Uma devocional no Evangelho de Judas

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2206
Respostas para três perguntas fundamentais sobre um estardalhaço não justificado

 A edição de maio de 2006 da revista National Geographic Brasil traz uma fita de papel ao redor que diz: “Tudo sobre a descoberta que pode MUDAR O CRISTIANISMO”. A referência é ao artigo de capa da revista, sobre o Evangelho de Judas , um texto de aproximadamente 1,7 mil anos que promete, segundo os editores da revista, revolucionar tudo o que se pensou sobre o cristianismo nos últimos 2 mil anos. A revista, no entanto, é apenas um dos veículos de divulgação dessa propalada “revolução”.

Existe ainda uma página oficial na internet na qual se pode conseguir o texto completo do Evangelho de Judas em inglês e em copta (PDF), além do documentário televisivo sobre a descoberta, aquisição e processo de tradução do texto antigo, tudo isso realizado pela National Geographic Society.

É claro que existem razões suficientes para encorajar o estudioso da Bíblia a se interessar por esse recém-publicado Evangelho de Judas . No mínimo, para verificar se, de fato, há razões fortes o bastante para justificar a afirmação de que estamos diante de algo capaz de revolucionar o cristianismo. Imagine a possibilidade de fazer a sua devocional não somente nos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, mas, a partir de agora, também no de Judas! Ou, quem sabe, como parece sugerir a divulgação da National Geographic , descobrir que os chamados evangelhos canônicos não dizem toda a verdade sobre Jesus; e que o evangelho de Judas é o único a conservar a verdade histórica sobre a “inestimável contribuição” de Judas Isacariotes para com a trama envolvendo a morte de Jesus!

Por essas e outras razões é que se faz necessário conhecer algo mais específico sobre o Evangelho de Judas . Tentaremos responder a três perguntas fundamentais: 1) o que é?; 2) para que serve?; e 3) quais são as questões que ele levanta?

O que é o Evangelho de Judas ?

O total de texto identificável e traduzido do manuscrito do Evangelho de Judas é de apenas sete páginas (80% do texto completo), situadas no meio de outros três manuscritos gnósticos. É verdade, o Evangelho de Judas faz parte do repertório de textos do assim chamado gnosticismo, isto é, conjunto de doutrinas sincréticas da filosofia platônica e de aspectos do cristianismo desenvolvido no II e III séculos da Era Cristã. O texto do Evangelho de Judas , escrito por um autor desconhecido e descoberto na década de 1970, está num manuscrito em saídico, um dialeto do copta, língua usada por cristãos no Egito nos primeiros séculos da Era Cristã, mas escrito em caracteres gregos. Acreditam os tradutores que esse texto em copta (dialeto saídico) é uma cópia de um suposto original grego do Evangelho de Judas . Não há, porém, nenhuma evidência da existência de um original grego, a não ser as referências a Judas e outros escritos gnósticos feitas por Irineu de Lyon na parte final do II século ( Contra heresias ).

Segundo análises científicas, o manuscrito do Evangelho de Judas data do III século da Era Cristã (entre 220 d.C. e 340 d.C.), mas remete a um original mais antigo, talvez de meados do II século, uma vez que Irineu de Lyon o menciona por volta de 180 d.C. O conteúdo narra o ensino particular que Jesus teria passado a Judas Iscariotes três dias antes da crucificação. Esse ensino é classificado, no início do texto, como “secreto”, o que é confirmado logo a seguir pela cena em que Jesus convoca Judas para ouvir, em separado, a interpretação mais aprofundada de uma visão. Isso enseja que Jesus profetize a Judas o seguinte: “Sacrificarás o homem que me veste” ( National Geographic Brasil , p. 53). Ou seja, Judas fará com que Jesus seja morto para, assim, livrar o espírito de Jesus do invólucro do corpo de carne que o retém.

Qualquer semelhança disso com o relato da morte de Sócrates, no qual ele diz a seus discípulos que a morte libertaria seu espírito da prisão do corpo, não terá sido mera coincidência. O gnosticismo tinha como base precisamente o mesmo dualismo vertical absoluto entre o mundo superior do espírito, tido como a única e última realidade, e o mundo inferior e perecível da matéria. Não há qualquer referência à obra de redenção do ser humano de seu pecado diante de Deus pela morte sacrificial de Jesus Cristo na cruz. Na verdade, o Evangelho de Judas termina com um relato resumido da traição de Judas, que entrega Jesus para ser morto pelas autoridades judaicas, sem, contudo, nem ao menos mencionar a cruz e a ressurreição.

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