Uma nota de agradecimento a Wayne Grudem

0
659

Recebi recentemente uma carta de oração do Wayne Grudem. Ele me enviou porque realmente desejava que orássemos para que a sua vocação e dons, suas experiências e projetos continuassem controlados por Deus, para a glória Dele e para o progresso da anunciação da Verdade. A carta desta semana tinha o seguinte título: “Terminar a minha carreira docente”. Ele compartilhou que após o término da aula de teologia “caminhei para fora da sala de aula sentindo uma espécie de cansaço que não me lembro de ter vivenciado algo parecido antes. A combinação da minha doença de Parkinson com o meu câncer de próstata, os tratamentos e os meus 76 anos de idade resultaram na conclusão de que não tenho mais a mesma energia de antigamente”. Depois de consultar Margaret, os especialistas e os seus conselheiros de confiança, Wayne tomou uma decisão: “Esse será o meu último semestre como professor”. Wayne havia iniciado o seu ministério na área acadêmica em 1977-1981 no Bethel College em St. Paul. Em 1981 até 2001 ele lecionou na Trinity Evangelical Divinity School. Em 2001 iniciou o seu mandato de 23 anos como professor no Phoenix Seminary, em Scottsdale, Arizona. Ao longo de 47 anos, Grudem ensinou 9.000 alunos. Agora ele se dedicará aquilo que faz tão bem: escrever.

Vale a pena considerar a atitude de Wayne diante desse contexto de vida. Tendo pais que viveram até os 90 anos, quase duas décadas poderiam permanecer e uma administração cuidadosa o leva a dizer: “Preciso da sabedoria de Deus para discernir onde devo gastar o meu tempo”. Certamente, os leitores deste post irão se solidarizar espiritualmente com esse desejo e orarão pela utilidade desse pregador do evangelho.

Ao refletir sobre o momento atual de sua vida, Grudem citou um texto bíblico que Vern Poythress, certa vez, havia compartilhado com ele:

Não me rejeites na minha velhice;

não me desampares, quando minhas forças se forem.

Ó Deus, tu me ensinaste desde a minha mocidade,

e até aqui tenho anunciado tuas maravilhas.

Agora, que estou velho e de cabelos brancos,

não me desampares, ó Deus,

até que eu tenha anunciado tua força a esta geração,

e teu poder, às gerações do futuro

(Sl 71.9,17-18, ARA21).

Oferecendo a sua visão sobre como a confiança no poder do Espírito é fundamental para compreender a vida, Grudem observou: “Acho interessante o fato de não pensar na velhice como algo a ser temido. Antes, parece que estou numa maratona onde após ter virado a esquina, avistei, mesmo que de longe, a linha de chegada. Pensar que talvez eu já tenha percorrido 80% da corrida é, para mim, uma sensação reconfortante”.

A produção literária de Grudem nas diversas áreas da teologia e da cultura tem sido profunda e fundamental. Ele trabalhou questões espirituais, teológicas, exegéticas, empresariais, políticas e éticas. O seu envolvimento com esses temas tem sido consistente, grandioso e amplo, ao ponto que qualquer tentativa de fazer um resumo de toda a sua obra, seria impossível. Em seu livro O dom da profecia: no Novo testamento e hoje, ele amplia os seus argumentos em favor da presença contínua do dom da profecia, uma ponderação contra a ideia de uma dependência irrefletida ou desinformada da ação do Espírito. Isto é, contra a falsa ideia de que não precisamos pensar e refletir sobre as questões espirituais, o que deveríamos fazer seria apenas ser dirigidos pelo Espírito. O seu apêndice que trabalha os temas sobre o Cânon e a suficiência das Escrituras é profundo e, em termos apologéticos, seguro. Ele diz que: se alguém disser que possui a mensagem de Deus para a nossa vida prática e diante dessa mensagem nós não seguirmos, não será errado desconsiderá-la, a menos que ela possa ser confirmada pelas páginas das Escrituras (p. 308). Ele também fez esta advertência: “Se o pastor não se prepara para ensinar a Bíblia e, ao mesmo tempo, afirma que está confiando na ação do Senhor para lhe dar o conteúdo na hora, então ele estará, em minha opinião, tentando forçar que Deus lhe revele algo enquanto fala […] Subir ao púlpito sem se preparar é como saltar do pináculo do templo. É recusar o uso daquilo que foi lhe dado pela graça de Deus e ao mesmo tempo exigir que Deus lhe conceda uma informação extraordinária que dê conta de libertá-lo do seu dilema” (p. 258).

A aplicação dos princípios bíblicos às questões políticas é uma marca do serviço prestado por Grudem. Na sua obra Política segundo a Bíblia,[1] [originalmente] de mais de 600 páginas, ele desenvolve uma discussão por meio de “princípios básicos”, “questões específicas” e “observações conclusivas”. A seção final serve como um excelente sumário das suas conclusões e da forma como os diferentes compromissos dos partidos políticos se alinham com as suas observações. Grudem não se esquiva de nenhuma questão difícil, pelo contrário, ele procura desenvolver, por meio das Sagradas Escrituras, o argumento capaz de respondê-la, tendo em vista, a sua diversidade e especificidade. A primeira questão específica, por exemplo, é a “proteção a vida”, no âmbito que se discute não só o aborto e a eutanásia, mas também o direito dos cidadãos de possuírem armas. Grudem discute sobre a CIA, as alterações climáticas, os interrogatórios coercivos, a economia (em dez categorias), o casamento e a família, a defesa nacional, a política externa, a liberdade de expressão e de religião e outras questões. Na seção sobre cosmovisão, ele inicia da seguinte forma: “A primeira sentença das Escrituras nos revela o elemento mais importante de uma visão cristã do mundo: ‘No princípio criou Deus os céus e a terra’” (p. 116). Como ele mantém ao longo da sua argumentação, este mundo pertence a Deus e os governos e seus sistemas políticos prosperarão e atuarão como agentes redentores ou falharão e aumentarão a corrupção na medida em que mantiverem a relação adequada entre responsabilidade humana, a visão moral e o julgamento justo.

Na obra Christian ethics: an introduction to biblical moral reasoning [Ética cristã: uma introdução aos fundamentos bíblicos], de aproximadamente 1300 páginas, Grudem não se preocupa apenas em encontrar argumentos bíblicos para um número considerável de problemas morais complexos, mas também em fomentar uma reflexão que toque em assuntos relacionados ao caráter cristão e ao desejo de viver para a glória de Deus. Nesta obra, assim como em outras, Wayne expõe e defende a autoridade das Escrituras como Palavra de Deus. Ele argumenta que além de informar a mente e moldar as ações, uma vez contemplada, ela transforma a vida daqueles que a estuda, que a aprecia e que guarda no coração as suas palavras, com objetivo de se conformarem à imagem de Cristo (p. 107-15). No capítulo sobre “Homossexualidade e Transgênero”, Grudem escreva cerca de 50 páginas para mostrar por meio de argumentos bíblicos as discussões rasas que defendem um comportamento contrário as Sagradas Escrituras bem como ideias dissonantes de outros estudiosos da área da ética.

Wayne não foge das questões difíceis. Com isso, ele nos ajuda a enfrentar, segundo as Escrituras, as possíveis questões do relativismo naturalista que poderão surgir, sobretudo, aplicados à ética. As partes dois a sete foram escritas com base nos dez mandamentos, mostrando o quanto a exclamação do salmista é verdadeira: “Tenho constatado que toda perfeição tem limite; mas não há limite para o teu mandamento” (Sl 119.96). No final de cada capítulo é possível localizar uma passagem bíblica para memorização e um hino relacionado ao assunto discutido. Embora os problemas, com frequência, sejam complexos e os riscos à integridade pessoal, estabilidade social e justiça sejam elevados, as discussões e aplicações bíblicas facilitam na compreensão dos raciocínios dos temas abordados. Por exemplo, um princípio geral aplicável às diversas questões do desejo moral pode ser visto no seguinte argumento: “Em cada geração somos tentados a nos afastar da suficiência das Sagradas Escrituras e aderir os novos tipos de legalismos e erros decorrentes dos discursos impregnados de regras extrabíblica” (p. 688).

A sua Teologia sistemática[2] contém 1600 páginas de intensa discussão bíblica dos elementos dogmáticos, divido em sete partes: as Sagradas Escrituras, Deus, o homem à imagem de Deus, Jesus Cristo e o Espírito Santo, redenção e os seus desdobramentos, a igreja e o futuro. Esse livro, inclusive, foi editado em duas versões menores, mas igualmente úteis para os estudos na igreja.

Semelhante à experiência de boa parte da tradição reformada e evangélica, Wayne Grudem disse abertamente da influência que recebeu da obra Cristianismo e liberalismo do autor J. Gresham Machen. Essa obra foi fundamental para ele, levando-o a se engajar de forma séria aos assuntos doutrinários e a construir argumentos fortes e respaldados pela Escritura. Um exemplo desta influência pode ser encontrado na seção sobre as Sagradas Escrituras onde encontramos uma tabela que apresenta por meio de categorias distintas (Bíblia, doutrina, Deus, etc.) um contraste entre o liberalismo (que ele extraiu do livro Cristianismo e liberalismo) e a visão bíblica (extraída da Bíblia).

Ninguém deveria duvidar que os argumentos de Grudem a respeito da cristologia estão de acordo com a tradição ortodoxa. Dentro do cenário de uma exposição meticulosamente elaborada sobre o desenvolvimento bíblico e confessional da confissão da pessoa de Cristo pela igreja (p. 663-705), na seção onde foi discutida a questão da impecabilidade, Grudem disse: “Mas a natureza humana de Jesus nunca existiu apartado da sua natureza divina. No seu nascimento, ele passou a ser verdadeiramente Deus e verdadeiro homem. Isto é, tanto a sua natureza divina quanto a sua natureza humana existia em uma única pessoa” (p. 673).

Grudem relata o seu envolvimento amplo e profundo com a teologia contemporânea e histórica. De forma pertinente e com boas colocações, é nítida a amplitude do seu repertório tanto ao vermos os seus argumentos presentes no texto quanto nas citações das notas de rodapé. Nota-se também que em cada capítulo contém perguntas para uma aplicação pessoal e uma dupla bibliografia onde, na primeira, pode-se encontrar uma lista das principais tradições teológicas e os números das páginas onde as suas contribuições sobre o tema do capítulo apareceram. A outra lista é uma relação das obras dedicadas ao assunto trabalhado. Por exemplo, o capítulo sobre expiação contém 46 livros listados. Sobre esta doutrina, Grudem afirmou: “Em suma, parece-me que a posição reformada da redenção particular é mais consistente com o ensino geral das Escrituras” (p. 743). Logo após a sua definição pessoal, Grudem adverte contra as famosas “picuinhas que fomentam disputas desnecessárias” (p. 744). Mais uma vez, reforço, que cada capítulo inclui um versículo para memorização e um hino.

No livro intitulado Teologia da livre graça,[3] Grudem analisou um movimento moderno conhecido como sandemanianismo ou “graça livre”. Assim como Andrew Fuller havia feito, ele investigou as principais ideias do movimento por meio de uma exegese bíblica detalhada pela história confessional e a relação necessária entre arrependimento e fé. Ou seja, embora a justificação envolva certamente uma crença na verdade, o papel do Espírito Santo em guiar alguém para um relacionamento salvífico com Jesus Cristo e sua obra redentora vai além de apenas aceitar a verdade. Ao apontar claramente os equívocos da “graça livre”, Grudem também busca ajudar o leitor a compreender as razões por trás dessa reação doutrinária e propõe formas de promover um espírito de união.

A última contribuição que gostaria de destacar é o seu papel fundamental no início e na conclusão da tradução da Bíblia conhecida como English Standard Version (ESV). Devido a divergências com algumas teorias de tradução do NIV, Wayne se debruçou durante muito tempo, oferecendo muita energia e conhecimento teológico a esse projeto. Por fim, ele também desempenhou um papel importante no Comitê de Supervisão da Tradução da própria versão e atuou como editor geral da Bíblia de Estudo ESV [publicada no Brasil como Bíblia de Estudo NAA].

Não há espaço para comentar sobre as suas outras obras, como por exemplo: Recovering biblical manhood and womanhood,[4] Negócios para a glória de Deus,[5] seu Comentário bíblico de 1Pedro[6] e dezenas de artigos apresentados em reuniões profissionais. Wayne demonstrou um verdadeiro caráter cristão em seus relacionamentos familiares, desde os pais até os netos. Ele e Margaret trabalharam juntos, oferecendo encorajamento e hospitalidade a muitos cristãos peregrinos. Em nome de milhares de cristãos, expresso um sincero agradecimento a ele por seu amor inabalável e comprometimento com a Bíblia. Pelo seu compromisso com o Deus da Bíblia e por seu trabalho incansável em torná-la conhecida. Oramos para que sua dedicação ao evangelho em suas atividades após a sala de aula seja gratificante enquanto ele contempla a “linha de chegada à distância”.[7]

____________________

[1]Publicado por Vida Nova.

[2]Publicado por Vida Nova.

[3]Publicado por Vida Nova.

[4]Publicado por Fiel sob o título Homem e mulher e seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade.

[5]Publicado por Cultura Cristã.

[6]Publicado por Vida Nova.

[7]Publicado originalmente como Tom Nettles, “A Statement of Appreciation for Wayne Grudem”, Founders Ministries, em: https://founders.org/articles/a-statement-of-appreciation-for-wayne-grudem/.

DEIXE UM COMENTÁRIO

Please enter your comment!
Please enter your name here