Em maio de 2017 publiquei uma resenha do livro “De quem é a terra santa?”. Dois anos depois, o autor do livro, Colin Chapman, publicou uma réplica à minha resenha.
Não tenho muita certeza, mas não me lembro de um autor evangélico no Brasil receber uma réplica de um autor evangélico britânico, e me sinto honrado por poder dialogar com Chapman. Ele também é autor de, entre outros, Cristianismo: a melhor resposta [The Case for Christianity].
De minha parte não vou repetir o que já foi tratado na resenha, mas farei alguns comentários sobre a resposta do autor – que basicamente reafirma posições defendidas na obra em debate, mas de forma resumida.
1. O autor afirma que os “árabes na Palestina […] tinham plena consciência de que eram diferentes dos árabes dos povos vizinhos”. Em nenhum momento Chapman, em seu livro, explica em que exatamente eram diferentes. Pela simples razão por não existir nenhuma cultura própria, ou características étnicas, ou coisa alguma que definisse os árabes palestinos como diferentes dos árabes da Jordânia, do Egito ou do Líbano, a não ser dialetos locais que eram variantes do idioma árabe.[1]
Se alguém está seguro de que a “Palestina” é um país que tem suas raízes registradas pela história, espero que possa responder a algumas perguntas a este respeito: (1) quando foi fundado, e por quem? (2) quais eram suas fronteiras? (3) qual era sua capital? (4) como se chamavam suas principais cidades? (5) quais eram suas bases econômicas? (6) quais eram suas formas de governo? (7) quem eram seus líderes antes do egípcio Yasser Arafat? (8) que idioma falavam?[2] Como escrevi anteriormente, Chapman apenas repete a compreensão anacrônica sobre a “Palestina”, que é dependente do revisionismo islâmico.
2. Chapman ficou incomodado por eu criticar o uso da expressão “limpeza étnica”, para se referir à “tentativa por parte dos judeus de 1947 a 1948 de expulsar o maior número de árabes ‘palestinos’ da área designada para o estado judeu”. Chapman parece esquecer que foram as nações árabes (Egito, Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita) que começaram a guerra. E o ataque árabe de 1948 à comunidade judaica foi de uma selvageria poucas vezes vista. Houve assassinatos indiscriminados, mutilações, estupros, saques e pilhagens. Feridos e mortos foram mutilados. Quando os exércitos árabes invadiram o terrítório em disputa nenhum judeu que caiu em suas mãos foi poupado. Todo judeu era considerado um inimigo a ser destruído. Quando a maré da guerra virou, a população árabe supos que haveria retaliação se os judeus fossem vitoriosos. Assim, o medo de vingança foi uma das principais razões para a fuga dos árabes, pois estes acharam que os judeus agiriam como os árabes agiram antes.[3]
Outro fato não abordado por Chapman é que militares árabes, sob ordens da Alta Comissão Árabe, retiraram os habitantes árabes de aldeias ou região por razões militares, prometendo que depois da guerra e com a derrota de Israel eles voltariam e ficariam com seus lares.
E houve casos nos quais os árabes de aldeias ou região foram expulsos ou mortos em combate, como em Balad al-Shaykh e Deir Yassin, por tropas do Irgun e do Palmach – e não “pelos judeus”, como o autor afirma. Em contrapartida, em 13 de abril de 1948 um comboio médico da Hadassah, transportando médicos e suprimentos, caiu em uma emboscada árabe: 79 médicos, enfermeiras e pacientes judeus, além de um soldado britânico, foram assassinados ou morreram queimados quando os veículos foram incendiados.
Mas, para Chapman, a fuga dos árabes dos territórios de Israel era parte de uma limpeza étnica realizada pelos judeus. Mas ele parece não levar em conta que a guerra não é um piquenique organizado, nem um seminário de boas maneiras, e parece esquecer o fato de que esta foi uma guerra iniciada pelos países árabes.
Mas, se o autor quer tratar de “limpeza étnica”, por que ele não menciona nem uma vez em sua obra a limpeza étnica motivada pelo antissemitismo e realizada nos países árabes depois da Guerra da Independência em 1948?
A pretexto da fundação do Estado de Israel, cerca de 900 mil judeus foram expulsos de países árabes, entre 1948 e 1970. E o êxodo judaico dos países árabes não é mencionado em nenhum lugar da obra de Chapman – uma omissão séria para uma obra que propõe oferecer uma interpretação isenta do conflito entre os árabes palestinos e Israel.
Para fins de comparação, cerca de 1.600.000 árabes vivem hoje em Israel. E só restam, hoje, menos de 8.000 judeus em países árabes.
E os árabes possuem 99,6% de todo o Oriente Médio e Norte da África, enquanto Israel corresponde a 0,4% de todo o território.
E pensando nas nações do Oriente Médio e Norte da África, deve-se levantar algumas perguntas: (1) quantos desses países são democracias plenas, como Israel? (2) Como podem ser caracterizados os regimes políticos desses países? (3) Há liberdade de expressão, culto e reunião para cristãos? (4) De onde se origina o terrorismo islâmico? (5) Qual o nível de retórica antissemita nesses países? (6) E quantos desses reconhecem Israel como Estado?
Na verdade, a guerra de independência de 1948 foi a mais sangrenta das guerras travadas por Israel. Custou 6.373 mortos em ação, quase 1% da comunidade judaica. E a vitória de Israel nesta guerra salvou os judeus de um segundo holocausto.
Importa enfatizar: a limpeza étnica sofrida pelos judeus que residiam em países árabes, com motivações claramente antissemitas, não é mencionada sequer uma única vez na obra de Chapman.
3. Dizer que “os britânicos demostraram mais simpatia com a causa dos judeus que para com os árabes” não corresponde aos fatos.
Além do que já disse na resenha anterior sobre o Grande Mufti e sua associação com Adolf Hitler, o autor também não menciona em seu livro que o Grande Mufti – que foi “ungido” pelos britânicos – foi um pioneiro no massacre de massas, incitando multidões de árabes a linchar centenas de judeus nos tumultos de Jerusalém ocorridos em 1920, 1921, 1929 e 1936. E isso ocorreu com a complacência das forças de ocupação britânicas. Por exemplo, em 1920, Vladimir Jabotinsky organizou uma milícia com veteranos da Legião Judaica (que foram parte da Força Expedicionária do Egito, sob o comando do general Edmund Allenby, em 1917-1918), para proteger a comunidade judaica de Jerusalém. Os ingleses não apenas impediram que a tropa de Jabotinsky protegesse os judeus em partes da cidade como depois um tribunal militar inglês inocentou a maioria de amotinados árabes e condenou Jabotinsky a quinze anos de trabalhos forçados, por tentar defender os judeus de uma turba de assassinos árabes.
Na Palestina Britânica foi recrutada uma Brigada Judaica, que lutou na Itália como parte do exército inglês, em 1944-1945. Quem, então, seria mais simpático: aqueles que lutavam ao lado dos britânicos ou os aliados dos nacional-socialistas alemães na II Guerra Mundial?
E a “simpatia” dos britânicos depois da II Guerra Mundial ficou claramente demostrada pelas tentativas das forças armadas inglesas de impedir a imigração de cerca de 100 mil sobreviventes do Holocausto para o Mandato da Palestina. Na verdade, os britânicos internaram em 1946-1947 em campos de detenção em Chipre, Atlit e Maurícia 50 mil judeus que sobreviveram ao Holocausto nacional-socialista.
4. O autor também fala de que não foi somente “a retórica bélica de [Gamal Abdel] Nasser que contribuiu para a Guerra do Seis Dias em 1967, mas também as provocações por parte dos israelenses”. Chapman continua usando uma “memória seletiva” para tratar da origem da Guerra dos Seis Dias: o fechamento dos estreitos de Sharm el Sheik pelo exército egípcio. Por ali chegava a maior parte do petróleo a Israel, e o fechamento de uma passagem de águas internacionais é um ato de guerra (Casus Bellis). Ou seja, a guerra de junho de 1967 também foi iniciada pelos países árabes, numa coalizão do Egito, Síria e Jordânia. Deve também ser lembrado que Nasser foi outro líder árabe que se associou aos nacional-socialistas alemães durante e até depois da II Guerra.
E a quais “provocações por parte dos israelenses” Chapman se refere exatamente? A luta contra os terroristas “fedayins” baseados na Jordânia e treinados, equipados e enviados pelo Egito ou a Síria, que atacavam constantemente a Israel?
Mas, como Gerald McDermott bem enfatiza: “Em 1948, os judeus haviam concordado com a partilha agenciada pela ONU e estavam prontos para a paz. Os árabes não aceitaram o acordo e começaram uma guerra contra os judeus. Em 1967, quando Israel vivia dentro das linhas do armistício estipuladas no final da guerra de 1948, os árabes começaram uma guerra para expulsar os judeus. Nos dois casos, os árabes começaram uma guerra pela terra em situações em que Israel havia acatado as fronteiras impostas pelas potências internacionais.”
Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, a agência saudita descreveu Adolf Eichmann (que foi amigo do Mufti) como o homem que “teve a honra de matar 6 milhões de judeus”. E o Irã almeja terminar o que o ditador alemão Adolf Hitler não conseguiu. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, disse publicamente que “a missão da República Islâmica do Irã é apagar Israel do mapa da região”. Esses não são os únicos exemplos desse tipo de conexão longa e duradoura entre o islã e o nacional-socialismo alemão em tempos recentes.
À luz das constantes ameaças de extermínio, como, então, cristãos podem defender a noção de “um estado, dois povos”? Como podem defender o fim do caráter judaico do Estado de Israel? Tal solução é, simplesmente, abrir as portas para que venha a ocorrer um novo Holocausto! Pois o povo de Israel precisa do Estado de Israel para ser protegido dos vizinhos árabes que desejam destruí-los. Então, só se pode afirmar, com toda o vigor necessário, “Holocausto nunca mais!”, defendendo o Estado de Israel. Este não é perfeito – como nenhuma nação e nem mesmo a Igreja é perfeita. Mas o Estado de Israel, uma forte e vibrante democracia, é a proteção de todo o povo de Israel.
5. O autor menciona que “muitos observadores – incluindo até alguns políticos judeus israelenses – alertam que se instaurou um regime de apartheid” em Israel, e que “os árabes israelenses são levados a se sentir como cidadãos de segunda categoria”. Mas, diferente do que o autor afirma, os árabes de Israel são hoje mais de 20% da população de Israel e tem plenos direitos, serviços sociais, educação, assistência médica, servem na polícia e no exército, são médicos, farmacêuticos, juízes, professores e mesmo aqueles que se declaram publicamente e ativamente contra o Estado de Israel possuem partidos políticos. Alguém imagina uma situação similar em qualquer um dos países árabes?
Como mencionei na resenha original, há muito para se recomendar na seção bíblica da obra de Chapman. Mas, repito, não há um claro apelo ou estímulo para que se afirme que Deus salva por meio de um povo especial e de um homem-Deus desse povo, Jesus, nascido na Judéia, o “Messias judeu, o israelita perfeito, vindo de […] Israel, que um dia glorificará o povo de Israel” (G. McDermott), e que foi crucificado e ressuscitado dos mortos por causa de nossos pecados e transgressões – que deve ser pregado a judeus e árabes, chamados a se render a Jesus como o único e verdadeiro Messias e Senhor do mundo. Pois somente por meio do reconhecimento da supremacia deste Rei a paz chegará não só ao Oriente Médio, mas ao mundo todo.
Assim, mantenho a crítica feita: nesta obra não há um claro apelo de que por meio da fé no Messias judeu vem a salvação e a paz. Um parágrafo desconcertante do livro serve de ilustração:
“Talvez tenha chegado o momento de aprender com o modo pelo qual outros conflitos foram resolvidos. Na África do Sul, as sanções e o forte apoio moral de todo o mundo contribuíram para que, finalmente, o apartheid terminasse. Na Irlanda do Norte houve considerável envolvimento e mediação de terceiros (especialmente os Estados Unidos). Um grande avanço ocorreu lá quando os governos perceberam que tinham de lidar não só com os moderados de ambos os lados, mas também com os chamados extremistas. Poderia ser também que os debates ferozes que estão ocorrendo nos campi norte-americanos e o trabalho de organizações e redes como One Democratic State (Um Estado Democrático), Boycott Divestment and Sanctions (BDS; Boicote, Desinvestimento e Sanções), Jewish Voices for Peace (Vozes Judaicas pela Paz) e Kairos Palestine (Káiros Palestina) venham a contribuir para uma grande mudança de pensamento por parte dos governos, o que acabará por estimular a vontade deles de ver a situação mudada?”[4]
Tal parágrafo – em que se apela a uma solução puramente política ao conflito – é chocante por, sobretudo, comparar Israel com o regime de exclusão racista da África do Sul de 1948-1994 ou o terrorismo praticado pelo IRA durante o conflito na Irlanda do Norte em 1968–1998. Mas mais chocante é supor que grupos de pressão controversos, antissemitas e esquerdistas, como o movimento BDS, podem resolver o conflito.
Este movimento, que se opõe ao sionismo, defende a prática de boicote econômico, acadêmico, cultural e político à Israel. Mas, na verdade, o movimento BDS age de forma parecida com o boicote que os nacional-socialistas fizeram aos negócios judaicos na Alemanha, na década de 1930. Além de promover em escala internacional a difamação e deslegitimação do Estado de Israel.[5] Conforme M. Zuhdi Jasser, autor e fundador do American-Islamic Forum for Democracy: “Temos que entender em primeiro lugar o que é o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções). É um movimento antissemita, basicamente genocida, que quer destruir Israel”.[6]
Por fim, em nenhum momento rotulei o autor como antissemita, mas, pelas razões acima, há sim um preconceito contra Israel nessa obra. Portanto, reitero: fica o receio de que os adeptos da esquerda “progressista cristã” usem este livro para promover uma onda antissemita entre os evangélicos brasileiros, afirmando a narrativa pró-islã dos palestinos como “as verdadeiras vítimas do conflito”.
Leituras sugeridas:
David Fromkin, Paz e guerra no Oriente Médio: a queda do Império Otomano e a criação do Oriente Médio Moderno (Rio de Janeiro: Contraponto: 2008).
Gerald R. McDermott, A importância de Israel (São Paulo: Vida Nova, 2018).
Sean McMeekin, O expresso Berlim-Badgá: o Império Otomano e a tentativa da Alemanha de conquistar o poder mundial 1898-1918 (São Paulo: Globo, 2011).
__________________________
[1] Para a visão negativa que os árabes têm em relação aos palestinos, cf. Khaled Abu Toameh, “Porque os árabes odeiam os palestinos”, Gatestone Institute, em: https://pt.gatestoneinstitute.org/14876/arabes-odeiam-palestinos: “’Os palestinos trazem infortúnio a qualquer um que os acolha. A Jordânia os acolheu, os jordanianos tiveram o Setembro Negro. O Líbano os acolheu, os libaneses tiveram a guerra civil. O Kuwait os acolheu, os palestinos viraram soldados de Saddam Hussein. Agora estão usando os palanques para nos xingarem’, de acordo com o autor saudita Mohammed al-Shaikh.”
[2] Jean Patrick Gumberg, “Quando foi criado o ‘povo palestino’? O Google tem a resposta”, Gatestone Institute, em: https://pt.gatestoneinstitute.org/11454/povo-palestino?fbclid=IwAR0cMQdSebby01oJ0T3istlStjIOcFeXF23klPZ54THna9LNxh_p5rwoF7g
[3] Joseph B. Schectman, The Arab Refugee Problem (New York: Philosophical Library, 1952), p. 5-6.
[4] Colin Chapman, De quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina (Viçosa: Ultimato, 2017), p. 395-396.
[5] O livro de Jed Babbin & Herbert London, A nova guerra contra Israel (Santos: Simonsen, 2015), é leitura obrigatória para quem quer entender a nova onda antissemita e as perseguições que Israel tem sofrido nos últimos anos por meio de boicote, desinvestimento e sanções (BDS). Esta obra se aprofunda nesta sórdida campanha, expondo seus métodos, motivações, ideologia subjacente e meios de financiamento. É um livro indispensável para quem deseja combater este movimento na mídia, nas universidades e na opinião pública. Documenta, inclusive, como ONGs milionárias ditas “cristãs”, como Christian Aid, Diakonia e Kairos, estão envolvidas nessa campanha de ódio.
[6] Cf. Andrew Ash, “Última pérola da indústria da fustigação a Israel”, Gatestone Institute, em: https://pt.gatestoneinstitute.org/14779/rashida-tlaib-fustigacao-israel.
Excelente artigo.
O Sr. Chapman , agora, soube da verdadeira história. Ao fazer uma réplica sem base histórica do demonstrou o “seu” posicionamento diante desse conflito.
Quem conhece a verdade sempre aparece
Independente da minha crença religiosa a reportagem está correta
Excelente resposta: Equilibrada, com respeito e dados históricos. Parabéns!
Excelente artigo do Pr Franklin Ferreira, bíblico, profundamente teológico, lúcido e coerente.
Eu bem que tentava dar crédito à Ultimato mas, quando achava que eles já tinham esgotado sua “cota”, eles aparecem com mais uma “pérola” canhota…..
Parabéns, pr. Franklin, por trazer à tona fatos relevantes que a dita “posição isenta” de Chapman, infelizmente, passou longe!
Excelente posicionamento !!!