Introdução
O que conhecemos como motivo básico cristão é a linha histórico/redentiva de: Criação/Queda/Redenção. A importância dessa questão se expande por toda teologia reformada como uma importante questão para uma hermenêutica redentiva. O importante livro: A Missão de Deus, de Christopher J. H. Wright, nos mostra que há uma linha hermenêutica missional nas Escrituras, sua abordagem é uma excelente defesa do método histórico/redentivo para uma perspectiva missional. Podemos dizer que o lastro é bem maior que não se aplica somente a o pensamento missiológico ou a teologia da missão, mas, o motivo básico cristão se aplica as mais variadas áreas da teologia e da cosmovisão cristã e a todas as atividades exercidas pela igreja.
Realidade política e o calvinismo
Muito se tem debatido no Brasil sobre questões políticas devido aos frequentes escândalos envolvendo importantes nomes do governo nacional. O crescimento da inflação causa interesse no povo pela informação econômica, o fato é que quando temos alterações em nosso bolsos é quando nos interessamos mais em entender de economia, na verdade na maioria das vezes perdemos o tempo, a banda passou enquanto o país estava numa doce ilusão semelhante a Alice no País das Maravilhas. Enquanto era dito que os cofres públicos estavam muito bem, obrigado, e muito da riqueza do país estava indo para vários lugares menos para o crescimento do país, enquanto não afetava diretamente os bolsos do povo, as multidões nesse Brasil varonil não se preocupavam com política, nem com o que se estava fazendo com verbas e mais verbas em apoio a conchavos políticos na América Latina com interesses escusos que são uma realidade quase sendo esfregada no rosto de cada brasileiro. Enfim, perdoe-me a divagação, mas, o crescente interesse político por um dos lados é porque estamos sendo extremamente prejudicados diretamente. Mas por outro lado existe um crescente interesse de cristãos principalmente jovens, por política. O que preocupa é que tais interesses não são regados por um olhar teológico e consequentemente acarretará erros na formação de um pensamento político.
Podemos exemplificar isso de forma muito simples, a teologia reformada tem trabalhado questões relacionadas à cosmovisão cristã de forma muito importante, isso é resultado da ênfase dada pelos reformadores na vocação dos crentes ou ao que conhecemos como sacerdócio universal de todos os crentes. Essa vocação se estende a todas as áreas de atuação da vida e conhecimento humano. Francis Schaeffer dizia que o Marxismo é uma heresia cristã porque tem um fim soteriológico que é empregado no proletariado que atua como um messias que trará a igualdade através da revolução. Temos aqui uma substituição do Cristo como libertador, resgatador, redentor dos eleitos. Temos uma distorção da redenção.
O motivo básico cristão
Ao termos o motivo básico cristão: criação – queda – redenção, podemos avaliar toda e qualquer ideologia ofensiva ao homem pelo homem. Quando o ideal criacional é subjulgado por ideologias que acabam tendo também um motivo básico que confrontam com o motivo cristão o sistema entra em colapso com a realidade última do telos humano. Ao termos uma substituição do conceito de queda, se corrompe o conceito de justiça na sociedade e quebra o sentido de juízo do crime e da maldade seja pelo poder despótico seja no âmbito civil/jurídico. E ao substituirmos o conceito redentivo teremos um messianismo ideológico que tomará assento soberano com ideologias totalitárias detonando os conceitos de liberdade seja na religião, educação, economia, arte, etc. Quando o conceito da redenção é substituído por uma ideologia automaticamente temos um ato idolátrico.
Toda cosmovisão está fundamentada em um motivo básico, por isso toda ideologia tem reais intenções redentivas, alterando o sentido de pecado e provavelmente o transferindo para um outro ponto que representará a culpa que não seja o próprio homem, mas, a fatores externos e que não estão sob seu controle, a solução para esse ideário será uma alternativa redentiva como no caso do marxismo que totalitariza o Estado ou no caso do Liberalismo que põe o homem entronizado. Temos como segue um exemplo disso.
Veja que a visão Totalitária tem o Estado como cabeça, na análise das demais visões vemos que o motivo básico é evidentemente corrompido também. Ao corromper a perspectiva criacional também se corrompe o conceito de queda e de redenção e se sobrepõe esses conceitos, com alternativas que tomam o lugar deles, mas, exercendo a mesma função na cosmovisão. Como nos diz o professor David T. Koysis:
A maior parte dos movimentos políticos tenta recrutar entusiastas com lemas concisos e populares que ficam bem na faixa e soam bem nos lábios de que marcha pelas ruas. “Liberté, égalité, fraternité!” “Vida, liberdade e busca da felicidade!” “Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos” “Todo poder para o povo!” Estas bandeiras têm a vantagem de ser facilmente compreendidas, de simplificar o que é complexo em vista de uma finalidade política. Contudo, elas também enganam seus potenciais seguidores, levando-os a crer que a salvação é um assunto simples – mera questão de, por exemplo, proclamar a emancipação, garantir os direitos do povo, decretar a prosperidade universal ou legislar para acabar com a pobreza, a opressão, os sem-teto e assim por diante. Junto com tudo isso, vem também a tendência a pressupor que fazer justiça significa apenas remover os obstáculos que se interpõe no caminho dela; depois disso, a “sociedade justa” surgirá sem nenhum esforço, como que por encanto. Talvez o exemplo mais famoso dessa filosofia seja o postulado marxiano de que um breve episódio revolucionário pelo qual o proletariado exproprie os bens da burguesia poderá produzir imediatamente a sociedade sem classes.1
Não se poderá ter uma correta percepção se não identificarmos como cristãos o motivo básico que rege a vida humana e todas as esferas que a cercam. Fica claro que quando temos uma falsa concepção do homem e do que ele é e em seu estado alocado num contexto social e psicológico apontado pela realidade descrita nas verdades da revelação de Deus, que é a única forma que o mostrará quem realmente ele é ontologicamente, pelo fato de que ao se retirar da conjuntura social o conceito bíblico de Queda temos uma erupção de desordem e um alargamento da maldade descontrolada, temos uma barbárie.
Diferenças na visão da natureza humana refletem-se em diferenças na visão dos processos sociais. Isso não significa apenas que os processos sociais são vistos como atenuadores das fraquezas da natureza humana em uma visão e como agravadores em outra. A própria forma de funcionar e de não funcionar dos processos sociais é vista de modo diferente […] Os processos sociais englobam uma enorme gama de elementos, do idioma à guerra, do amor aos sistemas econômicos.2
Ainda podemos nos aperceber disso de forma mais clarificada no que nos diz o filósofo holandês Herman Dooyeweerd que
O motivo básico da religião cristão – criação, queda e redenção por meio de Cristo Jesus – opera por meio do Espírito de Deus como força motriz na raiz religiosa da vida temporal. Assim que toma conta de nós por completo, promove uma conversão radical da nossa posição diante da vida e de toda a concepção da vida temporal. A profundidade dessa conversão só pode ser negada por aqueles que não conseguem fazer justiça à integralidade e do caráter radical do motivo básico cristão. Aqueles que atenuam a antítese absoluta, buscando inutilmente ligar esse motivo básico cristão aos das religiões apóstatas, acabam de fato tomando parte nessa negação.
Mas aqueles que, pela graça, chegam ao verdadeiro conhecimento de Deus e deles próprios, inevitavelmente vivenciam a libertação espiritual do jugo e do fardo do pecado sobre a concepção que têm da realidade, mesmo sabendo que o pecado não deixará de existir em suas vidas. Eles percebem que nada na realidade criada fornece alicerces nem uma base sólida para a existência. Compreendem como a realidade temporal e seus aspectos e suas estruturas multifacetadas e cheias de nuances estão concentrados como um todo na comunidade básica religiosa da dimensão espiritual da humanidade. Veem que a realidade temporal procura incansavelmente sua origem divina no coração humano, e compreendem que a criação não pode descansar até que ela descanse em Deus.3
A compreensão e a defesa que a teologia reformada faz do motivo básico e de uma cosmovisão que tem suas raízes na teologia do pacto são a melhor alternativa teológica para uma leitura de mundo genuinamente cristã, o calvinismo tem refletido numa base teológica solidificada pelas Escrituras e que Deus é soberano sobre a criação e sobre todas as esferas que existem nela que Ele mesmo criou e designou o homem para cumprimento dos mandatos da criação. Portanto observando toda e qualquer ideologia político/social notamos uma deformação dos mandatos criacionais – Espiritual, Social e Cultural. Kuyper nos elucida sobre as teses calvinistas de governo:
1 – Somente Deus – e nunca qualquer outra criatura – possui direitos soberanos sobre o destino das nações, porque somente Deus as criou, as sustenta por seu grande poder, e as governa p0r suas ordenanças.
2 – O pecado tem, no campo da política, demolido o governo direto de Deus, e por isso o exercício da autoridade com o propósito de governo tem sido subsequentemente conferido aos homens como um remédio mecânico.
3 – E, em qualquer forma que esta autoridade possa revelar-se, o homem nunca possui poder sobre seu semelhante em qualquer outro modo senão por uma autoridade que desce sobre ele da majestade de Deus.4
A Soberania das Esferas é a forma ideal de compreendermos o motivo básico cristão de Criação – Queda – Redenção. Mas vejamos então o que é Soberania das Esferas, nos diz Solano Portela que
Em resumo, ele ensina que cada instituição criada por Deus (a família, a escola, o estado), possui uma área específica de autoridade e regência, ou seja, são esferas bem delimitadas e específicas.
Isso não significa que tais esferas sejam autônomas. Ainda que independentes, cada uma deve responder a Deus, o doador desta autoridade. A soberania de cada uma quer dizer que elas não devem usurpar ou interferir na autoridade da outra esfera. Cada uma dessas esferas, autoridades em si, é responsável por sua missão e pelas suas ações, na providência divina, perante Deus.
Por exemplo, no caso de uma escola cristã, ela deve entender que não usurpa a autoridade da família, nem da igreja. Muito menos substitui essas outras esferas, mas deve trabalhar conjuntamente, em colaboração e respeito. A esfera da escola, e nisso ela tem autoridade, é ministrar conhecimento, sendo responsável, perante Deus, de transmitir esse conhecimento reconhecendo o Criador em todas as áreas do saber.5
Com esse esclarecimento podemos ilustrar a importância do motivo básico cristão da seguinte forma:
Diz-nos o falecido teólogo bíblico do Antigo Testamento Gerard Van Gronigen que
Era para o homem e a mulher exercitarem suas prerrogativas reais governando sobre o cosmos, desenvolvendo-o e simultaneamente mantendo-o. Todas as formas de vida na terra foram, de forma específica, colocadas sob a supervisão dos vice-gerentes humanos. Com esta responsabilidade, veio o privilégio de usar plantas, seus frutos e sua semente para manter a vida e a energia para realizar as tarefas reais. A humanidade poderia responder obedientemente ao mandato cultural para a glória de Deus por causa da sua criação à imagem e semelhança de Deus. Deus, por meio da sua exposição deste mandato, colocou a humanidade em um relacionamento de governador sobre o domínio cósmico. Mas este governo envolvia trabalho. O trabalho é, consequentemente, tanto um privilégio real como também uma responsabilidade.6
Essa é a importância de compreendermos a política a luz das Escrituras, há um mandato cultural que envolve nossa atividade nas esferas criadas por Deus, essa responsabilidade cultural não se esvaiu com o pecado, certo é que após a queda o pecado afeta totalmente a percepção de mundo e sobre a vontade de Deus que Adão e Eva tinham e o que sua semente teve e o que temos hoje, toda maldade, depravação moral, aversão a religião e a verdade é decorrente do pecado. Ao identificarmos que Deus é criador e soberano e que em todas as esferas deve ser Ele glorificado, precisamos entender um pouco mais sobre a Soberania das Esferas e sua relação com o Estado.
Num sentido calvinista nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas as esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado.
Isso envolve a antítese entre o Estado e a Sociedade, mas com a condição de não concebermos esta sociedade como um conglomerado, porém como analisada em suas partes orgânicas, para honrar, em cada uma destas partes, o caráter independente que pertence a elas.
Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais, a fim de que possa estar claro e decididamente expresso que estes diferentes desenvolvimentos da vida social nada tem acima deles exceto Deus, e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.7
As esferas de soberania
As esferas de soberania nos mostram e garantem a liberdade das instituições civis e também sua dever para com Deus que é o soberano sobre todas as esferas sociais. Gostaria de destacar aqui alguns pontos importantes no pensamento de Kuyper sobre uma teoria política reformada calvinista.
– A liberdade: O calvinismo levou a lei pública a novos caminhos, primeiro na Europa Ocidental, depois nos dois Continentes, e hoje mais e mais entre todas as nações civilizadas, é admitido por todos os estudantes científicos, se não ainda plenamente pela opinião pública.
– A visão abrangente da soberania de Deus – Este princípio dominante não era, soteriologicamente, a justificação pela fé, mas, no sentido cosmologicamente mais amplo, a Soberania do Deus Trino sobre todo cosmos, em todas as suas esferas e reinos, visíveis e invisíveis. Essa é uma soberania primordial que se irradia na humanidade numa tríplice supremacia, a saber:
A Soberania do Estado
A Soberania da Sociedade
A Soberania da Igreja
Portanto teremos alguns princípios do mandato cultural relacionado à política.
1. Deus é o grande Soberano e todo governo pertence a Ele;
2. Todo governo humano deve estar submisso a Deus, pois seu poder foi delegado pelo próprio Deus;
3. Todo governo deve atentar para os mandamentos de Deus, tais mandamentos são a expressão da vontade de Deus, seja por expressa aplicação ou aplicação por principio;
4. A humanidade foi criada à imagem e semelhança de Deus, por isso deve ser governada com dignidade, liberdade e integralidade.
Conclusão
O crescente interesse pela política no Brasil, também por parte de cristãos tem se dado ao estado caótico da moral parlamentar e do desmoronamento econômico no país com grandes escândalos recorrentes como mensalão, petrolão e tudo que tem decorrido das mazelas da ideologia socialista que tem herdado o Brasil. O calvinismo tem uma teoria política que pode atender a uma demanda para esse país, precisamos de crentes versados nas ciências sociais e teologicamente orientados para lerem suas áreas de conhecimento com lentes bíblicas e centralizadas em Cristo e na redenção. O motivo básico cristão é a melhor forma de contribuirmos para um crescimento no país. A Igreja deve estar envolvida nisso e sair do gueto teológico e aplicar sua teologia a realidade do mundo, devemos debater, estudar, mas, devemos empregar isso e não nos perdermos em discussões que não saem da internet, da academia e dos seminários. A Igreja pode fazer algo, atentemos para a Escritura.
_____________________________
1KOYSIS, David T. Visões e Ilusões Políticas, ed. Vida Nova, 2014, p.319.
2SOWELL,Thomas, Conflitos de Visões – Origens Ideológicas das Lutas Políticas, p. 83 – Ed. É Realizações
3Herman Dooyeweerd, Raízes da Cultura Ocidental, Ed. Cultura Cristã, 2015, p.55.
4KUYPER, Abraham. Calvinismo, Ed. Cultura Cristã, 1ª edição 2002, p.92
5Solano Portela, Artigo publicado no blog – O Tempora, O Mores.
6Gerard Van Groningen, Criação e Consumação, vol.1. Ed. Cultura Cristã, p.90.
7Calvinismo, p.98.