Uma definição
Sobre o tema da meditação puritana, James Packer escreve: “Sabendo que eles próprios eram criaturas de raciocínio, afeições, e vontade, e sabendo que o caminho de Deus para o coração humano (a vontade) é através da cabeça humana (a mente), os puritanos praticaram a meditação, discursiva e sistemática, em todo escopo da verdade bíblica conforme viam-na sendo aplicada a eles mesmos”. De forma similar, Horton Davies descreve a meditação puritana como um “mover das questões intelectuais ao exercício das afeições do coração, a fim de libertar a vontade para se conformar a Deus”.
Esta abordagem à meditação advém da convicção puritana que a vontade é uma faculdade “cega”. De acordo com Edward Reynolds (1599-1676), a vontade “não pode enxergar o bem devido que deveria influenciar sem a assistência de um poder informador” e nem “pode ver o caminho correto que deveria tomar para alcançar aquele bem, sem a direção de um poder condutor”. Este poder “informativo” e “condutor” é o entendimento: a faculdade principal da alma. Quando esta “mais nobre faculdade”, como Stephen Charnock (1628-1673) chama, é “empregada para o objeto mais excelente”, ela informa e conduz a vontade através das afeições para escolher o “bem correto”.
Com este paradigma firmemente reconhecido, George Swinnock (1627-1673) define a meditação como “uma séria aplicação da mente a algum assunto sagrado, até que as afeições sejam aquecidas e despertadas, e a resolução elevada e fortalecida através disso, contra aquilo que é mal, e por aquilo que é bom”.
O método da meditação
De acordo com a definição de Swinnock, o método da meditação é uma séria aplicação da mente… até que as afeições sejam aquecidas e despertadas. Este método remonta a Joseph Hall (1574-1656), que afirma que “a prática da verdadeira piedade” depende da meditação – “o melhor aprimoramento do cristianismo”. Ele define essa meditação como “um voltar da mente para algum objeto espiritual, através de diversas formas de discurso, até que nossos pensamentos cheguem a uma conclusão”. Este voltar-se da mente se manifesta de duas formas: “extemporânea” e “deliberada”. Hall foca-se no segundo, buscando descrever o seu “processo”.
Resumindo, a meditação deliberada “começa no entendimento, e termina na afeição; começa no cérebro, desce ao coração; começa na terra, ascende aos céus, não de repente, mas por determinados passos e degraus até que estejamos no topo”. Hall divide estes “passos e degraus” em duas seções. A primeira se refere à prática da meditação no entendimento. Ela envolve o estudo das verdades divinas de acordo com determinadas “cabeças”: descrição, divisão, efeitos, assuntos, qualidades, contras, comparações, títulos e testemunhos. A segunda se refere à prática da meditação nas afeições. Para Hall, essa “é a própria alma da meditação, para a qual todas as coisas anteriores servem apenas como um instrumento”. Ela envolve pressionar as verdades divinas sobre as afeições através de sete passos: experimentação, queixa, desejo do coração, confissão, petição, aplicação e confiança. James Ussher (1581-1656) também recomenda essa abordagem dupla, afirmando que o “trabalho” da meditação consiste de “duas faculdades principais da alma. Primeiro, o entendimento, o qual atribuo à memória; em segundo lugar a vontade, o qual atribui às afeições”. A primeira envolve um “chamado à mente”, onde as verdades bíblicas são lembradas e debatidas. A segunda envolve “depositar no coração” essas verdades.
Swinnock descreve este “depositar no coração” como “uma consideração séria” ou “um ato de entendimento prático, mediante o qual reflete sobre suas ações e intenções, compara-as com a regra da palavra, e continua para colocar o seu mandamento sobre a vontade e afeições, a fim de colocar o que é bom em ação”. Essa “reflexão” geralmente consiste de solilóquios, que Richard Baxter (1615-1691) define como “questões despertadoras”. Seu objetivo é fazer com que as pessoas sintam a pulsação de sua alma com o propósito da auto-avaliação. Para Ussher, este é o “assunto mais importante” da meditação – “ver como a matéria se encontra entre Deus, e minha própria alma”. Com este objetivo em mente, ele sugere: “Primeiro olhe para trás, e diga, o que eu fiz? Depois olhe para frente e diga, o que farei?” De forma similar, William Gurnall (1617-1679) escreve: “Reflita sobre si mesmo, e pense seriamente sobre o seu próprio comportamento – o que ele tem sido diante de Deus e dos homens ao longo do dia”.
O objeto da meditação
Em sua definição, Swinnock descreve o objeto da meditação como “algum assunto sagrado”. De sua parte, Hall fala “daquelas questões divinas que podem mais que tudo produzir compulsão no coração e levar-nos à devoção”. Ao todo, existem sete assuntos “sagrados” que aparecem de forma proeminente na meditação puritana.
O primeiro é a majestade de Deus. “Acima de tudo”, escreve Swinnock, “medite na infinita majestade, pureza e misericórdia daquele Deus contra quem tens pecado”. Charnock concorda: “Tenham sempre em vista as excelências de Deus”. Gurnall encoraja seus leitores a meditarem na “infinita santidade de Deus”. Similarmente, Baxter direciona seu público a “mergulhar nas meditações do Todo-Poderoso”, adicionando: “Alguém pensaria que se eu não lhes desse nenhuma outra tarefa, e nem falasse de nenhuma outra questão para a meditação, esta seria suficiente; pois esta é, de certa forma, tudo”. A urgência de Baxter origina-se de sua convicção que o “melhor cristão” é aquele “que tem a mais plena impressão sobre a sua alma, pelo conhecimento de Deus em todos os seus atributos”.
O segundo assunto é a severidade do pecado. Para os puritanos, o conhecimento do pecado e o conhecimento de Deus estão inescapavelmente relacionados. Swinnock explica: “O homem nunca chega ao conhecimento apropriado de si mesmo, que miserável deplorável e abominável ele é, até que chegue ao conhecimento apropriado de Deus, a saber, que incomparável majestade Ele é”. Charnock concorda: “Na consideração da santidade de Deus somos relembrados da nossa própria impureza… de forma que sua imensidão deveria nos fazer, segundo nossa própria natureza, parecer pequenos aos nossos próprios olhos”. Em outras palavras, as pessoas chegam a um entendimento apropriado da escuridão do pecado somente à luz da santidade de Deus, porque é então que podem enxergar seu pecado como um ataque contra Deus. Com isto em mente, Joseph Alleine (1634-1668) insta seu público a meditar sobre o “número”, “gravidade”, “deformidade” e “torpeza” de seus pecados.
O terceiro assunto é a beleza de Cristo, que só pode ser devidamente apreciada sobre o pano de fundo da majestade de Deus e a severidade do pecado. De acordo com Alleine: “Enquanto os homens não estiverem cansados e oprimidos, e com seus corações aflitos, não buscarão a cura em Cristo nem perguntarão sinceramente: ‘O que devemos fazer?’”. Quando chegarem a esse ponto, eles verão a beleza do amor de Cristo conforme ele tapa a distância imensurável entre um Deus glorioso e uma criatura pecadora. Isso leva Gurnall a declarar: “Banhe a tua alma com a frequente meditação do amor de Cristo”.
O quarto assunto é a certeza da morte. “Se deseja se exercitar na santidade”, escreve Swinnock, “pense com frequência no dia da sua morte”. Robert Bolton (1572-1631) direciona seus leitores a ponderar na certeza de que “todos os prazeres, tesouros e confortos desta vida… precisam todos, diante do choque da morte… ser súbita, completa e eternamente deixados para trás.”
O quinto assunto é a finalidade do julgamento. Gurnall lembra: “Certamente você não poderá dormir facilmente enquanto este trompete, que chamará toda a humanidade a julgamento, estiver tocando em seus ouvidos. A razão porque os homens dormem tão tranquilamente em segurança é que ou não acreditam, ou pelo menos não pensam nisso com a seriedade que se espera”. Com esta letargia em mente, Bolton instrui as pessoas a ponderarem sobre como será dar um relato exato de “todas as coisas feitas na carne”, de testemunhar a revelação de todos os “pecados secretos” e as “vilanias escondidas”, e “ouvir a terrível sentença de condenação a tormentos e horrores eternos”.
O sexto assunto é a miséria do inferno. Swinnock descreve o inferno como uma miséria “pessoal”, porque os pecadores perdem os “prazeres terrenos”, os “contentamentos carnais”, o “favor espiritual”, “a sociedade de todos os piedosos”, a “esperança”, a sua “preciosa alma” e “o Deus infinitamente bendito”. Da mesma forma, Bolton fala da “privação da gloriosa presença de Deus, e a separação eterna daquelas alegrias, felicidades e bem-aventuranças eternas”. Swinnock também descreve o inferno como uma miséria “positiva”, por causa do que os pecadores ganham, explicando que “os perversos deverão no outro mundo se separar de Cristo para o fogo… Eles não somente serão privados de tudo o que é bom… mas também serão cheios de tudo o que é mau”. Nesse momento, eles ganharão uma “perfeição de pecado” e uma “plenitude de angústia”.
O sétimo assunto é a glória do céu. Em termos de ganho “pessoal”, Swinnock diz que os cristãos obterão liberdade do mal do pecado, ou seja, liberdade de cometer o pecado e de ser tentado ao pecado. Eles também obterão liberdade do mal do sofrimento. Em termos de ganho “positivo”, eles receberão a companhia dos cristãos perfeitos, a comunhão mais próxima com Cristo, e a fruição plena e imediata de Deus. Para Baxter, esse ganho é da maior importância. “Eu não tiraria você de outras meditações”, ele diz, “mas certamente assim como o céu tem a preeminência na perfeição, deveria tê-la também em nossa meditação. Aquilo que nos dará a maior felicidade quando o possuirmos, nos fará mais alegres quando meditarmos nele”.
O resultado da meditação
Através da meditação, o significado destes assuntos “sagrados” é sentido na alma. Um vislumbre da majestade de Deus produz temor e amor. Um senso da severidade do pecado produz tristeza e ódio. Um gostinho da beleza de Cristo incita prazer e desejo. As verdades remanescentes, conhecidas como as “últimas quatro coisas”, produzem aquilo que os puritanos chamavam de uma “mentalidade celestial”. “A pessoa com uma mentalidade celestial”, explica o historiador Dewey Wallace, fica “absorvida nas coisas divinas, distante do mundo, e em profunda comunhão com Deus”. Seu objetivo é “meditar naquele estado, atando seu coração tão próximo de Deus que tudo o mais empalidece e se torna insignificante”.
De acordo com a definição de Swinnock, este “aquecimento” e “despertar” das afeições levam a uma “elevação” e “fortalecimento” da “resolução” da vontade contra “aquilo que é mau e para o que é bom”. Como Gurnall explica: “As afeições são afetadas quando seu objeto está diante delas. Se amamos uma pessoa, o amor é excitado pela visão dela, ou qualquer coisa que a lembre; se odiamos alguém, nosso sangue ferve muito mais contra ela quando estamos diante da mesma”. Ao meditar nas verdades divinas, o amor é direcionado ao supremo bem (Deus) e o ódio ao supremo mal (pecado). Como resultado, a vontade fica resoluta em buscar a Deus e abandonar o pecado. Para os puritanos, esta “resolução” se manifesta em piedade: conformidade à vontade de Deus. Baxter estava tão convencido deste relacionamento entre meditação e piedade que escreve: “Se, por estes meios, tu não percebes um aumento de todas as tuas graças, não cresce além da estatura dos cristãos comuns, não te tornas mais útil em teu lugar, e mais precioso aos olhos de todas as pessoas com discernimento; se tua alma não desfruta de maior comunhão com Deus, e tua vida não se enche de conforto, e não estás mais preparado para a hora de tua morte: então jogue fora estes conselhos, e acuse-me eternamente de enganador”.
Conclusão
Para os puritanos, portanto, a meditação é essencial para a prática da piedade. Como Baxter observou, “o Espírito usa nosso entendimento para ativar nossas vontades e afeições”. Isto necessariamente implica que a meditação é um dos meios principais pelo qual o Espírito Santo santifica o cristão.
É por esta razão que Hall muito lamentou a negligência generalizada da meditação em seus dias, comentando: “Se houver qualquer dever cristão cuja omissão é notoriamente vergonhosa e prejudicial para as almas dos professos, esse é o dever da meditação. Esse é o próprio fim para o qual Deus nos deu nossas almas, de forma que estaremos desperdiçando-a se não a usarmos assim”. As palavras de Hall são tão verdadeiras em nossos dias quanto no dia em que as escreveu, assim como Joel Beeke observa: “Um estorvo para o crescimento entre os cristãos hoje é o nosso fracasso em cultivar o conhecimento espiritual. Falhamos em dar tempo suficiente para a oração e a leitura da Bíblia, e temos abandonado o tempo para a prática da meditação”. Dado este fato, faríamos muito bem em escutar o pedido de Gurnall para “nos retirarmos frequentemente para fazer algumas meditações que despertem a alma”, lembrando que “se a buscares como a prata e como a tesouros escondidos a procurares; então, entenderás o temor do SENHOR e acharás o conhecimento de Deus” (cf. Pv. 2:5).
Fonte: http://www.banneroftruth.org/pages/articles/article_detail.php?834
Tradução: Maurício Fonseca Jr.
Uau! Muito bom