Lula, o filho do Brasil, é um filme de 2009 produzido e dirigido por Fábio Barreto tendo como base o livro homônimo de Denise Paraná,1 editado em 2003 pela Fundação Perseu Abramo. Em princípio, o livro de Paraná foi sua tese de doutorado escrita em 1995, na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
O filme, diferentemente do livro, foi produzido e lançado (pré-estreia e sessões especiais) em um período de transição no governo brasileiro. Após dois mandatos, Luiz Inácio estava prestes a deixar presidência da república tendo todo o seu apoio colocado sobre a candidata Dilma Rousseff. Muitos críticos tomaram o lançamento do filme como uma jogada política. Segundo reportagem do Jornal Zero Hora de 13 de janeiro de 2010, houve certa expectativa por parte dos governistas de que o filme Lula, o filho do Brasil, ajudasse a fortalecer a campanha de Dilma Rousseff à presidência. Com os números de plateia bem abaixo do esperado por causa da pré-estreia em novembro de 2009 e as várias sessões antes do lançamento comercial em janeiro de 2010, Pedro Butcher destacou que as críticas ao filme foram muito negativas, tendo em vista o forte caráter eleitoreiro no entorno da obra.
A seguir, faço uma síntese da vida de Luiz Inácio baseada no filme que conta sua história,ao mesmo tempo que, apresento como o trinômio criação-queda-redenção acompanha a cosmovisão lulopetista presente na obra e na esperança de boa parte dos brasileiros.
Síntese e cosmovisão subjacente ao filme Lula, o filho do Brasil
O filme começa sob uma perspectiva de miséria, carência e desesperança— características de muitas áreas do Brasil. Luiz Inácio da Silva nasceu em Caetés, Pernambuco, no dia 27 de outubro de 1945. O início do filme retrata todo o cenário de sofrimento, excesso de trabalho, falta de estrutura e infraestrutura presentes naquela região. Em meio a muitos gemidos e sofrimento, as crianças são apresentadas em um cenário sub-humano.
Logo após tais cenas, junto de sua mãe, Luiz Inácio e seus irmãos vão para São Paulo depois de uma controvertida carta escrita por seu irmão mais velho. No caminho, o cenário supervaloriza o choro, a morte de animais e de passageiros do caminhão que os leva para São Paulo. É enfatizada a gravidez precoce, a pobreza, a falta de trabalho, de educação e de vida. Após treze dias de viagem em cima do caminhão, chegam a Santos-SP.
O primeiro ponto que considero significativo quanto à cosmovisão da autora, é seu compromisso para mostrar Luiz Inácio da Silva como uma espécie de messias dentro de um contexto de caos quase absoluto, do qual ele emerge.
O cenário de morte e caos, presente em cenários dos quais emergem os “messias”da humanidade, está presente fortemente no início do filme. Muito choro, animais mortos, uma criança morta no caminhão , entre outras cenas já mencionadas acima, dão o pano de fundo de onde Luiz Inácio surgiria.
Lula, o Filho do Brasil, é uma obra muito consistente com a aparente cosmovisão existencialista e ateísta da autora, Denise Paraná. Desde o início, transparece a compreensão de que não há providência divina, mas fatos históricos que acontecem livremente, de acordo com o arbítrio dos homens e do contexto em que vivem.
Desde pequeno, Luiz Inácio é apresentado como um bom menino: educado e trabalhador, no ofício de engraxate. Seu pai, um homem rude, o priva de brincadeiras para que, desde cedo, trabalhe.
Numa fatídica situação em que Luiz Inácio aparece cercado de uma áurea de grande sabedoria e coragem precoces, ele se apresenta como um salvador de sua própria família. A cena é a seguinte –primeiramente, seus irmãos mais velhos começam a apanhar do pai embriagado. Em seguida, o pai passa a bater em dona Lindu, mãe de Luiz Inácio. Nesse momento, mesmo bem pequeno, Luiz Inácio aparece para defender sua mãe, e acaba levando uma tapa de seu pai. A cena termina com Luiz Inácio dizendo: “Homem não bate em mulher”.
Como é comum na construção de um homem-messias, Luiz Inácio é retratado desde cedo como alguém que defende os que sofrem. Isso ocorre quando enfrenta seu pai embriagado que batia nos irmãos e na mãe.
Após se mudar para São Paulo, com seus irmãos e mãe, Luiz Inácio passa por momentos de alegria no futebol e no cinema, bem como por situações de grande sofrimento, como a inundação de sua casa em virtude de uma fortíssima chuva. Em meio a tudo isso, Luiz Inácio é levado por sua mãe ao SENAI de São Paulo, onde é inscrito no curso de torneiro mecânico.
Tendo aprendido a profissão, recebe seu certificado de torneiro em 1961. Em 1963, em São Bernardo do Campo, participa (pela primeira vez) de uma greve na empresa em que trabalhava. No filme, Luiz Inácio não éo idealizador, muito menos o incentivador da greve. É mostrado apenas como um espectador daquele horror, cheio de vandalismo e assassinatos hediondos.
Luiz Inácio foge da greve, sendo perseguido por seu irmão Ziza. Após discutir sobre o assassinato de dois colegas de trabalho que, aparentemente, não aderiram à greve, as cenas do filme mudam para um momento de alegria em um bar. Após a noite no bar, Luiz Inácio chega bêbado em casa.
Em primeiro de abril de 1964, o filme retrata como Luiz Inácio passou pelos dias de grande tensão na nação. É em meio a isso que o acidente no torno acontece, no qual perde um dedo de sua mão. Em meio à grande crise de trabalho (e agora sem um dedo), passa a procurar emprego em várias instituições, porém, sem sucesso. Após muito tempo, é empregado em uma metalúrgica.
Depois de uma fase de sofrimento e dor, as cenas mudam, mais uma vez, para momentos de grande alegria, tratando da paixão de Luiz por Lurdes, irmã de um amigo de infância.
Em meio a tudo isso, no meio do filme, Luiz Inácio é convidado a entrar para o Sindicato dos Metalúrgicos, o que aceita depois de relutar bastante. No sindicato, Luiz Inácio se encanta com as propostas e ideais do movimento. Neste período, casa com Lourdes e, após um tempo de alegria e da gravidez de Lourdes, perde, no mesmo dia, seu filho recém-nascido e sua esposa, com hepatite. Neste tempo, Luiz Inácio é eleito diretor do sindicato.
Depois do ano de 1975, intensifica seus discursos e chega à presidência do sindicato, tornando-se muito popular ao apresentar a visão de um novo sindicato. Neste, Luiz Inácio começa a desenvolver suas futuras e reconhecidas habilidades políticas, unindo lados opostos dentro do próprio sindicato. Um de seus chavões é: “Ninguém aqui é de esquerda e nem de direita, mas de suas famílias”.
Em seu talento para articular com lideranças de diversas posições ideológicas, Luiz Inácio é retratado como um líder unificador, à semelhança daqueles que ocupam posições de liderança religiosa, que centralizam, unificam o povo e pregam o que será vivido piamente pelos seguidores. É exatamente este quadro que o filme transmite. É aqui que o Partido dos Trabalhadores é criado, tendo Luiz Inácio como um tipo de redentor de toda a classe operária e trabalhadora.
No fatídico evento com o estádio lotado gritando seu apelido, futuramente ligado ao seu próprio nome, uma multidão de dezenas de milhares de pessoas o toma nos braços e o carrega sobre o povo. Luiz Inácio se torna uma figura unificadora. Suas palavras tornam-se um guia para os trabalhadores com ele envolvidos.
Após forte opressão militar que interditou o estádio em que se reuniam, Luiz Inácio encerra a greve, atraindo o descontentamento de seus companheiros. Neste momento, eles começam a se reunir em igrejas. E é dentro de uma igreja que Luiz Inácio faz um de seus discursos mais emocionados, quando recebe o apoio que havia, praticamente, perdido quando decidiu encerrar a greve.
Toda a áurea de religiosidade envolvida no lulopetismo, termo cunhado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, articulista da Revista VEJA, fica clara na aparição e prédica de Luiz Inácio dentro de uma igreja acerca dos valores pelos quais ficaria conhecido na política nacional. Nesta prédica, emocionada e ovacionada pela multidão que o ouvia, Luiz Inácio é tratado pela autora como um verdadeiro messias, preenchendo as esperanças e expectativas de seu povo.
Nesse período, Luiz Inácio é preso e levado ao DOPS, em São Paulo. Após 31 dias, durante os quais sua mãe falece, Luiz Inácio é solto. O filme termina com um breve relato das últimas três décadas na vida de Luiz Inácio da Silva. Relata que, de 1989 a 1998, Luiz Inácio foi candidato à presidência da república por três vezes, não sendo eleito em nenhuma das três. Todavia, no dia primeiro de janeiro de 2003, Luiz Inácio, após eleito, é empossado Presidente da República Federativa do Brasil. O filme termina com Luiz Inácio dedicando o diploma de presidente da república à sua mãe, Dona Lindu.
Tanto o livro quanto o filme retratam bem o espírito de seu tempo. Numa época extremamente pessimista quanto aos rumos da política nacional, em que grande parcela da sociedade cria seus próprios ídolos fora da arena política, como fuga da realidade, Luiz Inácio surge como a única esperança para esta grande parcela da sociedade.
Na ausência de um verdadeiro Messias, eles criam um messias à imagem e semelhança do próprio povo; na ausência de um Redentor, criam alguém que os redima e salve da situação em que vivem. Luiz Inácio é fruto da expectativa do coração do homem sem Deus, sem esperança e sem vida.
Luiz Inácio, voluntária ou involuntariamente, torna-se o ídolo desta geração que, com ele, alcançou um pouco mais de confortos materiais; contudo, sem a verdadeira salvação e paz que advém do único Messias— ainda desconhecido por muitos que depositam na centro-esquerda, esquerda e extrema-esquerda—toda sua esperança de mudança para nossa nação.
O filme retrata verdadeiramente o cenário de caos presente em muitas regiões do Brasil e a dura peregrinação de muitos nordestinos ao sudeste em busca de novas oportunidades de trabalho, comida e habitação. Retrata, igualmente, os anseios do coração humano em busca de esperança e redenção.
Tudo isso é apenas uma constatação daquilo que as Escrituras compreendem no trinômio Criação-Queda-Redenção. Como seres que aguardam sua redenção, homens e mulheres vivenciam este anseio sem saber ou reconhecer que só há um que pode cumprir o papel de Redentor.
Respostas críticas e cristãs ao filme Lula, o filho do Brasil
Lula, o Filho do Brasil,carece de informações que, uma vez percebidas, eliminariam a exposição do caráter messiânico exposto sobre Luiz Inácio. As Escrituras Sagradas relatam a trajetória humana sobre estas três bases: Criação, Queda e Redenção. Em um estado de perfeição —como o que houve antes da Queda — há um governo perfeito, um trabalho prazeroso, justo e sem sofrimento, há saúde, vida e paz. Tudo isso foi perdido com a Queda.
Desde então, os seres humanos têm criado seus ídolos que possam redimi-los desta escravidão à qual o pecado os trouxe. Buscam ídolos que possam livrá-los do governo corrupto, do trabalho injusto, da insegurança e da enfermidade. Contudo, toda e qualquer materialização da Redenção na figura de um homem ou mulher igualmente afetado pela Queda é em vão. É por isso que Luiz Inácio, ao final de seu mandato, contava com uma parcela da população brasileira, ainda que pequena, descontente com seu governo. Muitos frustrados com suas escolhas e omissões.
O lulopetismo foi uma completa frustração para aqueles que esperavam dele certa redenção de características “opressivas”do capitalismo ocidental do século XX (segundo o discurso deles próprios). Esta frustração foi evidenciada na dificuldade que o Partido dos Trabalhadores teve para eleger uma presidente que sucedesse Luiz Inácio.
O lulopetismo não respondeu, nem poderá responder aos anseios mais profundos do coração do homem. Poderá, como o fez, prover e alimentar certos ídolos igualmente presentes e compartilhados pela sociedade brasileira de menor renda. Contudo, será uma mera distração.
Além disso, as Escrituras Sagradas apresentam um aspecto redentivo que vai além das esferas das necessidades mais básicas dos seres humanos. O propósito de Deus dentro da Redenção da humanidade transcende os aspectos meramente humanos (relacionados ao coração) e atinge todo o cosmos. As Escrituras dizem que o verdadeiro Redentor, em sua redenção, alcançará redentivamente toda a criação (visível e invisível) que, de acordo com a Epístola de Paulo aos Romanos 8.22-23, aguarda com gemidos a completa Redenção.
Nenhum homem pode oferecê-la, pois é, igualmente, por ela necessitado. Toda tentativa de colocar em uma pessoa a esperança de“salvador da pátria”reflete o estado da alma daquele que construiu tal expectativa. É possível que a tese, o livro e, indiretamente, o filme, sejam resultados dos anseios do coração da autora da biografia (e inspiradora do filme), e que não é diferente dos anseios do coração de tantos brasileiros que seguem depositando no lulopetismo, nos ideais da esquerda, do governo de forma geral, no emprego, no dinheiro, enfim, em tudo que não seja o Redentor, sua esperança.
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1PARANÁ, Denise. Lula, o filho do Brasil (São Paulo: Editora Fundação Perceu Abramo, 2003).
Fontes bibliográficas
BARRIONUEVO, Alexei. “New Film May Sway Brazil’s Vote on President”, em The New York Times, acesso em 2 de setembro de 2011.
NOBLAT, Ricardo. “Lula, o filho ‘perfeito’ do Brasil?”, em O Globo. Acesso em 2 de setembro de 2011: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/11/18/lula-filho-perfeito-do-brasil-242184.asp.
NOBLAT, Ricardo. “Suspeitas pairam sobre os patrocinadores do filme”, em O Globo, acesso em 2 de setembro de 2011: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/11/25/oposicao-contra-lula-filho-do-brasil-244493.asp.
PARANÁ, Denise. Lula, o filho do Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perceu Abramo, 2003.
PARANÁ, Denise. A História de Lula, o filho do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009.
SILVA, Lurian C. Lula da.“Letter: A Film Portrayal of Lula, My Dad”, em The New York Times, acesso em 2 de setembro de 2011:http://www.nytimes.com/2010/01/27/opinion/lweb27lula.html?scp=1&sq=Lurian%20Cordeiro%20&st=cse.
Discordo da forma como foi construída a retórica desse texto. Falta independência política, que ali s, quando se cita o jornalista Reinaldo Azevedo ou mesmo a revista Veja, ‚ ratificar uma postura ultradireitista, conservadora e submissa a elite dominante. Um trabalhador (independente de ser o Lula) ou outro homem qualquer jamais poder ser o salvador da p tria. Primeiro que política e religião não se misturam, no muito, podemos orar para que Deus prepare presidentes tementes a Ele. Nem mesmo o metodista George W. Bush livrou os EUA de uma crise financeira e institucional sem precedentes em sua história. Ali s, muito pelo contr rio, ele sempre posou de salvador da p tria e usou essa estrat‚gia para invadir, dominar e massacrar v rios povos ao redor do globo. Lógico que sempre com o argumento de livrar o país infeliz do mal. Esperar o quê? Ele também ‚ fruto da Queda.
Duas coisas me ocorreram e acho que podem ser úteis para um aprofundamento futuro (ou somente para reflexão):
1- Valeria a pena fazer uma comparação entre a obra escrita e o filme, no sentido de identificar ênfases próprias desse último.
2- Seria interessante que se fizesse, antes de contrapor o Lula-Messias ao Jesus-Messias do NT, uma aproximação com o Jesus-Messias da Teologia da Libertação ou mesmo da Teologia da Prosperidade. Parece-me que h certa proximidade que poderia ser explorada, para, depois, marcar a contraposição. Assim, a reflexão faria um contraste entre o Jesus dos Evangelhos e v rios outros Messias, o Lula e certo Jesus de nosso tempo, moldados por ideologias peculiares … nossa era. além disso, o esforço faria a prosa escapar do gosto de querela política que deixou, inclusive pela adoção do termo cunhado por Reinaldo Azevedo. A conversa resultante seria mais teológica.
Deixo tais sugestäes não como crítica, mas como incentivo.
Caro C‚sar,
muito obrigado por suas consideraçäes. Sem dúvida, elas dão conteúdo para mais um ou dois artigos relacionados ao tema do messianismo por detr s das falsas teologias de hoje (Teologia da Prosperidade, Teologia da Libertação [e sua vertente evang‚lica], dentre outras).
Quanto ao suposto cheiro político no texto, ‚ inevit vel, visto que ele trata de um determinado assunto dentro de um contexto político. Não tem como fugir.
No entanto, o texto, como est no subtítulo, trata não do Lula como pessoa ou político, nem mesmo do PT, mas da cosmovisão presente no filme. Esta cosmovisão gira em torno de um messianismo em torno de uma pessoa.
O uso do termo lulopetismo foi por puro uso comum. Fosse de outro articulista brasileiro (que não Reinaldo Azevedo), o termo ainda assim me valeria pois aborda não uma pessoa em si, mas uma cosmovisão em torno dela.
Mais uma vez, obrigado por seu coment rio e ideais!
Wilson Porte Jr.