A cura da alma: cultivando hábitos espirituais e pastorais saudáveis

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Qual a natureza do ministério pastoral? Como o ministro do evangelho se mantém espiritualmente saudável em meio a tantas demandas internas e externas? São essas questões que o Dr. Harold L. Senkbeil pretende responder em seu lançamento de 2019, The care of souls: cultivating a pastor’s heart [A cura da alma: cultivando um coração de pastor], que tomou proporções editorais significativas na área de liderança pastoral.

O Dr. Harold L. Senkbeil é B.A, M.Div. e S.T.M pelo Concórdia Theological Seminary em Fort Wayne, Indiana e Doutor Honoris Causa pelo Concórdia Seminary em Saint Louis, Missouri. Foi pároco da Lutheran Church of Missouri Synod (LCMS) durante vários anos e hoje ocupa ambas as funções de professor adjunto no CTS em Fort Wayne e diretor executivo do Doxology.

O autor começa o livro em um tom nostálgico (o qual ele admite mais a frente no final do livro) narrando a sua infância em uma fazenda do oeste norte-americano. Logo no prefácio, ele apresenta as suas intenções a respeito de seu escrito: “Este é o segredo para o trabalho pastoral sustentável: você precisa perceber que não tem nada a dar aos outros que você mesmo não recebeu. Jesus o ama primeiro, então você o ama de volta amando suas ovelhas e cordeiros em seu nome e lugar.” (p. 169-170). Salientando que o ministério pastoral é um ministério de amor, ou seja, o cuidado com as ovelhas do Senhor Jesus quebradas pelo pecado.

Aos seus longos 50 anos de ministério, Senkbeil afirma que: “O melhor que nós pastores temos para dar às ovelhas e cordeiros de Cristo não vem de dentro; vem dele. Seu amor é aperfeiçoado por meio de nós; atinge seu objetivo quando estendemos o amor que recebemos dele. Nós amamos porque ele nos amou pela primeira vez (1Jo 4.11; 19)” (p. 180) e sobre a relação entre conhecimento e vida, afirma que “a ciência da teologia é a arte do cuidado pastoral” (p. 2).

Temas como paciência e a alegria no trabalho, metáforas das quais o autor tira de sua observação na infância em relação ao trabalho de seu pai, são transportadas como uma precisa analogia em relação às virtudes do ministério pastoral e o trabalho do cuidado com as almas.

No primeiro capítulo, o autor questiona o que vem a ser um pastor. Sendo o título, uma pergunta retórica, já que o subtítulo do capítulo é um adjetivo: um modelo clássico. O questionamento faz todo sentido pela imagem errônea que se tem do pastor como um CEO empresarial ou executivo, um coach profissional, um capelão ou missionário?

O autor salienta que há muita sabedoria na antiguidade cristã, a respeito da essência e natureza do trabalho pastoral, a exemplo do teólogo metodista, Thomas Oden, que procurou trazer a sabedoria dos antigos bispos da Igreja para a demanda moderna do ministério pastoral. Para o autor, o trabalho pastoral tem que ser um cuidado pastoral cristocêntrico, o mistério escondido e revelado do Deus encarnado, a cura da alma também é um mistério (p. 12). Sendo, portanto, o mistério da encarnação, o mistério do trabalho de Deus.

O que vem a ser, então, um pastor? Para o autor, “a premissa do livro é que a identidade define a atividade” (p. 16). Ele afirma que o ministério tem a sua raiz em Jesus (p. 16). O modelo clássico é baseado naquilo que a Escritura diz, não em uma meramente demanda contemporânea. Aqui temos a ideia do hábito pastoral, o pastor dar para o povo de Deus aquilo que ele mesmo recebeu do próprio Deus. Pastores são administradores do mistério de Deus (provavelmente uma referência a percepção evangélica do ministério da Palavra e dos sacramentos) e são servos de Jesus Cristo, chamados para ministrar vida no meio da morte e lavar os pés das ovelhas de Jesus com os chamados “meios do Espírito” (p. 26).

Esses “meios do Espírito” e “coisas do Espírito” são alusivos a Trindade como um modelo de identidade para o povo de Deus. No capítulo 2, Senkbeil afirma a Palavra de Deus, a norma do ministério cristão. A Palavra de Deus é o instrumento do próprio Deus, no mistério oculto-revelado, sendo a Palavra escrita um instrumento do Espírito Santo para a realização da cura da alma. Tendo, portanto, a Palavra escrita uma relação de testemunho mútuo com a Palavra encarnada que é Cristo.

O capítulo 3 disserta sobre a cura das almas como um atento diagnóstico, sendo uma das marcas do livro a analogia do cuidado físico e biológico, ou bioquímico, com o cuidado espiritual, uma vez que o autor segue a tradição bíblica e cristã da integralidade do ser criado por Deus, contra, por exemplo, os antigos gnósticos que dicotomizavam pontualmente e radicalmente corpo e alma.

Passando pelo debate sobre o efeito da tecnologia no mundo hodierno e da dicotomização entre tradicional e contemporâneo, o autor faz uma precisa definição de conceito a respeito do que vem a ser cura da alma, inclusive se tratando da definição de alma, em relação a pessoa que se relaciona com Deus, a ideia de Coram Deo [diante de Deus] (p. 65).

A percepção correta da pessoa humana conforme revelada na Palavra de Deus servirá para um preciso diagnóstico a respeito das enfermidades espirituais que assolam as pessoas em relação a angústia, por exemplo. Importante é o como começar, não com um interrogatório, mas com uma conversa sobre as verdades de Deus, como santidade, por exemplo.

O capítulo quatro ainda aborda a cura da alma, agora com o tratamento intencional. Em diversas teses, o autor aborda a essência do ser de Deus como fundamento para o cuidado da alma como também o provedor dos meios pelos quais as almas são tratadas e curadas.

O capítulo cinco fala do ministério pastoral como um ministério de amor pelas ovelhas, o ministério do conhecimento de Jesus Cristo. O pastor deve fazer Cristo conhecido, pois é por ele que as almas são curadas. Nisso, noções teológicas evangélicas balizam o ministério, Cristo é o cordeiro de Deus dado em nosso lugar, a nossa justiça e a nossa santificação.

O capítulo seis abordará os efeitos da enfermidade espiritual, especificamente culpa e vergonha. O autor define ambos como “Culpa é o pecado cometido; vergonha é pecado sofrido.” (p. 137). Buscando a raiz disso no texto do pecado original em Adão, o autor, se utilizando da parábola do Filho Pródigo, por exemplo, vai falar de um Pai que ama e aceita em Cristo e o chamado para pecadores aceitarem o amor do Pai em Cristo como o início do processo de cura da alma. Essa é a alma do ministério! Veja como ele argumenta: “Ele comprou aquelas ovelhas com seu próprio sangue, e ele nos deu seu rebanho para cuidar e nutrir em seu nome e lugar. Que honra humilhante; que tarefa nobre este nosso ministério é.” (p. 141-142).

Para o autor, o ministério pastoral é a medicina do céu, que transforma escravos em filhos, por meio do arrependimento e da confiança na justiça de Cristo. O uso da Palavra e dos sacramentos pelo Espírito Santo proporcionam o tratamento para os vícios, por exemplo.

Então, no capítulo sete, o autor entra na questão da santificação como o processo de cura das almas. Por santificação, o autor foge de qualquer definição popularmente conhecida como “legalismo” e entra na definição de termos dentro de sua própria tradição teológica afirmando que Deus é a nossa santificação (p. 160), sendo o ministério pastoral desafiador dentro de um contexto, por exemplo, de exposição da sexualidade, fazendo um paralelo com a antiga cultura pagã e afirmando a castidade como uma virtude. Para o autor, questões espirituais impactam a vida como um todo, para o bem ou para o mal, dependendo do status, da posição, diante de Deus.

O capítulo oito aborda a importante questão da proximidade de Deus em relação a santidade. Uma vez que Deus é santo, seu povo é chamado a ser santo e o próprio Deus provê o que o povo necessita para ser santo, como Jesus dado por nós e a nossa proximidade com ele, por exemplo, no culto.

O capítulo nove aborda a questão da batalha espiritual, a questão das forças invisíveis que militam contra nós e as armas espirituais em Efésios 6. O equilíbrio de como o autor trata o tema é real, nem com exagero e banalização, nem como a negação da realidade do mal entre nós. O tratamento é a Palavra que é utilizada pelo Espírito para a transformação daqueles que a ouvem.

O capítulo dez trata da questão de missões e a relação com a cura das almas. Mesmo o pastor indo para uma terra não evangelizada, ele é chamado a ministrar para aqueles que não confessam a Cristo, pela questão da dignidade humana, são criaturas que precisam de Cristo. “Portanto, cuidar das almas não é uma opção, é um algo dado — também em missão” (p. 220). O pastor é chamado a cuidar das almas e apresentar Cristo como a cura a povos que não o conhecem.

O capítulo onze salienta a importante questão do autocuidado pastoral. O pastor atentar para que ele mesmo seja alimentado por Cristo e curado por ele, de modo que ele ministre isso ao rebanho. O capítulo doze continua o argumento sobre equilíbrio e cuidado no ministério.

O autor também aborda a cura da alma em relação a vícios como pornografia e acedia e o chamado a ministrar a essas questões com o cuidado e a cura da alma. Ele termina falando de uma esperança, citando as duas cidades no clássico de Agostinho, A cidade de Deus. Também escreve sobre a tríade do fazer teológico em Lutero, oração, meditação e tentação, aplicados ao ofício da cura da alma. E termina com um encorajamento a termos alegria no trabalho e contentamento até a vinda de Cristo.

O livro é um ótimo chamado a recuperarmos a noção cristã, bíblica e antiga do pastor como médico de almas em detrimento de caricaturas modernas de ministério. Escrito dentro de uma percepção luterana, pode ser lido por todas as igrejas da Reforma, haja vista o prefácio de um reformado, Michael Horton. Todo pastor, aspirante ao ministério, estudantes de teologia e membros de igrejas devem lê-lo, pois quanto mais soubermos do que é um pastor e qual a sua tarefa, maior será o benefício para o povo de Deus.

O livro foi muito bem escrito, com histórias e exemplos concretos, dando sentido a tese do autor, como também seu tom irênico, sábio e bem-humorado agregam e tornam a leitura agradável. Estamos na torcida pela publicação deste livro em português.

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