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F. UMA ADVERTÊNCIA GERAL
Comentando o 9º Mandamento, “Não furtarás”, Calvino admite que “há muitas espécies de ladrões”; contudo, não quer se deter em demasia “fazendo listas das diferentes classes de furtos e roubos”. Resume então:
“…. todos os meios utilizados pelos homens para enriquecimento com prejuízo de outros, afastando-se da sinceridade cristã, que deve ser mantida com carinho, e agindo com fingimento e astúcia, enganando e prejudicando o próximo – os que assim procedem devem ser considerados ladrões. Embora os que agem desse modo muitas vezes ganhem na defesa da sua causa diante do juiz, Deus não os considerará como outra coisa senão ladrões. Porque ele vê as armadilhas que pessoas da alta sociedade de longe armam para pegar gente simples em suas redes; Ele vê os pesados impostos e taxas que os grandes da terra impõem aos pequenos, para oprimi-los; Ele vê como são venenosas as lisonjas utilizadas por aqueles que querem destruir o próximo por meio de mentiras e outras formas de falsidade. Essas coisas geralmente não chegam ao conhecimento dos homens.
“Além disso, transgressão deste mandamento não é só prejudicar alguém quanto a dinheiro, comércio ou direito de propriedade, mas também quanto ao não atendimento a qualquer dever nosso e a qualquer direito do próximo. Porque tanto defraudamos o nosso próximo usurpando os seus bens como lhe negando os serviços que lhe devemos prestar. Assim, se um procurador ou mordomo ou administrador, em vez de zelar dos bens entregues aos seus cuidados, viver na ociosidade, sem se preocupar com o seu dever de procurar o bem daquele que lhe dá o sustento; se desperdiçar ou empregar mal o que lhe foi confiado, ou o gastar em coisas supérfluas; se o empregado zombar do seu chefe ou patrão, se divulgar os seus segredos, ou se planejar algo contra os bens dele ou contra a sua reputação ou contra a sua vida [Rm 13;1Pe 2; Tt 3]; se, por outro lado, o chefe ou patrão ou pai tratar desumanamente os seus subordinados ou a sua família, para Deus é um ladrão. Porque, aquele que não pratica o que a sua vocação o manda fazer pelos outros, com isso retém o que pertence a outros”.1
Em 1562 Calvino escreve esta oração para ser feita antes do trabalho:
“Nosso bom Deus, Pai e salvador, uma vez que a ti te aprouve ordenar que trabalhemos para podermos atender à nossa indigência, por tua graça, de tal modo abençoa nosso labor que tua bênção estenda até nós, sem o que ninguém poderá prosperar no bem, e que tal favor nos sirva para testemunho de sua bondade e assistência mercê da qual reconheçamos o paternal cuidado que tens de nós. Ademais, Senhor, que te apraza assistir-nos por teu Santo Espírito, para que possamos exercer fielmente nossos múnus e vocação sem qualquer dolo ou engano, pelo contrário, que tenhamos antes o propósito de seguir tua injunção que satisfazer o desejo de enriquecer-nos; que se, não obstante, a ti te apraz prosperar nosso labor, que também nos dês a disposição de proporcionar a assistência àqueles que estão na indigência, segundo os recursos que nos houveres dado, retendo-nos em toda humildade, a fim de que nos não elevemos acima daqueles que não hajam recebidos tal abundância da tua dadivosidade. Ou, se nos queres tratar em maior pobreza e indigência do que desejaria nossa carne, que te apraza fazer-nos a graça de acrescentar fé em tuas promessas, para fazer-nos seguros de que nos haverás de, por tua bondade, prover-nos sempre o sustento, de sorte que não caiamos na desconfiança; antes, pelo contrário, esperemos pacientemente que nos cumules não somente de tuas graças temporais, mas também de suas graças espirituais, para que tenhamos sempre mais amplo motivo e ocasião de render-te graças e descansar inteiramente em tua só bondade. Ouve-nos, Pai de misericórdia, por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor”.2
C) DESAFIO E SERVIÇO: UMA REFLEXÃO EMBRIONÁRIA
Só há desafio onde existe a perda de fé em algo ou alguém. O desafio pode ser feito justamente para provar que há razão para a fé, apesar daqueles que creem que quem assim crê, tem uma fé infundada:
a) Desafio porque não mais acredito que você possa fazer ou provar: “Desafio você a me provar isso”; “Desafio a fazer o que disse”; duelo. Em síntese: pago para ver…
b) Desafio você ou a mim mesmo para provar que somos capazes. Neste caso, buscamos ou criamos estímulo para demonstrar o quanto a falta de fé do outro era infundada. Na realidade a falta de fé do outro pode ser um desafio para que eu mostre que sou capaz. Chesterton (1874-1936), por exemplo, inicia o seu livro Ortodoxia (1908) assim: “A única desculpa possível para este livro é que se trata de uma resposta a um desafio”. Ele se refere à crítica feita pelo jornalista britânico George S. Street (1867-1936) ao seu livro anterior, Hereges (1905). Continua: “Talvez tenha sido uma sugestão incauta, dirigida como foi a alguém sempre mais que disposto a escrever um livro diante da mais ligeira provocação”.3
c) Alguém me desafia porque acredita que tenho potencial para realizar determinada tarefa enquanto que eu mesmo esteja descrente e inseguro quanto a isso.
d) Posso também participar de um desafio, por exemplo, musical, no qual nos desafiamos com o intuito de criar situações embaraçosas para o outro a fim de testar a sua superação e vice-versa (“canto ao desafio”).
e) Posso também, de forma amena, dizer que tais pratos desafiam a minha dieta. Sinto-me instigado a quebrá-la. No caso, eu como desafiante e desafiado estou sem fé em minha capacidade de resistência…. A dieta começará amanhã….
f) Considerando-me capaz, “desafio o perigo”; não acredito que ele seja tão perigoso assim…
O desafio sempre pressupõe a fé e a falta de fé; ambas caminham juntas, ainda que não concomitantemente, na mesma direção. Curiosamente, o verbo “desafiar” (latim: Disfidare) traz em si o sentido de perda da fé, confiança.
Conduzindo a questão ao nosso tema, podemos dizer que o nosso desafio absoluto como cristãos – o desafio existe porque, usando a expressão de Lutero (1483-1546)4 somos simultaneamente justo e pecador (“Simul justus et peccator”) –, é de obedecer a Deus; este é o nosso desafio absoluto; a nossa luta, o nosso bom combate da fé. Esta luta sempre vale a pena. No entanto, como seres contingentes que somos devido ao nosso pecado e pela condição de “criatura”, os absolutos assumem configurações próprias, relativas, conforme a nossa percepção da realidade no mundo no qual vivemos. Com a relatividade do absoluto não estou negando a sua condição de imperativo categórico, antes, estou afirmando a nossa contingência que faz com que de acordo com a relação que estabelecemos com o nosso meio, aliada à necessidade imperiosa e fundamental de sermos fiéis a Deus, nos sintamos desafiados a interpretar e agir conforme a nossa fé diante daquelas circunstâncias. Exemplifico: Um pastor de uma igreja de classe média, observando a pobreza e carência de sua região, pode sentir-se desafiado a desenvolver um intenso trabalho social, partilhando dos benefícios da fé cristã com o seu próximo, por intermédio de escolas, creches, cursos de orientação sobre higiene, prevenção de drogas, cidadania, etc. Neste caso este pastor sentiu-se desafiado pela condição social de seus vizinhos, a manifestar a sua fé desta maneira: o absoluto se relativizou nesta prática; nesta relação com o seu habitat. Tomemos outro exemplo: Sou um professor universitário e observo que muitos de meus alunos estão sendo conduzidos a uma forma de ver a realidade totalmente distante de valores cristãos, caminhando dentro de um vácuo no qual seus professores esforçam-se por destruir toda a sua fé, restando-lhe apenas o cinismo e sarcasmo como manifestações de discordância, atitudes que nada acrescentam na solução de seus problemas.5 Posso entender que o meu desafio como cristão é tentar me aproximar desses jovens, ouvi-los, criar grupos de estudo, debater questões que fundamentam a nossa perspectiva e que devem nos conduzir ao redirecionamento de nossas forças, etc. Pois bem, em ambos os exemplos, que obviamente não esgotam a realidade, temos a aplicação de uma fé que deseja agradar a Deus sendo-Lhe obediente mas, que a direcionou, conforme sua percepção e possibilidade, para estas questões. Um risco que corremos sempre, é o de achar que o nosso desafio é maior do que o do nosso irmão, ou que ambos se excluem, como se não fosse possível ambos conviverem visto que, na realidade, não se excluem e caminham na mesma direção: obediência ao absoluto.
Foi dentro desta perspectiva, para citar apenas alguns exemplos, que surgiram as escolas, creches, academias, asilos, hospitais, inúmeros projetos, etc., criados pelas igrejas. É preciso que não criemos excludências onde há apenas percepções diferentes. Aliás, esta pode ser uma forma perigosa, autoritária, ideológica e não cristã de rotular aqueles que não aderem as suas lutas. E mais: a nossa percepção, por si só não se sustenta como paradigma da verdade; o nosso tribunal definitivo é o Espírito falando por intermédio das Escrituras. Portanto, nos desafiemos com fé, certos de que, pelo Espírito, poderemos ser cada vez mais eficazes na vivência de nossa fé na sociedade.
Anotações Pontuais
“A obra de Cristo é o que torna possível os pecadores viverem doxologicamente e trabalharem em obediência a Deus” – Ray Pennings.6
Retornando, vemos que o Protestantismo, com os seus princípios econômicos, com a sua ênfase no livre exame das Escrituras, na salvação pessoal e na responsabilidade de cada homem diante de Deus, contribuiu na esteira Renascentista para a maturidade do homem moderno, enfatizando a responsabilidade individual perante Deus, sem excluir, contudo, o aspecto comunitário da vida cristã e a relevância da sociabilidade entre os fiéis. Onde quer que o Protestantismo fincasse suas raízes, a sua influência se tornaria notória como uma força modeladora da cultura, não apenas da vida religiosa.7 Lembremo-nos de que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra Protestante e, de que F.W. Taylor (1856-1915), “o fundador da administração científica”, era protestante e norte-americano.8
Max Weber (1864-1920) ao analisar o progresso econômico protestante, não conseguiu captar adequadamente este aspecto fundamental no protestantismo, que enfatiza o trabalho, não simplesmente pelo dever ou vocação, conforme Weber entendeu, mas sim, para a glória de Deus; este é o fator preponderante que escapou à sua compreensão.9
Precisamos aqui enfatizar alguns pontos já vistos. As Escrituras nos ensinam que Deus nos criou para o trabalho (Gn 2.8,15). O trabalho, portanto, faz parte do propósito de Deus para o ser humano, sendo objeto de satisfação humana: “Em vindo o sol, (…) sai o homem para o seu trabalho, e para o seu encargo até à tarde” (Sl 104.22-23). Na concepção cristã, o trabalho dignifica o homem, devendo o cristão estar motivado a despeito do seu baixo salário ou do reconhecimento humano; embora as Escrituras também observem que o trabalhador é digno do seu salário (Lc 10.7). Seu trabalho deve ser entendido como uma prenda feita a Deus, independentemente dos senhores terrenos; deste modo, o que de fato importa, não é o trabalho em si, mas sim o espírito com o qual ele é feito; a dignidade deve permear todas as nossas obras, visto que as realizamos para o Senhor e pela capacitação do Senhor: “Ao executarem o que Deus lhes determinou, os homens devem começar sempre com oração, invocando o nome de Deus e oferecendo-Lhe seus labores, para que Ele os abençoe”.10 O nosso trabalho revela a nossa percepção de Deus e de Sua Criação.
A prestação de contas de nosso trabalho deverá ser feita a Deus; é Ele com o seu escrutínio perfeito e eterno Quem julgará as obras de nossas mãos, daí a recomendação do Apóstolo Paulo:
“E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus (…). Servos, obedecei em tudo aos vossos senhores segundo a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-só agradar homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor. Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor, e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo; pois aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas. Senhores, tratai aos servos com justiça e com equidade, certos de que também vós tendes Senhor no céu.” (Cl 3.17,22-4.1)(Veja-se: Ef 6.5-9).
Portanto, não há desculpas para a fuga do trabalho, mesmo em nome de um motivo supostamente religioso (1Ts 4.9-12/Ef 4.28; 1Tm 5.11-13).
Um comentarista bíblico resume bem o espírito cristão do trabalho, afirmando: “O trabalhador deve fazê-lo como se fosse para Cristo. Nós não trabalhamos pelo pagamento, nem por ambição, nem para satisfazer a um amo terreno. Trabalhamos de tal maneira que possamos tomar cada trabalho e oferecê-lo a Cristo”.11 (Veja-se: 1Tm 6.1-2).
Como vimos, desde a criação o homem foi colocado numa posição acima das outras criaturas, cabendo-lhe o domínio sobre os outros seres criados, sendo abençoado por Deus com a capacidade de procriar-se (Gn 1.22)12 e dispondo de grande parte da criação para o seu alimento (Gn 1.26-30; 2.9). Como indicativo da posição elevada em que o homem foi colocado, o Criador compartilha com ele do poder de nomear os animais, e também de dar nome à sua mulher (Gn 2.19,20,23; 3.20). E mais: Deus delega-lhe poderes para cultivar e guardar o jardim do Éden (Gn 2.15), demonstrando a sua relação de domínio sobre a natureza. No entanto, todas estas atividades envolvem o trabalho compartilhado por Deus com o ser humano. O nomear, procriar, dominar, guardar e cultivar refletem a graça providente e capacitante de Deus.
O homem é um ser que trabalha. A sua mão é uma arma “politécnica”, instrumento exclusivo e incomparável de construção, reconstrução e transformação.13 Faz parte da essência do homem trabalhar. O trabalho é algo bom em si mesmo, não simplesmente pelo que ele proporciona.14 O homem é um artífice que constrói, transforma, modifica; a sua vida é um eterno devir, que se realiza no fazer como expressão do seu ser orientado e direcionando para valores que acredita serem relevantes. Portanto, o trabalho deve ter sempre um sentido axiológico.15 O ser como não pode se limitar ao simples fazer, está sempre à procura de novas criações, que envolvem trabalho. No trabalho o homem concretiza a sua liberdade de ser. Acontece, que se o homem é o que é, o seu trabalho revela parte da sua essência. A “originalidade” do seu trabalho será uma decorrência natural da sua autenticidade.16 O homem autentica-se no seu ato construtivo, ainda que este seja resultado de suas tensões.17 Por isso, nunca poderemos ter como meta da sociedade, a ausência do trabalho. O trabalho não é resultado do pecado. O homem foi criado para o trabalho não para permanecer na inatividade e indolência.18 Portanto, aposentar-me de um determinado trabalho não significa abandonar a condição de “ser” que trabalha.19 No trabalho nós expressamos e aperfeiçoamos a nossa humanidade, cumprindo a nossa vocação.20 Deixar de trabalhar significa deixar de utilizar parte da sua potência, equivale a deixar parcialmente de ser homem; em outras palavras, seria uma desumanidade.
Lamentavelmente, o conceito Protestante do trabalho, no pensamento moderno, foi secularizado, abandonando aos poucos a concepção religiosa que lhe dera suporte, tornando-se agora apenas uma questão de racionalidade, não necessariamente de “vocação” ou de “glorificação a Deus”. Perdeu-se a “infraestrutura”, ficou-se apenas com a “superestrutura”.21 Delumeau resume com pertinência: “Na verdade, o Protestantismo não engendrou em seus fiéis a mentalidade capitalista a não ser na medida em que perdeu seu tônus religioso e se tornou infiel a Calvino”.22
C. Oração, Trabalho e Descanso
“Há uma diferença entre lavar louças e pregar a palavra de Deus; mas no tocante a agradar a Deus; nenhuma em absoluto” ‒ William Tyndale.23
“Quer você esteja fazendo a exegese do Salmo 110, quer esteja examinando as penas de um pica-pau, você deve oferecer a obra a Deus e ver esse esforço intelectual, essa erudição, como parte da adoração”‒ D.A. Carson.24
“Não existe monasticismo no Cristianismo” ‒ Francis Schaeffer.25
Jesus Cristo nos ensinou a orar: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Mt 6.11). Algo surpreendente nesta petição é a passagem da consideração da majestade de Deus e da vinda do Seu Reino (Mt 6.10) para “o pão nosso”. Isto é maravilhoso!: O Deus que habita o alto e sublime, o Deus soberano, cuja majestade não pode ser contida por todo o universo, também Se preocupa com as nossas necessidades e nos ensina a suplicar-Lhe por elas; faz-nos enxergar o que de fato é prioritário e, ao mesmo tempo, nos ensina a pedir por aquilo que também é necessário para a nossa existência.
Deus declara em Sua Palavra a respeito de Si mesmo: “Porque assim diz o Alto, o sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o coração dos contritos” (Is 57.15).
Lloyd-Jones comenta de forma extasiada:
“Esse é o milagre da redenção. Esse é o sentido mesmo da encarnação, a qual nos ensina que o Senhor Jesus Cristo cuida de nós aqui na terra, ligando-nos com o Todo-Poderoso Deus da glória. O reino de Deus e o meu pão diário!”.26
Uma das coisas fascinantes que este texto de um modo especial nos ensina é que o Deus que cuida do universo, dos seus diversos sistemas e galáxias, sustentando todas as coisas com o Seu poder, também cuida de nós, das nossas necessidades, por mais irrelevantes que elas possam parecer muitas vezes ao nosso seme-lhante. Isto nos enche de reverente gratidão e conforto: Deus cuida de nossas necessidades. Calvino comenta com sensibilidade que, “seja qual for a maneira em que Deus se agrada em socorrer-nos, ele não exige nada mais de nós senão que sejamos agradecidos pelo socorro e o guardemos na memória”.27
Esta petição, que parece tão simples, tem sido, ao longo dos séculos, alvo de grandes disputas a respeito de uma palavra grega que é traduzida como “cada dia” ou “cotidiano” (e)piou/sioj = “suficiente para o dia”, “suprimento para o dia vindouro”, “suficientemente para cada dia”). O problema da tradução desta palavra é que ela era praticamente desconhecida na literatura grega, fora dos textos de Mateus e Lucas.28 Não vamos nos alongar nesta questão – inclusive porque tem sido impossível precisar a derivação da palavra29 –, contudo, entendemos que o sentido básico desta petição é: “O pão que é-nos necessário, dá-nos hoje, dia após dia“, estando implícita nesta oração a certeza da providência de Deus, bem como a necessidade de estarmos sempre atentos a este fato, certos de que o Senhor cuida de nós dia após dia (Sl 37.25). Calvino está correto ao dizer: “A maior de todas as misérias é o desconhecimento da providência de Deus; e a suprema bem-aventurança é conhecê-la”.30
Como é óbvio, o “pão” aqui – que era a “comida principal de Israel”31 –, significa a nossa comida em geral (1Sm 20.34; Lc 15.17), bem como todas as nossas necessidades físicas (Dt 8.3/Mt 4.4/Lc 4.4).32 Portanto, o “pão” deve ser entendido, neste contexto, como sendo tudo aquilo que é necessário à nossa vida: alimento, saúde, lar, cônjuge, filhos, bom governo, paz, vestuário, bom relacionamento social, etc.33 Aprendemos, de forma decorrente, que Deus não menospreza o nosso corpo; Ele não desconsidera as nossas necessidades vitais; Jesus nos ensina a orar também por elas. Deus cuida do homem inteiro; considera-nos como de fato somos, seres integrais, que têm carências próprias que precisam ser supridas. Nem poderia ser diferente considerando que a nossa salvação é integral: corpo e alma.
Analisemos agora, algumas outras lições que podemos aprender com esta petição que, indiretamente, está relacionada ao Quarto Mandamento:
1) MODERAÇÃO
Jesus nos ensina aqui a ser moderados em nossos desejos e petições; Ele nos ensina a orar pedindo o pão, não o luxo, o supérfluo; mas, sim, o que é necessário à nossa vida.
Esta lição encontramos em outros textos bíblicos. Tiago diz: “Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (Tg 4.2). Agur suplica a Deus duas coisas: “Afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza: dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Que é o Senhor? ou que, empobrecido, não venha a furtar, e profane o nome de Deus” (Pv 30.8-9). Paulo aconselha a Timóteo, a fim de que ele também ensine isto: “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé, e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1Tm 6.8-10).
Aqui não há nenhuma recriminação à riqueza, todavia somos alertados quanto ao seu perigo; por isso, Je-sus nos ensina a pedir o necessário. A abundância, que está longe de ser má se si, com muita frequência, pode nos fazer esquecer Deus e de Seus benefícios. Neste caso, é verdade, o mal não está na fartura, mas, na imaturidade daquele que, ao invés de possuí-la, deixou-se dominar por ela.
Bernardo de Claraval (1090-1153), disse: “Não permitam que eu tenha tamanha miséria, pois dar a mim o que desejo, dar a mim o que meu coração almeja, é um dos mais terríveis julgamentos do mundo”.34
A moderação é um aprendizado que deve nos acompanhar em toda a nossa vida. Por isso, Jesus nos ensina a começar a disciplinar as nossas orações naquilo que pedimos a Deus, pois somente assim poderemos aprender a estar contentes e a descobrir o quanto Deus nos tem dado. Paulo, preso, pôde escrever aos filipenses: “…Aprendi35 a viver contente36 em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado, como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de abundância, como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-13).
O mesmo Jesus, que em sua vida terrena viveu de forma sóbria e modesta é Quem nos pedirá conta do uso que fazemos dos recursos que Ele nos confiou.
2) CONFIANÇA
“Os fiéis, em contrapartida, embora vivam uma vida laboriosa, seguem sua vocação com mentes serenas e tranquilas. Assim, as mãos dos fiéis não são ociosas, mas a sua mente descansa na quietude da fé, como se estivessem dormindo” – João Calvino.37
Esta petição nos desafia a confiar diariamente no cuidado providente de Deus, nosso Pai. Esta oração não nos ensina a pedir para o futuro mas, sim, a pedir para as nossas necessidades diárias; para o nosso hoje. Jesus quer nos ensinar a não ficar ansiosos pelo futuro, diante do desconhecido, antes a confiarmos inteiramente em Deus, colocando diante dEle em oração as nossas aspirações e necessidades. Jesus Cristo, no Sermão do Monte, nos instrui de forma paterna a respeito de algo que fazia parte de sua experiência cotidiana: “…Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo quanto ao que haveis de vestir (…). Não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal” (Mt 6.25,34).
Paulo preso, instrui à igreja de Filipos que sofria perseguição e, ao mesmo tempo, enfrentava dissensões internas: “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp 4.7). Na sequencia, seguindo os ensinamentos de Cristo, continua: “Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça” (Fp 4.6).
Quando confiamos em Deus e depositamos sobre Ele as nossas incertezas, podemos usufruir da Sua paz que guarda a nossa mente e o nosso coração. A paz de Deus não significa, necessariamente, o escape do problema, ou um estado ideal de imperturbabilidade como queriam os gregos,38 mas, a paz em meio à dificuldade resultante da nossa confiança em Deus. Aqui temos um aprendizado da fé.
No deserto, Deus desafiou o povo a aprender esta lição por meio do maná que lhes era concedido diariamente. Antes mesmo de Deus promulgar o quarto mandamento, Ele ensinou o povo a utilizar bem o seu tempo e a confiar nEle.39 O texto Sagrado registra a instrução divina: “Eis que vos farei chover do céu pão, e o povo sairá, e colherá diariamente a porção para cada dia, para que eu ponha à prova se anda na minha lei ou não. Dar-se-á que, ao sexto dia, prepararão o que colherem, e será dois tantos do que colhem cada dia” (Ex 16.4-5).
Alguns homens, mais “previdentes”, tentaram ir além da ordem divina, guardaram o maná para o dia seguinte. Resultado: deu bicho, apodreceu e fedeu (Ex 16.20).40 O desafio de Deus era para que o povo, manhã após manhã renovasse a sua confiança nEle, aprendendo a descansar nas Suas promessas, sabendo que Deus não falharia, como escreveu Pedro: “Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7). Somos intimados a descansar em Deus, confiantes de que “….assim como nosso Pai nos nutriu hoje, Ele não falhará amanhã”.41
Comentando o Salmo 3, Calvino ressalta: “Era um sinal de inusitada fé quando, golpeado por tão grande consternação, se aventura a fazer francamente sua queixa a Deus e, por assim dizer, derramar sua alma no seio divino. E certamente que este é o único remédio que pode aplacar nossos temores, a saber, lançar sobre ele todas as preocupações que nos atribulam….”42
O Catecismo de Heidelberg (1563), assim comenta esta petição:
“…. Digna-te suprir todas as nossas necessidades corporais, a fim de que, por esse motivo reconheçamos que és a única fonte de tudo o que é bom, e que sem tua bênção nem nosso cuidado e trabalho, nem os teus dons podem proporcionar-nos qualquer bem. Consequentemente, que retiremos a nossa confiança de todas as demais criaturas e a ponhamos somente em ti”.43
Outro ponto relevante, é a forma que Deus usa para nos educar. Na realidade Deus pode usar qualquer meio que se harmonize com as suas perfeições para nos sustentar ou fazer cumprir toda e qualquer de Suas promessas. No entanto, ao estabelecer o método que deseja, Deus tem também como objetivo que nossas mentes e corações aprendam a se submeter ao Seu modo de agir. “Por exemplo, embora Ele possa nutrir-nos sem pão, não obstante sua vontade é que nossa vida seja sustentada por tal provisão; e se a negligenciarmos, e quisermos designar-lhe outro meio de nutrir-nos, tentamos seu poder”.44
3) TOTAL DEPENDÊNCIA
Todos os homens por mais ricos que sejam, dependem, entre outras coisas, de solo, água, clima e saúde do corpo. Todos estão sujeitos ao estado geral da economia, juntamente com outros fatores sociais, políticos, etc. Estes fatos indicam o quanto dependemos de Deus, o Senhor do universo; dAquele que tem o domínio sobre todas as coisas. “Do alto de tua morada regas os montes; a terra farta-se do fruto de tuas obras. Fazes crescer a relva para os animais e as plantas para o serviço do homem, de sorte que da terra tire o seu pão”, diz o salmista (Sl 104.13-14). Paulo dá uma interpretação teológica a esta manifestação provedora de Deus, dizendo: “Contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo os vossos corações de fartura e de alegria” (At 14.17).
Portanto, pedir a Deus que nos dê o pão significa recorrer à Sua graça, para que nos sustente e não nos deixe perecer. Nesta oração está implícita a certeza de que a vida pertence a Deus. O cientista pode fazer uma semente sintética, porém, ela não poderá crescer e frutificar, porque não tem vida. Tudo que temos e somos provém dEle, por isso a Ele oramos: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”.
Calvino (1509-1564), comentando esta passagem, diz:
“Por esta petição nos entregamos a seu cuidado e nos confiamos a sua providência, para que nos dê alimento, sustente e preserve. Pois o Pai boníssimo não desdenha tomar sob sua proteção e guarda nem mesmo nosso corpo, para que a fé nos exercite nessas coisas diminutas, enquanto dele esperamos tudo, inclusive uma simples migalha de pão e uma gota de água”.45
4) DISPOSIÇÃO PARA TRABALHAR
Esta oração não serve de pretexto para as pessoas se acomodarem em seus trabalhos – exercendo a sua função sem dedicação, responsabilidade e criatividade –, contando apenas com a “providência de Deus”; an-tes, ela implica desejo de trabalhar, usando os recursos que Deus nos tem concedido, rogando, ao mesmo tempo, a bênção de Deus para o nosso trabalho.
A Bíblia é bem explícita quanto à nossa responsabilidade de usar os meios que Deus nos concede para o trabalho, a fim de que com o trabalho de nossas próprias mãos possamos nos sustentar e àqueles que estão sob a nossa guarda. Paulo, escrevendo aos tessalonicenses – entre os quais havia alguns homens que estavam desvirtuando a relação entre a fé em Deus e a responsabilidade de trabalhar –, relembra: “Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: Se alguém não quer trabalhar, também não coma. Pois de fato, estamos informados de que entre vós há pessoas que andam desordenadamente, não trabalhando; antes se intrometem na vida alheia. A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando tranquilamente, comam o seu próprio pão” (2Ts 3.11-12).
5) HUMILDADE
Esta petição nos ensina também que, apesar de trabalharmos arduamente, sabemos que é Deus Quem nos dá o pão; é Ele Quem provê a nossa subsistência; é Deus Quem nos propicia, de forma muitas vezes imperceptível, as condições para que exerçamos os nossos talentos ou, em outras circunstâncias, Ele inclina o coração de outras pessoas para nos socorrer nos momentos de maior carência. O nosso sustento, seja de que modo for, vem do Senhor, a Quem oramos de forma consciente: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”.
Salomão, o rei mais sábio e rico de toda a história de Israel, dá o seu testemunho: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela. Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem” (Sl 127.1-2).
À arrogante igreja de Corinto, Paulo escreve: “Pois quem é que te faz sobressair? e que tens tu que não tenhas recebido? e, se o recebestes, por que te vanglorias, como se o não tivesses recebido?” (1Co 4.7).
Tiago, por sua vez, nos lembra de que “toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do alto, descendo do Pai das luzes…” (Tg 1.17).
Portanto, a nossa atitude deve ser de humildade diante de Deus e do nosso próximo, visto que tudo que temos e somos provêm da misericórdia de Deus (1Co 15.10; 2Co 3.5).
6) GENEROSIDADE
A oração diz: “Dá-nos” e não “Dá-me”. Aqui, em nossas petições, se incluem as necessidades dos crentes em todo o mundo. Quando assim oramos, estamos evidenciando que os filhos de Deus suplicam ao Pai pela manutenção de todo o Seu Povo espalhado por toda a face da Terra. Ao assim orarmos, estamos pedindo a manutenção de Deus para a Sua Igreja, que é a família de Deus (Ef 3.15), a “família da fé” (Gl 6.10).
Aqui, aprendemos a não ser egoístas, preocupando-nos apenas com as nossas necessidades. Jesus nos en-sina, ao mesmo tempo, a pedir e interceder; a suplicar a Deus por nós e pelo nosso próximo. Deste modo, temos uma lição de generosidade a ser apreendida, visto que por mais urgentes que sejam os nossos anseios e/ou carências, Jesus nos convida a olhar à nossa volta e a reconhecer que outros homens também têm necessidades que precisam ser atendidas, por isso, oramos: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. Portanto, “quem repete esta petição e pensa só em seu pão, não tem uma concepção real do significado da mesma”.46
Resumindo: Esta petição desafia-nos à moderação, a aprender a viver com o que temos, confiando no cuidado providencial de Deus, em total dependência, usando dos recursos que Ele nos concede, trabalhando de forma digna onde quer que Ele nos coloque, sabendo, contudo, que a eficácia do nosso trabalho depende da Sua bênção, daí a necessidade de sermos humildes e generosos.
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1João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 1, (I.3), p. 207-208. Em outro lugar: “Quando, pois, a fraude, a astúcia, a traição, a crueldade, a violência e a extorsão reinam no mundo; em suma, quando todas as coisas são arremessadas em total desordem e escuridão, pela injustiça e perversidade, que a fé sirva como uma lâmpada a capacitar-nos para visualizarmos o trono celestial de Deus, e que essa visão nos seja suficiente para fazer-nos esperar pacientemente pela restauração das coisas a um melhor estado” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 11.4), p. 240). No mundo, “Deus não é um espectador indolente” (João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 11.4), p. 241).
2In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, Vol. VI. p. 138. (Vali-me da tradução feita na obra de André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 513).
3G.K. Chesterton, Ortodoxia, São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 17.
4Vejam-se: G.C. Berkouwer, Faith and Sanctification, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1952, p. 71ss.; R.C. Sproul, A Natureza Forense da Justificação: In: John F. MacArthur, Jr., et. al. A Marca da Vitalidade Espiritual a Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 34.
5Posteriormente li: “A forma mais rasteira de reconhecimento intelectual que uma pessoa, que não tem profundidade em sua análise intelectual, pode apresentar, o modo mais rápido e vil para alcançar uma respeitabilidade intelectual enganosa, é o cinismo” (R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei. In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 13).
6Ray Pennings, Trabalhando para a Glória de Deus. In: Joel R. Beeke, Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012 (reimpressão), p. 375.
7Veja-se: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 540.
8Veja-se: Idalberto Chiavenato, Teoria Geral da Administração, 3. ed. São Paulo: McGraw-Hill, 1987, Vol. 1, p. 65. Veja-se também, André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p. 113ss.
9Vejam-se: também: Christopher Hill, O Eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa, São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 195ss.; R.H. Tawney, A Religião e o Surgimento do Capitalismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 114-115.
10João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2009, Vol. 4, (Sl 127.2), p. 377.
11William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, Vol. 11, p. 176. Veja-se também: William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, Vol. 11, (2Ts 3.6-18), p. 226-227.
12“Embora aos homens seja de natureza infundido o poder de procriar, Deus quer, entretanto, que seja reconhecido a Sua graça especial que a uns deixa sem progênie, a outros agracia com descendência, pois que dádiva Sua é o fruto do ventre” (Sl 127.3) (João Calvino, As Institutas, I.16.7).
13Sobre as mãos como instrumento de trabalho, Veja-se: Oswald Spengler, O Homem e a Técnica, Lisboa: Guimarães e Cª Editores, 1980, III.5. p. 63ss.; Battista Mondin, O Homem, Quem é Ele?, São Paulo: Paulinas, 1980, p. 195-196.
14Veja-se: Ray Pennings, Trabalhando para a Glória de Deus. In: Joel R. Beeke, Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012 (reimpressão), p. 378.
15Tomei este conceito de Raymond Ruyer, Métaphisique du Travail, 1948. Cf. José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Vol. 4, p. 2902.
16Lewis observou que, “O homem que valoriza a originalidade jamais será original. Mas tente dizer a verdade tal como você a vê, tente trabalhar com perfeição por amor ao trabalho, e aquilo que os homens chamam de originalidade surgirá espontaneamente” (C.S. Lewis, Peso de Glória, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 47).
17Se o “excesso” de trabalho em determinadas ocasiões assume a característica de uma “fuga”, como observou Rollo May, (A Arte do Aconselhamento Psicológico, Petrópolis, RJ.: Vozes, 1977, p. 24ss), não importa; de qualquer maneira, o “fazer” estará revelando o homem que faz, bem como as suas circunstâncias.
18Cf. John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Grand Rapids, Michigan: Eerdamans Publishing Co., 1996 (Reprinted), Vol. 1, (Gn 2.15), p. 125.
19“Para o cristão, a aposentadoria é libertação para serviço. A pessoa aposentada poderá começar um capítulo totalmente novo na vida, em vez de ficar improdutiva. A filosofia cristã de trabalho é a de que o trabalho nunca está totalmente terminado” (E. Elton Trueblood, Trabalho: In: Carl F.H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 583). Veja-se também: Gene Edward Veith, Jr., Deus em Ação, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 39; 125.
20“…. o homem, por isso mesmo, desde o princípio é chamado ao trabalho. O trabalho é uma das características que distinguem o homem do resto das criaturas, cuja atividade, relacionada com a manutenção da própria vida, não se pode chamar trabalho; somente o homem tem capacidade para o trabalho e somente o homem o realiza preenchendo ao mesmo tempo com ele a sua existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta em si uma marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido, constitui a sua própria natureza” (João Paulo II, Carta Encíclica Laborem Exercens, (1981).(http://www.universocatolico.com.br/index.php?/carta-enciclica-laborem-exercens.html) (consulta feita em 17.03.12).
21Biéler faz uma constatação relevante: “A íntima interpenetração da Reforma e da Renascença contribuiu amplamente para a sua promoção no Ocidente. Mas o materialismo e as ideologias substitutivas engendradas pela secularização do pensamento, no decurso dos séculos subsequentes, acabaram por fazer crer que uma civilização arrancada de suas raízes espirituais conseguiria produzir espontaneamente todos esses valores. Essas ideologias substitutivas proliferaram. (…) Todas essas ideologias, que tomaram o lugar da fé cristã, transformaram-se em crenças que, uma vez dissipadas, deixaram no Ocidente e no mundo atual um vácuo espiritual, e muitas vezes um desespero, que se mostram propícios a toda sorte de novidades inflamadas da demagogia religiosa, filosófica ou política” (André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p. 54-55).
22Jean Delumeau, Nascimento e Afirmação da Reforma, São Paulo: Pioneira, 1989, p. 305.
23Apud Leland Ryken, Santos no Mundo, São José dos Campos, SP.: FIEL, 1992, p. 40. Citado também em: Leland Ryken, Redeeming the Time: A Christian Approach to Work and Leisure, Grand Rapids, MI.: Baker Books, 1995, p. 104.
24D.A. Carson: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 87.
25Francis A. Schaeffer, Não há Gente Sem Importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 27.
26D.M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: FIEL, 1984, p. 355.
27João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Edições Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 40.3), p. 216.
28Ela é encontrada somente uma vez num papiro do quinto século d.C., com um sentido incerto. (Cf. F. Merkel, Pão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 1981-1983, Vol. III, p. 445; W. Foerster, E)piou/sioj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. II, p. 590-591).
29Vejam-se, por exemplo: F. Merkel, Pão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 1981-1983, Vol. III, p. 445-446; W. Foerster, E)piou/sioj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Vol. II, p. 590-599; R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Matthew’s Gospel, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, p. 268-269; e)piou/sioj: In: Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament, 5. ed. Chicago: The Chicago Press, 1958, p. 296-297; C. Muller, e)piou/sioj: In: Horst Balz; Gerhard Schneider, eds. Exegetical Dictionary of New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978-1980, Vol. II, p. 31-33; John Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists, Mattew, Mark, and Luke, Grand Rapids, Michigan: Baker, (Calvin’s Commentaries, Vol. XVI/1), 1981, p. 322-325; J. Jeremias, O Pai-Nosso: A Oração do Senhor, São Paulo: Paulinas, 1976, p. 43-47; John A. Broadus, Comentário do Evangelho de Mateus, 3. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1966, Vol. I, p. 205-206; W. Barclay, El Padrenuestro, Buenos Aires: La Aurora/ABAP, 1985, p. 103-113; G. Hendriksen, El Evangelio Segun San Mateo, Grand Rapids, Michigan: Subcomisi-on Literatura Cristiana, 1986, p. 347-348; A.B. Bruce, The Synoptic Gospels: In: W. Robertson Nicoll, ed. The Expositor’s Greek Testament, Vol. I, p. 120-121; John R.W. Stott, A Mensagem do Sermão do Monte, 3. ed. São Paulo: ABU, 1985, p. 152-153.
30João Calvino, As Institutas, I.17.11. Do mesmo modo: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 3, (III.8), p. 86-87.
31F. Merkel, Pão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Vol. III, p. 444.
32Veja-se a brilhante análise de K. Barth (La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 68ss.).
33“Aqui agora consideramos o pobre cesto de pão, as necessidades de nosso corpo e da vida temporal. É palavra breve e simples, mas também abrange muito. Pois quando mencionas e pedes ‘o pão de cada dia’, pedes tudo o que é necessário para que se tenha e saboreie o pão cotidiano, e, por outro lado, também pedes que seja eliminado tudo o que o impede. Deves, por conseguinte, abrir e dilatar bem os pensamentos, não só até o forno ou a caixa da farinha, mas até o vasto campo e a terra toda que produz e nos traz o pão de cada dia e toda sorte de alimentos. Porque se Deus não o fizesse crescer, não o abençoasse e conservasse no campo, jamais tiraríamos pão do forno e nenhum teríamos para pôr na mesa.
“Para sumariá-lo em breves palavras: esta petição quer abranger quanto pertence a toda esta vida no mundo, porque apenas por isso necessitamos de pão cotidiano. Agora, à vida não pertence apenas que o corpo tenha alimento, vestuário e outras coisas necessárias, mas também que seja de tranquilidade e em diário comércio e trato e toda sorte de atividades; em suma, tudo o que se refere às relações domésticas e vizinhais, ou civis e políticas. Pois onde houver obstáculos quanto a essas duas partes, de forma que relativamente a elas as coisas não andem como deveriam andar, aí também está obstaculizado algo que é necessário à vida, de sorte que não se pode conservá-la por tempo dilatado….” (Martinho Lutero, Catecismo Maior: In: Os Catecismos, São Leopoldo/Porto Alegre, RS.: Concórdia/Sinodal, 1983, §§ 72-73, p. 467. Veja-se também, John Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists, Mattew, Mark, and Luke, Grand Rapids, Michigan: Baker, (Calvin’s Commentaries, Vol. XVI/1), 1981, p. 323-324).
34Apud Jeremiah Burroughs, Aprendendo a Estar Contente, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1990, p. 28.
35Paulo usa o verbo aqui no aoristo indicativo ativo (e)/maqon), referindo-se a um aprendizado já consumado. Ele já passou pelo processo.
36A palavra denota a suficiência própria de quem já aprendeu a viver contentadamente com os seus próprios e parcos recursos. Paulo sabia que a sua suficiência vinha de Deus: “Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência (au)ta/rkeia), superabundeis em toda boa obra” (2Co 9.8). Pela Palavra aprendemos a nos alegrar em Deus. É deste modo que o salmista se expressa: “Alegrar-me-ei (xm;f) (samach) e exultarei em ti; ao teu nome, ó Altíssimo, eu cantarei louvores” (Sl 9.2).
37João Calvino, Salmos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2009, Vol. 4, (Sl 127.2), p. 379.
38Veja-se: W. Foerster, Ei)rh/nh: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), Vol. II, p. 400-402.
39Gerard Van Groningen, O Sábado no Antigo Testamento: Tempo para o Senhor, Tempo de Alegria Nele (II): In: Fides Reformata, 4/1 (1999), p. 133-134.
40“Eles, porém, não deram ouvidos a Moisés, e alguns deixaram do maná para a manhã seguinte; porém deu bichos e cheirava mal. E Moisés se indignou contra eles” (Ex 16.20).
41João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO.: Editora Logos, 2003, Cap. 24, p. 67.
42João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 3.1-2), p. 82.
43Catecismo de Heidelberg, Pergunta 125.
44João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, Vol. 3, (Sl 106.14), p. 678.
45João Calvino, As Institutas, (2006), III.20.44.
46W. Barclay, El Padrenuestro, Buenos Aires: La Aurora/ABAP, 1985, p. 110.