Credos cristãos ecumênicos como identidade cristã frente ao desafio do macroecumenismo

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Em 1910 foi o marco para o chamado ecumenismo, a ideia de todos os cristãos buscarem uma unidade na base comum como também a partir dessa base ter uma plataforma de cooperação e ação comum para todas as denominações.[1] Por macroecumenismo, salienta-se uma perspectiva extracristã de acesso a Deus e a afirmação de que toda religião é uma manifestação do sagrado.

Para Vigil, macroecumenismo, na definição do conceito, coloca a expressão “em um nível mais amplo, (…) não só entre cristãos, mas entre as religiões e as pessoas, e até mesmo grupos não religiosos.”[2]  Ele se utiliza da expressão ekumene, já explicada anteriormente, mas dando um sentido mais amplo, ultrapassando as fronteiras credais da fé cristã, conforme vê-se mais a frente neste texto, se utilizando de cientistas da religião como o Dr. Faustino Teixeira, docente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).[3]

Percebe-se na ênfase latino-americana, onde o termo tem sua origem em 1992 no Equador, uma cooptação de terminologias cristãs subjugadas pelo marxismo enquanto interpretação da realidade e não meramente um enfoque geográfico.[4] Apesar da linguagem aparentemente bíblica de Brakemeier, “O Ecumenismo acontece por amor ao mundo, seguindo assim o exemplo do próprio Deus.”[5] O mesmo afirma isso, tendo como contexto, perguntas a respeito de uma possibilidade de uma “teologia das religiões”.[6]

Na contemporaneidade, dá-se o nome a esse fenômeno tanto na academia quanto na expressão popular de “diálogo inter-religioso”. O nome não tem conotação negativa quando se tratam de questões do direito, da liberdade de expressão, da liberdade religiosa e do bem comum na prática da caridade, minimização do sofrimento humano e convivência social pacífica.

No entanto, quando as religiões são tomadas por ideologias seculares, tendem a fazer parte de uma imposição de uma agenda que obriga a todas as religiões, além da convivência pacífica (o que o texto salienta ser positivo), a não aceitação por parte do fiel de que a sua fé tem algum aspecto único ou singular.

O sociólogo Emile Durkheim em seu livro Formas elementares da vida religiosa salienta que toda religião é válida por ser uma expressão do sagrado, sendo útil para a manutenção da sociedade, fruto da mesma. Com isso, para o autor, quando a ciência descobrir o verdadeiro significado da religião, uma vez que ela não pode provar se existe alguma divindade ou não, é possível criar uma religião geral, abarcando todas as religiões em uma só.[7]

Se toda religião é uma manifestação do sagrado, logo a fé cristã, que tem como distintivo a singularidade de Jesus na redenção do ser humano, por causa de sua obra expiatória ao morrer na cruz e sua ressurreição, não concorda e comunga com essa afirmação.[8]

Pela sua identidade, a fé cristã, em sua expressão antiga nos credos ecumênicos (que são professados por toda cristandade, todas as denominações cristãs) afirma essa singularidade em relação à pessoa e obra de Jesus Cristo. A Fé Cristã é uma fé credal e confessional, cujo conteúdo está centrado em Cristo.

O símbolo apostólico

“(…) E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, no terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à destra de Deus, o Pai onipotente, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. (…)”[9]

O símbolo Niceno

“ (…) E em um só Senhor Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus e nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai, por quem foram feitas todas as coisas; o qual, por amor de nós homens, e por nossa salvação, desceu dos céus, e encarnou, pelo Espírito Santo, na Virgem Maria, e se fez homem; foi também crucificado em nosso favor sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado; e ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras; e subiu aos céus; está sentado à destra do Pai, e virá pela segunda vez. Em glória, para julgar os vivos e os mortos; e seu reino não terá fim. (…)”[10]

O símbolo de Atanásio

“ (…) Mas, para a salvação eterna também é necessário crer fielmente na encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo. A fé verdadeira, por conseguinte, é crermos e confessarmos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e Homem. É Deus, gerado de substância do Pai antes dos séculos, e é homem, nascido no mundo da substância da mãe; Deus perfeito, homem perfeito, subsistindo de alma racional e carne humana. Igual ao Pai segundo a divindade, menor que o Pai segundo a humanidade. Ainda que é Deus  e homem, todavia não há dois, porém um só Cristo. Um só, entretanto, não por conversão da divindade em carne, mas pela assunção da humanidade em Deus. De todo um só, não por confusão da substância, mas por unidade de pessoa. Pois, assim como a alma racional e a carne é um só homem, assim Deus e homem é um só Cristo; o qual padeceu pela nossa salvação, desceu aos infernos, ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à  destra do Pai, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. (…)”[11]

E, por último, a declaração de Calcedônia (451):

“Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade e perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, constando de alma racional e de corpo; consubstancial (homooysios) ao Pai segundo a divindade, e consubstancial a nós segundo a humanidade; “em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado”; gerado, segundo a divindade, antes de todos os séculos pelo Pai, e, segundo a humanidade, por nós e para a nossa salvação, nasceu da virgem Maria, a mãe de Deus (Theotókos);

Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis. A distinção de natureza de modo algum é anulada pela união, mas pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e uma subsistência (hypóstasis); não dividido ou separado em duas pessoas, mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor; conforme os profetas,  outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou, e o credo dos pais nos transmitiu.”[12]

Os chamados credos ecumênicos formaram uma base de fé para enfrentar as heresias gnósticas que faziam reducionismos da pessoa de Jesus Cristo e suas duas naturezas, divina e humana, como também formam um alicerce hermenêutico para interpretação do texto sagrado, a partir dos aspectos centrais da fé para todos os cristãos.

O Dr. Victor Raj, luterano e professor de Teologia, salienta em seu excelente artigo, O Desafio de Confessar e Ensinar a Fé Trinitária no Contexto do Pluralismo Religioso, que a ação cujo título do artigo reflete, é um escândalo da fé cristã. O autor afirma ser impossível estabelecer um terreno comum entre as religiões em matéria de salvação. E se um projeto pluralista que não projeta o único ato salvífico de Deus em Cristo, poderia muito bem ser chamado de “politeísmo”.”[13]

Raj salienta que: “O Deus da Bíblia é um Deus que cria, salva e santifica. Dar testemunho desse Deus é nada mais nada menos que testemunhar a Trindade.”[14]

Na contemporaneidade, os credos ressurgem como axiomas para que cristãos tenham consciência de sua identidade e confessem a fé em Jesus Cristo que não se apresenta como apenas um caminho dentre tantos outros no mercado religioso, mas como único caminho de salvação dos pecados entre a humanidade e o Deus Trino (João 14.6; 1 Timóteo 2.5).

Aqui, é válido concluir com o reformador Martinho Lutero, que enfatizava a “escada da glória”— tendo como imagem a Torre e a Escada de Babel (Gênesis 11.1-9; 28.10-20),  que era uma tentativa de acesso direto a Deus — como falsa, e a Cruz como o único meio de encontro entre Deus e a humanidade.[15] Macroecumenismo nada mais é do que a idólatra “escada da glória”.

Referências bibliográficas

 BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2007.

BRAKEMEIER, Gottfried. Ecumenismo: Repensando o Significado e a Abrangência de um termo. Belo Horizonte: Perspectiva teológica Vol. 33 N.90. 2001.

FERREIRA, Franklin. Pilares da fé: a atualidade da mensagem da Reforma. São Paulo: Vida Nova, 2017.

Livro de Concórdia. Ed. Yedo Brandenburg. Traduzido por Arnaldo Schüler. – São Leopoldo: Sinodal; Canoas: Ulbra; Porto Alegre: Concórdia, 2016.

MCGRATH, Alister. Paixão pela verdade: a coerência intelectual do evangelicalismo; tradução de Hope Gordon Silva. São Paulo: Shedd publicações, 2007.

 MENDONÇA, Antonio Gouvea. O movimento ecumênico no século XX: algumas observações sobre suas origens e contradições. In: http://www.koinonia.org.br/tpdigital/detalhes.asp?cod_artigo=236&cod_boletim=13&tipo=Artigo. Acesso em 16/03/2021.

RAJ, A.R. Vitor. The Challenge of Confessing and Teaching the Trinitarian Faith in the Context of Religious Pluralism. Concordia Theological Quarterly, St. Louis, 1982, n. 171, p. 308-322.

VIGIL, José María. Macroecumenismo latino-americano. Material não publicado.

Internet: https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Formas_Elementares_da_Vida_Religiosa. Acesso em 16/03/2021

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[1] MENDONÇA, Antonio Gouvea. O movimento ecumênico no século XX: algumas observações sobre suas origens e contradições. In: http://www.koinonia.org.br/tpdigital/detalhes.asp?cod_artigo=236&cod_boletim=13&tipo=Artigo. Acesso em 16/03/2021.

[2] VIGIL, José María. Macroecumenismo latino-americano. Material não publicado. ??

[3] Ibid.

[4] Ibid.

[5] BRAKEMEIER, Gottfried. Ecumenismo: Repensando o Significado e a Abrangência de um termo. Belo Horizonte : Perspectiva teológica Vol. 33. N. 90.  2001. P. 215.

[6] Ibid.

[7] https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Formas_Elementares_da_Vida_Religiosa. Acesso em 16/03/2021.  O autor chega a essa conclusão ao ter como objeto de estudo uma tribo de aborígenes na Austrália, uma religião bastante primitiva em seu modo de culto.

[8] MCGRATH, Alister. Paixão pela verdade: a coerência intelectual do evangelicalismo; tradução de Hope Gordon Silva. São Paulo : Shedd publicações, 2007. P. 23. “O cristianismo é singular entre todas as religiões do mundo. A razão de sua singularidade é a figura histórica que se constitui no seu centro – Jesus Cristo.” P. 23. “Jesus Cristo é a personificação e a auto-revelação de Deus.” P. 33. “O Novo Testamento afirma que a salvação só se torna possível e disponível por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo.” P. 35.

[9] Livro de Concórdia. Ed. Yedo Brandenburg. Traduzido por Arnaldo Schüler. – São Leopoldo : Sinodal; Canoas : Ulbra; Porto Alegre: Concórdia, 2016. P. 19.

[10] Ibid. P. 19-20.

[11] Ibid. P. 21-22.

[12] BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo : Aste, 2007. P. 101.

[13] RAJ, A.R. Vitor. The Challenge of Confessing and Teaching the Trinitarian Faith in the Context of Religious Pluralism. Concordia Theological Quarterly, St. Louis, 1982, n.171, p.308-322.

[14] Ibid. P. 316.

[15] FERREIRA, Franklin. Pilares da fé: a atualidade da mensagem da Reforma. São Paulo: Vida Nova, 2017. P. 87 a 107.

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