ e na discussão da ética em âmbito político. (FREIRE, 2009, p. 19). Dentro da tradição realista morgenthaliana observa-se uma orientação filosófica distinta daquela tomada por Dooyeweerd e, de certa forma, por Niebuhr (NIEBUHR,1996). Anthony F. Lang Junior, em Realism Reconsidered: The Legacy of Hans Morgenthau in International Relations, faz uma constatação clara das origens do pensamento morgenthaliano. Ele afirma que:

[…] Uma influência ainda não explorada em sua profundidade, mas que eu argumento, e que é central para se entender a compreensão morgenthaliana sobre ética, seria a filosofia política aristotélica. Em particular, Morgenthau extraiu de Aristóteles a avaliação da virtude da prudência e seu papel na negociação da complexidade da existência humana. (LANG, Jr., 2007, p. 18, tradução nossa)

Ao definir o interesse em termos de poder em seu segundo princípio, Morgenthau discorre sobre a possibilidade de se haver uma “contrateoria irracional da política”, baseada em “desvios em relação à racionalidade” (MORGENTHAU, 2003, p.10). Prossegue convidando a análise da própria evolução do pensamento americano, no que tange a política internacional, como fundamento de sua constatação. Em meio a isso, o autor afirma que há um meio de se compreender este processo de forma racional por meio da “verdadeira tradição aristotélica”.30 Como nos demonstra Lang, tal utilização não está somente presente neste segundo princípio, mas permeia o pensamento morgenthaliano de forma a influenciá-lo na construção do argumento realista como um todo. À guisa de exemplificação, tem-se sua definição sobre agência na política internacional realista guiada pela noção de “prudência” – como também fica evidenciado no quarto princípio apresentando pelo autor. Lang afirma que:

[…] Morgenthau extraiu de Aristóteles uma concepção de agencia mais direcionada para a dimensão normativa da política. […] Esta concepção aristotélica de agência permitiu Morgenthau reter o princípio sobre a busca de interesses das pessoas e dos estados, mas ao buscarem estes interesses, eles possivelmente estariam agindo em concordância com padrões normativos. A virtude da prudência, a qual Morgenthau aloca na prática da diplomacia, provê a ferramenta pela qual os interesses e princípios podem ser alinhados. (LANG, Jr., 2007, p. 19, tradução nossa)

Na abordagem morgenthaliana, não somente em Política entre as Nações, mas em trabalhos anteriores, poderia se perceber vividamente uma rejeição explicita do ideal de ciência que permeava o pensamento político até o seu tempo. Isto se dá devido ao fato de que ele fundamenta-se no humanismo romântico (FREIRE, 2009).
Ademais, Freire ainda nos aponta que Morgenthau:

Em um artigo cheio de alusões à Fichte, Goethe e Nietzsche escrito em meados da década de 1930, ele afirmou que a ciência já tem destruído aquele reino da liberdade interior através do qual o indivíduo poderia experimentar sua autonomia controlando, de forma precária, as estritas condições de sua existência. (FREIRE, 2009, p. 19, tradução nossa)

Skillen (1981), em seu International Politics and the Demand for Global Justice, ressalta o papel de Morgenthau para os Estudos Internacionais na exposição do seu quinto capítulo que trabalha com as três visões internacionais contemporâneas sobre unidade e diversidade. Utilizando de uma ‘lente teórica’ reformacional, realiza uma análise dos escritos do autor31 chegando a importantes conclusões para o presente artigo.  Em primeiro lugar, ao analisar o ensaio On Traying to be Just, Skillen percebe que a referida publicação demonstra a essência do pensamento morgenthaliano. Morgenthau possuía, basicamente, um pensamento que nada mais era do que uma versão “agnóstica secularizada das idéias Agostinianas” (SKILLEN, 1981, p. 72, tradução nossa). A natureza humana seria fundamentalmente deficiente no sentido moral e, uma vez que esta é a condição em que se encontra o homem (e o estado, posteriormente), não há possibilidade de se haver um estado justo ou uma ordem justa. Ainda que houvesse uma possibilidade de justiça, segundo os ‘otimistas’, Morgenthau atestaria que seria impossível de concebê-la e conhecer suas demandas. Novamente, afirma Skillen (1981, p. 74-75, tradução nossa), que “a única realidade na vida política, como Morgenthau a concebe, seria a busca auto-interessada por poder, e esta realidade é verdadeiramente universal, não como norma, mas como fato”. Uma vez que esta é a postura teórica morgenthaliana, e que o próprio Morgenthau atesta a invariabilidade desta condição e impossibilidade de se atestar algo contrário a isto (mesmo sem saber como), percebe-se aqui a presença tácita do historicismo no pensamento morgenthaliano – este, segundo a tradição reformacional, é inerente do motivo humanista religioso, pautado no dualismo natureza/liberdade como anteriormente apresentado. Em Morgenthau, argumenta Freire (2009, p. 20) […] “ambas, ‘natureza’ e ‘liberdade’ – os motivos humanistas religiosos – são os tópicos centrais no realismo clássico. […] a abordagem é fundamentalmente religiosa em sua crença na auto-dependência da comunidade política.

Ainda há um ponto relevante aqui para se trabalhar utilizando a argumentação clouseriana que, baseando-se na filosofia reformacional dooyeweerdiana, em muito enriquece a argumentação proposta. Clouser (1991), anteriormente citado, afirma que um sistema religioso, em termos de crença religiosa, é composto de crenças fundamentais sobre a ou as realidades “não-dependentes”, denominadas como realidades divinas (fim último), sendo estas distintas das realidades dependentes. Destarte, temos então que a atribuição de “divindade”, no interior de certa crença religiosa, consiste na atribuição de incondicionalidade. Ser “divino” significaria ser “não-dependentemente real”. Segundo Clouser (2005), essa estrutura se repetiria até mesmo em formas de crença religiosa que não tem uma definição explícita de divindade, na medida em que o objeto da crença religiosa sempre é uma realidade que recebe o status de incondicionalidade.

Tendo analisado a abordagem realista morgenthaliana, percebeu-se que Morgenthau posiciona-se filosoficamente em um parâmetro antinaturalista, diferenciando sua abordagem social da política externa de forma distinta daqueles que erguem uma teoria naturalista. Valendo-nos da abordagem clouseriana e dooyeweerdiana reformacional, Morgenthau ao pautar-se num romantismo humanista, atribui à história o fim último de todas as coisas. Morgenthau segue mais de perto a tendência do humanismo romântico descrita por Dooyeweerd, negando o indivíduo e afirmando a comunidade, através da idéia de “interesse nacional” e, principalmente, através de uma moralidade ‘semi-nietzscheana’, aproximando-se muito de Carl Schmitt, segundo a qual a livre-personalidade é a personalidade da “nação”, alinhando-se assim com Hegel. Nesse sentido, tem-se que aonde não há Estado não há lei e nem moralidade (o internacional), ao passo que aonde há o Estado, há lei e há o controle (o nacional ou doméstico). Ao fazer assim, Morgenthau está instituindo um historicismo pautado num ideal humanista libertário. 

A crítica reformacional aqui versa sobre a tentativa de absolutização de um simples aspecto da experiência temporal. Dooyeweerd aborda este historicismo como sendo um processo reducionista (minimalista) do temporal, ou, em termos reformacionais (dooyeweerdiano-clouseriano), ergue-se para si um ‘ídolo’. Destarte, toda teoria científica, segundo Dooyeweerd (2010), é uma tentativa de isolar um substrato ou modalidade da experiência humana e descrever esse substrato logicamente. Contudo, sempre, por de traz do pensamento teórico está uma base religiosa, em termos clouserianos, chamado por ele de visão-da-totalidade ou cosmovisão.  Pelo argumento do ‘dogma da não neutralidade religiosa da razão’, ou a crítica a ele, compreende-se que ao tentar transformar um substrato da realidade, por meio da teorização e, classificá-lo como sendo a verdade última (ou Origem), na tentativa de explicar e definir todas as coisas, tal teórico estará fazendo-o por meio de uma ‘ crença religiosa’ ou ‘ato religioso’, que, em Dooyeweerd, é percebido como “reducionismo científico” (LEITE; CARVALHO; CUNHA, 2006). É justamente deste processo que se produzem os “ismos”. O historicismo morgenthaliano, como tratado aqui, não se apresenta imune a este caso. Devido a sua herança intelectual germânica, Morgenthau concebe, em termos reformacionais, o fim último como sendo a história. Assim como os demais anteriormente a ele, limita-se a uma parcela da totalidade, segundo Dooyeweerd (2010), para definir o todo, produzindo um reducionismo quanto à própria realidade.

Em Clouser, uma vez compreendido a condição filosófico-teórica historicista morgenthaliana, poder-se-ia ainda, segundo a percepção clouseriana, se atestar a crença religiosa que permeia o pensamento Morgenthaliano. Este estaria inserido no tipo de crença Dualista ou Pagão, uma vez que a “divindade” ou o que ganha o atributo de incondicional é “identificada como parte, aspecto força ou princípio no universo, aberto à nossa experiência e pensamento ordinário” (CLOUSER, 2005, p. 44).  Geralmente o paganismo conduz à formação de algum tipo de dualismo religioso, possuindo duas realidades distintas, as quais ganham conjuntamente o atributo da incondicionalidade. Morgenthau, nos termos aqui apresentados, estaria vinculado a esta forma de crença religiosa, tendo o seu pensamento ou cosmovisão fundada sobre o alicerce do dualismo Natureza/Liberdade, oriundo do humanismo romântico.

Considerações finais
O presente artigo buscou apresentar ao campo dos Estudos Internacionais uma tradição ou escola distinta de pensamento, fundamentada na filosofia reformacional cujo principal propulsor e organizador seria Herman Dooyeweerd. Conjuntamente a isto, preocupou-se em expor de forma objetiva a abordagem clouseriana sobre o argumento da neutralidade religiosa da razão. Ao redefinir a crença religiosa em termos estritamente reformacionais, visando uma definição de modo não arbitrário (CLOUSER, 2005), instaurou um significado único ao constatar que esta crença seria possuidora de uma referência implícita ou explícita a uma realidade não-dependente ou realidade incondicionada. Sua ilação prévia seria a percepção de que não haveria crença religiosa em comum que se repetiria universalmente. Isto por sua vez, implicou na indiferenciação qualitativa entre crenças metafísicas e crenças religiosas. O debate metafísico e filosófico, segundo Freire (2010), por mais que não desperte o interesse de muitos atualmente, é fulcral para a compreensão do campo, para fomentar e sofisticar os debates em RI e, uma vez estando presente em todos os campos do conhecimento, deveria ser algo a ser considerada.

Disto Clouser propõe uma mudança de abordagem do tema. O autor aponta para um novo caminho no qual ao invés de se comparar as estruturas religiosas específicas, em conexão com a crença religiosa, deveria se considerar a estrutura da própria crença per si. Assim, percebe que o distinto e diverso nessas estruturas eram quanto aquilo ou aquele que receberia o status de “divino”. Nesse sentido, o que é compartilhado pelas diversas religiões, e que poderia ser utilizada para uma definição não-arbitrária, seria a orientação da crença para o que recebe o “status de divindade” (CARVALHO, 2006). Compreendido isto, levantou-se a hipótese dos tipos crença religiosa, conjuntamente com a apresentação do conceito de cosmovisão como meio de explicação da relação entre as crenças religiosas e as demais crenças que compões a cosmovisão de um indivíduo. A nova percepção clouseriana instaurou uma distinta compreensão de que a atribuição de divindade, no interior da crença religiosa, consiste na atribuição da incondicionalidade. O divino seria aquele a qual atribui-se a condição não-dependentemente real. O sistema religioso então, em termos de crença, é composto de crenças fundamentais sobre a ou as realidades não-dependentes ou realidades divinas, aquelas que “não dependem de nada mais para a sua existência”, sendo perceptível até mesmo, segundo o autor, em formas de crença religiosa que não tem uma definição explícita de divindade. As crenças religiosas por sua vez se manifestam em três tipos básicos de crença religiosa: Monista-Panteísta, Dualista (ou Pagã) e o Tipo Teísta. Focalizou-se na concepção dualista ou pagã de crença religiosa devido à análise feita do contexto morgenthaliano e sua abordagem realista, conjuntamente à suposição hipoteticamente levantada no artigo.

Em suma, para o tipo Monista-Panteísta o “divino” é infinito e todo-abrangente, sendo que a realidade não-divina seria uma subdivisão da própria realidade divina. Há uma concordância em ver a realidade como um continuumm, e o “todo” se apresenta como subdivisão do divino. No panteísmo, portanto, as coisas parecem ser não-divinas como por uma “ilusão”. O tipo Dualista ou pagão tem como sua principal característica, a idéia de que o divino nada mais é do que alguma parte, aspecto, força ou princípio no universo, aberto à experiência humana e pensamento ordinário. A realidade é vista como um continuum ontológico, sendo que algumas partes deste continuum são divinas e as outras serão dependentes desta. Nesta categoria de crença, Clouser inclui as cosmovisões dualistas, dentre elas, o dualismo grego Matéria/Forma. Contudo, o tipo Teísta ou Bíblico seria tanto um tipo de crença, como uma resposta aos dilemas percebidos por Clouser nos outros tipos de crença religiosa. O Teísmo bíblico possui como principal característica a negação de uma existência de realidade contínua, o “ser de Deus não é o ser da criação”. O Criador é distinto do universo criado. Assim, as tradições religiosas bíblicas se distinguirão do paganismo ao rejeitar a exaltação de uma parte da criação ao status de “divino”; do panteísmo, recusando a noção de cosmo ilusório e a negação geral, em princípio, das interpretações dualísticas cosmológicas e antropológicas. A tentativa clouseriana, apontada no presente artigo, é a identificação da “não neutralidade religiosa da razão” em todo pensamento científico e, conseqüentemente, no teórico também. Assim, a resposta dada por Clouser para que se fique “livre” destes pensamentos “idólatras” seria a utilização de uma abordagem teísta reformada no pensamento teórico. Isto poderia ser mais trabalhado futuramente e aqui nos cabe somente constatar a possibilidade apontada por Clouser e presente em toda a argumentação reformacional dooyeweerdiana.

Buscou-se, posteriormente, realizar os devidos apontamentos sobre as veredas intelectuais que influenciaram a construção do pensamento morgenthaliano. Por meio de William (2007), Shilliam (2007), Molloy (2006), Frei (2001) constatou-se que a abordagem realista, segundo as novas escolas européias, tem percebido grande influência alemã em seu corpo teórico/filosófico. A tradição Realista clássica ganhou seu corpo teórico estruturado por meio das contribuições teórico-filosóficas advindas, por exemplo, de Niebuhr em sua teologia Realista, bem como de Carr e Morgenthau – também possuidor de uma percepção pessimista com relação à natureza humana e a história. Morgenthau era um antinaturalista e defendia a separação das ciências naturais daquelas de cunho social. Por mais que Morgenthau defendesse uma teoria das Relações Internacionais com aspectos científicos, não poderia ser tachado como cientificista/positivista, pois a origem de seu pensamento remontava não a escola americana de pensamento, mas a alemã, possuidora de grandes heranças intelectuais como Weber, Friedrich Nietzsche, Hegel, dentre outros. O ponto crucial é a percepção do historicismo presente no pensamento Morgenthaliano, herdado de uma escola alemã, desde Nietzsche, e sua percepção do “animus domini” – presente em Morgenthau pelo “will-of-power”, assim como também presente em toda a tradição realista clássica, salvaguardando suas distintas utilizações do termo – pautado numa ‘comovisão’ humanista e, mais propriamente dito, em termos dooyeweerdianos, humanista romântico. Enquanto o humanismo clássico lida com o dualismo entre natureza/liberdade, mantendo a abordagem individualista da liberdade e uma cosmovisão mecanicista, o humanismo romântico irá emergir como reação a estes aspectos estabelecidos pelo humanismo clássico. Deste modo, tem-se que o motivo (base) da liberdade provê um novo entendimento de natureza focando no seu aspecto histórico. O dualismo existente entre Natureza/Liberdade é abordado pelo pensamento dooyeweerdiano e busca apresentar a tensão dialética existente no humanismo moderno, hora expressa na primazia na naturalista (Hobbes, Descartes e Leibniz), hora na primazia libertária (Locke, Rousseau e Kant). O pensamento de Morgenthau surge dentro deste processo, numa síntese entre a primazia naturalista e libertária, se aproximando do humanismo romântico – nega ao indivíduo e afirma à comunidade, por meio da idéia de interesse nacional.

Utilizando Dooyeweerd, caracterizou o pensamento humanista morgenthaliano submetendo-o a este dualismo correspondente ao que Clouser denomina como sendo fundamentado na crença do tipo Dualista (ou Pagã). Assim, em Morgenthau, encontra-se um pensamento que opera de forma reducionista ou idólatra. Ao utilizar da teorização, guiada pelos seus pressupostos existentes, o teórico retira um substrato da totalidade e faz dele a origem última. O historicismo segundo Dooyeweerd, e todos os outros “ismos”, opera de tal forma que se utilizando da história, ou o que se relaciona com ela, a emprega como uma verdade ultima ou origem fundamental. Nesse sentido, da filosofia clouseriana se extrai ou evoca-se a crença religiosa do motivo-base Dualista (Pagão), que versa sobre o que Dooyeweerd classifica de dualismo natureza/liberdade, remontando aqui ao ideal humanista romancista que norteia o pensamento de Morgenthau, bem com toda a sua abordagem realista.

Há muito que se abordar ainda por parte da filosofia reformacional. Ela mesma visa trazer uma solução em si para todas essas questões controversas. Contudo, o atual trabalho foca-se nas questões julgadas pertinentes para os devidos apontamentos realizados aqui. Ela se aplicaria de outras formas como apontadas no decorrer do trabalho. Ramos e Freire (2008) muito têm contribuído para a inserção da filosofia reformacional no campo de Relações internacionais, produzindo discussões pertinentes ao campo como se segue: (1) A filosofia reformacional pode contribuir na questão normativa de um ponto de vista teórico e também como potencial objeto de pesquisa; (2) A filosofia reformacional pode contribuir em debates específicos sobre objetos específicos das teorias de Relações Internacionais; (3) A filosofia reformacional pode contribuir para os debates no âmbito da economia política internacional/global. (4) A filosofia reformacional deve, necessariamente, apresentar uma proposta de inserção nas questões meta-teóricas do campo.

O pensamento reformado filosófico tem sido utilizado em outros campos como também na história da filosofia (Vollenhoven 1933; Kok 1998), em matemática (Strauss 1996), física (Stafleu 1966), história da arte (Rookmaaker 1970; Seerveld 1980), no pensamento do direito e do pensamento social (Dooyeweerd 1979; Zwier 2005). Considera-se aqui que havendo um vasto campo para a produção intelectual/teórica nos Estudos Internacionais, a filosofia reformacional se faz uma escola promissora e com um arcabouço teórico consistente, capaz de estabelecer debates e análises contundentes no campo de Relações Internacionais.
 
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WITTE, Jonh. Introduction. In: DOOYEWEERD, Herman. A Christian Theory Of Social Institutions. La Jolla: The Herman Dooyeweerd Foundation, 1986. P. 11-30.

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1O presente artigo aborda o termo “metafísica” segundo a perspectiva clouseriana. É importante ressaltar que para Clouser o termo “metafísica” não é compreendido ou utilizado num sentido pejorativo, tão pouco é utilizado para apontar as típicas formas gregas de especulação sobre o “Ser-em-si”. Contudo, é abordada como teoria sobre a estrutura fundamental da realidade. Pode-se facilmente ser intercambiada, segundo Clouser, com o termo “ontologia”.
2“ultimate concern”.
3
“ultimate reality”.
4Como exemplo temos William James, Herman Dooyewerd, Hans Kung, Paul Tillich, Kemp Smith, dentre outros.
5O termo cosmovisão [worldview] veio da língua Inglesa como uma tradução da palavra alemã Wel-tanschauung [percepção (de mundo), ponto-de-vista, concepção (de mundo), cosmovisão]. Este termo tem a vantagem de ser claramente distinto de “filosofia” (ao menos no uso alemão) e de ser menos enfadonho do que a frase “visão do mundo e da vida”, que foi preferida pelos neo-Calvinistas alemães (provavelmente seguindo um uso feito popular pelo filósofo Alemão Wilhem Dilthey). Um sinônimo aceitável é “perspectiva de vida” ou “visão confessional”. Nós podemos também falar mais vagamente sobre o conjunto dos “princípios” ou “ideais” de uma pessoa.
6Segundo Carvalho (2009, p.19): “Este conflito ganhou expressão de forma exemplar na distância filosófica entre Parmênides e Heráclito, e nos esforços de Platão e de Aristóteles para correlacionar a razão e as particularidades da realidade empírica.”
7Para uma maior compreensão sobre as implicações e resultados sobre os diferentes tipos de crença para a vida religiosa ver CLOUSER, Roy A. The Myth of Religious Neutrality: Na Essay on the Hidden Role of Religious Belief in Theories. Edition. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2005, p. 51-55.
8Francis Schaeffer foi um teólogo cristão evangélico americano, filósofo e pastor presbiteriano que se opos ao modernismo teológico e à chamada neo-ortodoxia. Schaeffer defendia uma fé baseada na tradição Calvinista e um enfoque pressuposicional na apologética cristã. Para maior compreensão da filosofia de Shaeffer ver SCHAEFFER, Francis A. Trilogy by Francis Schaeffer. Wheaton: Crossway Publishers, 1990, xiv.
9Abstrair, nos termos aqui aplicados, teria a concepção de “extrair”, por assim dizer, o conjunto de propriedades de seu contexto concreto, ou seja, os objetos da experiência.
10Segundo Clouser, um conceito seria: […] “a combinação no pensamento de duas ou mais propriedades, relações, partes de coisas, em concordância com as leis da lógica.” (CLOUSER, 1996, p.6)
11A discussão está presente em CARR, Edward Hallett. Vinte Anos de Crise – 1919-1939. Brasília, UNB, 1981.
12O Liberalismo Racional, segundo GRIFFITHS (2004, p. 62), seria uma “crença liberal dominante no progresso, com base num conjunto de hipóteses otimistas a respeito da natureza humana”. Deste modo, Morgenthau lança as bases de uma filosofia realista em contraposição ao que chama de liberalismo racional (rational liberalism). O autor ia de encontro ao otimismo liberal da época, demonstrando o elemento da disputa de poder presente na política derivado da própria natureza humana, do homem decaído e de seu desejo de poder.
13Ver NIEBUHR, Reinhold. The Nature and Destiny of Man: A Christian Interpretation – Volume I: Human Nature. First Edition, Westminser John Knox Press, Louisville, Kentucky, 1996.
14Texto extraído do prefácio do livro ‘A política entre as Nações’ de Hans J. Morgenthau.
15WILLIAMS, Michael C. Realism Reconsidered: The Legacy of Hans J. Morgenthau in International Relations. Oxford University Press, NY, p. 25, 2007.
16NIEBUHR, Reinhold. Human Destiny. New York, Charles Scribner’s Sons, 1984.
17“Will-to-power” – Ver NIETZSCHE , Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal. Editora Hemus, São Paulo, SP, 2001.
18“This made it an essentially Positivistic way of analysing events, since it relied on a notion of underlying forces producing behavior”.
19Para melhor compreensão do contra-argumento ver CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. Handbook of International Relations. SAGE Publications LTDA, London, p.29, 2002.
20FREI, Christoph. Hans J. Morgenthau – An Intellectual Biography. Baton Rouge, Louisiana State University Press, 2001.
21HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914/1991. Editora Schwarcz LTDA, São Paulo, SP, p. 92; 171, 2003.
22“[…] objective laws of human nature, combined with an assumption that actors are rational, can give us a map for explaining international relations”.
23HOLLIS; SMITH, 1990, p.26
24FREIRE, Lucas G. Visões do Império: Religião, Ontologia e o Internacional no Início da Era Moderna. Artigo redigido pelo Mestre em Relações Internacionais Lucas G. Freire. University Of Exeter, UK, 2009.
25Ver Dooyeweerd, H. In the Twilight of Western Thought. Philadelphia, P & R, 1953-58. Por ‘motivos-base’ entende-se “o conjunto de ‘idéias transcendentais’ de Origem da existência, da coerência e da diversidade da realidade que moldam tanto a produção de teoria como o seu contexto cultural” (FREIRE, 2009, p. 3).
26Ver DOOYEWEERD, Roots of Western Culture: Pagan, Secular, and Christian Options. Toronto, Wedge, 1979.
27Ver DOOYEWEERD, 2010, p.129
28A linhagem dos antinaturalistas, isto é, dos defensores da tese de que existem diferenças essenciais entre as ciências naturais e as ciências humanas, começa com a escola histórica alemã de princípios do século passado, à qual se associam os nomes de Humboldt, Niebuhr e Scheleiermacher. Relacionada a essa escola, porém pertencendo a um período posterior, a contribuição de Wilhelm Dilthey é decisiva: ele não apenas formula a questão em pauta de maneira bem clara e explícita, mas também atribui a ela um lugar proeminente em sua filosofia. Dilthey teve uma influência profunda sobre Weber e, direta e indiretamente, sobre o marxismo ocidental – vertente à qual pertencem Lukács, a Escola de Frankfurt, Lucien Goldmann e outros.
29Numa perspectiva histórica e sem preferências filosóficas ou religiosas, o termo humanismo pode ser associado a cinco grandes momentos das idéias psicológicas, podendo ser denominados de humanismo clássico, humanismo romântico, humanismo individual, humanismo social, e humanismo crítico. O humanismo romântico foi um movimento filosófico, jurídico, político, econômico e artístico que se caracterizou pela defesa da expressão plena dos sentimentos, pela afirmação irrestrita da liberdade, e pela defesa da individualidade. Neste humanismo, o pensamento humano não era entendido nem como produto da natureza nem da razão. (GOMES; HOLANDA; GAUER, 2004)
30MORGENTHAU, 2003, v. 32-33, p. 10
31Politics Among Nations (1948) e Truth and Power (1970).

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