A competência da graça

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Desde a década de 1970, o tema competência entrou em pauta nas discussões acadêmicas e empresariais, e está associado a diferentes instâncias de compreensão. Ultimamente, muito se tem discutido sobre o perfil do profissional competente para o mercado de trabalho. Não é sem propósito que se multiplica a oferta de cursos, como MBA, cuja finalidade é proporcionar uma melhor formação profissional e preparar o indivíduo para exercer, em meio a tanta competitividade, sua função com qualidade.

Os teóricos costumam segmentar a competência nas seguintes instâncias: a) competência no nível pessoal; b) competência no nível organizacional; c) competência no nível internacional.

É necessário ressaltar que, ao longo dos anos, o conceito de competência vem sofrendo mudanças. Por exemplo, nos anos 1970, a ideia de competência estava associada a aptidões (talento natural que pode ser aprimorado), habilidades (talento particular visto na prática) e conhecimento (o que é necessário saber para o desempenho da tarefa). Nos anos

de 1980, o conceito se expandiu para o conjunto de habilidades da pessoa. Esta passou a ser avaliada em sua inteireza, e não apenas pelo conhecimento que possuía. Já nos anos 1990, competência passou a se relacionar à capacidade de a pessoa se adaptar em um mundo-em-mutação. Dessa forma, esperava-se que o profissional soubesse lidar com o inesperado, com o novo, que poderia surgir no dia a dia profissional. Para essa adaptação ao “novo”, era necessária uma boa comunicação interpessoal.

Assim, não se pode deixar de pensar que esses critérios de competência têm se infiltrado no campo ministerial. Os currículos dos cursos de Teologia têm se voltado para a formação de um obreiro competente. Muitas escolas estão em constante adequação de suas grades curriculares para atender às exigências das instâncias que regulamentam os cursos superiores no Brasil. Paralelamente, há alguns movimentos que buscam a regulamentação da profissão do pastor e do teólogo, o que, por sua vez, exige uma formação ministerial e acadêmica que adote os critérios de competência estabelecidos pelo mercado.

Mas o que a Bíblia fala a respeito da competência do obreiro? Qual é o modelo de competência que o obreiro deve se basear para o seu desempenho ministerial?

Tomemos como base o texto de Paulo em 2Coríntios 3.5: “Não que sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se viesse de nós mesmos, mas a nossa capacidade vem de Deus.” O termo grego ικανος, traduzido por “capacidade”, também abarca a ideia de competência. O termo “competência” foi empregado, ao longo das Escrituras, no sentido de exatidão, precisão e suficiência. Nessa perspectiva, dizer que alguém é competente equivale a dizer que a pessoa tem o que é necessário para o desempenho de sua função.

À luz das Escrituras, o que é necessário para que o obreiro seja competente?
Paulo argumenta que nenhum cristão é competente por si só. Para Paulo, a competência só pode vir da obra redentora de Cristo. Cristo (o homem ideal) é o que é necessário na vida do homem para que este seja competente. As habilidades naturais, o conhecimento e as aptidões só têm valor na vitalidade da vida de Cristo no interior do homem. “E é por meio de Cristo que temos tal confiança em Deus” (v. 4). 

O conceito de competência nas Escrituras não sofre mutações, como ocorre no campo secular. Paulo foi considerado competente porque desejou ser “achado nele” (Fp. 3.9) e entendeu que “aprouve a Deus revelar seu filho em mim” (Gl. 1.15,16); cristãos ao longo da história são competentes porque Cristo neles é “a esperança da glória” (Cl. 1.27). O conceito não mudou e não mudará. Essa competência é um elemento decisivo na vida do cristão. Trata-se da competência da graça!

 Por que a competência da graça é um elemento fundamental na vida do obreiro?

1. Porque a competência da graça evidencia que o ministério tem origem em Deus, e não em habilidades humanas.
 No início do capítulo de 2Coríntios, Paulo rebate a afronta dos falsos mestres que apresentaram cartas de recomendação dos judeus de Jerusalém aos crentes de Corinto. Esses adversários “legitimaram sua autocompreensão aparentemente a partir de Moisés e desvalorizaram o serviço anunciador paulino”. Dessa forma, esses adversários de Paulo se diziam mais competentes do que Paulo, pois respaldavam sua competência nas referidas cartas de recomendação.

 Mas Paulo não possuía carta de recomendação! “Será que começamos outra vez a recomendar a nós mesmos? Ou será que precisamos, à semelhança de alguns, de cartas de recomendação para vós ou da parte de vós?” (v. 1)
 Sua competência estava no comissionamento de Cristo. Jesus o enviou, e isso excedia a qualquer documento escrito. Quando Cristo comissiona, ele dá de si para o comissionado. Isso é competência da graça.
 “As obras aceitáveis a Deus não são aquelas realizadas para Deus, mas somente aquelas que são requeridas por ele, e que o cristão, portanto, recebe da mão dele.”

2. Porque a competência da graça apresenta a perfeição de Cristo no homem.
“Vós mesmos sois a nossa carta, escrita em nosso coração, conhecida e lida por todos […]” (v. 2).
A epístola é uma forma artística destinada ao público. Paulo se destacou como um escritor desse tipo de gênero, e seu objetivo era escrever a fim de apresentar Cristo aos seus leitores.
 
Paulo chama o cristão de “epístola viva” que anuncia Cristo ao mundo. Essa epístola viva só pode ser escrita pelo espírito porque “a letra apenas escrita não pode desenvolver um efeito que dá vida; é o espírito que vivifica e conduz à vida” A competência do cristão está em ser perfeito porque Cristo é perfeito: “manifestos como carta de Cristo, ministrada por nós, escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de corações de carne” (v. 3).

3. Porque somente a competência da graça faz o servo.
“Foi ele quem também nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança […]” (v. 6).
É necessário competência para ser servo?
Só é competente aquele que é servo. Mas só é servo aquele que tem Cristo, o “servo sofredor”, como mestre.
Um obreiro competente é aquele que vê a beleza do seu Senhor e se coloca na condição de servo.
Para isso, é preciso um “coração de servo”.
 
CORAÇÃO DE SERVO
Jonas Madureira

Oh Senhor! Aceita agora como oferta o meu serviço.
Com tua santa sovela fura as minhas orelhas
Porque desejo servir-te eternamente.
Não consigo mais viver longe dos teus olhos.
Aliás, embora não sejam visíveis os teus olhos, vejo constantemente, em nuances de tua graça,
Que me observas e me guardas.

Como não te amar?
Como não ter-te como Senhor?
Como não desejar servir-te?

Ah! Como é bom servir-te, Senhor!
Ainda mais sabendo que permanecendo Senhor,
Me serviste primeiro.
Servir a Jesus é sonhar o céu.
É perceber que o sacrifício muitas vezes com sabor de fel,
Ao ouvir de teus lábios: “servo meu!”
Torna a minha cruz tão amarga mais doce que o mel.
Senhor! Procura-me hoje e encontra-me com um coração de servo.

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REFERÊNCIAS
COENEN, Lothar; BROWN, Colin, CHOWN, Gordon. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed., São Paulo: Edições Vida Nova, 2000.
KISTEMAKER, Simon J. 2 Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
SCHNELLE, UDO. Paulo: vida e pensamento. Santo André: Academia Cristã, São Paulo: Paulus, 2010.

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