Uma análise da lei de migração

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A aprovação pelo Senado Federal da denominada Lei de Migração (Projeto de Lei do Senado, nº 288/2013 – Substitutivo da Câmara nº 7/2016) iniciou uma polêmica nas redes sociais e nas ruas sobre o que a eventual e esperada promulgação pelo presidente da república poderia acarretar para o país como um todo. Não obstante o veto de 30 artigos e a promulgação da Lei 13.445/2017, os proponentes da lei ainda tentam medidas administrativas para derrubar o veto presidencial.

Mas, para além das polêmicas que geralmente são fomentadas por sites sensacionalistas e por mídias costumeiramente envolvidas em noticiar fatos de modo a beneficiar determinadas matrizes políticas, a aprovação da Lei é motivo de alarme ou não? Entendemos que sim, e as razões seguirão expostas abaixo.

Primeiramente, cumpre destacar que justamente a aprovação deste projeto de Lei se deu sem qualquer tipo de alarde ou discussão. Pelo contrário, o único mecanismo disponível de consulta popular no caso, uma pequena pesquisa no site do Senado Federal sobre a aprovação popular a este projeto resultou em uma expressiva votação pela rejeição do mesmo, o que foi solenemente ignorado pelos senadores.

Em segundo lugar, do ponto de vista jurídico, o projeto de lei, de fato, possui alguns graves equívocos, os quais têm sido tratados de forma bem específica e pontuada por diversas pessoas, quer sejam do meio jurídico ou não. Porém, dois pontos merecem absoluto destaque: 1) O estabelecimento principiológico do pleno acesso dos imigrantes a todos os direitos do welfare state, ou seja, os imigrantes poderão fazer uso de todos os (já terríveis e sucateados) serviços públicos que temos aqui; 2) A completa ausência da questão da Soberania Nacional na Lei, como se o tema não fosse relacionado a segurança pública nacional, interpretando de forma oposta à legislação anterior (como se necessariamente o Estatuto do Estrangeiro fosse ruim por ter sido decretado no período do Regime Militar).

Todavia, o objetivo deste artigo não é “chover no molhado”, e explicitar estes equívocos, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, inciso por inciso. Em que pese este breve ensaio ser elaborado por um advogado, o enfoque não é primariamente jurídico, mas sim teológico. Trata-se de um ensaio escrito por um cristão que é jurista, não por um jurista cristão.

Neste diapasão, necessitamos adotar a Bíblia como nosso ponto de partida para análise não somente desta indigitada Lei de Migração, como também para qualquer outra lei. Precisamos, como cristãos de orientação reformada, compreender que a Palavra de Deus possui aplicação para todas as áreas da vida, inclusive para legislação sobre questões migratórias.

Este tema, embora novo no Brasil, é discutido há muito tempo nos Estados Unidos exatamente sobre o viés bíblico. Malgrado os EUA hoje em dia estejam bastante distantes de uma nação verdadeiramente cristã, houve um tempo em que suas leis refletiam, ou procuravam refletir o que a Bíblia prescrevia.

Voltando aos dois pontos centrais apontados como equivocados da Lei de Migração, o primeiro, o livre acesso aos serviços públicos.

Da forma como proposta, a Lei tem um viés absolutamente humanitário (o que é bom, mas infelizmente não é o único prisma sob o qual a lei deve ser analisada). Ou seja, a Lei pretende acolher o máximo de imigrantes possíveis, mormente aqueles em situação de vulnerabilidade, refugiados, vítimas de tráficos de pessoas, etc.

Este fato foi bastante celebrado por entidades de Direitos Humanos e associações de juristas cristãos, afinal de contas não servimos ao Deus que “faz justiça ao órfão e a viúva e ama o estrangeiro” (Dt 10.18)? Que “guarda os estrangeiros, sustém o órfão e a viúva” (Sl 146.9)?

Não é sem razão que os estrangeiros são contados na Palavra de Deus juntamente com os órfãos e as viúvas como um grupo absolutamente carente, necessitado de auxílio. Trazendo para a linguagem de nossos dias, os estrangeiros seriam uma “minoria” (e nesse ponto convém destacar como a esquerda política termina por prejudicar mais do que auxiliar estes grupos: quando todos são minoria, nenhum é minoria).

Em que pese nós brasileiros sermos um povo notadamente sem memória, creio que ainda esteja na mente de todos a chocante imagem do menino refugiado, morto afogado em uma praia. Logo, é mais do que evidente a necessidade de socorro dos estrangeiros imigrantes. Entretanto, seria isto o suficiente para promover uma alteração na lei? O fato das Escrituras demonstrar que Deus tem uma preocupação com os estrangeiros como um grupo carente de socorro é suficiente para apoiarmos esta alteração na lei de imigração?

Entendemos que não.

A uma porque a alteração da lei, da forma como proposta traz consigo um nocivo viés revolucionário. Como já dito acima, a lei anterior, que têm servido bem ao longo de seus 37 anos de vigência, é hoje vista como “ruim” e “inadequada” muito em função de ter sido decretada no período ditatorial vivido no Brasil, além de tratar mais da questão da Soberania Nacional. O espírito revolucionário vê aquilo que é velho necessariamente como ruim e o novo como bom de modo a sempre estar destruindo e tentando inutilmente reconstruir.  

Guillaume Groen van Pristerer, político e historiador holandês que viveu no século XIX, lutou com todas as suas forças contra este espírito, tendo publicado dentre outras obras (infelizmente nenhuma ainda foi traduzida para o português) um livro chamado Christian Political Action in a Age of Revolution (Ação Política Cristã em uma Era de Revolução). O editor, no prefácio dessa obra, sintetizando parte do pensamento do autor, declara: “É da reforma e não da revolução que as nações têm necessidade. A Reforma preserva e constrói, ciranda e colhe, enquanto a revolução esmaga e destrói, elimina toda fonte de prosperidade e progresso e nivela a sociedade a uma massa cinza inerte de mediocridade”.1

Resta claro, portanto, que uma alteração na lei sob um prisma reformacional e não revolucionário, proporia a reforma da lei mantendo-se o que a mesma possuía de bom e inserindo os elementos porventura faltantes.

A duas, porque quando a Bíblia fala do estrangeiro e da legislação sobre ele, não traz consigo somente o cuidado de Deus para com este grupo, mas também advertências muito sérias sobre a tentativa de proselitismo. Havia punição com pena capital para aqueles que tentavam fazer proselitismo de outras religiões em território israelita (Dt 13 e 17).

Uma visão cristã da Legislação certamente não proporá a aplicação destas leis bíblicas Ipsis Litteris. Todavia, tal como tem sido feito ao longo dos séculos, desde S. Patrício até os Puritanos, a Lei de Deus têm servido de base para os ordenamentos jurídicos de quase todas as nações do Ocidente.

Pelo fato da maioria dos juristas lidar com “o que deveria ser” do que com “o que é”, por vezes escapa de nossa mente a vida real, com suas variadas nuances. É o caso da elaboração de tal lei, ignorando o que imigrantes muçulmanos têm praticado em outros países, inclusive com a indigitada aplicação da Charia.

Assim, a análise de um cristão jurista jamais pode ser no sentido de apoiar a aprovação de uma lei que possibilite uma imigração em massa sem que haja qualquer mecanismo de prevenção e controle de possíveis terroristas, ou seja, ignorando o caráter de defesa da Soberania Nacional que a lei deve ter.

Por fim, convém citar as palavras de Steve C. Halbrook, autor do livro God is Just – a Defense of The Old Testament Civil Laws (Deus é justo – uma defesa das leis civis do Antigo Testamento), em um recomendadíssimo artigo em seu blog Theonomy Resources sobre a crise imigratória estadunidense:

“Enquanto a crise das fronteiras americanas aumenta, várias vozes com várias filosofias políticas disputam entre si. Devemos ou não devemos proteger nossas fronteiras? E quanto aos imigrantes? Eles devem ou não ser admitidos em nosso país? Se sim, como determinar como e de que maneira eles devem entrar em nosso país?

A resposta para todas estas perguntas não está no nacionalismo ou no globalismo; na anarquia ou no estatismo; no racismo ou no racismo reverso; no liberalismo ou no conservadorismo. Absolutamente não. Como todas as questões morais, a resposta se encontra nas Escrituras. Sola Scriptura.”2

Que o Senhor nos ajude na difícil e contínua tarefa de não nos conformarmos com este mundo, mas sermos transformados pela renovação do nosso entendimento através da Santa Palavra de Deus. Inclusive na análise das leis de nosso país.

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1Groen van Pristerer, Guillaume. Christian Political Action in an Age of Revolution (English Edition). Versão Kindle, posição 169.
2https://theonomyresources.blogspot.com.br/2014/07/border-meltdown-biblical-principles-to.html Acessado em 01/08/2017.

 

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