A importância do outro em nossa história

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Creio que não é novo afirmar que a nossa história é construída a partir dos vários relacionamentos que experimentamos. No cotidiano da nossa vida, somos atravessados por ações, sentimentos e palavras, que vão tecendo avanços e retrocessos fundamentais em nossa construção.
  
Desde o ventre materno, somos tocados por várias sensações que, de maneira inexplicável, lançam a base do que denominamos como sociabilidade. A mãe e o pequeno ser que nela habita experimentam transformações incríveis numa relação alteritária de medo, alegria, entusiasmo, renúncia e, para algumas, de esperança.

Essa relação nos acompanha todos os dias da nossa vida, e para aqueles que são cristãos, ela nunca deixará de existir, pois ultrapassa os limites de tempo e espaço, chegando à relação de eternidade com Deus.

Quando Deus fez o ser humano segundo a sua imagem e semelhança, conferindo-lhe atributos, como espiritualidade, racionalidade e sociabilidade, instituiu-se no cenário histórico do Éden uma relação unilateral entre o Criador e as pessoas, as quais foram criadas para amá-lo sobre todas as coisas e se amarem mutuamente.  Na perspectiva cristã, a relação alteritária, que hoje tem sido um valioso objeto de estudo para educadores, sociólogos, psicólogos e tantos  outros cientistas sociais, teve início no ser de Deus, que sempre subsistiu num relacionamento Triúno, criando-nos para a relação mútua com tudo aquilo que nos cerca.

Nesse sentido, é importante que estejamos sempre conscientes de que somos seres sociais e precisamos nos envolver com o outro, e constatar que, apesar dos sentimentos egoístas que conduzem as filosofias de um século materialista e hedonista, as pessoas podem experimentar de maneira limitada, a partir da graça comum, mudanças imperceptíveis e necessárias que acontecem no universo das relações humanas, produzindo, ainda que imperfeitamente, sombras da sensibilidade, solidariedade,  acessibilidade,  diálogo e respeito mútuo.
 
Na verdade, podemos afirmar que somos sujeitos a partir do outro. Nesse aspecto o catedrático em filosofia e ética, Savater (2005, p. 38), professor e jornalista, corrobora o que afirmamos, pois, para ele, “ninguém é sujeito na solidão e no isolamento, sempre se é sujeito entre outros sujeitos: o sentido da vida humana não é um monólogo, mas provém do intercâmbio de sentidos, da polifonia cor ”.

Na esfera dos relacionamentos humanos é necessário que tenhamos a compreensão de que participamos do processo histórico social, numa relação intercambial com as vozes da multidão que nos cerca. Não conseguiríamos jamais edificar sonhos sem o outro.

Por mais que nos conduzamos em alguns momentos através de monólogos com a nossa própria consciência, e nos trancafiemos em nossos pressupostos, não podemos esquecer que a história da humanidade tem traços incríveis de intercâmbios entre os seres humanos.

Como cristãos, acreditamos que Deus nos fez para relação. Relação que tem um caráter triplo. Relacionamo-nos com o Altíssimo e com as manifestações de sua graça, com o mundo criado para nossa felicidade a partir um designer inteligente e com as pessoas dotadas da mesma imagem divina.

Cremos que há uma relação alteritária, muitos homens e mulheres quebraram paradigmas culturais com o propósito de conhecer outros universos e de partilhar os seus mundos. Essa verdade nos remete àquilo que o autor bíblico, apóstolo João, disse no passado quando afirmou que o Filho de Deus veio até esse mundo e se relacionou com as pessoas, vestindo-se da natureza humana: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, pleno de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai” (Jo 1.14).

Ao analisar a vida de Jesus Cristo, todos os estudiosos chegam à conclusão de que ele teve a coragem de se relacionar e de trazer uma mensagem incomum para universos sociais, culturais e espirituais, que não conseguiam compreender o motivo pelo qual existiam. As ruas de Jerusalém, Cafarnaum, Galileia e dos vilarejos naqueles dias, nunca mais foram as mesmas, uma vez que o Messias caminhou por elas.

Portanto, o fato de sermos cristãos, não nos impede de conversar, caminhar e discutir com outras cosmovisões que são distintas das nossas. É certo que muitos religiosos se trancafiaram em seus mundos por diversos motivos. Espero que o medo de dar razão às suas confissões ou crenças, não tenha sido o elemento motivador para a presença de um silêncio profético em dias de relativismo vazio e conservadorismo inflexível, vistos no Iraque, na Irlanda, nos Estados Unidos, por vezes, no Brasil e em vários países. 
  
O nosso desafio é o de compreender a importância do outro em nossa caminhada e as mudanças que ele pode produzir em nossa história. Partindo dessa premissa, teríamos igrejas, escolas, partidos políticos, ongs, comunidades, cidades, estados e países melhores, vivendo acima de medos e radicalismos, se fossem tocados pelo totalmente Outro, que, de maneira providencial, utiliza outros para mudar a história da humanidade. 

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