Estreou na última sexta-feira, dia 9, um dos filmes mais esperados do ano, O leão, a feiticeira e o guarda-roupa , dirigido por Andrew Adamson e baseado na obra homônima do autor (assumidamente cristão) C.S. Lewis (1898-1963). Infelizmente, o autor e catedrático de literatura medieval e renascentista é pouco conhecido e apreciado no Brasil. E os que o conhecem, criticam pelo uso de palavras como “magia”, “sortilégio”, “profecias” e figuras como feiticeiras, faunos, animais falantes etc. Ele se tornou internacionalmente popular precisamente por sua habilidade em lidar com as figuras de linguagem, usando-as as como analogias para veicular verdades profundas do cristianismo.
As Crônicas de Nárnia , lançadas pela editora secular Martins Fontes na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em 1997, fizeram tal sucesso – e continuam fazendo por todo o mundo – que o editor achou por bem comprar de uma só vez os direitos autorais de todos os livros. Agora as editoras cristãs se ressentem e tentam resgatar alguma parte, mais eminentemente teológica.
O leão, a feiticeira e o guarda-roupa faz parte da coletânea intitulada As crônicas de Nárnia . Trata-se de uma série de contos infantis, incluindo O sobrinho do mago , O cavalo e seu menino, Príncipe Caspian, A viagem do peregrino da alvorada, A cadeira de prata e A última batalha , que se dão em parte ou totalmente em Nárnia, um mundo completamente imaginativo, cujas pretensões de realidade se limitam ao âmbito da metáfora. Para compreendê-las, exige-se do leitor/expectador experiência na leitura e interpretação de histórias do tipo conto de fadas, que a criança tem muita facilidade de compreender, mas a que o adulto muitas vezes tem resistência devido ao excesso de racionalização. O mundo adulto fala cada vez mais uma linguagem distante da linguagem infantil, que é essencialmente lúdica e imaginativa.
Lewis e o jornalista britânico G.K. Chesterton e muitos psicanalistas e filósofos renomados como Carl Jung, Bruno Bettelheim, Jean-Paul Sartre e Gilbert Durand concordam em afirmar que o imaginário faz parte da experiência e da qualidade de vida humana, sem o qual adoecemos e que serve para curar traumas profundos em todas as idades. Agora que a Disney resolveu encampar o projeto da Walden Media de filmagem das histórias de Nárnia, teremos uma oportunidade única para compreender a importância do imaginário e da narrativa de contos que, como muitos críticos já observaram, são tudo, menos infantis (no sentido moderno). Teremos chance também de tornar o autor mais conhecido entre nós, o que certamente também atiçará a crítica, o que não é necessariamente uma coisa ruim.
Promover esse nome e seu legado no Brasil não é nenhuma “missão impossível”, como era antes do filme, dada a sua importância reconhecida no mundo de fala inglesa e na Europa em geral. Quem tem a curiosidade de pesquisar na internet encontrará mais de 5 milhões de páginas relacionadas a ele (inclusive a minha: cslewisbrasil.org ). Aventurando-se pelo mundo da literatura fantástica, infantil ou da crítica literária, acabará tropeçando nele, mais dia menos dia, citado como parte integrante do patrimônio cultural comum da humanidade. Parte de sua biografia já serviu de inspiração a diretores de cinema, como Richard Attenborough, que em 1993 lançou Terra das sombras ( Shadowlands ), estrelado por Anthony Hopkins.
Mas o melhor livro para se entender os dramas da vida desse autor tão multifacetado e fascinante é Surpreendido pela alegria (Editora Mundo Cristão), no qual ele narra, entre outras coisas, a morte de sua mãe, aos cinco anos de idade; suas péssimas experiências em escolas experimentais britânicas; sua tábua de salvação, que foi um professor particular que o resgatou; sua experiência de guerra e o juramento a um amigo de batalha que o fez cuidar da mãe dele e uma irmã pelo resto da vida dela (o que tem escandalizado alguns críticos); e a história de sua conversão ao cristianismo, uma das mais relutantes e comoventes que já li.
Lewis nunca foi militante de nenhuma denominação ou igreja específica. Era amigo de vários padres e freiras, e sua luta sempre foi pela unidade e diálogo entre as várias igrejas, ao contrário do proselitismo de que o acusam. Acredito, quanto a este aspecto, que um autor, principalmente quando escreve ficção, não tem como esconder aquilo em que acredita, e seria até uma hipocrisia fingir que não acredita em nada.
Meu interesse particular pelo autor começou na infância, quando assisti pela primeira vez uma versão de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa em desenho animado, e firmou-se quando ouvi um dos seus livros mais premiados, Cartas de um diabo a seu aprendiz (Editora Vozes), ou Cartas do coisa-ruim , como foi traduzido anteriormente (Editora Loyola), citado numa aula de Filosofia da Faculdade de Educação da USP, onde estudei e dediquei minha tese de doutorado à dita Crônica . A já publicada e agora em vias de republicada tese inspirou-se naquele meu estranhamento inicial de ver um autor de livros infantis imaginativos e livros teológicos invadindo a academia, normalmente fechada a tudo que não seja estritamente racional.
Mas a principal razão pela qual continuo me dedicando a esse autor e aos que considero seus correlatos nacionais e internacionais é o oásis de bom-senso, humanidade, fé, esperança e amor que ele representa. Seus livros são uma verdadeira oficina de criatividade, que gerou uma grande variedade de contos de minha própria autoria ( No guarda-roupa do Leão I : Contos, mistérios e encantos inspirados em Nárnia , Editora Descoberta). Orientar as pessoas em como canalizar esta criatividade foi uma das preocupações do meu último livro, A magia das crônicas de Nárnia (GW Editora), que pretende ser o primeiro de uma série de manuais com dicas úteis para pais, educadores e líderes de empresas.