Uma abordagem redentiva e missiológica no livro de Jonas

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Introdução

Neste artigo seguimos uma abordagem pactual-redentora da mensagem revelada no Antigo Testamento. A teologia pactual se vale de uma hermenêutica que honra numa abordagem de teologia bíblica a progressividade e organicidade da revelação no AT. Com isso asseveramos que a mensagem do evangelho já estava presente ainda que não em sua completude consumada no plano redentor de Deus em Cristo, no Antigo Testamento, sendo indicada inicialmente pelo relacionamento pactual de Deus com Israel. Sendo verificada no pacto da Criação, no pacto Noaico, Abraâmico, Davidico até seu clímax na nova aliança, na morte e ressurreição de Jesus.

Nossa proposta neste artigo é realizar uma introdução teológica ao livro do profeta Jonas, bem como apontar no texto sagrado em tela a mensagem de redenção que fora endereçada aos ninivitas. Tentamos demonstrar também a relevância de uma hermenêutica histórico-redentora para uma abordagem do Antigo Testamento. Acreditando ser útil para o ministério da igreja local, seja em termos de pregação, aconselhamento, ensino doutrinário, evangelismo, missões, para a edificação da igreja e para o crescimento da piedade cristã biblicamente orientada.

Entendemos que todo estudo teológico deve ter como finalidade a glória de Deus e a edificação do corpo de Cristo. Então a proposta deste artigo não é mera reflexão teológica, mas, uma abordagem pastoral para a obra do ministério, não apenas para o ministro, mas de todos os membros da igreja local. Que sirva para glória de Deus e edificação do corpo de Cristo, que é sua Igreja. Então nossa trajetória percorrerá estradas, caminhos e veredas.

I – Autoria, data e contexto histórico do livro de Jonas

Devemos reconhecer que não há plena concordância entre os estudiosos do Antigo Testamento sobre a datação do livro de Jonas. Sobre sua autoria, é concorde que o autor é desconhecido[1]. O livro foi datado em vários pontos entre o século 8 e 3 a.C. Se reconhece que determinar a autoria e composição do livro é difícil. Mas é possível traçar algumas linhas de raciocínio em algumas pistas na própria Escritura sobre o assunto.

Da mesma maneira que outros livros dos profetas menores, Jonas não apresenta nenhum dado preciso com relação ao momento em que os acontecimentos registrados realmente se deram. No entanto, um indício importante para a apuração da data desses acontecimentos é o nome de Jonas, filho de Amitai (Jn 1.1). Significativamente, 2 Rs 14.25 refere-se  a um profeta  do mesmo nome, que profetizou durante o reinado de Jeroboão II (782/781-753 a.C), e é razoável supor que essas duas passagens aludam à mesma pessoa. Assim sendo, podemos atribuir os acontecimentos que subjazem o livro ao século VIII a.C[2].

Ainda há um dado apócrifo importante para o estudo do livro de Jonas, a existência do livro é claramente pressuposta numa afirmação encontrada em Eclesiástico 49.10, livro escrito pouco depois de 200 a.C, que se refere aos doze profetas, i.e., aos doze profetas menores[3]. Sobre o contexto histórico que temos a disposição, temos que fazer referência à cidade de Nínive.

Nínive é a atual Tell Kuyunjik, localizada às margens do rio Tigre, cerca de 960 quilômetros, rio acima, do Golfo Pérsico, no norte do Iraque. No século 8, Nínive ainda não entrara em seu período de glória. No início do século 7, Senaqueribe  transformou  esse antigo centro cultural da deusa Ishtar na capital e a embelezou, ampliando-a para quase duzentos acres. A Assíria representara uma ameaça significativa para Israel no século 9 a.C. Israel fizera  parte da coalizão ocidental que se opunha às tentativas de Salmaneser III de expandir seu império até a região mediterrânea. Em 841 a.C., o rei israelita Jeú submeteu-se  ao controle  assírio e pagou tributo. Nas décadas seguintes, porém, a Assíria foi enfraquecendo consideravelmente e, na época de Jeroboão II, muitas décadas haviam se passado sem que os israelitas sofressem oposição da Assíria[4].

A Assíria tinha um poder bélico histórico, que causava realmente terror e repulsa as nações inimigas, por isso não é de admirar a resistência do profeta em ir a Nínive. Mas ainda precisamos aprofundar mais nossa compreensão do contexto histórico da cidade para termos mais condições de interpretar a mensagem de Jonas de forma redentora e uma manifestação da graça de Deus para um povo ímpio e que vivia em uma cultura soberba e contra o Deus de Israel.

Nas regiões situadas ao noroeste da Mesopotâmia viviam os assírios, um povo belicoso que usava os montes Zagros como fortaleza. Essas tribos semíticas estabeleceram-se na área antes de Sargão de Agade unificar a região inferior da Mesopotâmia. Eram orgulhosas e independentes. Por serem orgulhosos de sua herança, os Assírios conservavam registros cuidadosos da sua linhagem real. As listas desses reis assírios ajudam-nos a estabelecer datas  de muitos eventos do Antigo Testamento. Tais listas mostram que os assírios começaram  suas atividades bélicas no Oriente Próximo pouco tempo depois de terminada a dinastia de Hamurabi. Uma nação oriental conhecida como cassitas apoderou-se do controle de Babilônia por volta de 1750 a.C., e começou uma série de guerras com a Assíria que durou até 1211 a.C. Essas guerras abrangeram  o tempo da escravidão de Israel no Egito, o Êxodo, a conquista de Canaã e os primeiros anos dos juízes. Ao mesmo tempo competia pelo controle do Oriente Próximo. As três nações – Assíria, Babilônia e Egito – puseram seus exércitos em marcha através da Palestina  em sua busca da supremacia mundial[5].

Entender o contexto histórico não apenas da época em que o livro foi escrito, bem como a própria história da Assíria será de muita importância para a interpretação de Jonas. Bem como identificarmos doutrinas ali contidas como revelação geral, pecado, revelação especial, pregação, arrependimento, redenção. Jonas estava sendo enviado por Deus a um povo rebelde, arrogante e blasfemo. O livro tem um forte teor missiológico que é de grande importância para uma reflexão amadurecida da pregação aos povos pagãos, bem como a identificação de uma teologia pactual do Antigo Testamento que norteia a missão da Igreja na história da salvação. A reflexão devida e ortodoxa das missões não deve ser fruto de experiências missionárias, embora estas tenham sua importância dos atos de Deus no tempo e espaço, mas deve brotar da compreensão da missão de Deus no mundo, revelada nas páginas da Escritura[6]. Sobre Nínive então podemos notificar:

A poderosa cidade de Nínive (construída por Ninrode, bisneto de Noé) apresenta-se-nos com mistério sobre pilha de mistério. Mesmo assim, à medida que os estudiosos reúnem as peças do quebra-cabeças, a exatidão da Bíblia se torna mais evidente. Nínive foi, sem a menor dúvida, uma das mais velhas cidades do mundo. O registro de seus começos  remonta ao livro do Gênesis 10.11-12. O rio Côzer fluía em direção ao leste, desde o Tigre, passando por Nínive. Esses dois rios, mais um canal construído para levar água do Tigre até à margem do mudo ocidental da cidade, proviam água para fossos, fontes, irrigação e água potável. Em 1100 a.C. Nínive passou a ser uma residência real. Durante o reinado de Sargão II (722 – 705 a.C.) ela serviu  como capital da Assíria. Senaqueribe (705 – 681 a.C.) amava Nínive de modo especial e fez dela a principal cidade do império[7].

Consideremos também mais algumas questões históricas e literárias importante no livro de Jonas, segundo nos diz Robertson:

Jonas se distingue entre os livros proféticos de diversas maneiras. Em primeiro lugar, o livro se dedica quase exclusivamente a uma narrativa a respeito da vida do profeta, em vez de concentrar-se na mensagem do Senhor por meio do seu profeta. Nesse sentido, Jonas se parece mais com as narrativas a respeito dos profetas nos livros históricos da Bíblia do que com os livros que consistem principalmente em declarações proféticas. Esse fato de maneira alguma diminui a importância do livro, pois a mensagem é das poucas palavras vindas do Senhor no livro. O próprio Jonas torna-se um “sinal” para a cidade de Nínive que confirma a mensagem que ele traz. Assim como o Senhor decidiu ser misericordioso com uma cidade violenta como Nínive, se o povo se arrependesse. (…) O fato de ser comissionado a uma nação estrangeira define ainda outro elemento da singularidade de Jonas entre os livros proféticos. De forma significativa, Jonas é mencionado no livro dos Reis como quem profetizou a expansão do reino de Israel para os lados de Nínive (2 Rs 14.23-27). Mas agora ele deve ir e pregar a essa nação cruel e ameaçada para levar a um fim infeliz esse crescente reino de Israel[8].

Este é um breve resumo da opulência da cidade, que depois da profecia de Jonas, evento registrado em Naum foi destruída. Essa introdução histórica ao período da profecia, bem como ao contexto cultural do que era a cidade nos ajudarão a refletirmos sobre a missão de Jonas, sobre sua pregação e os efeitos divinos que ela teve e qual é a importância disso para nós hoje.

II – A questão hermenêutica e teológica

Como pontuamos no acima temos no livro de Jonas claramente a mensagem de salvação para os gentios, a missão de Deus para todos os povos. No livro de Jonas a aplicação do salmo 67 pelo próprio Deus. O livro de Jonas, não nos mostra meramente um profeta missionário, mas um Deus em missão. Vale a pena citarmos aqui o salmo 67:

Que Deus tenha misericórdia de nós
e nos abençoe,
e faça resplandecer
o seu rosto sobre nós,

para que sejam conhecidos na terra
os teus caminhos, ó Deus,
a tua salvação entre todas as nações.

Louvem-te os povos, ó Deus;
louvem-te todos os povos.

Exultem e cantem de alegria as nações,
pois governas os povos com justiça
e guias as nações na terra.

Louvem-te os povos, ó Deus;
louvem-te todos os povos.

Que a terra dê a sua colheita,
e Deus, o nosso Deus, nos abençoe!

Que Deus nos abençoe,
e o temam todos os confins da terra.

O próprio livro nos mostra o viés hermenêutico que a narrativa toma: a salvação dos gentios no Antigo Testamento. Nos diz Russell Shedd que “Devido ao sei conteúdo e espírito, o livro de Jonas revela a universalidade e a compaixão da graça de Deus”[9]. Greidanus nos ajuda nesta questão:

Deve estar claro a essa altura que nossa preocupação não é pregar Cristo e excluir “todo conselho de Deus”, mas ver todo conselho de Deus, com todos os seus ensinos, suas leis, profecias e visões, à luz de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, deve ser evidente que não podemos ler o Cristo encarnado de volta no texto do Antigo Testamento, o que seria uma eisegese, mas que devemos procurar meios legítimos de pregar Cristo a partir do Antigo Testamento no contexto do Novo Testamento. A interpretação histórico-redentora procura entender uma passagem do Antigo Testamento primeiramente dentro de seu próprio contexto histórico-cultural. Somente depois de termos ouvido uma passagem da forma como Israel a ouvia é que podemos ir adiante para compreender a mensagem nos contextos amplos de todo o cânon e da totalidade da história da redenção. É nesse ponto que surgem perguntas sobre Jesus Cristo, o cerne[10].

Então ao abordarmos o texto profético de forma redentora, a intensão nunca será alegorizar o texto, nem força-lo, para de toda forma e a qualquer custo mostrar Cristo nele. A interpretação deve entender a passagem dentro do seu contexto cultural, literário, histórico e teológico. Greidanus continua:

Nesse nível mais amplo, a interpretação histórica é interpretação histórico-redentora e não pergunta “Qual era a mensagem original do autor para seus ouvintes?” e sim “Como o contexto de história da redenção desde a criação até a nova criação nos dá o significado contemporâneo desse texto?” O contexto da história redentora revelará continuidade bem como descontinuidade[11].

Esclarecida essa questão, temos que progredir um pouco mais. Sabedores que devemos levar em conta na interpretação à questão histórico-cultural e histórico-redentora uma abordagem redentiva para as os livros proféticos bem como os demais gêneros literários será de grande importância para a proclamação do Evangelho e para edificação da Igreja. Temos no livro de Jonas essa mensagem de juízo ao pecador impenitente que também proclama misericórdia da parte de Deus e redenção para aquele que confessa e deixa. Goldswrthy nos diz que:

A teologia bíblica nos capacita a descobrir como qualquer texto da Bíblia se relaciona conosco. Tendo em vista que Cristo é o ponto de referência  fixo para a teologia, nosso interesse é em como o texto se relaciona com Cristo e como nós estamos relacionados com Cristo. As duas questões nos dirigem para o modo que Cristo entendia o evangelho. Ele enxergava como o cumprimento do Antigo Testamento e a chegada do reino de Deus, que exige nossa submissão. Esse evangelho nos indica os aspectos da Bíblia que a teologia bíblica observa constantemente. São eles a literatura, ou as palavras do texto; a história, ou a narrativa bíblica; e a revelação transmitida por esses aspectos. A teologia bíblica começa com a palavra acerca de Cristo e procura entender de que modo o testemunho do Novo Testamento se relaciona com tudo o que Deus revelou no Antigo Testamento. Cristo nos oferece o padrão subjacente da teologia bíblica porque ele revela o interesse central da Bíblia na relação de Deus com a sua criação e, especialmente, com sua humanidade[12].

Essa abordagem interpretativa tem por finalidade a fidelidade a cerne da revelação de Deus na Escritura, ensinar aos homens sobre a criação, queda, redenção e consumação. Essa abordagem aplicada a Jonas também leva em conta os efeitos centrípetos e centrífugos da missão. A mensagem de Salvação sendo ensinada a todas as nações. O livro de Jonas é um ensaio do que aconteceria a todo força a partir do dia de Pentecostes, nos séculos seguintes até as missões modernas.

Vale pontuar aqui também a relação do mandato cultural com a proclamação a todos os povos que Yhaweh é rei soberano sobre as nações, aqui há o sentido missiológico do texto de Jonas. O mandato cultural visa todo serviço para glória de Deus, o cultivar e guardar se relaciona com todos os nossos empreendimentos e esforços culturais. A transformação da cultura não pode se dar de outra forma. Uma teologia pública sem uma teologia missional ficará incompleta. Admito que há importância para  o exercício da teologia pública no contexto cultural “para levar todo entendimento cativo a Cristo” (2 Co 10.4,5), isso é de muita importância, mas como poderemos empreender uma redenção da cultura sem vidas transformadas pelo poder do evangelho?

A glorificação de Deus é o testemunho sobre quem Ele é e Sua revelação na criação, nas Escrituras e Sua obra redentora. Tudo que o cristão faz que expressa os atributos, o caráter e a natureza de Deus está associado à missão do próprio Criador. Logo, a Missão cristã abrange o envolvimento intencional do discípulo de Cristo em exibir a glória de Deus em suas habilidades técnicas, intelectuais, morais, culturais e, principalmente, evangelizadoras. Claro que isso exigiria uma profunda compreensão de como Cristo – que é “Senhor sobre tudo” (Abraham Kuyper) – afeta os diversos papéis sociais que um discípulo Seu pode exercer no mundo. Por outro lado, a fidelidade do cristão ao Mandato Cultural, ou seja, à ordem divina para operar na cultura – “cultivar o jardim” (Gn 2.15) – não pode entrar em conflito com a Grande Comissão (Mt 28.19). Pelo contrário: deve cooperar com ela. Jesus disse claramente no Sermão do Monte que ser “luz do mundo” significa que os homens veriam as nossas obras e glorificariam a Deus por isso (Mt 5.16). Abraham Kuyper, referindo-se ao testemunho da Igreja, dizia: “Aqui está uma cidade edificada sobre o monte, a qual cada homem pode ver a distância. Aqui está um sal santo que penetra em todas as direções reprimindo toda corrupção. E mesmo aquele que ainda não assimila a luz superior ou talvez feche os olhos para ela é admoestado com igual ênfase e em todas as coisas a dar glória ao nome do Senhor.”[13]

Tratemos então a partir desse ponto, propriamente da mensagem da redenção no texto de Jonas.

III – A mensagem da redenção em Jonas

Devemos levar em consideração nesse ponto o objetivo da mensagem de Jonas, olhando incialmente para seu público primeiro, o povo de Israel. House diz que:

Essa cena ressalta o interesse do Senhor por Nínive. Ao mesmo tempo, destaca a ação divina direta na salvação de seres humanos. Deus interveio na vida de Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi e os profetas a fim de mudar a direção do futuro de Israel. O mesmo impulso aparece aqui, desta vez a favor do gentios. É assim que o tema principal do livro, a misericórdia de Yahaweh com toda raça humana, surge logo na primeira perícope. A essa altura o profeta não aceita a visão do Senhor. Ele não expressa ideias como as de Isaías 19.19-25, nem compreende todas as implicações da própria confissão de que Yahweh criou o mundo. Sua ideia sobre Deus continua presa à sua terra e à sua cultura[14].

Na opinião de House o objetivo de Deus era demonstrar graça aos gentios. Seria uma intervenção divina no povo de Nínive como Deus havia feito e convertido outrora os patriarcas. Ao avaliarmos a situação, precisamos considerar a Aliança que Deus tinha feito com seu povo desde Noé. Será que a ordem de Deus a Jonas para ir a Nínive é extraordinária quanto aos planos de Deus para a proliferação de seu reino? Vejamos o que diz Merrill:

O chamado de Jonas para ir a Nínive e pregar “contra ela, porque sua maldade subiu até minha presença” (Jn 1.2; cf. Gn 18.21) demonstra o início do intento interesse do Senhor nas nações do mundo. Isso não é de surpreender uma vez que a aliança abraamica se centra na ideia de que, na semente de Abraão (ou seja, Israel), todas as nações da terra seriam abençoadas. Quão apropriado, portanto, que um profeta de Israel devesse trazer a mensagem de julgamento – e também de graça – para a maior nação do mundo do século VIII. Ao mesmo tempo, a estratégia da missão é um tanto diferente do padrão normal do Antigo Testamento visto que Israel devia essencialmente ser como um imã para o qual os povos seriam atraídos e, desse modo, atraídos para o Deus de Israel. No caso de Jonas, a ordem era para ir, talvez antecipando o modelo centrifugador da Igreja de alcançar os confins da terra com a mensagem do evangelho[15].

Do que disse então Merrill, o livro de Jonas deve ser olhado de forma pactual, à aliança abraâmica é mencionada apropriadamente. Com isso podemos extrair lições importantes sobre o conteúdo teológico do livro do profeta Jonas. Lições que ficam claras numa leitura mesmo superficial do livro (a) Deus é soberano e é do Deus da missão (cap. 1.2,3); (b) governa a natureza (cap. 1.4); (c) Ele é o Deus que se revela de forma geral (vv.4,5) e (d) especial redentoramente na pregação e conversão dos ninivitas; Deus é misericordioso (2.1,2; 3.1ss; 4.6-11) e gracioso para salvar.  Não precisamos ir muito longe para deduzirmos todas essas verdades do texto.

Então devemos considerar que temos a nossa frente um Deus em missão, a missão de salvar povos parte dele mesmo, a iniciativa é dele mesmo, a direção é dele mesmo, o envio é ele mesmo quem faz, quem promove a pregação é ele mesmo e quem promove arrependimento é ele mesmo. É uma ação poderosa e soberana de Deus e que usa seres humanos providencialmente para expandir seu reino nos corações dos homens de todos os povos, tribos e nações.  Mas vejamos também o que outros estudiosos pensam sobre o assunto, assim vamos traçando uma linha de pensamento de forma que identifiquemos os propósitos divinos para sua glorificação no mundo criado.

A Assíria era uma nação perversa. Do ponto de vista espiritual, os assírios eram politeístas, com traços de animismo. O seu principal deus era Asur e, com o tempo, o deus Marduque da Babilônia também passou a ser adorado. Havia um mal social, pois as casas que vendiam cerveja, bem como os bordéis prosperavam e a prática de sexo em lugares públicos era comum. A escravidão tinha um papel importante. Do ponto de vista cultural, a Assíria era bem desenvolvida; no aspecto militar, era equipada e forte. O tratamento desumano de cativos era comum; homens eram açoitados na presença de seus filhos; olhos eram arrancados; ganchos eram colocados no nariz e amarrados com cordões finos a uma corda mais grossa; este era o método assírio de manter os cativos subjugados enquanto eram levados para o cativeiro. Ao dirigir a Assíria para ser a vara de sua ira, o Deus Yahweh pediu o arrependimento dessa nação. Contudo, Jonas não desejava que os assírios se arrependessem. Assim ele fugiu (1.3). Jonas, um servo da aliança de Yahweh, conhecia o verdadeiro caráter de seu Senhor. O Deus Yahweh havia sido bondoso, compassivo, tardio em irar-se, repleto de amor e hesitante em mandar uma calamidade sobre os israelitas idólatras (Êx 32-34). Não seria o caso também com uma nação não-israelita (Jn 4.2,3)? Ao ouvir a mensagem do Deus Yahweh transmitida por Jonas, o rei de Nínive arrependeu-se, demonstrou remorso e pediu a todos os assírios que fizessem o mesmo (3.6-9). O Deus Yahweh poupou os assírios contritos. Também expressou preocupação com suas crianças e seu gado (4.11)[16].

Como já foi dito acima, o livro mostra a grandiosa misericórdia de Deus, o livro sendo então escrito e entregue a Israel como livro inspirado por Deus para instrução do seu povo tinha a finalidade de lembra-los também o quanto Deus é misericordioso com seu povo e da mesma forma o é com as nações. Com o cânon completo, no Novo Testamento e o Antigo Testamento, podemos analisar de forma una a mensagem de redenção para os povos no livro de Jonas, algo que também foi apontado no salmo 67. Deus é o Senhor de todas as nações, o salmo 2 nos diz que as nações são herança para o Cristo de Deus. E que as nações devem servir ao Senhor com alegria e temor, devem beijar o Filho (Sl 2.11).

Podemos apontar então elementos da revelação de Deus perfeitamente visualizados no livro de Jonas, temos a revelação geral sendo manifesta na tempestade e no terror sobre os marinheiros, temos a revelação especial presente tanto na fala do Senhor com o profeta, dando-lhe ordem para ir a Nínive, também na sua pregação e no convencimento para arrependimento do rei de Nínive. Temos também elementos pactuais importantes no livro. Quando temos referência às crianças e aos animais. Isso pode apontar para o pacto da criação sendo mostrado no capítulo 1 de Gênesis, quando Deus ordena os mandatos – espiritual, social e cultural. Também temos referência aos mandatos nos dez mandamentos (Êx 20.1-17), nos mandamentos sobre o culto, para família e relações sociais, sobre o trabalho e contentamento com as bênçãos de Deus. Se continuarmos a desenvolver aplicações a partir de uma abordagem teocêntrica e pactual (redentora), a pregação do Evangelho as nações visa primariamente o perdão dos pecados e conversão dos eleitos, a condenação dos ímpios, mas também a transformação da cultura pela bênção de Deus aos povos. A ordem de Deus nos salmos missiológicos é que as nações devem se alegrar em Deus, isso inclui não apenas seu culto público, mas toda sua vida como expressão de adoração a Deus.

Lidando ainda de forma redentora com o livro que temos como estudo, não podemos desconsiderar duas questões importantes. A primeira com relação a historicidade de Jonas e a segunda sobre o uso que Jesus faz do livro. As duas são complementares. A citação que Jesus faz do livro assevera sua canonicidade (Mt 12.39; 16.4; Lc 11.29). Essa é uma confirmação histórico-canônica importante. A segunda é em relação à comparação que ele faz de si com Jonas.

Numa época em que muitos israelitas se recusavam a obedecer à palavra profética que lhe fora dada, a libertação de Jonas de um peixe enorme após três dias e noites levou os ninivitas ao arrependimento. Jesus previu que sua própria futura libertação da sepultura, após três dias, levaria ao arrependimento os gentios, conquanto muitos judeus ainda rejeitassem a sua palavra profética. De certa maneira, então, o relato de Jonas chamou seus leitores judeus ao arrependimento ao confirmar o ministério aos gentios, assim como Jesus e seus apóstolos haviam feito[17].

Devemos devotar especial atenção a menção que o Senhor faz do texto de Jonas. Além de ter uma poderosa aplicação missiológica em relação aos gentios, temos luz sobre o uso que Jesus fez do Antigo Testamento, bem como o exemplo que temos em Lucas 24, da exposição redentora e de cumprimento profético que Cristo fez no caminho para Emaús.

Quando Jesus usa o relato de Jonas como o principal modelo para sua própria morte de três dias e posterior experiência de ressurreição, a realidade da experiência de Jonas é claramente removida do âmbito da irrelevância não histórica. Um olhar mais cuidadoso na escolha das palavras de Jesus com respeito à revelação da experiência de Jonas com a sua própria deve dissipar as dúvidas a respeito da afirmação de Jesus a respeito da realidade histórica dos eventos da vida de Jonas. O povo em volta de Jesus queria um sinal miraculoso da parte dele. O único sinal que lhes foi prometido não foi a mensagem, mas a pessoa do próprio Jonas confirme foi concedido aos ninivitas. O sinal de Jonas para Jesus refere-se à descida e vivificação do profeta como antecipação da sua própria morte e ressurreição. Se a descida de Jonas por três dias ao Sheol deve ser considerada como “ficção histórica”, então o paralelo com a experiência de Jesus inevitavelmente abre a porta para considerar seu sepultamento de três dias e subsequente ressurreição como sendo de caráter fictício também. Se o povo de Nínive de fato se arrependeu com a pregação de Jonas como Jesus afirmou, se um “juízo final” de fato vai ocorrer, no qual os ninivitas da geração de Jonas se sairão melhor do que os contemporâneos incrédulos de Jesus; se Jesus foi sepultado e ressurgiu dentre os mortos após três dias conforme o padrão da experiência de Jonas – então a maneira mais consistente de considerar o registro da descida de Jonas ao fundo do mar e seu ressurgimento torna-se completamente claro[18].

Minha intenção até aqui foi mostrar como o livro de Jonas revela o Evangelho ou mensagem da graça de Deus no Antigo Testamento. Que não devemos cair em erros como marcionismo ou maniqueísmo sobre a importância da revelação do AT para o NT. Temos uma mensagem poderosa de Gênesis a Malaquias que nos mostram criação, pecado, graça e restauração. Depois então dessa breve introdução a mensagem da redenção nesse livro bíblico, passaremos a fazer alguns apontamentos práticos para a Igreja de Jesus, no que se refere a proclamação do Evangelho de Deus e do avanço dessa proclamação as nações espalhadas pelo mundo, a todas a tribos, povos, línguas e nações.

IV – Apontamentos práticos

É um erro crer que não há mensagem da graça no Antigo Testamento. Depois da queda de Adão no Éden o que temos é graça. Uma abordagem a partir de uma teologia bíblica do Antigo Testamento nos dará uma direção norteadora para uma interpretação fiel ao propósito do Senhor em comunicar sua graça e salvação a todas as nações e salvar não apenas judeus, mas, gentios. Vos nos fala sobre os usos práticos da teologia bíblica, que acredito é cabível aqui para nossa reflexão:

  • Ela exibe o crescimento orgânico das verdades da revelação especial. Ao fazer isso, ela capacita a pessoa a distribuir adequadamente a ênfase dentre os diversos aspectos do ensino e da pregação.
  • A teologia bíblica concede nova vida e vigor à verdade ao mostrá-la a nós em seu ambiente histórico cheio de interesse dramático. A familiaridade com a história da revelação nos habilitará a utilizar todo esse interesse dramático.
  • A teologia bíblica pode contra-atacar a tendência antidoutrinária atual. Muita ênfase tem sido dada proporcionalmente aos aspectos espontâneos e emocionais da religião. A teologia bíblica dá testemunho à indispensabilidade da base doutrinária de nossa estrutura religiosa. Ela mostra quão grande cuidado Deus teve em suprir seu povo com um mundo novo de ideias. À vista disso, torna-se ímpio declarar a crença como sendo de menor importância.
  • A teologia bíblica alivia, até certo ponto a situação triste da qual até as doutrinas fundamentais da fé parecem depender, principalmente do testemunho de textos prova. Existe um campo mais elevado no qual pontos de vista religiosos conflitantes poder ser avaliados quanto à sua legitimidade escriturística. Na sucessão dos eventos, esse sistema apoiará aquele que demonstrar ter crescido organicamente da raiz principal da revelação, e demonstrar estar entremeado com a própria fibra da religião bíblica.
  • A utilidade prática mais elevada do estudo da teologia bíblica é aquela pertencente a ela no seu todo, além de sua utilidade para o estudante. Como em toda teologia, ela encontra sua finalidade suprema na glória de Deus. Ela atinge essa finalidade ao nos dar uma nova visão de Deus como aquele que apresenta um aspecto particular de sua natureza em relação com sua abordagem ao homem e comunicação com o mesmo[19].

Dada a importância da teologia bíblica para a correta interpretação e entendimento da mensagem divina contida na Sagrada Escritura, podemos ainda expandir as aplicações para a vida da Igreja de Jesus. O livro de Jonas nos ensina sobre um Deus misericordioso com seu povo. Deus havia poupado miseridordiosamente Israel várias vezes em sua história, o salmo 78 nos mostra a grandeza da misericórdia, bondade, graça e amor de Deus por seu povo. Uma vida redimida deve ser vivida como redimida, a parábola do bom samaritano nos ensina muito sobre isso. A Bíblia nos fala várias vezes sobre as misericórdias de Deus, no plural porque ela se manifesta de várias formas e ocasiões. Como povo de Deus isso não pode ser ignorado por nós, mas, ao termos uma consciência cativa a essas verdades, jamais podemos ser uma igreja inerte quanto a misericórdia, principalmente com aqueles que perecem sem o evangelho de Cristo. Uma Igreja saudável é uma igreja que persevera – na doutrina, na oração, no partir do pão e na comunhão. Uma igreja saudável aprende de Cristo e ensina ao mundo quem é o Deus de toda misericórdia e graça.

O texto de Jonas também nos lembra que Deus é soberano. Ele governa corações, governa a natureza, governa os animais. Vemos como a revelação geral e especial de Deus são demonstradas no livro de Jonas. Os marinheiros ficam aterrorizados com a tempestade, mas não sabem quem é aquele Deus, que é conhecido pela fala do profeta que queria fugir da missão. Ali temos revelação geral, que é eficaz, mas não é compreendida pelo homem caído, e que traz juízo (Rm 1.18ss), e temos revelação especial que se manifesta na confissão e proclamação da lei de Deus e de seus oráculos (Sl 19).

Notemos também que na teologia bíblica, bem como na teologia reformada, missões não é algo estranho à vida do povo de Deus. Não há na Bíblia distinção de ênfases para igrejas – uma igreja missionária, uma igreja doutrinária, uma igreja amorosa, uma igreja calorosa e hospitaleira. Tudo isso deve estar presente na igreja. Devemos reconhecer criticamente que há uma acomodação em maior parte das igrejas de confissão reformada quanto a evangelização e missões, historicamente isso é incompreensível, porque os maiores missionários da Igreja foram crentes nas doutrinas da graça. Temos um contrassenso estabelecido de igrejas racionalistas que não creem mais no poder do Espírito Santo e outras que são contra teologia. Isso não é bíblico, é carnal e até diabólico.

Conclusão

A glória da graça de Deus é evidenciada no Evangelho de Deus, o evangelho é revelado em Jesus Cristo. Onde está sendo proclamada a graça e onde ela se manifesta no Antigo Testamento é pacto da graça. Esse pacto levará povos, nações e culturas a adorar ao Deus todo poderoso porque Ele mesmo os criou e os redimiu, quero concluir com alguns textos sagrados do livro do Apocalipse:

Depois disso olhei, e diante de mim estava uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé, diante do trono e do Cordeiro, com vestes brancas e segurando palmas. E clamavam em alta voz: “A salvação pertence
ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro”. Todos os anjos estavam em pé ao redor do trono, dos anciãos e dos quatro seres viventes. Eles se prostraram com o rosto em terra diante do trono e adoraram a Deus, dizendo: Amém! Louvor e glória, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força sejam ao nosso Deus para todo o sempre. Amém!”[20].

 Ele se aproximou e recebeu o livro da mão direita daquele que estava assentado no trono. Ao recebê-lo, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro. Cada um deles tinha uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos; e eles cantavam um cântico novo: “Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, pois foste morto e com teu sangue compraste para Deus gente de toda tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra”[21].

Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus[22].

 Então o anjo me mostrou o rio da água da vida que, claro como cristal, fluía do trono de Deus e do Cordeiro, no meio da rua principal da cidade. De cada lado do rio estava a árvore da vida, que frutifica doze vezes por ano, uma por mês. As folhas da árvore servem para a cura das nações. Já não haverá maldição nenhuma. O trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade, e os seus servos o servirão. Eles verão a sua face, e o seu nome estará na testa deles[23].

 Deus seja louvado pelos séculos dos séculos, Amém.

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[1] BÍBLIA DE GENEBRA. Ed. Cultura Cristã. Barueri, SP. 2014, p. 1156.

[2] BACKER, David W.; ALEXANDER, T. Desmond; STURZ, Richard J. Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias. Série Cultura Bíblica. Ed. Vida Nova. São Paulo, 2011, p. 59.

[3] Ibdem, p. 60.

[4] WALTON, John; MATTHEWS, Victor H.; CHAVALAS, Mark, W. Comentário Histórico-Cultural do Antigo Testamento. Ed. Vida Nova. São Paulo, 2018, p.1006.

[5] PACKER, J.I; TENNEY, Merril C.; WHITE, William, Jr. O Mundo do Antigo Testamento. Ed. Vida, São Paulo, 2002, pp.138, 139.

[6] Dois excelentes livros sobre o assunto deste parágrafo são de Christopher J. H. Wright: A Missão de Deus e A Missão do Povo de Deus, ed. Vida Nova.

[7] PACKER, J.I; TENNEY, Merril C.; WHITE, William, Jr. O Mundo do Antigo Testamento. Ed. Vida, São Paulo, 2002, p. 139.

[8] ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos Profetas. Ed. Clire.  2016, pp. 293,294.

[9] BÍBLIA SHEDD. Ed. Vida Nova, São Paulo, 2005, p.1279.

[10] GREIDANUS, Sidney. Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento. Um método hermenêutico contemporâneo. Ed. Cultura Cristã, São Paulo, pp. 259,260.

[11] Ibdem, p. 264.

[12] GOLDSWORTHY, Graeme. Introdução à Teologia Bíblica. O desenvolvimento do evangelho em toda Escritura. Ed. Vida Nova, São Paulo, 2018, p.73.

[13] MIGUEL, Igor. https://portal.povoselinguas.com.br/colunistas/igor-miguel/o-mandato-cultural/

[14] HOUSE, Paul. Teologia do Antigo Testamento. Ed. Vida, São Paulo, 2005, pp.467,468.

[15] MERRILL, Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. Ed. Shedd Publicações. São Paulo, 2009, p.480.

[16] GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação, Vol. 2. Ed. Cultura Cristã, São Paulo, 2004,pp. 120,121.

[17] BÍBLIA DE GENEBRA. Ed. Cultura Cristã. Barueri, SP. 2014, p. 1157.

[18] ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos Profetas. Ed. Clire.  2016, pp. 295, 296.

[19] VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica do Antigo e Novo Testamento. Ed. Cultura Cristã. São Paulo, 2010, pp.29,30.

[20] Apocalipse 7. 9-12.

[21] Apocalipse 5.7-10.

[22] Ibdem, 21.3.

[23] Ibdem, 22.1,2.

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