O ministério de capelania como prática transformacional da igreja

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Introdução

 As práticas eclesiásticas são atividades desenvolvidas pelo ministro religioso no contexto da comunidade em que serve, tais como: discipulado, aconselhamento, evangelismo, pequenos grupos, disciplina na igreja e a pregação do evangelho. Essas são algumas das ações conhecidas e vivenciadas no ministério. No entanto, há uma prática que tem sido pouco experimentada pela igreja que é a capelania. Poucos ministros têm se dedicado a essa atividade na atualidade que contempla diversas áreas: escolas, faculdades, hospitais, asilos, quartéis, empresas e até cemitérios. O campo de atuação da área da capelania é grande, mas poucos são os trabalhadores.

Existe um sentimento comum de que para fazer a obra de Deus é preciso ir além-mar. Transpor continentes. Mas o ministério pode estar bem próximo. Basta parar e observar em volta. Será que existe algum hospital próximo da igreja? Um quartel da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar? Uma delegacia de Polícia Civil? Um presídio? Uma unidade socioeducativa? Um asilo? Um centro empresarial? Ou um cemitério? Percebe-se que como prática eclesiástica, a capelania possui um campo vasto, cuja seara está pronta para a colheita. Urge saber aproveitar as oportunidades.

Assim, este artigo propõe ver a capelania com a perspectiva de uma prática eclesiástica que precisa receber a devida atenção ministerial, pois, nota-se que uma grande e favorável porta se encontra aberta no contexto urbano para que as igrejas locais possam cumprir a missão de ser luz do mundo e sal da terra. O propósito não é que todos os ministros e obreiros se tornem capelães, pois há diversidades de dons e ministérios. No entanto, é importante conscientizar a igreja acerca dessa atividade, a fim de que os vocacionados possam ser equipados para trabalharem nesse campo que possui relevante interesse social e espiritual.

A primeira seção deste artigo tratará de refletir acerca da função da igreja local. A segunda seção será sobre os fundamentos bíblicos e teológicos da capelania. E, por último, será feita uma abordagem do contexto organizacional e dos fundamentos legais para o desenvolvimento da capelania nas suas diversas áreas.

  1. A função da igreja local

Nesta seção será apresentada uma reflexão da função da igreja local. Segundo Hayes (2002) a primeira ocorrência da palavra grega ekklésia no Novo Testamento está no texto de Mateus 16.18: “edificarei a minha igreja”, no qual Cristo falou da igreja ainda vindoura. De acordo com Menzies e Horton (1995), foi a partir dessa passagem que a palavra igreja começou a ser usada nos escritos neotestamentários. Em um sentido restrito, a palavra passou a designar um círculo de crentes de alguma localidade definida objetivamente como igreja local. Assim, das ocorrências da palavra igreja no Novo Testamento, a maioria pode ser relacionada à congregação local.

Nesse sentido, encontram-se relatos no Novo Testamento indicando a existência de igrejas específicas, como: Jerusalém, Antioquia, Roma, Corinto, Filipos, Tessalônica, Éfeso, Colossos e as sete igrejas do Apocalipse na Ásia menor. Portanto, a igreja local é um grupo específico de crentes que vivem numa determinada localidade e essas igrejas locais devem exercer uma função na sociedade em que estão inseridas.

O apóstolo Pedro exortou a igreja: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9).

O próprio senhor Jesus disse:

Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para coloca-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus (Mt 5.14-16).

Essa função é a missão da igreja cujos desígnios bíblicos incluem os ministérios voltados para dentro e para fora da comunidade, como enviada do Senhor neste mundo decaído por causa do pecado. Assim, a missão da igreja é expressa por meio do texto bíblico conhecido como A Grande Comissão: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.19; cf. Mc 16.15), a qual é desdobrada em várias práticas no âmbito da igreja local.

Segundo Dever (2018, p. 162) “De acordo com o Novo Testamento, a igreja é, primariamente, um corpo de pessoas que confessam e dão evidência de que foram salvas apenas pela graça de Deus, tão-somente para sua glória e por meio da fé em Cristo somente”. Conforme o autor, à luz do Novo Testamento: “O ajuntamento de pessoas comprometidas com Cristo em determinada área constitui uma igreja” (DEVER, 2018, p. 163).

Ainda sobre o conceito neotestamentário da igreja, Ed Hayes ensina:

A igreja consiste nos crentes em Jesus Cristo, batizados no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, compromissados uns aos outros em amor, e chamados para fora deste mundo a fim de viverem em uma comunhão de adoração, cuidado e testemunho (HAYES, 2022, p. 24, grifo meu).

Segundo o precitado autor, a igreja é uma comunidade de crentes chamados para praticarem o cuidado e o testemunho cristão. “Por essa razão, acreditamos demais na Igreja de Cristo e no bem que ela pode fazer ao mundo, especialmente quando age como deve agir” (STEZER; QUEIROZ, 2017, p. 18, grifo meu).

Neste ponto, indubitavelmente se encontra na igreja a prática da capelania, haja vista o cuidado com o próximo e o testemunho cristão. Essas são ações que levam as igrejas a cumprirem com a sua missão na comunidade em que estão inseridas. “Uma igreja precisa olhar ao redor e perceber quem vive ali. Ela tem de perceber-se chamada para buscar aqueles que estão nos arredores e cuidar deles” (STEZER; QUEIROZ, 2017, p. 56-7).

Deste modo, sendo a igreja o sal da terra e a luz do mundo, o ministério da capelania tem a capacidade transformacional de se mover em direção à comunidade e restaurar o sabor do sal no paladar, por meio das suas diversas áreas: hospitalar, escolar, carcerária e militar, as quais visam a colaboração com o interesse público da sociedade pela proclamação das virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.

  1. Fundamentos bíblicos e teológicos da capelania

Na Bíblia se encontra diversas passagens que fundamentam teologicamente o ministério da capelania. Na criação do ser humano, as Escrituras ensinam que: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27). A imagem de Deus no ser humano o dota de dignidade que merece o devido cuidado. Assim, quando o homem assiste o seu semelhante, está assistindo um ser criado a imagem de Deus. “O ser humano é um ser belo pela imagem da divindade refletida na criação. Essa beleza reverbera a dignidade inerente dada por Deus. Sua valorização vem de sua origem em Deus” (ALVES, 2017, p. 17).

Por isso, Jesus disse ao ensinar sobre o grande julgamento:

Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas; e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos, à esquerda; então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me. Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estrangeiro nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me. E eles lhe perguntarão: Senhor quando foi que te vimos com fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso e não te assistimos? Então, lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer. E irão estes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna (Mt 25.31-46, grifo meu).

Assim, sempre que a igreja assiste um estrangeiro, um enfermo ou um preso, está assistindo ao Senhor, pois são pessoas feitas a imagem e semelhança de Deus.

Outro texto bíblico bastante conhecido que fundamenta o serviço de capelania é a parábola do Bom Samaritano que Jesus contou para um intérprete da Lei que tentou lhe colocar à prova.

E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo?  Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu te indenizarei quando voltar. Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe disse: Vai e procede tu de igual modo (Lc 10.25-37).

Essa compaixão e cuidado que o bom samaritano teve para com a pessoa que veio a ser roubada, ferida por ladrões e abandonada a beira do caminho, representa a atividade de capelania, que é proclamar o evangelho por meio da demonstração do amor prático. O capelão é como um enfermeiro que cuida de quem precisa de cuidado, independente das diferenças que vem da religião, do gênero, da ideologia ou de opiniões políticas.

A prática eclesiástica da capelania tem “por motivação a compaixão cristã” (ALVES, 2017, p. 68). Por isso o capelão é um ministro que possui os dons de “misericórdia” (Rm 12.8) e “socorros” (1Co 12.28) e usa tais dons em favor do próximo, pois capelania é uma atividade de amor ao próximo. Sobre o amor ao próximo, certa vez um fariseu perguntou a Jesus:

Mestre, qual é o grande mandamento na Lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas (Mt 22.36-40).

Dessa forma, a capelania encontra fundamento no Grande Mandamento que é amar a Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento; e amar o próximo como a si mesmo. Portanto, o capelão é um ministro religioso que pratica o amor a Deus, amando o próximo como a si mesmo. Pois toda a lei se cumpre em um só preceito que é amar o próximo como a si mesmo (cf. Gl 5.14), como bem proclama Ozéias de Paula na canção: “Eu quero dar amor” (PAULA, 1976), considerada por muitos como um hino à capelania:

Eu quero amar sem barreiras
Eu quero amar sem fronteiras
Eu quero amar sem limites,
ou preconceitos,
Eu quero amar seja quem for
Eu quero dar amor

Eu quero dar amor
Eu quero dar amor
Foi Cristo que me ensinou
Eu quero é dar amor

Eu quero amar sem medida
Aos pobres loucos da vida
Eu quero amar quem me fere ou mata o corpo
Eu quero ser somente amor
Eu quero dar amor

Eu quero amar ao mendigo
Ao rico ao pobre ao amigo
Eu quero dar uma parte, da minha alegria
A quem soluça em meio a dor
Eu quero dar amor

A capelania é uma prática que oferece oportunidades para a igreja servir como Jesus serviu, “tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28). Assim, o apóstolo Pedro exortou as igrejas dispersas na Ásia Menor: “Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1Pe 4.10). Portanto, a capelania se encontra na multiforme graça de Deus de levar o amor ao próximo.

  1. Contexto organizacional e a fundamentação legal da capelania

A capelania é uma prática eclesiástica altamente especializada em que o ministro precisa ter um conhecimento específico para servir não somente em sua comunidade eclesiástica, mas também em meio as empresas do setor privado e organizações públicas, pois esses ambientes possuem uma cultura organizacional diferente do contexto religioso da igreja, na qual o pastor está acostumado a lidar.

Segundo a matéria publicada na revista Valor Econômica sobre o tema: “Cuidado com a saúde mental das equipes entra em nova fase” (BIGARELLI, 2021), é comentado que algumas organizações têm se preocupado com a saúde mental dos seus funcionários e para evitar o aumento de licenças médicas no trabalho, em virtude de casos de ansiedade, burnout, depressão e estresse, eles têm incrementado em seus programas de bem-estar, espaços de acolhimento e assistência espiritual para melhoraria do ambiente de trabalho. Dentre esses programas, encontra-se inserida a capelania corporativa.

A capelania corporativa é um campo aberto à igreja. Todavia, existem desafios a serem superados para aqueles que desejam aplicar os conceitos da capelania no ambiente empresarial, pois as empresas têm como finalidade o lucro. Esta é a finalidade da empresa. Assim, quem se propõe a servir na capelania corporativa tem que ter em mente essa questão para ser pontual, rápido e assertivo em suas atividades. Pois, caso contrário, isso pode levar um rompimento da atividade de capelania por parte do empresário ou do administrador do negócio, caso a assistência interfira negativamente nos negócios da organização por meio de empregados que estejam deixando o trabalho para participarem de ministrações que perduram longo tempo dentro da empresa, ou em aconselhamentos demorados que afastam os funcionários dos locais de trabalhado. Portanto, o ministro que serve como capelão em um ambiente corporativo deve discernir que a empresa não é sua igreja.

Ademais, o capelão precisa compreender que esses locais são formados por pessoas de convicções religiosas diferentes e isso exige muita sabedoria e tato para ministrar nesses lugares a fim de evitar discussões, opiniões divergentes e julgamentos, bem como fazer proselitismos, pois essas condutas deterioram o ambiente de trabalho, criam divisões nas organizações e afastam as pessoas umas das outras.

Sendo assim, a prática da capelania é um trabalho de missão urbana em que o capelão deverá estar ciente e preparado para lidar com o pluralismo e ideologias diferentes que vai encontrar nesses locais. Vale relembrar o ensinamento do apóstolo Paulo:

Ora, nós que somos fortes devemos suportar as debilidades dos fracos e não agradar-nos a nós mesmos. Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para edificação. Porque também Cristo não se agradou a si mesmo; antes, como está escrito: As injúrias dos que te ultrajavam caíram sobre mim (Rm 15.1-4).

Outro ambiente que também encerra muitos desafios é o setor público. As instituições públicas são formais, legalistas e possuem os seus protocolos e regramentos. O capelão deve conhecer o ambiente da instituição em que vai servir, a sua legislação, o regimento interno e a cultura organizacional. O Estado brasileiro não proíbe a assistência religiosa, até porque a República Federativa do Brasil tem como um dos seus fundamentos “a dignidade da pessoa humana” (art. 1º, inciso III, CF/88), o qual como se observou tem a sua origem no relato Bíblico da criação contida no livro de Gênesis:

Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1.26-27, grifo meu).

Além disso, segundo Vieira (2018), a expressão “pessoa humana” remonta ao Concílio de Nicéia, onde ficou estabelecido as duas naturezas de Cristo — a natureza da pessoa humana e a natureza da pessoa divina. Mas apesar desse alinhamento entre a Constituição Federal e a teologia cristã, existe um grande desafio a ser superado pela pessoa que se propõe a servir como capelão nas instituições públicas, que é a questão do estado laico.

Sobre a laicidade do Estado, a Constituição é bem taxativa:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I — estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei; a colaboração de interesse público (Art. 19, inciso I, CF/88).

Essa separação entre o Estado e a igreja decorreria exatamente de Jesus que ao ser questionado pelos fariseus sobre se seria lícito pagar tributo a César ou não? Disse: “Mostrai-me a moeda do tributo. Trouxeram-lhe um denário. E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie e inscrição? Responderam: De César. Então, lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.19-21). Dessa forma, o Estado e a igreja são duas instituições que atuam em campos distintos. Um no campo temporal, outra no espiritual.

O Estado deve ser neutro em questões religiosas, sendo vedado estabelecer cultos ou igrejas, subvencionar, embaraçar o funcionamento ou manter com representantes relações de dependência ou aliança. No entanto, há uma ressalva para esta separação que é a colaboração com o interesse público porque mesmo sendo vedado a união dessas duas instituições, segundo exceção que se encontra no final do art. 19, inciso I da CF/88, igreja e Estado podem manter relações de aliança com fim de colaborar com o interesse público da sociedade.

Neste ponto, à concepção de Stezer e Queiroz (2017), de que igrejas transformacionais promovem transformações a partir do momento em que se envolvem com a comunidade ao seu redor a fim de mudar a realidade em sua volta, encontra-se alinhado ao conceito do interesse público. “As igrejas transformacionais constroem uma boa reputação na cidade. A determinação delas de trabalhar pelo bem da comunidade muda a percepção de quem elas são” (STEZER; QUEIROZ, 2017, p. 210). Portanto, igrejas transformacionais naturalmente se preocupam com o interesse público porque elas entendem que são luz do mundo e sal da terra e foram chamadas para brilhar na comunidade em que estão inseridas.

Sendo assim, com a devida ressalva “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” (Art. 5º, inciso VII, CF/88), porque colabora com o interesse público o serviço de assistência religiosa realizado nas entidades de internação coletiva praticado pelas igrejas, por meio das capelanias.

Desse modo, a capelania propicia:

[…] o cuidado pastoral nos espaços institucionais e sociais, onde a presença da igreja tem se tornado imperativa perante a Missão que recebeu do Senhor Jesus Cristo. Tais espaços são os quartéis, os presídios, os hospitais, as escolas, as empresas, os cemitérios, as populações vitimadas por catástrofes e outros nos quais o ministério de capelania, sem perder o conteúdo essencial herdado de sua gênese [que é a compaixão cristã], assume configurações peculiares a cada um deles (ALVES, 2017, p. 91).

Ademais, conforme o próprio Cristo ensinou: “Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos [que se encontram servindo em um quartel, enfermo em um hospital ou preso em um presídio], a mim o fizestes” (Mt 25.40). Enfim, a capelania deve ser uma atividade praticada pela igreja, pois Deus “honra o que se compadece do necessitado” (Pv 14.31).

Conclusão

Desse modo, verifica-se que a capelania ao ser vista como uma prática eclesiástica possui um grande campo missionário que se encontra bem próximo da comunidade, mas poucos ministros têm se dedicado a essa atividade. O propósito desta pesquisa foi destacar a importância dessa prática, bem como despertar as pessoas para o ministério da capelania e dar a devida atenção eclesiástica que o assunto merece para que os vocacionados possam ser equipados, a fim de trabalharem nessa atividade transformacional que possui relevante interesse social e espiritual.

Sabe-se que a igreja que assiste uma pessoa enferma ou um condenado, está cumprindo com sua missão bíblica de ser luz do mundo e sal da terra, tendo em vista que a prática da capelania encontra fundamento no principal mandamento deixado por Jesus, que é amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento, sendo que o amor para com Deus se demonstra amando o próximo como a si mesmo.

Além disso, como se pôde observar, a capelania é um ministério altamente especializado em que o ministro tem que saber transitar tanto no setor público como no privado, em meio a instituições que possuem culturas organizacionais diferentes. Dessa maneira, o ministro deve estar atento ao ambiente corporativo das empresas privadas, o pluralismo religioso e além de observar a laicidade do Estado para atuar nas instituições públicas.

Por fim, existem grandes desafios para essa prática eclesiástica, mas urge saber aproveitar as oportunidades, pois a igreja é o corpo de Cristo que está no mundo para levar transformação.

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Referências bibliográficas

Bíblia. Português. Bíblia de Estudo Almeida (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999).

Bigarelli, Bárbara. Cuidado com a saúde mental das equipes entra em nova fase. Valor Econômico. São Paulo, 27 setembro 2021. Disponível em: <https://valor.globo.com/carreira/noticia/2021/09/27/cuidado-com-a-saude-mental-das-equipes-entra-em-nova-fase.ghtml.>. Acesso em 08 janeiro 2023.

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 23 dezembro 2022.

Dever, Mark. Nove marcas de uma igreja saudável (São José dos Campos: Fiel, 2018).

Hayes, Ed. A Igreja: o corpo de Cristo no Mundo de hoje (São Paulo: Hagnos, 2002).

Alves, Gisleno Gomes de Faria. Manual do Capelão: teoria e prática (São Paulo: Hagnos, 2017).

Menzies, William W.; Horton, Stanley M. Doutrinas Bíblicas: uma perspectiva pentecostal (Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1995).

Paula, Ozéias de. Eu quero dar amor. In: PAULA, Ozéias de. Depois da Chuva (Bandeira Branca, 1976). Faixa 6 (3min 46s).

Stezer, Ed; Queiroz, Sérgio. Igrejas que transformam o Brasil: sinais de um movimento revolucionário e inspirador (São Paulo: Mundo Cristão, 2017).

Vieira, Thiago Rafael. O estado laico brasileiro. Revista Teologia Brasileira, São Paulo, 2018. Disponível em: <https://teologiabrasileira.com.br/o-estado-laico-brasileiro/>. Acesso em 26 dezembro 2022.

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