
Introdução
Creio que seja pertinente tratar do assunto Louvor e Adoração na Igreja Contemporânea (O culto como uma realidade divorciada das Escrituras), uma vez que nos tempos atuais, principalmente no contexto da igreja brasileira, a realidade do culto como um todo tem sido cada vez mais descentralizada da pessoa de Cristo e Deus tem sido substituído por figuras, marcas e símbolos, como nas religiões pagãs da antiguidade.
Inúmeras vezes vemos os cultos praticados nas igrejas cristãs, onde, por um lado, temos pastores esmerando-se em investimentos gigantescos, para a construção de templos faraônicos, na intenção de se arregimentar uma quantidade cada vez maior de pessoas no mesmo espaço, em posição de adoradores. A pergunta que se segue então é: É isso o que Deus requer de nós?
Tem sido cada vez mais comum nos cultos evangélicos, principalmente no contexto brasileiro, o mau emprego do termo adoração. O show gospel é a atração principal para aqueles que necessitam extravasar as suas alegrias e recarregar as suas baterias, com os míseros minutos, que literalmente têm sido a sobra do culto, para a pregação – nem sempre fiel – da Palavra de Deus. É esse o culto que verdadeiramente agrada a Deus?
Alimentando esse clima, o número dos ditos levitas, tem se multiplicado a cada dia, embora muitos deles nem saibam o que isso realmente significa. A maioria acredita que o verdadeiro trabalho do levita é o de louvar (cantar), embora alguns tenham em mente que não é só isso. Mas, isso não importa! O que eles querem (e acreditam estarem fazendo) é prestar a mais pura adoração a Deus. Igrejas são constantemente assediadas com suas ofertas, pastores sacrificam suas ovelhas para que consumam seus trabalhos, cria-se um trabalho de marketing em torno de tais figuras e, normalmente as multidões correm afoitas para reverenciá-los, como verdadeiros astros. No entanto, o quão distante de Deus, muitos têm se mostrado! Nesse tipo de adoração Cristo é o centro?
Assim, este trabalho visa não somente apontar o que já se percebe, como direcionar caminhos que ajudam a iniciar um processo de volta às Escrituras e que traga à nossa responsabilidade o dever de trazer Deus para o centro da nossa adoração. Um culto cristão tem que de fato ser o culto que Deus requer de nós, o culto que verdadeiramente agrada a Deus e um culto onde a pessoa de Jesus Cristo seja e esteja no centro de todas as coisas.
1. A Bíblia e o culto
Parece que os crentes de hoje estão cada vez mais distantes daquilo que a Bíblia traduz, como sendo a forma correta de se adorar a Deus. Talvez seja o caso de não terem entendido ainda o que significa a adoração verdadeira. Respondendo à pergunta: Que é Adoração Verdadeira?, Joseph S. Carroll, em seu livro Como adorar o Senhor Jesus Cristo, traz o seguinte: “O que é, então, adoração? O termo vem do latim para o nosso falar hodierno, ‘adorare’, significando amar extremosamente. No inglês, a ideia é de ‘dar valor a’. Assim, adorar Jesus Cristo é atribuir-lhe valor”. (2003, p. 34).
O culto cristão deve expressar a gratidão do coração humano ao Senhor, com uma adoração voltada para a Sua Soberania e exaltação à Sua glória. Mas, será que essa adoração, que parte do coração grato a Deus, deve ser destituída de princípios e normas? Será, que pelo fato de sermos livres em Cristo, podemos oferecer um culto do modo que acharmos melhor? Existe alguma coisa que as Escrituras nos ensinam sobre o assunto? Passemos então a verificar o que a Bíblia nos tem a dizer, mas não antes de observarmos o disposto por J. C. Ryle em sua obra Adoração – prioridade, princípios e prática:
[…] Deus é sobremodo tremendo na assembleia dos santos e temível sobre todos os que o rodeiam” (Sl 89.7). Se vale a pena participar da adoração pública, também vale a pena que o façamos com zelo e atenção. Deus está no céu, e nós estamos na terra. Não sejamos imoderados e precipitados. Consideremos o que vamos fazer. “Retenhamos a graça, para que sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor (Hb 12.28-29). (2010, p. 22,23).
O culto apresentado na Bíblia tem por objetivo a exaltação a Deus. Na Lei de Deus, dada por Moisés ao povo da aliança, havia um modelo contendo todos os elementos do verdadeiro culto que a nação deveria prestar a Deus, ainda que alguns fossem típicos e apontassem para Cristo, mas cessando após a sua vinda. Infelizmente o que mais percebemos nos cultos da atualidade é a busca por meios que agradem aos supostos adoradores. Nesse sentido, essa procura incessante tem servido de motivação para inovações e espetáculos que têm colocado o homem no centro da adoração, o que entendemos por abominação ao Senhor, assim como fizeram os filhos de Abinadabe, como apenas um dos vários exemplos na Bíblia, que ao carregarem a arca de Deus em desconformidade com a sua vontade, como relata o texto bíblico de 2 Sm 6.3. Ou seja, mesmo que existam diferentes modos de pensarmos sobre como o culto deve ser prestado a Deus, deve existir uma maneira correta como Ele próprio pensa disso. Ele se importa com a forma e com o conteúdo da adoração que prestamos ao seu nome, e isso pode ser retratado num outro incidente no relato de Levítico 10.1-3, quando os filhos de Arão, Nadabe e Abiú oferecem fogo estranho perante o altar do Senhor e foram ceifados pelo próprio Deus.
Nesse sentido, alguns textos bíblicos fazem menção à adoração a Deus, de acordo com os princípios por Ele estabelecidos, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento. São eles: Êxodo 20.4; 32.1-10; João 4.19-24; 1Coríntios 14; Apocalipse 4 e 5.
Não basta que expressemos a alegria de nossos corações, por mais emotivos ou criativos que sejamos; temos que adorar a Deus, de modo que seja agradável a Ele, e não da forma que nos satisfaça ou que pareça-nos mais fácil. O culto que prestamos ao Senhor deve ser um culto que expressa a gratidão de nossos corações, mas sem deixar de lado o princípio que Ele próprio tem estabelecido em Sua Palavra.
Na Antiga Aliança o povo de Deus dependia de um representante terreno para mediar a adoração a Deus. Este precisava se preparar para adentrar no tabernáculo.
Trazendo mais sobre a religião revelada a Israel podemos citar um pouco sobre a forma de culto apresentada em Levítico, com base nos sacrifícios e em algumas festas. Em outras palavras, todo o rito que envolvia a adoração no Antigo Testamento se dava por meio da fiel observância e prática de cada etapa do culto a Deus, não podendo ter qualquer tipo de inovação ou estratégia de origem humana. Era Deus quem determinava na Lei, todo o ritual da adoração ao seu nome.
O sacrifício perfeito e derradeiro já foi consumado em Cristo Jesus, a fim de que tenhamos Nele, a liberdade para achegarmos perante a sua face, em adoração e louvor, a fim de oferecermos a ele o culto perfeito, não com base em nós mesmos, mas com a certeza de que Nele fomos libertos do rito e do peso da Antiga Aliança, que exigia do adorador um esforço muito grande; sacrifício na verdade. Isso, não significa que temos liberdade para fazermos do culto o que quisermos ou inventarmos modismo.
Libertos em Cristo, do peso dos ritos e cerimoniais da Lei, a melhor maneira de cultuarmos a Deus, onde a adoração é verdadeiramente espiritual. De acordo com Terry Johnson “[…] O espírito da adoração, seu tom, seu humor, seu clima, deve ser de reverência. Deus deve ser adorado com ‘reverência e santo temor’ (Hb 12.28) […]”. (2005, p.247).
No rigoroso regime da Antiga Aliança não havia espaço para a criatividade humana, nem tão pouco para a inovação do culto que deveria ser oferecido a Deus. Por quê? A resposta é muito simples: porque a lei era clara e as penalidades eram conhecidas por todos. Ainda assim muitos erros foram cometidos por parte da comunidade e por parte dos levitas e sacerdotes que oficiavam na casa de Deus, entre o povo eleito. Entretanto, na Nova Aliança, pelo fato de não termos uma figura visível de algo que represente a presença de Deus no culto, ou por não termos de modo normativo, o mesmo rigor que havia no tempo veterotestamentário, cremos haver plena liberdade. De fato, existe uma liberdade plena, mas o problema não reside em tal liberdade, mas no modo como a utilizamos. Escrevendo aos gálatas o apóstolo Paulo parece frisar muito bem isso: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão”. Gl 5.1 (NVI). Ele reitera seu pensamento um pouco mais adiante: “Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; pelo contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor”. Gl 5.13 (NVI).
Parece que é aí que perdemos o rumo. Entendemos de modo libertino a Graça de Deus e agimos de forma desconexa com o seu caráter santo e profanamos o seu Santo Nome quando cultuamos do jeito que julgamos ser o melhor. Até que ponto o melhor segundo o nosso entendimento caracteriza o que é realmente o melhor para Deus? Até que ponto o que nossos lábios proferem é realmente o âmago da nossa adoração a Deus?
A adoração deve ser um reflexo do que nutrimos em nosso coração sobre quem é Deus e o que de melhor podemos oferecer a Ele.
2. Verificando a realidade do culto nas igrejas locais do leste fluminense
Devido à inquietação a respeito das práticas abusivas de adoração no culto, percorri algumas igrejas locais do leste fluminense, mais precisamente nas cidades de São Gonçalo e Niterói, a fim de buscar elementos para endossar a discussão a respeito do quanto esta realidade está presente no cotidiano de diversas denominações.
Sempre me senti muito incomodado com algumas coisas que julgo estranhas e inadequadas para o ambiente do culto e para a vida da igreja em geral. Uma delas, que não consigo entender, é a tentativa incessante de se levar os congregados a um estado de êxtase com choros, risos, movimentos e saltos, entre muitas outras. Como obreiro e ministro de música, passei por diversas situações desse tipo, quer na condução do culto, quer na ministração do louvor. Eu percebia que quando ministrava a música, as pessoas não pareciam recebê-las muito bem, devido à falta de repetições incansáveis de trechos dos cânticos e pelas “palavras proféticas” que eu não liberava para a comunidade. Muitos me viam como frio, outros nem tanto, apesar de não me importar com isso. A minha preocupação era tentar conciliar o culto com o seu sentido mais bíblico possível, todavia sem êxito.
Hoje estou convencido de que o que temos presenciado na maioria das nossas igrejas, sejam no contexto brasileiro atual ou internacional, é uma adoração cada vez mais inovadora, atraente e extravagante; qualidades que conferem status e projeção aos levitas modernos, que levam multidões de adoradores ao delírio espiritual, com músicas e palavras proféticas que só fazem aumentar ainda mais a distância entre Deus e o Seu povo.
O culto ao Senhor, não passa de tentativas de se encontrar e ter contato físico com o que é sobrenatural e não palpável, embora ensinado como se o fosse. Tem-se ensinado o povo a depender das lideranças e não a encontrar na Sã doutrina o verdadeiro sentido do culto ao Senhor. Pior, estão fazendo perecer o povo de Deus, que não tem encontrado prazer em buscá-Lo em Sua Palavra revelada, mas nas mesquinhas declarações musicais e mediocres pregações, que mais parecem capim seco, que não traz qualquer nutriente para alimentar o rebanho do Senhor. Como profetizou Oséias, “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento” (Os 4.6 – ARA). Os sacerdotes eram responsáveis por oferecer os sacrifícios e instruir o povo a respeito das exigências da aliança, mas lhes estavam negando tal conhecimento, bem como o temos visto nos dias atuais.
Vale, ressaltar ainda, que o que tenho dito até o momento exclui a pior das minhas percepções: a ideia de que adoração resume-se ou limita-se à area da musica no culto, com as suas mais variadas formas e expressões. Em suma, existe muita gente, dentro dos átrios do Senhor com o entendimento errôneo de adoração. Isso é muito triste, principalmente pelo fato de manter no engano quem acredita ter encontrado a Verdade que liberta. É quase um consenso entre os crentes atuais definirem adoração como música e louvor. Acredito que isso pode significar apenas uma pequena parte de algo muito amplo que é a adoração, e que muitas pessoas que frequentam as igrejas evangélicas, só conseguem ver como um momento do culto, mas não como todo o culto. O culto inteiro deve ser entendido como adoração, embora esta possa e deva continuar mesmo fora do ajuntamento solene, para cultuar a Deus na pessoa bendita do nosso Senhor Jesus Cristo.
Em busca de confirmação para aquilo que eu já pensava acerca da adoração e do culto pós-contemporâneo, propus uma reflexão básica a alguns líderes (pastores, presbíteros, dirigentes do louvor), bem com alguns músicos e leigos, a partir dos seguintes questionamentos:
1. Como você vê a adoração (o culto cristão) na atualidade?
2. Qual a relação existente entre essa adoração e a Palavra de Deus?
3. Qual (ais) estratégia(s) ou meio(s) a liderança pode oferecer para que a adoração esteja centrada em Cristo?
As respostas com relação à adoração e o culto cristão na atualidade foram muito diversificadas e mostram o quanto o entendimento de adoração está equivocado e, em alguns casos até desconhecido.
Entendemos que adoração significa prostrar; cair, ao passo que adoradores são os que se prostram; caem diante de. Neste sentido, se não vemos a nossa pecaminosidade diante da adoração ao Senhor, nossa adoração está vazia e destituída de temor à santidade de Deus. A partir do conceito real de adoração, segue-se a proposta de análise das entrevistas.
Só para se ter uma ideia, podemos verificar uma adoração onde a música usada para o louvor, se parece muito mais com uma apresentação artística, do que uma expressão de genuína adoração a Deus, além de estar, muitas vezes, completamente destituída da verdade bíblica. Na sua recente obra Servos de Deus, Franklin Ferreira faz referência a Johann Sebastian Bach e a sua influência musical que “nos ajuda a lembrar do alvo do culto” (2014, p.272)
[…] Quase todas as obras de Bach têm no seu princípio as letras “J.J.”, e no final “S,D.G.”. No início, Bach pede: Jesu juva! (Jesus ajuda!) e, ao ter escrito a última nota, escreve: Soli Deo Gloria (Somente a Deus a Glória!). Com Jesu juva, Bach não somente admite sua própria indignidade e inabilidade de fazer algo agradável aos olhos de Deus sem a sua ajuda, mas também confessa a sua fé em Jesus como seu Salvador. O Soli Deo Gloria é o louvor que brota de sua gratidão pela ajuda recebida. (2014, p. 272).
Depreende-se, então, que Bach reconhecia que ele nada tinha de si mesmo, mas que todo o louvor que prestaria a Deus, na forma de culto, provinha do próprio Deus.
3. Resgatando a centralidade da pessoa de Cristo no culto
Uma vez que já discorremos bastante sobre o culto apresentado nas Escrituras Sagradas e o culto que temos percebido à nossa volta na atualidade, cabe-nos aqui apresentar uma direção que resulte na adoração centralizada na pessoa de Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Quando reconhecemos que o culto deve ser oferecido a Deus, entendemos, também o quanto Ele é Soberano e digno de toda a adoração. Isso nos deve tomar de temor à Sua majestade e glória; e, nas palavras de A. W. Pink, foi o santo temor que levou Jesus a calar o tentador, direcionando a adoração ao Pai: “Certamente foi o ‘santo temor’ que impulsionou o Filho a dizer perante ele, em adoração: ‘Está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele darás culto’ (Mt 4.10)” (2002, p. 150). Ainda retratando a soberania de Deus e a sua paternidade, Pink continua: “[…] pois o reconhecimento da soberania de Deus e a compreensão de que o próprio soberano é meu Pai devem dominar-me o coração e levar-me a que me curve perante Ele, em adoração” (2002, p. 153). Ou seja, Deus é o nosso único objeto da adoração, que deve ser prestada no reconhecimento da pessoa bendita de Jesus Cristo, o nosso Salvador.
Existe um belíssimo hino da Harpa Cristã, o hinário das Assembleias de Deus no Brasil, chamado Grata Nova. Sua letra é muito atual e não trata especificamente de adoração, mas reflete a condição do homem em suas várias tentativas de alcançar a salvação pelas obras e sacrifícios oferecidos a quem nada pode fazer.
Com ofertas e obras mortas,
Sacrifícios sem valor,
Enganado, pensa o homem,
Propiciar seu Criador,
Meios de salvar-se inventa;
Clama, roga em seu favor,
A supostos mediadores,
Desprezando o Deus de amor.
O mesmo tem acontecido com a adoração. Tem-se tentado tirar Jesus de cena, substituindo-O por coisas fúteis e banalidades, tentando agradar a pessoas e, quem sabe, até achando que estão agradando de fato a Deus.
Não existe sentido na adoração e nem há adoração de fato, se não temos Cristo Jesus como Mediador entre Deus e nós (1Tm 2.5). Na verdade, a Bíblia nos tem mostrado que Ele é digno de receber toda a glória, louvor e adoração. Isso fica muito latente, quando olhamos para o texto de Apocalipse capítulo 4 e vemos a atitude dos vinte e quatro anciãos que se prostram diante daquele que se assenta sobre o trono:
Os vinte e quatro anciãos se prostram diante daquele que está assentado no trono e adoram aquele que vive para todo sempre. Eles lançam as suas coroas diante do trono, e dizem: “Tu, Senhor e Deus nosso, és digno de receber a glória, a honra e o poder, porque criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas”. Ap. 4.10,11 (NVI).
Assim, nossas congregações precisam reconhecer a dignidade de Deus e do Cordeiro, como expresso em Ap 5.9-12, constituindo uma imensa falha de princípio, se não o fizermos. O texto de 5.12 diz o seguinte: E cantavam em alta voz: “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor!” (NVI).
Se temos as Escrituras Sagradas como o nosso manual de fé e conduta, e entendermos que a adoração é uma forma de conduta cristã, visto que o adorador a faz por fé, torna-se desnecessário dizer que nossa adoração precisa estar sujeita às prescrições desse manual e em profunda harmonia com ele.
O culto e a adoração que Deus deseja, passa pela via dos preceitos divinos, expressos nas Escrituras Sagradas, bem como expresso na Confissão de Fé de Westminster:
A luz da natureza mostra que há um Deus, que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas, o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua própria vontade revelada, que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens, ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras. (2001, p.168)
Não cabe ao adorador a decisão de como adorar. Os princípios para uma adoração verdadeira e cristocêntrica devem ser os que já estão prescritos pelas Sagradas Escrituras, cabendo-nos a parte de segui-los em honra à santidade de Deus.
O apóstolo Paulo escrevendo aos Romanos, fez questão de rogar a aqueles irmãos que cultuassem com inteligência. Ele suplica pelas misericórdias de Deus. Parece que eram tempos muito parecidos com o nosso – cultos irracionais: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” Rm 12.1 (ARA).
Acerca disso, John Piper dá a sua contribuição, afirmando que a adoração a Deus se dá em algum nível de conhecimento, ou não é a Deus que adoramos:
É nosso dever e deleite adorar o nosso grande Deus, mas Ele não é honrado mediante adoração ignorante, pois isto seria uma charada. A adoração tem de se fundamentar em algum conhecimento. Do contrário, não é o verdadeiro Deus a quem adoramos. (2007, p. 61)
Adoração sem intelecto pode conduzir, em muitos casos, a situações que envolvam meninices e irracionalidade, que caracteriza imaturidade espiritual, uma vez que não se pratica com o entendimento, muito embora possa partir da sinceridade do coração.
O povo de Deus precisa agir de modo inteligente em todas as coisas. O nosso Deus é um Deus que se relaciona conosco de modo inteligível, mas isso não parece ser uma verdade nos últimos dias. Temos a impressão, de que nas comunidades cristãs, essa habilidade está em falta, lamentavelmente.
Torna-se necessário que o crente adore ao Senhor com toda a força do seu coração. O profeta Isaías denuncia a gravidade da adoração da nação, que oferecia uma adoração com os lábios, mas não com o seu âmago – o coração: “Esse povo se aproxima de mim com a boca e me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.” Is 29.13 (NVI).
Precisamos compreender, em todos os sentidos, que a adoração não pode ser destituída de uma vida devotada a Deus. O texto de Paulo aos Romanos parece trazer uma ideia de que o coração deve estar envolvido na adoração a Cristo: “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” Rm 10.9 (ARA).
Este tem sido um outro aspecto altamente negligenciado no culto cristão onde tanto as lideranças como a igreja, têm demonstrado falta de temor a Deus e à Sua Palavra. Atitudes e movimentos irreverentes têm se tornado cada vez mais constantes em nossos cultos, que na verdade parecem estar sendo oferecidos a homens e não ao Senhor. Diante da presença santa de Deus, precisamos demonstrar reverência e santo temor.
Será que não temos profanado o nome do Senhor em nossos dias, com o culto que temos prestado? Será que tudo o que leva o nome de Deus, realmente configura o louvor que é devido ao seu santo nome?
Considerações
Cabe aqui dizer, que a realidade percebida, que me motivou a empreender o estudo é de fato a realidade comprovada pela pesquisa realizada nas igrejas da região e das entrevistas a mim concedidas por várias pessoas de várias igrejas, com costumes e práticas bastante diferentes, mas com uma fé em comum. Considerando tudo o que foi visto e ouvido, de fato, o culto que temos prestado na atualidade (em sua maioria), não reflete nem em forma, nem em conteúdo o que a Palavra de Deus ensina. Talvez seja pela nossa falta de relacionamento claro entre o que cremos e o que cantamos.
Em outras palavras, não temos tido um coração aplicado ao que cremos. Nem sempre nosso discurso está em conformidade com a nossa conduta, durante o culto a Deus. Acredito que a nossa teologia deve estar aliada à nossa prática.
Assim, cabe-nos render graças ao Senhor, em adoração ao seu nome, mas de modo a evidenciar o relacionamento que Ele tem conosco, por sermos o seu povo escolhido, como afirma o apóstolo Pedro: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. 1 Pe 2.9 (ARA).
De acordo com o pensamento de J. I. Packer, sobre os puritanos, em Entre os Gigantes de Deus, “Na adoração, precisamos buscar expressar de volta a Deus, mediante a nossa reação, aquele conhecimento que temos recebido dEle através de sua revelação.” (1996, p. 273). Vale ressaltar, também que o culto puritano, conforme descrito por Leland Riken na obra Santos no Mundo, “era ordenado e claramente organizado”; um culto que “restringia cerimônia e ritual”; onde os puritanos “simplificaram a arquitetura e a mobília da igreja”; também “simplificaram a música na igreja”; “simplificaram os sacramentos”; e, por fim, “a relativa simplicidade do culto Puritano é evidente em seus objetivos de culto claramente definidos”. (1992, p. 130-132).
Como qualquer um de nós, os puritanos também não eram perfeitos e talvez nem fosse isso que buscavam. Mas uma coisa podemos perceber sobre eles: se esforçavam para oferecer o melhor de suas vidas, na tentativa de prestar a Deus, um culto que lhe fosse agradável, ou pelo menos, o mais próximo disso possível. E isso, com certeza, incluía uma adoração centrada em Cristo.
Nesse sentido, fica claro que todos nós temos consciência de nossos delitos em relação à adoração a Deus, sendo consenso entre os entrevistados, que necessitamos voltar aos princípios bíblicos para uma adoração centralizada em Cristo. Mas por que será que ainda não fizemos isso? Por que não tomamos a iniciativa ainda hoje e passemos desfrutar de momentos ainda melhores e prazerosos na presença de um Deus que nos tem criado para o louvor da Sua própria glória e honra? Esse é nosso objetivo aqui.
Se tivermos um crente mudando de atitude amanhã, já me dou por satisfeito; pelo menos alguém entendeu a necessidade e viu de modo claro, assim como Isaías viu: adoração acompanhada de reverência à santidade de Deus; uma adoração que expressa a modéstia por conta de quem se prostra a adorar e uma urgência em prestar adoração ao Supremo Ser de Deus, que é três vezes santo (Is 6. 3).
Finalmente, uma citação da Declaração de Cambridge sobre o Soli Deo gloria: a erosão do culto centrado em Deus, no Apêndice: Documentos da igreja, na obra de Franklin Ferreira:
Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os apetites de consumo, ou nossos interesses espirituais particulares. Precisamos nos focalizar em Deus em nossa adoração, e não em satisfazer nossas próprias necessidades. Deus é soberano no culto, não nós. Nossa preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos próprios impérios, popularidade ou êxito. (2013, p.263).
De fato uma adoração significativa é aquela que tem por centralidade o Cristo Ressurreto, e que deve ser sempre exaltado e adorado como tal. O nosso Redentor é aquele a quem a igreja deve reverenciar conforme os seus preceitos, atribuindo-lhe uma adoração cuja glória seja somente a Ele. Soli Deo gloria.
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