Dons espirituais: uma perspectiva cessacionista

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O movimento chamado Novo Calvinismo existe há um bom tempo, mas ainda não resolveu uma de suas questões mais básicas: os dons miraculosos ou reveladores do Espírito Santo continuam até o tempo presente ou cessaram (posições que geralmente são rotuladas de “continuacionismo” e “cessacionismo”, respectivamente)? E há espaço dentro do movimento para pessoas que ocupam posições opostas? No início de 2018, sugeri que este seria um dos temas do ano e continuo a acreditar que será. Minha previsão é reforçada pela nova defesa que Tom Schreiner faz do cessacionismo em seu livro Dons Espirituais: Uma Perspectiva Cessacionista.

Schreiner define o tom do livro em sua dedicatória: “Para Wayne Grudem, John Piper e Sam Storms, queridos amigos e companheiros de ministério no evangelho de Cristo”. Esses homens estão entre os principais teólogos continuacionistas e reformados, e essa dedicatória prova que Schreiner desejar falar sobre o assunto de amigo para amigo. Sendo uma pessoa eminentemente gentil, ele nunca chega perto de ser severo ou ofensivo. Schreiner quer muito posicionar o assunto em uma discussão entre amigos em uma questão de importância secundária.

Após a dedicatória e introdução, Schreiner escreve um capítulo para expressar os pontos fortes e fracos do movimento carismático e, aqui, ele se baseia em grande parte no livro Caminhando no Poder do Espírito, de J. I. Packer. Ele então define os dons espirituais como “dons da graça concedidos pelo Espírito Santo com o objetivo de edificar a igreja”. Eles devem ser cuidadosamente distinguidos dos papéis, desejos e habilidades do ministério, mesmo que haja que eles muitas vezes se sobreponham. Ele analisa cada um dos dons descritos no Novo Testamento e fornece uma breve definição. Isto mais tarde demonstrará que ele considera que profeta e apóstolo (como usado em Efésios 4.11) são dons espirituais.

Nos dois capítulos seguintes, ele expõe dez verdades pastorais importantes sobre os dons espirituais: elas estão sob o senhorio de Jesus Cristo; devemos ter uma visão equilibrada sobre nossos dons; a diversidade e os resultados dos dons vêm de Deus; nossos dons não nos tornam superiores ou inferiores aos outros; nossos dons são inúteis sem amor; e assim por diante. Ao fazer isso, ele fornece uma breve teologia dos dons espirituais e pouco do que ele diz será controverso entre os cristãos reformados (embora alguns possam discordar de que somos batizados com o Espírito na conversão ou com o nível de importância que ele coloca na mente – “A maneira que a igreja é edificada é por meio de palavras compreensíveis.”).

Depois de um capítulo de perguntas e respostas (Todo cristão tem um dom espiritual? Como descobrimos nossos dons espirituais? Por que Paulo orienta que desejemos os melhores dons? etc.), ele finalmente estabeleceu uma base suficiente para explicar às pessoas o verdadeiro motivo de estarem lendo o livro.

No capítulo seis ele define o dom de profecia. Ele nega as visões de que seja exegese carismática da revelação existente ou simples pregação das Escrituras. Pelo contrário, uma profecia é uma mensagem espontânea de Deus transmitida através de um ser humano que tem a intenção de instruir, encorajar ou alertar o povo de Deus. “Quem profetiza traz à luz o que está oculto e revela o que não está acessível aos seres humanos comuns.” No capítulo seguinte, ele analisa a visão sustentada pelos principais continuacionistas, como Wayne Grudem e Sam Storms, os quais insistem que a profecia do Novo Testamento difere da profecia do Antigo Testamento no sentido de que ela agora pode falhar. Enquanto a profecia do Antigo Testamento era inerrante e exigia obediência imediata, a profecia do Novo Testamento é potencialmente falha e exige discernimento, avaliação e, às vezes, rejeição. Schreiner insiste, no entanto, que essa posição é equivocada e que o padrão do Novo Testamento para profecia não é diferente: ela é igualmente inerrante e autoritativa (como era antes de Cristo).

O ponto fundamental para seu argumento aqui é o papel que a profecia desempenhou no Novo Testamento. Efésios 2.20 diz que a igreja é “edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas”. Há uma implicação importante: “O papel fundamental dos apóstolos e profetas aponta para a autoridade de suas palavras, sugerindo que a profecia no Novo Testamento tem a mesma autoridade da profecia no Antigo Testamento. Se a profecia ainda existir hoje, fica difícil resistirmos à conclusão de que o fundamento estabelecido pelos apóstolos e profetas ainda não se completou, e que os profetas do Novo Testamento ainda estão fazendo acréscimos ao fundamento do ensino apostólico.” Ele também mostra que é um erro fazer uma distinção entre o profeta e sua profecia, como se um verdadeiro profeta pudesse trazer uma falsa profecia – algo que os continuacionistas devem permitir.

Deste modo, o que os continuacionistas estão fazendo quando afirmam estar profetizando? Ele acredita que estão compartilhando meras impressões. Schreiner toma um rumo inesperado quando afirma que Deus muitas vezes imprime coisas em nossos corações que podem ser verdadeiras e benéficas para os outros.

“Deus pode colocar algo no coração de alguém, e isso pode estar completamente certo e ser exatamente o que uma pessoa precisa ouvir. Às vezes a impressão pode ser bem surpreendente e claramente miraculosa, embora isso seja mais raro.” Para deixar claro, “Deus pode usar as impressões para o nosso bem, mas elas não são o mesmo que profecia e precisam ser bem distintas dessa. Não podem ter grande importância porque a Bíblia não aborda as impressões.” O que me deixa perplexo aqui é que ele não recorre à Bíblia para provar a existência, o valor ou a definição de tais impressões. Não é que eu necessariamente discorde dele, mas a falta de suporte bíblico quanto a isto é repentinamente visível. Isto é especialmente digno de nota, pois, durante o livro, Schreiner dedica grandes esforços para provar cada ponto ao longo das Escrituras. Como podemos saber o que são as impressões, se elas são divinas, ou se podem ser verdadeiras e benéficas? Não temos essa explicação.

Em seguida, ele se volta para a questão do dom de línguas e o define como línguas faladas e compreensíveis para os seres humanos. Em outras palavras, as línguas nunca diferem do que é descrito no Pentecostes, no qual as pessoas falavam em línguas inteligíveis que elas próprias não entendiam. Isso leva a uma conclusão inevitável: “Contemporâneos que dizem falar em línguas — como os que dizem ter o dom de profecia — não estão, na verdade, praticando o dom bíblico. Quem acha que está profetizando está, na verdade, compartilhando impressões. E quem afirma ter o dom bíblico de línguas não está falando em outros idiomas, mas em expressões extáticas. Não devemos concluir, com isso, que o que eles estão a fazer seja, necessariamente, maligno; todavia, também não se trata do mesmo dom encontrado nas Escrituras.” O capítulo seguinte analisa a importância do dom de línguas e mostra que, assim como todos os dons, foi criado especialmente para servir irmãos e irmãs em Cristo.

Depois de deixar de lado algumas defesas que ele considera não convincentes do cessacionismo, Schreiner finalmente apresenta seu argumento. “A base para o cessacionismo é a afirmação de que a igreja foi ‘edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas’.” Tendo em vista que o fundamento da igreja agora foi estabelecido e a autoridade dos apóstolos foi consagrada nas Escrituras, não temos necessidade de apóstolos. Quanto aos profetas, eles falaram de maneira infalível e autoritativa até que esse fundamento tivesse sido estabelecido. No entanto, estando completo o fundamento, eles não são mais necessários. De fato, qualquer reivindicação contemporânea de profecia é perigosa, pois qualquer profeta verdadeiro deve falar de maneira infalível e autoritativa. “Se esses apóstolos com autoridade não existem hoje (e muitos continuacionistas concordam nesse ponto), e se os profetas falavam palavras infalíveis como os apóstolos, e se a igreja estiver mesmo edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, então há uma boa base para concluir que o dom de profecia também já cessou.” Ele considera essa posição um “cessacionismo moderado”.

E quanto a curas e milagres? Oramos por milagres, sabendo que às vezes (embora raramente) a vontade de Deus é fazer o que não pode ser explicado de outra maneira. Quanto ao dom de cura ou operação de milagres, um continuacionista deve lidar com a enorme diferença entre o que é reivindicado como um milagre hoje e aquilo que foi visto na igreja primitiva. “Se um continuacionista diz que os dons estão operando hoje, mas em um nível muito inferior do que o visto no Novo Testamento, então ele parece estar dizendo que os dons não estão operando da mesma forma que no Novo Testamento. Contudo, como eles sabem disso? Esse argumento, na verdade, parece-me ser outra forma de cessacionismo.”

Então, reconhecendo que ainda existem diferenças significativas entre irmãos e irmãs próximos, o que fazemos? Continuamos a buscar a verdade e continuamos a buscar o amor. Se formos expandir o grande texto sobre “amor” do apóstolo Paulo, diríamos: “Se eu tiver a visão correta dos dons espirituais, e não tiver amor, eu não sou nada”.

Como eu lido com a posição de Schreiner, sendo eu um cessacionista convicto? Gostei muito de ler o livro e quero continuar a considerá-lo. Eu esperava que ele fosse elaborar uma defesa do cessacionismo, mas não acho que ele tenha feito (e nem eu acho que ele diria que fez). Essa expectativa era provavelmente ingênua. A razão de debatermos esse assunto é que é muito mais difícil provar que algo cessou do que pressupor que ele continua. Isto é o que os cessacionistas têm que provar e não é uma tarefa pequena. No entanto, o desafio para os continuacionistas é tão assustador quanto. Eles precisam provar que o que eles consideram como línguas e profecia carregam uma associação (ainda que pequena) com o que vemos modelado no Novo Testamento. Eu reconheço o valor do argumento do Dr. Schreiner e o considero convincente, mas sabemos que não teríamos essa discussão se nossos amigos continuacionistas simplesmente falassem (e de modo verificável) em uma língua real, mas desconhecida, ou realizem mais curas do que simplesmente uma dor nas costas, um caso de depressão ou o caso mais comum de uma perna mais curta. Os continuacionistas iniciam sua defesa com as Escrituras, mas oferecem evidências não convincentes do mundo real sobre a operação dos dons; os cessacionistas reconhecem essa evidência não convincente do mundo real da operação dos dons e então recorrem à Escritura para uma explicação.

Até este ponto, a prática continuacionista reformada tem sido quase indistinguível da prática cessacionista reformada.

Quanto ao futuro próximo do Novo Calvinismo, continuo convencido acerca do cessacionismo e preocupado com o continuacionismo – embora eu ache que meu cessacionismo está se tornando cada vez mais moderado (mas não da mesma forma que o de Schreiner). Eu não acho (como talvez sugira Shcreiner) que as diferenças entre cessacionistas e continuacionistas sejam tão insignificantes enquanto trabalham na vida igreja local. Até este ponto, a prática continuacionista reformada tem sido quase indistinguível da prática cessacionista reformada. Ser um continuacionista significa ser “aberto, mas cauteloso”, o que, em essência, tem se equiparado a ser um “cessacionista funcional”. No entanto, está em andamento um movimento para remediar isso e (tomando emprestado o título de um trabalho recente de Sam Storms) começar a “praticar o poder”. Storms está liderando o ensino de outros líderes de igreja sobre como implementar e praticar os dons na igreja local por meio de palavras proféticas, ministérios de cura, expulsão de demônios e assim por diante. Sua conferência Convergence recente tinha como objetivo instruir o povo reformado no benefício espiritual da prática dos dons e seu próximo evento de workshop destina-se a desvendar suas implicações através de seminários dedicados à interpretação dos sonhos, evangelismo profético e o treinamento de crianças para que sejam ativas no ministério profético. Eu não acho que já tenhamos visto o continuacionismo reformado em seu pleno desabrochar. Francamente, espero que nunca vejamos.

O que torna o Dr. Schreiner um candidato ideal para escrever este trabalho não é apenas a sua compreensão dos principais textos bíblicos e seu longo trabalho para chegar a uma posição firme, mas também seu caráter amável. Seu carinho por seus amigos continuacionistas é um tema regular no livro e ele oferece a todos os benefícios da dúvida. A combinação contribui para um livro sólido e uma contribuição importante para uma discussão que mostra poucos sinais de ser resolvida em breve.

Texto original: Spiritual Gifts: What they Are and Why they Matter. Tim Challies.

Traduzido e revisado por Jonathan Silveira.

Tim Challies é pastor da igreja Grace Fellowship, em Toronto, no Canadá, editor do site de resenhas Discerning Reader e cofundador da Cruciform Press. Casado com Aileen e pai de três filhos, ele também é blogueiro, web designer e autor de várias obras.


A continuidade dos dons espirituais em nossos dias é, não raramente, motivo de disputas e controvérsias entre muitos cristãos. Em Dons espirituais: uma perspectiva cessacionista, o dr. Thomas Schreiner, especialista em Novo Testamento, ajuda o leitor a obter respostas a perguntas como:

O que são os dons espirituais?

Todos os cristãos recebem esses dons?

Dons como o de milagres e curas cessaram?

O autor compartilha sua experiência sobre o assunto, mas, o que é ainda mais importante, analisa o que a Bíblia tem a dizer a respeito. Ao adotar essa abordagem, Schreiner acrescenta ao debate uma voz respeitosa e humilde e nos lembra que, apesar de essa discussão ser importante, podemos permanecer unidos em Cristo — mesmo quando discordamos.

Publicado por Vida Nova.

1 COMENTÁRIO

  1. Não acredito no cessacionalismo. O poder de Deus não sofre limitações, apenas os homens, este se corrompem e perdem sua dignidade perante Cristo. Está escrito que o amor de muitos esfriará no fins dos tempos, e isto inclui, claro, os dons do espirito santo. Nada de cessacionismo ou continuismo, neo isso neo aquilo, o poder é forte, porém a massa executora (nós) somos fracos!

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