A doutrina da eleição incondicional na história da igreja

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O segundo ponto do Calvinismo é a Eleição Incondicional, ou para se usar um termo mais abrangente, Predestinação. Agostinho, Lutero, Calvino, Knox, Owen, Edwards, Spurgeon e muitos outros cristãos destacados ensinaram que a salvação é uma ação soberana de Deus e que o Livre-Arbítrio não existe. Atrelada à doutrina da Depravação Total, a doutrina da Eleição (ou Predestinação) afirma que nosso estado sem Cristo é de depravação total: Ef 2:3; Rm 3:12; Jo 8:34. Sem Cristo, nossa consciência está cativa aos desejos carnais.

Vivemos acorrentados pelos prazeres mundanos e não damos um passo sequer na direção de Deus. Estamos imundos e nos sujamos ainda mais. O Altíssimo em Sua Glória olhou para a humanidade e não encontrou ninguém capaz de fazer o bem. Entre milhões de milhões e milhares de milhares não havia um único justo.

Por isso, Deus elege determinadas pessoas, fazendo com que estas cheguem à fé na pessoa e obra de seu Filho unigênito. Só assim, com Deus tomando a iniciativa e conduzindo todo o restante do processo, é que temos comunhão com Ele e seremos poupados da Ira vindoura. Tal argumento não foi uma criação autônoma dos teólogos protestantes. Há respaldo bíblico e podemos ver nas Escrituras, o próprio Cristo e também seus discípulos ensinando a predestinação:

“Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.” João 6:44 (ACF)

“Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” João 15:16(ACF)

“E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna.” Atos 13:48 (ACF)

“Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade.” 2 Tessalonicenses 2:13 (ACF)

“Por sua decisão ele nos gerou pela palavra da verdade, para que sejamos como que os primeiros frutos de tudo o que ele criou.” Tiago 1:18 (NVI)

“Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos de Deus, peregrinos dispersos no Ponto, na Galácia, na Capadócia, na província da Ásia e na Bitínia.” 1 Pedro 1:1 (NVI)

 No entanto, ninguém mais que o apóstolo Paulo em suas cartas falou sobre esta doutrina.

1. A perspectiva paulina da eleição

O apóstolo Paulo ao trabalhar a ideia da Eleição, tem em mente a formação da Igreja, isto é, a formação de um povo que Deus chamou para si. Todavia, Paulo irá redefinir a ideia de povo escolhido, negando a visão legalista-judaica de que o Israel de Deus é apenas ético. Uma redefinição do conceito de Israel, feita pelo apóstolo, vai abranger um sentido espiritual e universal que se aplica aos povos gentios. E isto não é algo novo. A concepção paulina defende que este caráter universal está presente desde o pacto de Deus com Abraão.

É a partir da história de Abraão, que Paulo faz uso constante, que será desenvolvida a doutrina da eleição incondicional. Para defender a entrada dos gentios na descendência abrâmica, o que fere o orgulho judaico, o apóstolo faz a sua exposição teológica à luz dos filhos de Abraão: Ismael e Isaque.

Em Romanos 4, já temos uma introdução deste assunto. Paulo defende que Abraão, pai carnal dos judeus (v.1) não alcançou nada pela obra da carne. Ele obteve a promessa de Deus antes mesmo da circuncisão e ali creu. A fé foi quem lhe justificou. Sendo assim, todos que tiverem fé alcançam, do mesmo modo, a justificação. Os versículos 11, 12 e 13 deixam explícito que ele é o pai de todos os que creem, mesmo os incircuncisos, i.é. os gentios. Pois a promessa que havia de ser herdeiro do mundo foi lhe dada ainda na incircuncisão, não pela lei e restrita aos seus descendentes consanguíneos.

Mas é em Romanos 9-11 que a perspectiva do apóstolo Paulo com relação aos que o SENHOR elegeu, formando um povo para si, fica clara. Diante do fato da incredulidade de seus patrícios, Paulo irá demonstrar que nem todos os filhos carnais são descendentes de Abraão. Ismael, era um descendente natural, contudo não foi contado na genealogia abrâmica. Isaque era o filho da promessa: “Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência” (Romanos 9:7-8). E como a promessa foi feita antes da circuncisão, e Abraão creu nela, logo, os que compartilham da mesma fé podem ser chamados filhos de Abraão (leia Gálatas 3:7).

Isaque era fruto da promessa. Em contrapartida, Ismael era fruto da procriação natural. Isaque nasceria de uma mulher já velha e estéril. Isaque era um milagre de Deus. Por isso, em Gálatas 4:29 diz-se que Isaque era “segundo o Espírito”, tal como são os demais crentes (Gálatas 4:28). Diante disso, Ridderbos [2004, p. 386] comenta:

É bastante clara, portanto, a distinção que Deus fez, desde o começo, na eleição e formação de seu povo. Pelo nascimento de Isaque e a exclusão de Ismael, ele indicou claramente que a base para a eleição de Israel não se encontrava, de forma alguma, em qualquer qualidade humana, nas potencialidades da “carne” ou na descendência natural, mas somente em sua obra divina, na força vivificante de sua promessa, no poder de seu Espírito.

Após falar sobre os dois filhos de Abraão, Paulo faz referência a Esaú e Jacó, irmãos gêmeos e filhos de Isaque com Rebeca. Jacó é escolhido para dar sequência a linhagem da promessa, enquanto Esaú é preterido. Seria Jacó mais excelente que o seu irmão? A resposta é não. Antes do seu nascimento, sem nem terem feito nenhuma obra boa ou má, Deus já havia dito a mãe deles que o mais velho serviria ao mais moço (Rm 9:11-12). E por que isso? A chave para esta pergunta se encontra no versículo 11: “para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama”. Ora, o que Paulo está nos dizendo aqui? Se formos sinceros ao texto bíblico, o raciocínio conclusivo não pode ser outro, senão:

1. Esaú e Jacó são gêmeos e filhos do mesmo pai e da mesma mãe.
2. Jacó não foi escolhido e nem Esaú rejeitado por suas obras.
3. A Eleição é uma atitude soberana de Deus, sem nada que a condicione.

O que o apóstolo Paulo está fazendo é respondendo à pergunta acerca da incredulidade dos judeus. Ele deixa claro que nem todos os israelitas fazem parte de Israel e a história de Esaú e Jacó é a melhor ilustração possível.  Deus estava formando o Seu povo mediante a sua soberana eleição. O propósito está em seu próprio chamado e não nas pessoas a quem Ele graciosamente elegeu. Israel é ajuntado de maneira que ninguém pode se orgulhar por ter feito algo por merecer. A eleição é fruto do propósito soberano e gracioso de Deus, de modo que somente Ele pode ser glorificado (leia Efésios 1: 4-6).

Storms [2014, p.40] disserta sobre Deus ser glorificado no ato de eleger:

O “porquê da soberania de Deus na salvação é esclarecido repentinamente por Paulo em Efésios 1, tornando-o assim incontestável. Cada estrofe do parágrafo de abertura termina com o refrão: “para o louvor da sua gloriosa graça” (v.6), “para o louvor da sua glória” (v.12), “para o louvor da sua glória” (v.14). No versículo 17, Deus é mencionado como “o glorioso pai”, que poderia ser traduzido como “o Pai da Glória”, ou também pode indicar que o Pai é a fonte de toda a glória. Em qualquer caso, o foco definitivo da eleição é a glória de Deus pai, Filho e Espírito Santo.

Diante de tudo isso, consideremos o apóstolo Paulo como o grande expoente da Eleição Incondicional no primeiro século. Sendo dotado por Deus de uma mente brilhante, portador de uma ótima oratória, o apóstolo dos gentios deixou esta doutrina bem amarrada ainda no primeiro século da era cristã.

2. Agostinho e a eleição Incondicional

No período Patrístico, isto é, os primeiros séculos da Cristandade, que precedem o período medieval, Agostinho de Hipona foi, disparadamente, a maior mente pensante dentre os chamados pais da Igreja. Este homem do século IV, que viveu no norte da África e foi extremamente devasso em sua juventude, pode provar da Graça de Deus em alta dosagem. Talvez, por isso, tenha se tornado um dos grandes expositores da soberania divina no ato de salvar. Sua soteriologia monergística. Enquanto que praticamente todos os teólogos de seu tempo afirmavam que a salvação dependia do livre-arbítrio humano. Agostinho faz um caminho oposto de seus contemporâneos e a sua doutrina da salvação está ligada a sua antropologia. A forma com que Agostinho via a natureza humana fez toda a diferença em sua concepção soteriológica. Berkhof [1992,p.186] vai dizer:

Agostinho parte de uma visão inteiramente diversa da condição natural do homem. Ele reputa o homem natural como totalmente depravado, totalmente incapaz de realizar o bem espiritual. Também alude à graça no sentido objetivo, que consistiria do evangelho, do batismo, do perdão dos pecados, e assim por diante, embora percebendo que isso não é suficiente, pois o homem pecaminoso precisa de uma graça interna, espiritual, de uma sobrenatural influência do Espírito de Deus mediante a qual a mente é iluminada e a vontade é inclinada para a santidade. Essa graça, fruto da predestinação, é gratuitamente distribuída de acordo com o soberano beneplácito de Deus, e não segundo quaisquer méritos do homem. É um dom de Deus que precede quaisquer méritos humanos.

O mais notável do sistema agostiniano é que ele atribui todas as coisas à graça de Deus. Isto se deve a forma como o próprio se converteu. Agostinho sabia muito bem quem ele era e o que havia se tornado, e não poderia considerar a sua transformação como sendo meritocrática. Ele fala sobre isso em suas Confissões, livro que todo cristão deveria ler, ao menos uma vez na vida. Mas, o ensino agostiniano não é reflexo apenas de sua experiência pessoal. Sua mente foi iluminada por Deus quando ele estava estudando a Epístola de Paulo aos Romanos. Foi este livro do novo testamento que lhe deu toda a base para desenvolver o seu sistema teológico. Segundo Hanko [2013. p.57]: “Ele ensinou a soberania e a dupla predestinação, expiação limitada, depravação total, a culpa imputada e a salvação pelo trabalho da graça soberana nos corações dos eleitos”.

Por conceber a ideia do homem depravado e pecador, Agostinho ensinava que a vontade do homem deveria ser renovada. Tal renovação, do começo ao fim, é obra exclusiva de Deus. A divina graça presente na salvação não é uma violência contra a vontade humana, ao contrário disso: ela altera a vontade do homem de uma forma, que este escolhe livremente achegar-se até Deus. Falando de maneira análoga, a graça é a ponte que Deus constrói para que o homem – por ele predestinado para a salvação –caminhe em direção ao divino trono da misericórdia.

A exposição agostiniana da graça desemboca na doutrina da eleição. Agostinho cria que aquilo que Deus faz na história do homem pecador que é regenerado, é na verdade algo que o SENHOR já havia decretado na eternidade. Sendo assim, a eleição só pode ser incondicional, pois se Deus escolhesse o homem tendo por base o conhecimento que tais homens viessem a crer em Cristo futuramente, Deus estaria apenas trabalhando em cima do que o homem, através de sua livre ação, determinasse. Berkhof [1992,p.124] fala que: “usualmente ele via a predestinação em conexão com a salvação do pecador, e chegou a afirmar que essa poderia ser chamada: salvação vista subspecie aeternitatis (do ponto de vista da eternidade)”.

Já, acerca dos não eleitos, Agostinho considerava o decreto de Deus como mera omissão. A reprovação é diferente da eleição no fato que aquela não é seguida por nenhuma eficiência divina para garantir o resultado intentado.

3. A doutrina da eleição durante o Medieval
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Triste saber que durante a Idade média (um milênio inteiro!) o ensino de Agostinho foi sendo deixado de lado. A Igreja de Roma vai adotar uma soteriologia semipelagiana, focando na salvação por obras e se distanciando da bíblica doutrina da Eleição.

Todavia, muito antes da Reforma, ainda no século IX, um monge alemão chamado Gottschalk pregou sobre a soberania de Deus na salvação. Ao ler as obras agostinianas, ele observou claramente as verdades bíblicas e correlatas entre a depravação humana, eleição incondicional e a regeneração monergística.

Quando descobriu as doutrinas da graça, mentoriado pelo Bispo de Hipona, Gottschalk viajou para proclamar essas verdades. Obviamente, enfrentou conflitos, mas não recuou. Chegou a pregar em toda a Itália, Balcãs e Bulgária. Mas, era praticamente um andarilho solitário, pois, oficialmente, a Igreja era contrária a tal ensinamento. Não foi à toa que ele foi intimado a comparecer perante o Sínodo de Mainz, em 848.

Diante do rei e do clero, ele professou sua crença na soberania de Deus na salvação. Reclamou fidelidade à Escritura e disse que pregava nada mais, nada menos, do que aquilo que Agostinho ensinou. No entanto, o Sínodo decidiu contra Gottschalk.

Após a condenação em Mainz, Gottschalk teve de comparecer perante o Sínodo dos Chiersy um ano depois. Lá foi acusado de heresia. A acusação foi devido ao ensino da dupla predestinação. Gottschalk afirmou que Deus não só predestinou eternamente seus eleitos para a vida eterna, como também predestinou todos os réprobos a morte eterna. Após se recusar a retratar-se, o sínodo o declarou herege e o castigou com açoites. Queimaram seus escritos, publicamente, e ele foi preso, e na prisão ficou por duas décadas.

Num período em que falar sobre a salvação como sendo fruto da decisão soberana do SENHOR, Gottschalk pagou um alto preço. Morreu na prisão, dia 30 de Outubro de 869. Foi enterrado como pagão, sem direito a um enterro cristão.

O martírio de Gottschalk nos ensina que a Verdade deve ser defendida até mesmo com a própria vida. Foi com este mesmo espírito que Lutero, outro monge alemão, desafiou a Sé romana. A diferença é que Lutero foi poupado de ser martirizado e morto, e assim, com o advento da Reforma Protestante, aquilo que Gottschalk batalhou foi ressurgindo e ganhando mais e mais adeptos. E não havia momento mais propício.

4. Eleição incondicional ensinada pelos Reformadores

Após um hiato de mais de meio milênio, surge a Reforma Protestante e a redescoberta das doutrinas da graça, ensinadas por Agostinho. Lutero teve a sua mente iluminada, também, ao ler Romanos. Todos os principais reformadores, dentro da perspectiva agostiniana, conceberam a Eleição como sendo a base da verdadeira liberdade humana. A soteriologia reformada está intimamente relacionada com a ideia da soberania divina:

Entretanto, a doutrina reformada básica da eleição ou da predestinação sobressaía-se como uma testemunha inequívoca da soberania de Deus na salvação humana. Essa era, e continuou a ser, uma pedra de tropeço importante para aqueles que viam nisso uma restrição prejudicial da liberdade e da moralidade humanas. Os reformadores, porém, encontraram nesse ensino uma libertação formidável do insuportável fardo da autojustificação [Geroge, 1994, p. 307].

Deus é o Senhor Soberano sobre todas as coisas, inclusive na nossa salvação. Somos – diziam os reformadores – tão escravizados pelo pecado, que não teríamos capacidade alguma de escolher seguir os caminhos de Deus e adquirir a salvação através das boas obras. Para nos libertarmos, Deus precisa tomar a iniciativa, nos elegendo e nos comprando por meio de Cristo Jesus.

Lutero, seguindo Romanos 1:17, levou até as últimas consequências a sua compreensão de “o justo viverá pela fé”. As suas 95 teses são o amadurecimento da sua doutrina da justificação. Com elas, Lutero protestou contra todo o sistema meritocrático da Igreja Romana. A venda de indulgências era grave por reduzir a remissão dos pecados a uma mera transação financeira. E onde fica nisso o mérito de Cristo? Este foi o ponto de partida que fez com que o reformador alemão, até então um monge agostiniano, clamasse contra todas as heresias católicas. Como diz George [1994, p. 73]: “A doutrina da justificação de Lutero caiu como uma bomba na paisagem teológica do catolicismo medieval. Ela arrasou toda a teologia dos méritos e, na verdade, a base penitencial-sacramental, da própria igreja”.

A justificação luterana desemboca na Eleição. Uma vez que o justo viverá por fé e a fé é algo que Deus deposita no coração dos homens, e nem todos os homens tem fé. Logo, a fé é um dom que Deus dá aqueles a quem Ele soberanamente elegeu segundo Seus misteriosos decretos. Na controvérsia com Erasmo, acerca do livre-arbítrio, Lutero chega ao âmago da questão e afirma categoricamente que este não é capaz de produzir salvação. Por isso, os predestinados são os únicos capazes de irem até Cristo, pelo fato de que Cristo foi primeiro até eles, libertando-os da escravidão do pecado. Lutero ensinou a predestinação sem se esquivar das doutrinas tidas por polêmicas. Ele afirmou que a expiação de Cristo era limitada aos seus eleitos, ensinou a dupla predestinação, ou seja, uns são predestinados para a salvação enquanto outros são reprovados também segundo os decretos inescrutáveis de Deus.

Sob as acusações de que sua teologia transformava Deus num ser injusto, por eleger uns e outros nãos, Lutero respondia-lhes biblicamente, não se deixando levar pelas argumentações humanas. Afinal, o que é o homem para questionar a Deus? De onde o homem acha que tem cacife para falar que Deus é injusto por cumprir os seus decretos? Quando Erasmo o escreveu dizendo “deixe Deus ser bom”, Lutero rebateu assim: “deixe Deus ser Deus”. Somente pela fé, podemos aceitar a predestinação. Assim como a justificação se dá apenas por fé, assim acontece com a Eleição. Lutero não tentou satisfazer a lógica dos humanistas, ele limitou-se a crer naquilo que as Escrituras afirmam. Ele começou com Agostinho, mas terminou com Paulo e com sua teologia glorificou ao SENHOR:

Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos!
“Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? “
“Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense? “
Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas.
A ele seja a glória para sempre! Amém.

                                                                       Romanos 11:33-36

Zuínglio, o reformador suíço e contemporâneo de Martinho Lutero também entendia a predestinação como sendo uma defesa da justificação mediante a fé, tirando toda a meritocracia na salvação dos pecadores. As pessoas – afirmava – não escolhiam a Deus, era Deus que escolhia e selecionava as pessoas, segundo o Seu livre-arbítrio. Assim, nenhum homem que por Deus foi salvo pode reclamar nenhum crédito para si. A salvação é um processo de Deus pelo qual Ele glorifica a si mesmo.

Embora não usasse o termo Eleição fora da salvação, Zuínglio ensinava que os reprovados estão nessa condição porque o SENHOR os rejeitou e os expulsou de Sua presença. De fato, podemos chamar este ensino de dupla predestinação.

Uma particularidade de Zuínglio, da qual Lutero não concordou, foi o ensino de que muitos pagãos que nem sequer ouviram falar da fé cristã em vida, podem ter sidos eleitos e se tornarem “amigos no céu” de muitos cristãos. A eleição de tais pagãos não tinha nada a ver com a revelação geral e nem mesmo pelas suas boas obras. A eleição dos pagãos era fruto da vontade soberana e misteriosa de Deus. Para defender esse ponto, de pessoas salvas mesmo sem possuir a fé cristã, Zuínglio apelava para o fato de que a eleição precede a fé e não o oposto. Calvino, posteriormente, também discordará do reformador suíço e dirá que o fato de muitos pagãos terem morrido sem o conhecimento do Evangelho já é uma evidência da sua reprovação.

Quando seus detratores diziam que a Eleição – quando pregada – daria margem para que os cristãos vivessem em devassidão, pois eram eleitos sem que suas obras fossem levadas em conta, Zuínglio rebatia afirmando que quem assim pensava não era digno de ser chamado cristão.

Mas dentre todos os reformadores, quando se fala em Doutrina da Eleição, João Calvino, é o mais lembrado. Poucos sabem, mas Calvino falou mais sobre oração em seus escritos do que sobre a predestinação. Todavia, poucos foram tão claros e diretos como ele nessa questão.

Quem já leu alguma obra de Calvino, pode perceber o quanto que ele faz referência a Agostinho. Seja nas Institutas, seja em seus comentários bíblicos, a teologia agostiniana está lá. Por isso, podemos dizer que o Bispo de Hipona foi a maior referência teológica do Reformador de Genebra. A teologia calvinista tem por base os ensinos de Agostinho sobre a divina graça. No entanto, não podemos afirmar que Calvino limitou-se a reproduzir o pensamento agostiniano. Ele foi bem mais além em diversas questões. Não é à toa que se tornou um dos principais teólogos da história da Igreja.

Calvino não foi, inicialmente, tão original com relação ao ensino sobre a Eleição. Todo seu ensinamento já havia sido defendido por Lutero e Zuínglio. Porém a forma como ele organiza a sua teologia é original. Predestinação é um termo que ele usa pela primeira vez nas suas Institutas, e na última edição delas, a Predestinação não vem logo após o ensino da providência, como faziam seus contemporâneos. O primeiro assunto está no livro I, e o segundo assunto aparece no final do livro 3.

São três as palavras que resumem o ensino calvinista sobre a Predestinação:

Absoluta: Isto quer dizer que Deus, a partir de Seus decretos imutáveis e misteriosos, elege pessoas para si. Não é por antever a fé nas pessoas que Deus escolhe alguém, pois todos são pecadores e são indesculpáveis perante o supremo Juíz.

Particular: No sentido de que o SENHOR escolhe indivíduos e não apenas grupos. E se tratando da expiação, ela é um ato que abrange todos os seres humanos. Jesus, na cruz, redimiu apenas os seus eleitos.

Dupla: A eleição é o contraponto da reprovação, por isso, para o louvor de Sua misericórdia, Deus escolhe indivíduos para serem salvos, e para o louvor de Sua justiça, ordenou que alguns fossem para o inferno.

Calvino, ao ensinar a Doutrina da Eleição, nunca foi além do que as Escrituras afirmam sobre tal assunto. A predestinação nem pode ser considerada a doutrina central nos escritos de Calvino, embora ela seja de suma importância em sua teologia. O Reformador de Genebra a ensinou com zelo e reverência os decretos inescrutáveis do SENHOR.

5. A depravação total nas confissões Reformadas

• Confissão Belga,1561, artigo 16:

Cremos que Deus, quando o pecado do primeiro homem lançou Adão e toda a sua descendência na perdição mostrou-se como Ele é, a saber: misericordioso e justo. Misericordioso, porque Ele livra e salva da perdição aqueles que Ele em seu eterno e imutável conselho, somente pela bondade, elegeu em Jesus Cristo nosso Senhor, sem levar em consideração obra alguma deles. Justo, porque Ele deixa os demais na queda e perdição, em que eles mesmos se lançaram.

• Segunda Confissão Helvética,1566, artigo 10:

Deus nos elegeu pela graça. Deus, desde a eternidade, livremente e movido apenas pela sua graça, sem qualquer respeito humano, predestinou ou elegeu os santos que ele quer salvar em Cristo, segundo a palavra do apóstolo: “Ele nos escolheu nele antes da fundação do mundo” (Ef 1.4); e de novo: “… que nos salvou, e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, e manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus” (II Tim 1.9-10). 

• Cânones de Dort, 1619, Capítulo 1:

Deus dá nesta vida a fé a alguns enquanto não dá a fé a outros. Isto procede do eterno decreto de Deus. Porque as Escrituras dizem que Ele “…faz estas coisas conhecidas desde séculos.” e que Ele “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade…” (Atos 15:18; Ef 1:11). De acordo com este decreto, Ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, Ele deixa os não-eleitos em sua própria maldade e dureza. E aqui especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre os homens que estão na mesma condição de perdição. Este é o decreto da eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos, impuros e instáveis o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível conforto para as pessoas santas e tementes a Deus.

• Confissão de Fé de Westminster, 1647, capítulo 3:

III. Pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna.
I Tim.5:21; Mar. 5:38; Jd. 6; Mt. 25:31, 41; Pv. 16:4; Rm. 9:22-23; Ef. 1:5-6.

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Referências bibliográficas

BEEKE, Joel R. Harmonia das Confissões Reformadas. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.

BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,1992.

CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Volume 1, Editora Cultura Cristã,2006.

GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Edições Vida Nova, 1994.

HANKO, Herman. Retratos de Santos Fiéis. Dublin. Firelandy Missions.2013.

RIDDERBOS, Herman. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.

TURRETINI, François. Compêndio de teologia apologética: volume 1 / tradução de Edições Paracletos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011.

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1Essa seção tem por base o texto do Dr. Steve Lawson, publicado originalmente no site do ministério Ligonier, que pode ser conferido aqui http://www.ligonier.org/learn/articles/gottschalk/

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