Se você acompanhar as publicações cristãs por qualquer período de tempo, acabará descobrindo um fenômeno curioso. De vez em quando um livro acadêmico vai aparecer e muitas pessoas ficarão realmente animadas com isso. Será um livro que, em circunstâncias normais, seria conhecido apenas entre os estudiosos. E, no entanto, esse livro será lançado acompanhado de elogios, assegurando aos leitores não eruditos (como eu!) que eles também podem se beneficiar disso. O primeiro livro deste ano é Somente Cristo: legalismo, antinomianismo e a certeza do evangelho. O livro recebeu esses elogios e, como dizem, definitivamente vale a pena ler.
Somente Cristo começa há mais de 250 anos com uma controvérsia teológica que surgiu em uma pequena cidade escocesa – dificilmente se trata de um livro cristão comum. A controvérsia do cerne [the marrow controversy] fundou-se no livro de Edward Fisher, The Marrow of Modern Divinity, e colocou dois grupos de teólogos um contra o outro. A questão central era se uma pessoa deve ou não abandonar seus pecados para vir a Cristo. Os homens do cerne, aqueles que concordavam com o livro de Fisher, acreditavam que isso exigia obras como precursoras da fé e, dessa forma, se opunham à oferta gratuita do evangelho. Seus oponentes ensinaram que o evangelho só deveria ser oferecido àqueles que estavam começando a mostrar evidência de estar entre os eleitos de Deus. Este silogismo descrevendo sua visão pode trazer clareza: “Premissa Maior: A graça salvadora de Deus em Cristo é dada somente aos eleitos. Premissa menor: Os eleitos são conhecidos pelo abandono do pecado. Conclusão: Portanto, abandonar o pecado é um pré-requisito para a graça salvadora”. Ferguson aponta para “A sutileza do movimento pelo qual o abandono do pecado como fruto da graça fundamentada na eleição passa a ser visto como requisito necessário à experiência da graça”. Mas aqui está o problema: “O arrependimento, fruto da graça, transforma-se em condição para ela. Isso é colocar o carro na frente dos bois. É inverter o evangelho, de modo que sua proclamação, ao lado do chamado à fé em Cristo, passa a depender de algo presente no ouvinte. Dessa forma, o evangelho se torna uma mensagem da graça para os que têm as credenciais, não uma oferta de Cristo a todos os homens acompanhada da promessa de justificação dos incrédulos que crerem.”
Este foi o ponto de partida para a controvérsia do cerne, mas à medida que a controvérsia se desdobrava, ela desenterrou toda uma série de questões relacionadas. Somente Cristo navega por essas questões através de “uma reflexão extensa sobre questões teológicas e pastorais que surgiram no início do século XVIII, vistas a partir da estrutura atual”. Em outras palavras, Ferguson analisa essa controvérsia, a disseca e, em seguida, a aplica para os nossos dias. E, na realidade, nós também estamos lutando com questões relacionadas ao legalismo e ao antinomianismo. Isso faz com que seu livro seja cronometrado perfeitamente e que seja uma contribuição valiosa para a discussão sobre o papel da lei, o papel da obediência, na vida cristã.
E é aí que o livro dele decola. Agora, Ferguson está indo muito além da história da igreja e trazendo clareza ao modo como vivemos a vida cristã. Ele está indo além da história para fazer o trabalho de um pastor. Ele discute cuidadosamente como nos tornamos cristãos, como vivemos como cristãos e como podemos ter certeza de que somos cristãos. Com grande precisão, ele descreve legalismo e antinomianismo, trazendo clareza às suas definições e mostrando que eles não são tão opostos um ao outro como são “gêmeos não idênticos do mesmo ventre”. O antinomianismo é, à sua maneira, uma expressão de legalismo. “O antinomiano é alguém com um coração legalista. Ele reage como se fosse um antinomiano. Mas isso significa apenas que ele tem uma opinião diferente sobre a lei, mas não uma opinião bíblica.”
Este é um livro repleto de tesouros. Alguns dos tesouros estão na superfície à espera para serem colhidos, entre os quais frases de Ferguson que sintetizam grandes verdades: “Dizer que Deus nos aceita do jeito que somos é um exemplo de casuísmo. Na verdade, ele nos aceita apesar do que somos” e “a oposição entre antinomianismo e legalismo não é maior do que a oposição de ambos à graça.” Muitos dos outros tesouros produzem apenas cuidados e esforços e, assim, o livro exige um pouco mais do leitor. Suspeito que precisaria lê-lo uma ou duas vezes mais para ter uma compreensão avançada de seu assunto. Eu gostaria de voltar e fazer exatamente isso.
Normalmente designaríamos um livro como este às estantes de livros dos estudiosos e entusiastas da história da igreja. Mas Somente Cristo tem muito a nos dizer para permitir que isso aconteça. Ele fala com muita clareza e urgência de questões que são tão importantes para nós como no século XVII. Eu não acho que Derek Thomas esteja exagerando quando diz: “De minha parte, este é um dos livros mais importantes e definitivos que li em mais de quatro décadas.”
Traduzido por Jonathan Silveira.
Texto original: The Whole Christ. Tim Challies.
Desde os dias da igreja primitiva, os cristãos lutam para compreender a relação entre lei e evangelho. Se a salvação é pela graça e a lei não pode salvar, como afirma o apóstolo Paulo, qual a relevância da lei para os cristãos de hoje? Ao revisitar a famosa mas esquecida “controvérsia do cerne” que, no século 18, acentuou o debate acerca da relação e da proporção adequada entre a graça de Deus e nossas obras —, Sinclair B. Ferguson explora essa questão central e por isso ainda tão relevante. Ao fazê-lo, explica como nossa compreensão da relação entre lei e evangelho determina a maneira de encararmos o evangelismo, a busca da santificação e até mesmo nossa compreensão do próprio Deus. Publicado por Vida Nova. |