Minhas leituras teológicas mais significativas

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Um livro que me auxiliou muito, logo no começo de meus estudos, foi a obra de Mortimer Adler e Charles Van Doren, Como ler livros (São Paulo: É Realizações, 2010). Este foi o texto que me preparou para ler os clássicos. Mas, Allan Bloom, em O declínio da cultura ocidental (São Paulo: Best Seller, 1989), escrevendo sobre a necessidade de contato com os grandes textos, os clássicos, especialmente no ambiente acadêmico, percebeu: “Quando reparei pela primeira vez no declínio da leitura, no final da década de 60, passei a perguntar às minhas enormes turmas dos anos preliminares, e a grupos de alunos mais novos, que livros contavam realmente para eles. A maioria ficava em silêncio, embaraçada com a pergunta. Para eles, era estranha a noção de livros como companheiros”, o que proporcionou uma oportunidade para “mostrar aos alunos que os bons autores podem lhes ser benéficos” (p. 78-79). Portanto, cedo tentei seguir o conselho de Richard Baxter, de que o importante não é a leitura de muitos livros, mas a de alguns poucos bem escolhidos – ou, em outras palavras, clássicos.

Alguns livros foram textos formativos de minha peregrinação. Apresento-os aqui em ordem vagamente cronológica – não de importância. As datas de lançamento estão atualizadas, remetendo ao leitor a novas edições ou reimpressões:

Basílio de Cesaréia, Tratado sobre o Espírito Santo (São Paulo: Paulus, 1999), publicada em conjunto com a Homilia sobre Lucas 12 e as Homilias sobre a origem do homem. Este breve tratado foi preparado, originalmente, para responder à heresia macedonista – os seguidores desta também eram conhecidos como pneumatomacos, “adversários do Espírito”–, que supunha o Espírito Santo ser ontologicamente inferior e subordinado ao Pai e ao Filho. Obra fundamental que estabelece a plena igualdade e glória das pessoas divinas na Trindade santa.

Santo Agostinho, Confissões (São Paulo: Paulus, 1997). Um dos primeiros textos autobiográficos escritos no Ocidente e que se tornou o modelo de honestidade brutal, largueza intelectual, autoexame e cuidadosa interpretação da narrativa pessoal à luz das Escrituras.

Santo Agostinho, A Trindade (São Paulo: Paulus, 1995). Em minha opinião, a principal obra dogmática do bispo da pequena cidade de Hipona Regia, a atual Annaba, na Argélia. Um tratado brilhante, que ainda hoje é a obra padrão para se falar de Deus como este se revela nas Escrituras: Pai, Filho e Espírito Santo. Suas percepções psicológicas em conexão com a Trindade são belíssimas e extremamente sofisticadas.

Martinho Lutero, Catecismo Menor, publicado no volume 7 das Obras Selecionadas (São Leopoldo: Sinodal & Porto Alegre: Concórdia, 2000). B. B. Warfield, o grande teólogo do Seminário Teológico de Princeton, em New Jersey, EUA, escreveu que, ao fim da vida, o reformador alemão disse que somente duas de suas obras deveriam permanecer: o tratado polêmico De Servo Arbítrio e o seu pequenino Enquirídio. Obra encantadora, dirigida aos “pastores e pregadores indoutos”, consegue resumir em poucas palavras o cristianismo puro e simples, ao mesmo tempo em que capacita pais e mestres a instruir os pequenos na confissão da fé, na oração e na devoção.

Catecismo de Heidelberg, escrito por Zacharias Ursinus e Caspar Oleviano, e publicado em conjunto com a Confissão de Fé Belga (São Paulo: Cultura Cristã, 2005). Para mim, o mais belo dos catecismos originados na reforma e pós-reforma. Evangelístico, pessoal e devocional, trata das questões mais básicas da fé em primeira pessoa – exigindo uma resposta pessoal. Todo ano volto com prazer a esse texto confessional. Quando pastor de jovens de uma igreja batista, na zona sul do Rio de Janeiro, em meados da década de 1990, usei com autorização uma revisão desse catecismo preparada em 1970 por uma comissão da Igreja Cristã Reformada da Hungria e da Igreja Evangélica Reformada, para catequizar os adolescentes e jovens da igreja em que servia.

João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. ed. latina de 1559. 4 volumes. (São Paulo: Cultura Cristã, 2006). Obra clássica de teologia bíblica e um dos mais importantes textos doutrinais da história. Tornou-se uma de minhas leituras recorrentes e frequentes. Como o reformador francês propõe, é um tratamento dos temas principais das Escrituras, a partir de uma exposição e ampliação dos artigos do Credo dos Apóstolos, como o esboço do que é essencial à fé: a crença em Deus criador, em Cristo Jesus redentor e da obra do Espírito Santo na vida cristã, na igreja e na sociedade.

Richard Baxter, O pastor aprovado (São Paulo: PES, 1989). A obra clássica sobre o ministério pastoral, escrita por um dos mais polêmicos escritores puritanos do século 17. Li tão logo terminei meus estudos de graduação em teologia, em 1995, e se tornou a baliza de meu serviço pastoral à igreja local.

Jonathan Edwards, A Treatise Concerning Religious Affections, publicado no volume 1 em The Works of Jonathan Edwards (Edinburgh: Banner of Truth, 1998).Texto fundamental para a análise não só da experiência espiritual,mas da conversão cristã, escrita pelo principal teólogo e filósofo surgido nos Estados Unidos – quando ainda eram colônias sob a dominação inglesa. Há uma boa edição dessa obra em português, publicada como Uma fé mais forte que as emoções (Brasília: Palavra, 2006), assim como uma atualização preparada por Gerald R. McDermott, 12 sinais da verdadeira espiritualidade: o Deus visível (São Paulo: Vida Nova, 2011).

Abraham Kuyper, Calvinismo (São Paulo: Cultura Cristã, 2002). Atualização importantíssima da fé reformada, vigorosamente relacionando-a com a política, a ciência e a sociedade, escrita por aquele que foi um importante teólogo, político e jornalista holandês do fim do século 19 e começo do século 20. Obra que tem me ajudado a não apenas pensar em termos de cosmovisão, mas também a articular uma teoria política cristã.

J. Gresham Machen, Cristianismo e liberalismo (São Paulo: Shedd, 2012). Estudei no começo da década de 1990 num seminário teológico batista, que àquela altura era fortemente influenciado pela teologia liberal europeia do século 19. Ironicamente, aqueles que defendiam tal reinterpretação gnóstica da fé se apresentavam como cristãos. Esse livro traça a linha divisória, com clareza, perspicácia e força, entre duas crenças antagônicas e irreconciliáveis, a fé cristã e suas caricaturas modernas, destituídas de luz, graça e vida, que tem mera existência parasitária em igrejas e instituições cristãs.

Dietrich Bonhoeffer, Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão (São Leopoldo: Sinodal, 2003). Gosto de ler livros de cartas – e este volume é um banquete. Amizade espiritual, coragem, esperança, oração, leitura bíblica, provocações teológicas, conspiração política – todos esses temas são entremeados ao som dos ataques aéreos aliados a Berlim, na Alemanha, ouvidos da apertada cela 92 da prisão em Tegel. Escrito durante um dos momentos definidores do século 20, é um tocante relato de sonhos frustrados no último ano e meio de vida de um dos mais controvertidos teólogos do último século.

Karl Barth, Introdução à teologia evangélica (São Leopoldo: Sinodal, 1996). Desde os meus estudos de graduação, mantenho uma relação ambivalente com este teólogo reformado suíço, um dos mais prolíficos escritores cristãos do século 20. Mas esse pequeno livro, suas últimas palestras proferidas na Universidade de Basel, tem guiado e estimulado meu serviço teológico, desde que o li ainda em meados da década de 1990, durante um período de pregação e ensino no norte de Minas Gerais.

Leland Ryken, Santos no mundo (São José dos Campos: Fiel, 2013). Li essa obra quatro vezes, também em meados da década de 1990, numa época em que apenas uns poucos resumos das obras puritanas eram publicados em português e ainda tínhamos dificuldade de importar os livros de fora. Tornou-se obra fundamental para minha vida, pois, tendo sido criado na tradição pietista/fundamentalista batista, foi a primeira vez que não apenas li algo sobre cosmovisão, mas também pude ver uma apresentação do que é, de fato, uma cosmovisão cristã, ampla, vibrante e audaciosa. Um dos pontos-chave do livro é o capítulo sobre os erros que os puritanos cometeram – e acabei descobrindo que é mais fácil imitar os erros que os acertos destes importantes escritores cristãos. Triste, mas revelador, somente ano passado essa obra ganhou uma segunda edição.

D. M. Lloyd-Jones, Avivamento (São Paulo: PES, 1992). Série de sermões fundamentais para se meditar e ansiar pelo derramamento do Espírito Santo sobre a comunidade cristã. Este é o único livro que, tendo terminado de ler, fechei e nunca mais folheei – para não apagar o encanto que até hoje esse texto, de um dos principais pregadores evangélicos do século 20, exerce sobre minha vida. Desde então, o anseio pelo avivamento tornou-se um dos temas principais dos meus estudos e oração.

John Stott, A cruz de Cristo (São Paulo: Vida, 1992). Obra clássica sobre a morte de Cristo, uma correção radicalmente bíblica do entendimento clássico sobre a expiação penal e substitutiva, estabelecendo a cruz como o signo central da fé evangélica e o critério absoluto da crença e devoção cristã.

Timothy George, Teologia dos Reformadores (São Paulo: Vida Nova, 2010). Li essa obra quatro vezes, já no meu tempo de seminário, no começo da década de 1990, quando se tinha pouco ou nenhum acesso a fontes primárias, no caso, dos escritos de Lutero e Calvino. Escrita com vivacidade, paixão e erudição, se tornou meu modelo de como escrever sobre história, assim como modelo de reverência crítica por aqueles que vieram antes de nós.

Esses livros se tornaram importantes para mim por causa do Livro. Pela necessidade de interpretar corretamente as Escrituras é que fui a esses livros. E eles me trouxeram de volta às Escrituras, levando-me a amá-las ainda mais, como Palavra de Deus sempre atual. Esta é minha lista, totalmente pessoal, daqueles livros que mais exerceram influência sobre minha vida, meus livros-companheiros, valiosos auxílios de caminhada cristã.

6 COMENTÁRIOS

  1. Obrigado ao amado pastor Franklin por compartilhar esta lista maravilhosa e mostrar um pouco do que teve influencia na sua formação. Para mim que sou seminarista foi muito enriquecedor. Soli Deo Gloria!

  2. Qual editora eu poderia compra esse livro Mortimer Adler e Charles Van Doren, Como ler livros.

    Ou se possível me aconselhe eu estou no quarto ano do semin rio, gostaria de ouvir conselhos de um pastor mais experiente e estudioso.
    1- Gostaria de receber conselhos de como ser um pastor estudioso.
    2- Como organizar melhor o meu tempo entre visitas aconselhamento e os estudos e devocionais. São coisas obvias, mas que ‚ sempre bom ouvir conselhos de pastores experientes. Se possível gostaria de receber esses conselhos do pastor Franklin Ferreira.

    Tenham um ótimo restante de semana.

  3. Quando vi um artigo em que Franklin Ferreira lista os livros mais importantes de sua vida, logo, fiquei curioso para dar uma olhada! Essa lista de livros-companheiros ser  de grande auxílio para a minha espiritual e minist‚rio. Quero que a minha humilde biblioteca seja enriquecida por essas grandes obras da literatura cristã.
    Obrigado Franklin! Que você continue sendo uma benção para os líderes e pastores cristãos do nosso país.

  4. Muito bom o texto. Extremamente importante para um espiritualidade bíblica sadia e comprometida com o evangelho de Cristo.

  5. Acho que acertei pois antes de ler o artigo acabei de receber aqui em casa 2 volumes de Barth, a quem amo,
    D diva e Louvor e esse que o irmão citou: Introdução a Teologia Evang‚lica! Acho que vou ter bastante trabalho a fazer! rs!

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