Trevin Wax em uma entrevista com N. T. Wright

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Esta é uma transcrição de minha entrevista com N. T. Wright que ocorreu no dia 15 de novembro de 2007 no Asbury Seminary. O áudio do podcast da presente transcrição pode ser encontrado aqui.
Este post contém a transcrição na íntegra.

Introdução:

N. T. Wright é um erudito britânico da área de Novo Testamento a quem a Christianity Today descreveu como um dos cinco principais teólogos no mundo de hoje. Após servir como teólogo cânone da abadia de Westminster, Wright se tornou o Bispo de Durham em 2003 – a quarta maior posição no ranking de autoridade na Igreja da Inglaterra.

Tom Wright passou sua vida estudando o contexto histórico do Novo Testamento e do cristianismo primitivo. Ele escreveu vários livros sobre o Jesus histórico que foram amplamente aclamados, bem como muitos livros sobre o Apóstolo Paulo e as epístolas do Novo Testamento.

Wright recebeu tanto elogios como críticas por seu trabalho. Anne Rice, a autora da série Entrevista com um Vampiro, creditou a obra de Wright a respeito do Jesus histórico o motivo de seu retorno à fé cristã. O teólogo reformado J. I. Packer descreveu Wright como “brilhante” e como “um dos melhores presentes de Deus para nossa decadente igreja ocidental”.

Como Bispo de Durham, Wright tem sido um para-raios para controvérsia tanto de conservadores que se ofendem com seu posicionamento político quanto de liberais que rejeitam sua visão tradicional quanto à homossexualidade.

Como erudito do Novo Testamento, Wright tem enfrentado críticas de ambos os lados do espectro teológico. Eruditos liberais, tais como aqueles que compõem o infame “Jesus Seminar ” depreciam a obra de Wright a respeito do Jesus histórico como muito conservadora e tradicional. Eruditos conservadores estimam sua forte defesa das doutrinas fundamentais do cristianismo, tais como a ressurreição corpórea de Cristo.

Muitos conservadores de orientação reformada, porém, ficam perplexos com a visão de Wright a respeito da doutrina da justificação e imputação da justiça de Cristo. Vários teólogos renomados, tais como D. A. Carson, Mark Seifrid, Guy Waters, e agora o pastor John Piper, têm escrito extensivamente para refutar a “Nova Perspectiva de Paulo” que Wright defende.

Em nossa entrevista com N. T. Wright, faremos perguntas que ajudarão a iluminar as discussões atuais dentro dos círculos reformados sobre a legitimidade da exegese de Wright dos textos do Novo Testamento.

Trevin Wax: Você poderia nos contar sobre sua jornada espiritual, como você veio a Cristo?

N. T. Wright: Interessante. A expressão “jornada espiritual” é algo com que tenho me familiarizado apenas recentemente. Não teríamos colocado desta forma quando eu era criança.

Eu cresci em uma família que frequentava a igreja, bem humilde, mais ou menos anglicana aonde ninguém realmente falava sobre uma experiência cristã pessoal. Simplesmente tratava-se de algo presumido como acontecia com várias outras coisas na década de 1950. Então você ia à igreja; supunha-se que você fazia suas orações e que você lia a Bíblia.

Nesse contexto, e como vários membros de minha família estavam no ministério de uma forma ou de outra, suponho que não seria surpreendente que em tenra idade eu estivesse pessoalmente muito, muito consciente do amor de Deus.

Eu me lembro de um momento em particular (realmente não sei qual era a minha idade, mas acho que por volta de 7 ou algo assim) em que realmente chorei. Eu estava sozinho em um quarto de casa e estava chorando porque percebi o quanto Jesus me amava. Eu tenho uma clara memória de mim fazendo isto como garoto. Não tenho ideia se isso aconteceu porque eu tinha ouvido um sermão, algo em um hino ou então se algo me tocou.

Eu sabia naquela época que eu tinha que ser um pregador. Eu tinha que ser um ministro, o que era um enigma para mim, pois meu pai era um homem de negócios. Era uma empresa familiar e presumi que a conduziria como seu sucessor. Assim, eu sentia um tipo de agonia como garoto em relação a como isso seria. Quando, então, se tornou claro de fato que meu pai estava dizendo: “será interessante saber o que você quer fazer quando crescer”, percebi que não havia pressão quanto ao futuro e lembro-me do grande alívio: “Ei, eu posso fazer o que realmente sei que tenho que fazer!”.

Durante aquela época, e depois em diferentes estágios ao longo da minha adolescência… Na minha adolescência, tive muito contato com o movimento evangélico por meio da Scripture Union e Boys’ Camps que eu costumava frequentar como adolescente e também mais tarde a partir dos meus vinte e poucos anos. Isto acontecia duas vezes por ano – ir à Escócia e ficar em tendas, escalar, velejar, fazer canoagem e todas essas coisas. O ensino bíblico, porém, era realmente bom e acontecia de manhã e à noite. Gradualmente comecei a participar da condução de estudos bíblicos e tudo o mais.

No decorrer de minha adolescência, minha própria experiência cristã foi crescendo de várias maneiras e basicamente fui aprendendo a orar e a me orientar pela Bíblia. Engraçado mas, para mim, ler a Bíblia era mais um hobby do que um estudo sério. Era algo do qual eu fugia e fazia como atividade paralela, sentindo culpa por não estar realmente fazendo minha lição de casa ou algo do tipo. Nunca pensei que faria dessa atividade o trabalho da minha vida.

Assim, fui muito sortudo em tudo isso. Fui ordenado aos meus vinte e poucos anos.

Eu acho que, como anglicano, sempre existe espaço para avançar, o que pode ser perigoso, mas também muito saudável, pois temos a chance de desenvolver partes da grande tradição bíblica que ainda não conhecemos completamente; em especial, os sacramentos. Há muito pouco a respeito dos sacramentos no ensino que recebi quando estava na minha adolescência, mas, aos meus vinte anos, trabalhando com pessoas para as quais isso era realmente muito importante, de uma maneira muito bíblica, isso me deu espaço suficiente para crescer.
Eu acho que isto é provavelmente o suficiente. Não tenho uma experiência na estrada de Damasco para recordar. Não tive nada parecido. É uma espécie de crescimento constante com algumas mudanças maravilhosas no meio dele.

Trevin Wax: Por que você nunca desempenhou uma posição exclusivamente acadêmica? Por que você escolheu permanecer tão ligado à igreja local?

N. T. Wright: É uma boa pergunta. Quando eu estava no seminário nos meus vinte e poucos anos, um dos meus professores me disse: “Você vai ter que decidir: ou você será um acadêmico ou será um pastor. Não pode ser ambos”. Lembro-me de pensar: “Diabos! Eu quero ser ambos! Por que você está me dizendo que eu não posso fazer as duas coisas?”. Assim, tenho oscilado um pouco em sempre querer fazer ambos.

Isto acontece, em parte, porque sou extrovertido e gosto de estar com as pessoas. Se você me trancasse em uma biblioteca sem nada ao redor por semanas, eu ficaria louco! Tenho que sair e…

Quando tirei meu sabático, quando realmente tive três meses inteiros para organizá-los completamente como eu queria, eu poderia ficar na biblioteca ou na mesa o tempo todo, mas, na metade do dia, me encontrava perambulando no centro, sentando numa cafeteria com um notebook apenas para estar próximo da agitação. Então, sou uma pessoa do povo. Gosto de estar com o povo. Da mesma forma, gosto de ser professor.

Para mim, na verdade, ser um bispo em uma diocese onde há uma tradição acadêmica (retornando a pessoas como Lightfoot e Westcott e assim por diante) me fornece um convite fascinante, desafiador, mas aberto para dizer: “Queremos que você seja um acadêmico. Queremos que você continue fazendo isso, mas faça-o como um Bispo!”. E olhando para trás, para os primeiros séculos da igreja, a maioria dos grandes mestres também eram bispos e vice-versa. Essa grande divisão veio a ocorrer apenas em tempos recentes.

Naturalmente, isso significa que há um monte de coisas que eu não posso fazer. Eu não faço muitas resenhas de livros, por exemplo – algo que os estudiosos comuns fazem bastante. Simplesmente tive que dizer a mim mesmo que eu não tinha tempo para isso. É algo do qual sinto falta. É algo que deveria estar fazendo, mas não posso. Portanto, é uma escolha.

Em termos de tipos de personalidade… Eu não sei se você conhece o Eneagrama e este tipo de coisa, mas eu sou um número 7 no Eneagrama. Uma das imagens para o número 7 é a borboleta – uma pequena criatura que salta de planta em planta porque está muito fascinada e empolgada com cada uma delas. E isto diz muito a respeito de quem eu sou.

Trevin Wax: Como a adoração da igreja é central na sua vocação?

N. T. Wright: Isto é como dizer: “Diga-me por que a respiração é tão importante para você”. Penso que se eu parasse de fazê-lo eu desmoronaria ou algo assim. Tenho que olhar no espelho e dizer: “Por que a adoração é importante?”. Bem, isto é o que eu faço e apenas nos últimos 15 a 20 anos talvez, que tenho refletido sobre por que a adoração é importante – que é como alguém que sempre desfrutou do hábito de comer durante toda sua vida e de repente lê sobre a teoria de como o alimento funciona ou algo desse tipo.

A teoria, que é um tipo de “por que” intelectual, diz que quando se adora o Deus de cuja imagem você é feito, você é renovado como ser humano, como uma criatura portadora da imagem. Agora eu sei disso de maneira intelectual; entretanto, isto simplesmente corresponde a algo que conheço ao longo da vida.

Eu tenho sorte de ter crescido em uma tradição de adoração que é bastante rica musicalmente (e música é muito importante para mim) e que tem um maravilhoso recurso de hinos de todos os tipos e de diferentes partes da igreja. É também maravilhoso poder ir à igreja, cantá-los e ouvir um moteto de Bach ou mesmo alguns coros carismáticos. Sou muito eclético – tanto musicalmente como em outras coisas! Mas, estruturar a prática de se ouvir e de seconhecer as Escrituras dentro do contexto de culto, que é o que a liturgia anglicana faz, realmente me parece algo bastante completo e atraente.

Trevin Wax: Você poderia nos dar uma breve definição do “Evangelho”?

N. T. Wright: Eu poderia tentar adotar um ângulo paulino. Quando Paulo fala sobre “o evangelho”, ele significa “a boa notícia de que o Jesus crucificado e ressurreto é o Messias de Israel e, portanto, o Senhor do mundo”. Agora, isso é algo bem resumido.

A razão de isto ser uma boa notícia é que… No Império Romano, quando um novo imperador subia ao trono, obviamente havia acontecido um tempo de incerteza. Alguém acabou de morrer. Haverá caos agora? A sociedade entrará em colapso? Os piratas regerão os mares? Não teremos comida para comer? A boa nova é que temos um novo imperador e seu nome é tal e tal. Então, teremos justiça, paz e prosperidade, isto não grandioso?!

Agora, é claro que a maioria das pessoas no Império Romano sabia que isto era asneira porque se tratava apenas de outro velho aristocrata pretensioso que iria fazer o mesmo que os outros tinham feito. Mas essa era a retórica.

Paulo segue com a mensagem de Isaías. Boas Novas! Deus se tornou Rei e está fazendo isto por meio de Jesus! Portanto, puxa! A Justiça de Deus, a paz de Deus, o mundo de Deus serão renovados.

Em meio a tudo isso, naturalmente, isto é uma boa nova para você e para mim. Isto, no entanto, deriva ou resulta da boa nova que é a mensagem sobre Jesus que tem um efeito de segunda ordem sobre mim, sobre você e sobre nós. O evangelho, porém, não trata em si da questão sobre sermos determinado tipo de pessoa e algo nos acontecer por conta disso. Este é o resultado do evangelho em vez de ser o próprio evangelho.

Isto está muito claro em Romanos. Romanos 1:3-14: Este é o evangelho. Esta é a mensagem sobre Jesus Cristo, descendente de Davi, escolhido Filho de Deus em poder. Em seguida, temos Romanos 1:16-17 que diz muito claramente: “Eu não me envergonho do evangelho porque é o poder de Deus para salvação”. Isto é, salvação é o resultado do evangelho, não o centro do próprio evangelho.

Trevin Wax: Se o “evangelho” em si é a declaração do senhorio de Cristo, onde a doutrina da justificação entra em jogo?

N. T. Wright: A doutrina da justificação entra em jogo porque desde a Queda todo o plano de Deus é e tem sido organizar a bagunça na qual o mundo se encontra. Nós britânicos usamos a expressão “colocar o mundo no devido lugar”. Eu descobri que os americanos não usam essa expressão, e as pessoas coçam suas cabeças e dizem: “Engraçado… O que ele quer dizer com isso?”. Significa consertar algo para que tudo volte a ser bom.

E isto é assim porque Deus é o Deus Criador. Ele não quer dizer: “Ok, a criação foi muito boa, mas estou desfazendo-a”. Ele quer dizer: “A criação é tão boa que vou resgatá-la”. E Ele faz isto por meio de Sua aliança com Abraão.

A aliança com Abraão é planejada, então, não para criar um pequeno povo separado, uma vez que o restante da criação está indo para o inferno e Deus deseja que apenas esse povo desfrute de Sua amizade, mas, sim, para que essa aliança seja o meio pelo qual o resto do mundo participe desse ato. Assim, isto é desenvolvido no Antigo Testamento.

Deste modo, quando obtemos os escritos do Novo Testamento, nos deparamos com o senso de que Deus tem realizado agora um grande ato de pôr o mundo no devido lugar e é a morte e ressurreição de Jesus que fazem isto. Elas definem uma dinâmica por meio das quais podemos olhar adiante para o dia em que estaremos inteiramente completos (Romanos 8), quando toda a criação será renovada.

Existe então esta coisa estranha de que somos chamados pelo evangelho para sermos pessoas que são renovadas antes da renovação final. E há uma dinâmica de que é uma salvação dinâmica. Deus vai fazer algo grande no futuro e, puxa, Ele já está fazendo isto conosco no presente!

Em seguida, em razão de o mundo estar errado, fora do lugar, cheio de pecado e tudo o mais, a questão da justificação surge porque encontramos dentro da narrativa o sentido de que ela é também forense, ou seja, uma estrutura de tribunal de justiça. E esta é a linguagem de tribunal de justiça da justificação.

Deste modo, dizemos que, ao ressuscitar tais pessoas dos mortos no futuro – finalmente fazendo aquilo que Deus tem a fazer – Deus declarará: “Essas pessoas são inocentes!” Isso acontecerá no futuro.

E a justificação pela fé diz que o veredito também é antecipado no presente. E quando alguém crê no evangelho de Jesus Cristo, mesmo que sua vida moral tenha sido uma bagunça, mesmo que não seja de uma família funcional, que não tenha frequentado a escola adequada, que não tenha dinheiro… Deus diz: “Você é o meu filho amado. Eu estou satisfeito contigo”. O veredito do futuro é trazido ao presente com base na fé e somente na fé; e a fé é o resultado da graça de Deus através do evangelho de Jesus crucificado e ressurreto.

Agora, é claro, há muitas coisas diferentes que se agrupam em torno da justificação. Os debates dos últimos quatrocentos anos aconteceram em torno disto, mas esta é a forma que encontramos em Paulo. Paulo é o começo da real exposição desta questão e é para onde sempre retorno.

Trevin Wax: Você disse em muitos dos seus livros que justificação não é como alguém se torna cristão, mas uma declaração de que alguém é um cristão. Qual linguagem você usa para explicar como alguém se torna um cristão?

N. T. Wright: Vamos ser claros a respeito disto, pois muitos cristãos na tradição evangélica usam palavras como “conversão”, “regeneração”, “justificação”, “novo nascimento”, etc. de maneira mais ou menos sinônimas para significar o ato de se “tornar-se um cristão do nada”. Na tradição Reformada clássica, a palavra “justificação” é, além disso, muito mais refinada e tem relação com um veredito que é pronunciado, ao invés de ser algo que acontece com alguém quanto a ser nascido de novo. De modo que estou realmente muito mais próximo de alguns escritos Reformados clássicos sobre isto do que algumas pessoas talvez percebam.

Deixe-me colocar da seguinte maneira. Em Paulo (e isto é realmente um diálogo Paulino, acima de tudo), o que acontece é que a palavra do evangelho é anunciada. Isto significa dizer que Jesus Cristo é anunciado – individualmente, em uma grande reunião, na rua ou aonde quer que seja e, muito embora essa mensagem seja loucura (e Paulo sabe que é loucura; ele disse que é loucura para os gentios e escândalo para os judeus), algumas pessoas acham que a mensagem as cativa e elas creem nela. Isso é bizarro. Eu não deveria estar crendo. Um morto ressuscitou dentre os mortos e ele é o Senhor do mundo. Eu realmente não deveria acreditar nisto, mas faz sentido. Ela me cativa e posso senti-la me mudando. A análise de Paulo sobre isso é que este é o poder da palavra (ele tem uma forte teologia da palavra) e outra maneira de dizê-lo para Paulo é que é o Espírito Santo trabalhando através do evangelho. Ele diz: “ninguém pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor, senão através do Espírito Santo”.

Assim, o Espírito Santo é Aquele que através da Palavra faz a obra da graça, que é algo transformador e o primeiro sinal da nova vida é a fé.

Agora, então, o ponto da justificação não é Deus torná-lo inocente. A ironia é que alguns dos meus críticos neste ponto me acusam de uma espécie de semi-pelagianismo. Mas isso é precisamente o que eu penso não estar fazendo. O veredito da justificação é Deus dizer sobre a fé: “Este verdadeiramente é o meu filho amado”.

Parte da dificuldade que enfrentamos é porque diferentes tradições cristãs têm usado a palavra “justificação” para denotar tanto diferentes fases dentro desse processo quanto, algumas vezes, todo processo em si. (O livro de Hans Küng sobre justificação é, do início ao fim, um livro que trata realmente sobre como ser um cristão. Para ele, então, a justificação significa o processo inteiro, ou seja, sobre como um completo pagão finalmente se torna um cristão salvo. Isto, porém, não é realmente útil em termos paulinos, mas tem havido muitos deslizes). Portanto, quando as pessoas dizem: “ele diz que a justificação é isto, mas eu sempre pensei que fosse aquilo”, é provavelmente porque estamos indicando um ponto diferente no processo.

Meu único objetivo aqui é estar o mais próximo que eu puder do que Paulo realmente diz. E eu realmente não me preocupo tanto com o que as tradições cristãs posteriores dizem. Meu objetivo é ser fiel à Escritura.

Trevin Wax: Alguns evangélicos dentro da tradição Reformada têm discordado com a sua divisão da justificação presente e futura e sua afirmação de que seremos justificados no último dia, “baseado em toda a vida”. Isto significa que nossas boas obras contribuem para nossa salvação? Ou será que nossas obras testificam a nossa salvação?

N. T. Wright:
É interessante que se desloque da justificação para a salvação aqui, pois, embora elas não sejam a mesma coisa, temos que nos treinar para usar as palavras com precisão. E há pouca preocupação com uso preciso de termos cristãos – eu mesmo sou culpado disso. Realmente nos enrolamos nesse ponto.

A palavra “salvação” significa resgate. Resgatar? Do quê? Bem, em última análise, da morte, é claro, e, uma vez que é o pecado que conspira com as forças do mal e da destruição, ele leva à morte. Então, somos resgatados do pecado e da morte.

Agora, essas coisas podem ser o mesmo evento que a justificação presente e futura. Mas a palavra “salvação” e a palavra “justificação” não são intercambiáveis.

É como se, imagine que tivéssemos uma aula que começa às 9h da manhã e, no mesmo horário, é também o momento em que o sol nasce no meio do inverno. Agora, você pode dizer “nascer do sol” ou pode dizer “o início da aula”. Ambos denotam o mesmo momento, mas conotam assuntos completamente diferentes. Um deles é uma declaração a respeito de coisas que estão acontecendo no mundo de maneira geral, a outra é uma declaração sobre algo muito específico que está acontecendo nessa manhã em minha experiência educacional. Eles podem ser o mesmo momento.

Da mesma fora, justificação presente e futura corresponde a salvação presente e futura, mas são diferentes sistemas linguísticos para falar sobre diferentes tipos de eventos que podem acontecer ao mesmo tempo. Isso é extremamente importante e acontece quando lemos Isaías, assim como quando lemos Paulo na verdade.

As pessoas têm dito com frequência: “Sua ideia…” (apontando para mim) “…de que a salvação futura será baseada na totalidade da conduta da vida”. Eu digo: “Desculpe-me, eu não escrevi Romanos 2:1-16! Romanos 2:1-16 é Romanos 2:1-16. A tradição evangélica tem evitado Romanos 2, pois não sabia o motivo de sua existência. Isso por que a grande tradição evangélica, à qual sou imensamente grato, tende a dizer: “Nós sabemos a priori que Romanos 1:18-3:20 basicamente diz: ‘Todos vocês são pecadores e ponto final’, a fim de que então, Romanos 3.21 e os versículos seguintes possam dizer: ‘Todos vocês são salvos pela graça através da fé’.” Assim, eles eliminam a equalização da qual Romanos 1.18-3:20 está realmente tratando.

E o capítulo 2 particularmente tem sido muito controverso, não apenas para evangélicos, mas, na verdade, para estudiosos liberais também. Ed Sanders realmente não sabe ou não sabia do que se tratava Romanos 2.1-16 quando escreveu seus dois livros sobre Paulo, mas é muito claro. É uma declaração tipicamente judaica de um futuro julgamento em que Deus recompensará ou punirá de acordo com a conduta de toda uma vida. Caso você pense que Paulo está dizendo: “Esta é uma ideia judaica estranha que eu estou rejeitando”, ele a ancora com o fato de que é Jesus quem vai ser o Juiz no último dia.

Assim, eu diria, por favor não pense que isto é algo que inventei. Novamente, não se trata de um êxito passageiro. Ele diz novamente em 2Coríntios 5 e em Romanos 14 que “devemos comparecer diante do tribunal de Cristo para que possamos cada um receber o que temos feito no corpo, seja bem ou mal”. Francamente, se as pessoas têm um problema em corresponder isto com justificação pela fé, é com Paulo que eles têm um problema, não comigo.

Mas acho que é muito fácil correlacioná-la com a justificação pela fé, pois toda a questão da justificação pela fé em Romanos 3 é que se trata de algo que acontece no tempo presente. Em seguida, a fim de explicar como é que o presente veredito decretado sobre a fé somente pode seguramente corresponder ao veredito futuro que será decretado sobre toda conduta de vida, Paulo escreve Romanos 5-8 que conclui: “Portanto, não existe nenhuma condenação” por causa do Espírito, porque etc…. juntamente com o alerta: “Se viverdes segundo a carne morrereis, mas se pelo Espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis”.

Assim, as coisas são muito mais complicadas e muito mais interessantes do que permitiria a lógica fria e concisa dos sistemas exageradamente detalhistas da pós-Reforma. Felizmente, Paulo é muito mais interessante do que a maioria dos seus interpretes, inclusive eu mesmo.

Trevin Wax: Você mencionou Hans Küng anteriormente. Como você distinguiria sua visão a respeito da justificação do ensino oficial da Igreja Católica?

N. T. Wright:
Bem, essa é uma boa pergunta que diz respeito ao que realmente significa o ensino oficial da Igreja Católica nos dias de hoje.

Lembro-me uma vez que, após ter sido formulado um acordo oficial sobre a doutrina da salvação entre anglicanos e católicos romanos, fui participar de um debate público com Ted Yarnold que é um dos grandes teólogos católicos em Oxford – infelizmente está morto agora. Nós saímos para um grande encontro ecumênico em Reading, que fica entre Oxford e Londres, e conversamos no carro sobre quem falaria primeiro. Eu disse: “Bem, você é o mais velho aqui. É melhor você ir primeiro e começar”. Então ele assim o fez. Ele começou dizendo: “Vamos apenas nos lembrar do que é a doutrina da justificação. Ela ensina que não há nada que possamos fazer para merecer o favor de Deus. Ela deve vir inteiramente pela graça de Deus e a única coisa que podemos possivelmente fazer de nós mesmos é nada menos que meramente acreditar na bondade e graça de Deus”. Então eu me levantei e disse: “Nós podemos, igualmente, ir para casa, pois obviamente estamos em plena concordância. Se os seus amigos tivessem dito isso 400 anos atrás, nós poderíamos não ter tido todo este problema”.

Eu acho que tem havido uma enorme quantidade de mal-entendidos. Eu conheci muitos teólogos católicos romanos que dariam ênfase, tanto quanto qualquer pregador protestante que todas as coisas vêm do amor e graça de Deus.
 
O problema novamente tem sido terminológico, e claro, na Reforma, havia muitos no sistema romano que simplesmente não entendiam que haviam sido tão corrompidos por alguns dos absurdos que estavam acontecendo no final do período medieval, que os fizeram crer que tinham que fazer todas estas coisas extras e obras de super-rogação. E isto foi ligado à doutrina do purgatório e tudo o mais.

Mas em termos da soberana graça de Deus, encontramos isto em Tomás de Aquino tanto quanto encontramos em João Calvino. Acredito que seja hora de recuarmos e analisarmos com mais calma o que está acontecendo.

Há muita coisa sobre o Catolicismo Romano que eu basicamente discordo. Por exemplo, a doutrina de Maria… eu estudei essa questão e simplesmente não acho que tenha qualquer validade bíblica e teológica; e tenho alguns amigos que ficam muito desapontados por eu dizer isso. Então, não estou dizendo: “vamos lá e concordemos com Roma nesta questão”. Mas estou dizendo que, na verdade, embora Roma tenha sido completamente distorcida algumas centenas de anos atrás, pela maneira como as coisas estão agora, há espaço para todos os tipos de diálogos e encontro uma ampla disposição para isto.

O que eu não encontro, contudo, é o sentido da justificação em Gálatas 2, pois em Gálatas 2 o significado da justificação é: se todos aqueles que creem em Jesus são declarados justos, eles pertencem à mesma mesa. E Roma ainda reluta com isto. “Nós não teremos comunhão Eucarística até que vocês subscrevam e concordem nisto, isto e isto”. Então, eu bato nisto com meus amigos Romanos e digo: “Desculpe… de acordo com a justificação pela fé, devemos compartilhar a Eucaristia. O que há de errado com isso? E eles, é claro, se inquietam.

Trevin Wax: Como a doutrina do sola Scriptura influencia seu trabalho e seu método?

N. T. Wright:
Bem, em termos de método, basicamente, sola Scriptura é o que eu sempre tentei fazer. Você poderia colocar isto negativamente… se você se encontrar seguindo um caminho em que pensa: “Ó, bem, se eu adotar tal via, isso significará que vou deixar esta parte da Bíblia ou esta”, então todos os tipos de luzes de alerta acendem e dizem: “Você provavelmente não deveria estar tomando esse caminho!”. Pode ser que você tenha entendido mal sua própria mente, por assim dizer, e pode haver um caminho através disto, pois sempre há desafios com que nos deparamos, mas, basicamente, o meu objetivo tem sido expor as Escrituras; e expô-las de tal maneira que eu não coloque uma Escritura contra a outra.

No entanto, tenho que dizer, meu trabalho sobre a autoridade da Escritura, que você provavelmente conhece – um livreto chamado The Last Word (A última Palavra) nos EUA. Título bobo, por falar nisso. Foi uma tolice da Harper chamá-lo assim. Não foi ideia minha. Imagine um livro chamado The Last Word! Quero dizer… é muito tolo. Se eu fosse escrever um livro chamado The Last Word seria sobre Cristologia e não sobre Escritura. “Nos últimos dias, Deus nos falou através de seu Filho…”

Mas tenho tentado enfatizar que o Jesus ressurreto não diz aos discípulos: “Toda autoridade no céu e na terra é dada aos livros que vocês, camaradas, vão escrever e deixar”. Ele diz: “Toda autoridade nos céus e na terra é dada a Mim”. De modo que, se dissermos que a Escritura é autoritativa, o que realmente temos que dizer é que a autoridade que é conferida apenas em Cristo é mediada através da Escritura.

Isto é algo mais complicado do que simplesmente ter um livro na prateleira repleto de respostas corretas ao qual você pode recorrer. Trata-se mais de uma maneira de dizer que, quando lemos as Escrituras e determinamos viver sob ela, estamos na verdade dizendo que queremos viver sob o senhorio soberano de Jesus mediado por esse livro.

Quando você fala desta maneira, então todos os tipos de outras coisas acontecem como resultado, ou seja: O que é o domínio soberano de Jesus sobre todas as coisas? Trata-se apenas de preencher nossas mentes com respostas corretas para questões difíceis? Bem, respostas corretas para questões difíceis são melhores do que respostas erradas para questões difíceis. Mas não, a autoridade de Jesus Cristo está presente para transformar, curar e salvar o mundo, para fazer os reinos do mundo se tornarem o reino do nosso Deus e de Seu Cristo. A questão, então, é como a autoridade das Escrituras serve a esse propósito? E isso é realmente muito mais interessante do que simplesmente usar a Escritura para resolver ou levantar controvérsias doutrinárias dentro da igreja.

Trevin Wax:
Você tem criticado fortemente a arrogância do modernismo Iluminista, especialmente a precipitada rejeição dos pensadores do Iluminismo quanto ao sobrenatural, a ressurreição de Jesus, etc – uma atitude que afirma  que precisamos de 1700 anos para que a ciência moderna nos dissesse que pessoas mortas permanecem mortas e assim por diante. No entanto, você está defendendo o que é chamado de a “nova” perspectiva sobre a teologia de Paulo, uma recente inovação na história do pensamento cristão. É possível que, ironicamente, mesmo que você critique a atitude arrogante do Iluminismo, você tenha se aberto à acusação, pelo menos, de que está mais ou menos incorporando a mesma atitude ao desconsiderar anos de teologia cristã e, com efeito, dizendo: “Agora, finalmente, estamos chegando ao que Paulo ou Jesus realmente queria dizer!”?

N. T. Wright:
Boa pergunta. Existem várias questões aí.

Em primeiro lugar, quando eu critico o Iluminismo, critico, espero, a arrogância do Iluminismo, mas eu concordo com o Iluminismo que algumas questões precisavam ser feitas no século 18, as quais a igreja estava evitando, sem mencionar a questão histórica. Na medida em que o Iluminismo estava dizendo: “Espere um minuto! Nós temos que aceitar tudo o que a igreja está nos dizendo, simplesmente confiando, porque a Igreja é a Igreja? Ou será que isto realmente aconteceu?”, e claro, eles disseram-no com a esperança de obterem a resposta: “Não, isso realmente não aconteceu, isto é tudo lixo! Nós somos livres e iluminados! Isso é ótimo!”

Mas, na verdade, a questão histórica foi uma grande pergunta a ser feita e os reformadores, na melhor das hipóteses, concordariam que você deveria perguntar sobre esse assunto. É realmente em algum lugar entre o início do século 16 e o final do século 18 que essas coisas se tornaram muito mais insípidas na igreja.

Assim, eu aceito o desafio da historicidade e com isso aceito a posição essencialmente cristã de que Deus tem sempre mais luz para emitir da Sua Santa Palavra. Há toda a diferença no mundo entre dizer humildemente: “Eu quero encontrar mais luz das Escrituras além da que nós temos tido” e dizer: “Eu provarei que o resto da Igreja está errada e criarei algo totalmente novo!”.

Agora, tendo dito isto, dois pontos sobre a Nova Perspectiva.

1. Eu sou um defensor de uma forma de Nova Perspectiva. Existem, no entanto, tantas novas perspectivas quanto existem pessoas escrevendo sobre o assunto. Na verdade, Sanders, que iniciou-o, foi um dos principais precursores em muito do que eu tenho feito. Eu tenho, muito conscientemente, feito oposição a Sanders em vários aspectos, por isso, se alguém pensa: “Ó, bem, Sanders = Nova Perspectiva. Ele é um liberal. Ele acredita nisto e naquilo. Ele acha que o Cristianismo e Judaísmo são todos a mesma coisa. Tom Wright = Nova Perspectiva. Portanto, ele pensa o mesmo que Sanders”. Por favor! Preste atenção. Isto é muito, mas muito diferente e sempre foi.

Sanders fez alguns pontos a respeito do Judaísmo do primeiro século que devem ser considerados muito seriamente e, apesar da grande quantidade de trabalho, em algumas partes não foi refutado. Elas precisam de um pouco mais de nuance, mas a ideia do Judaísmo como religião de graça com as obras surgindo em gratidão pela graça, ao invés de merecer a graça… Ok, existem alguns rabinos que vieram e disseram tolices aqui e ali, mas, substancialmente, é assim que funciona estruturalmente.

Outra coisa a dizer é que a Nova Perspectiva, na verdade, não é uma questão entre o ano zero e 2000 d.C.,  que todos eles entenderam errado e estamos no caminho errado. A Nova Perspectiva começa com Efésios. Eu realmente acho que Efésios foi escrito entre Romanos e Gálatas, mas, seja lá quando você acredite que tenha sido escrito, é em Efésios que obtemos essa estreita correlação entre “pela graça sois salvos por meio da fé e isto não é de vós, é dom de Deus, não pelas obras” e conseguinte, “vós Gentios são parte da mesma família com os Judeus”. Isso é Efésios, capítulo 2. Eu não inventei isso. Eu simplesmente observei um pouco.

É interessante que muitos evangélicos têm feito implicitamente o que estudiosos liberais fizeram explicitamente e colocaram Efésios e Colossenses em um tipo de subcategoria e elevaram suas leituras de Romanos e Gálatas a uma primazia. Agora, o estudioso liberal tem dito: “Bem, Efésios e Colossenses foram escritas posteriormente. Possivelmente são deutero-Paulinas”.

Mas muitos evangélicos realmente têm mantido esta visão também. Isto por que Efésios e Colossenses têm uma visão muito elevada da Igreja (visão essa que muitos evangélicos possuem desconfianças e, de fato, muitas vezes, é a eclesiologia que está levando os evangélicos a desconfiarem da Nova Perspectiva).  É por isso que existem questões a respeito do Catolicismo Romano que surgem em torno disso tudo. Se seguirmos esse modelo de Nova Perspectiva ou nos tornaremos liberais ou nos tornaremos católicos, o que é terrível de qualquer maneira e não queremos fazê-lo. Eu digo: “acalmem-se, rapazes! Esta questão na verdade está nas Escrituras! Se você acredita na Bíblia, você tem que trabalhar com ela e não apenas filtrá-la”.

Trevin Wax: Na sua opinião, a crítica acadêmica das Novas Perspectivas nos Estados Unidos (tais como Carson, Piper, Moo e outros) tem sido justa ou ela tem entendido mal a Nova Perspectiva?

N. T. Wright: Eu acho que Carson tem compreendido mal. O grande livro, o primeiro volume que ele editou, Justification and Variegated Nomism, é uma coleção de ótimos ensaios produzida por excelentes estudiosos. Porém, tenho que dizer que, quase no fim, onde Carson resume a obra, ele de fato vai muito além do que esses ensaios realmente dizem. É interessante… ele tece algumas críticas a mim sem qualquer nota de rodapé. É como se eu estivesse espreitando na escuridão como um bicho-papão que virá e vai agarrar as pessoas e, portanto, ele deve protegê-las.

Eu conheço Don muito bem. Fomos estudantes de pós-graduação juntos, ele em Cambridge e eu em Oxford na década de 70. Temos sido amigos por muitos anos desde então e realmente não entendo porque isto o está consumindo desta maneira.

Piper está em uma categoria diferente. Ele graciosamente me enviou previamente um manuscrito do seu livro no qual ele me critica e me convidou a comentá-lo. Eu enviei a ele um grande número de comentários a respeito disso. Eu recebi apenas um e-mail cerca de dois dias atrás com o livro revisado e não tive a chance de olhar para ele ainda. Assim, não posso dizer se ele está sendo justo ou não neste momento.

Mas eu sei que ele tem dado o melhor de si para ser justo, e eu honro e respeito isso. As pessoas têm me perguntado se escreverei uma réplica e a resposta é que não sei. Estou meio ocupado no momento, mas talvez eu deva, mais cedo ou mais tarde.

Moo está em uma categoria diferente também. Doug Moo, eu diria, é um estudioso Paulino muito mais capaz que os outros dois que mencionei. Algo que eu realmente respeito quanto a Doug Moo é que ele está constantemente aferrado ao texto. Nos momentos em que ele ouve o texto dizer algo que não é o que sua tradição teria dito, ele permanece com o texto. Eu nem sempre concordo com sua exegese, mas existe inexorável honestidade acadêmica nele, para qual eu tiro o chapéu.

Trevin Wax:
Uma vez que você está estabelecendo a doutrina da justificação dentro de uma eclesiologia mais ampla, talvez você possa ter uma resposta para alguém que me escreveu da Índia. Ele diz: “Como você acha que Paulo teria reagido quanto a uma congregação da igreja que fosse formada exclusivamente de Judeus ou Romanos? Na Índia, existem muitas igrejas baseadas no sistema de castas e da comunidade (por causa da língua) e muitos líderes cristãos na Índia não estão dispostos a tratar esta questão delicada”. Como você acha que Paulo reagiria a tais igrejas?

N. T. Wright: É difícil. Eu nunca fui à Índia, não sou um especialista na cultura indiana e não gostaria de ser visto atacando uma cultura a qual eu nunca experimentei e nem nunca vivi. No entanto, amigos meus que têm trabalhado na Índia… há um que no momento está fazendo um trabalho surpreendente entre o povo Dalit na Índia e eu recebo mensagens dele a cada semana…

É bastante claro que algo está acontecendo em nossos dias que está maravilhosamente saltando sobre a barreira da casta e provocando uma reação nos líderes indianos que estão dizendo: “Você não entende nosso sistema de castas. É realmente uma coisa linda. As pessoas estão muito contentes com isso, e assim por diante”. Eu não acho que isso seja completamente justo. Então eu não desejo ser tão crítico.

Mas, eu acho que Paulo teria lamentado com uma igreja que tivesse compactuado com isto, assim como Paulo teria se ofendido com o apartheid na África do Sul das igrejas de negros e brancos e se angustiaria com as igrejas no meu país, no Reino Unido, que são implacáveis tanto com brancos quanto com negros.

Agora, eu entendo porque no Reino Unido, se um grupo de pessoas que vem, digamos, da Índias ocidentais… e estão vivendo em Londres. Eles prestam culto de um modo particular. Eles têm um estilo particular. Eles tentam ir a igrejas inglesas e não se adequam, então dizem: “Por favor! Queremos louvar a Deus da maneira adequada”. Assim, eles têm, basicamente, uma congregação toda de negros com, talvez, um ou dois brancos mais ou menos frequentes porque eles gostam da animação e do estilo. Isto é tudo de bom! (Você sabe o que dizem. A definição de um negro para um branco é a de alguém que pode cantar sem se mexer!) Eles se movem e é incrível. Você se envolve com isto!

Então, eu entendo que, culturalmente, pode haver momentos em que você tem a dizer… a fim de que milhares de flores desabrochem e não se fechem, você tem que criar seu próprio estilo. Mas ele sempre deve ter como objetivo, tanto quanto possível, a integração com outras culturas.

Aqui está o truque. Parece-me que, desde a Idade Média (isso não é algo da Reforma), toda essa questão sobre Judeus e Gentios vindo juntos a Cristo foi de fato excluída. E a exclusão disto permitiu que Martinho Lutero fosse violentamente antijudaico, permitiu que uma grande parte da cristandade medieval, e por conseguinte, o Catolicismo e o Protestantismo fossem alegremente antijudaicos, sem, contudo, saber que havia um problema quanto a isso.

E você pensa … Como eles puderam ler Romanos e Gálatas, de todos os textos, e não perceber que isto era um problema? E isso permitiu o surgimento do apartheid na África do Sul. Então, voltamos a um longo caminho na tradição que, de uma maneira que não percebeu que o ponto do evangelho é fazer convergir juntamente todas as coisas em Cristo.

Às vezes eu digo às pessoas… Se tivéssemos começado com Efésios ao invés de Romanos e tivéssemos lido Efésios 1:10, que diz que o propósito de Deus era convergir todas as coisas em Cristo, as coisas no céu e na terra, então nós não teríamos uma crise ecológica, não teríamos um problema do apartheid, não teríamos tido isto, aquilo e aquilo outro. Temos permitido que nossas ideologias condicionem nossa leitura das Escrituras e, meu Deus, está na hora de retornar e deixar a Escritura fazer o seu trabalho.

Trevix Wax: Você tem sido um forte defensor da doutrina da substituição penal como um dos importantes temas sobre a expiação encontrados na Escritura, especialmente em seu comentário sobre Isaías 53. Contudo, é desconcertante para muitos conservadores evangélicos que você recomenda um livro de Steve Chalke, que parece negar a substituição penal, enquanto chama um livro que defende tal doutrina, qual seja, Pierced for our Transgressions, de “perturbadoramente não bíblico”.

N. T. Wright: Sub-bíblico*.

Trevin Wax: Sub-bíblico… Suponho que a pergunta que estou lentamente tentando formular é: Como você define a doutrina da substituição penal e qual a sua importância para igreja hoje?

N. T. Wright: Deixe-me comentar sobre estes dois livros, pois estou surpreso com a reação contra Steve Chalke. Veja, há um pouquinho de história aqui. Quando Steve estava trabalhando naquele livro, ele se debruçou sobre meu livro Jesus and the Victory of God e o devorou completamente. Ele veio e conversou comigo a respeito dele. Esta foi a primeira vez que o conheci e foi muito empolgante conhecê-lo, ter alguém com toda essa energia para o trabalho e evangelismo com jovens etc… levando a sério um livro que é basicamente sobre o reino de Deus e os evangelhos e tudo o mais.

Então, quando eu vi seu livro e ele me perguntou se eu gostaria de escrever uma sinopse dele, eu o li, embora que de modo rápido, e página após página vi que ele realmente entendeu. Ele está indo na direção correta.

E a declaração que ele fez não foi, em sua origem, digamos: “Eu não acredito em substituição penal”. De um lado, esta era uma maneira de excluir uma distorção da substituição penal que ele ouviu, a qual eu ouvi – a ideia de que Deus simplesmente quer punir alguém sem se importar muito com quem era. Ó, bem, aqui está um homem inocente. Vamos puni-lo e vai ficar tudo bem, não vai? Infelizmente, existem muitos cristãos que pregam doutrinas como esta.

Steve sabe, a partir da sua experiência nas ruas, que de fato isso não é assim. As pessoas de fato não recebem desta forma e, mesmo se um evangélico conservador cuidadoso voltar e disser: “Bem, isto é assim porque o evangelho é sempre ofensivo…”. É o evangelho que está sendo ofensivo ou é a sua distorção dele que está sendo ofensiva? Esta é a questão.

Eu sei… Telefonei, então, para Steve Chalke no último mês de fevereiro ou março e disse: “Steve, nós não falamos sobre isso desde todo aquele frenesi, mas eu reli seu livro e cheguei àquela declaração e me parece que você estava dizendo: ‘eu não concordo com esta distorção’, mas que você não estava excluindo o tipo de coisa que eu disse no capítulo 12 de Jesus and the Victory of God, que é uma demonstração massiva de que Jesus tinha toda a agenda de Isaías 53 presente à sua consciente vocação mental”. E Steve disse: “É claro, eu concordo com isto. Eu estava somente descartando a distorção.”

O problema é que Steve não é um teólogo. Então, quando ele é entrevistado, ele é envolvente, extrovertido, um cara descontraído. Então ele fala com frases soltas e de improviso e assim por diante, e pessoas as reúnem e dizem: “Aí está você! Ele negou outra vez, etc.”. Então as pessoas voltam para mim e dizem: “isso está errado”.

Na verdade, isto é uma distração. As pessoas que estão perseguindo Steve Chalke… o verdadeiro problema, e quero enfatizar isto, é que estamos olhando para um evangelicalismo que esqueceu o propósito dos evangelhos.

E é por isso que quero dizer que Pierced for our Transgressions é sub-bíblico. Eu preguei em Oak Hill como convidado de Mike Ovey há apenas algumas semanas. Ele é uma boa pessoa. Eu me dou bem com ele. Ele conhece esta crítica e acho que ele está esperando para lidar com ela.

Imagine escrever um livro, um livro extenso, sobre o que a expiação realmente é e não dar qualquer espaço à própria compreensão de Jesus a respeito de sua morte. Mas isto é assim porque toda a tradição evangélica se baseou em Paulo ao invés dos Evangelhos e é uma base Paulina mirrada que insistiu em ler algumas partes de Paulo, privilegiando-as, e simplesmente perdendo tudo sobre o que realmente são os Evangelhos.

Eu receio que parte disto seja uma questão política… que se levarmos os evangelhos a sério, seremos forçados a levar a agenda do Reino a sério. Pessoas dizem: “Ó, isto tudo é a velha questão do evangelho social”. Não, você não pode escapar disto facilmente! Se trata de responder a oração do Senhor, venha o Teu Reino tanto na terra quanto no céu e, até que levemos a sério os evangelhos, nós realmente não temos qualquer direito de ter esta discussão. Isto, então, é o que acho que está em jogo com o livro de Steve Chalke.

Portanto, voltando a isto digo, a forma como entendo Jesus e sua maneira de pensar à medida que vai para cruz, acredito que ele estava consciente com um profundo chamado vocacional do Único que ele chamou Abba Pai, que ele tinha de ser aquele através de quem todo o plano de Isaías 40-55 (que é plano do Reino) viria a acontecer.

Isaías 53 (“transpassado por nossas transgressões” e assim por diante) é o meio pelo qual Isaías 52:7-12 é cumprido. Isaías 52:7-12 trata da derrota do mal, do retorno de YHWH a Sião e da libertação dos exilados. O resultado de Isaías 53 é a renovação da aliança em Isaías 54, da renovação da criação em Isaías 55 e o convite para que todo o mundo participe.

Se você expor Isaías 53 de modo que ele não seja sobre o Reino, sobre a renovação da aliança, sobre a renovação da criação, então você apenas tomou uma pequena parte das Escrituras para ajustá-la ao seu próprio esquema em vez de ao grande esquema das Escrituras. Jesus não fez isso. Você pode ver que ele tinha todo o plano presente em sua mente.

Portanto, temos de entender a doutrina da substituição penal dento da estrutura das escrituras, dento do sentido dela, ao invés desta ideia tão inferior de que tenho sido um menino travesso, Deus deseja me punir e, por alguma razão, ele pune a outra pessoa. Ufa! Eu estou bem. Para uma criança de cinco anos de idade isso é ótimo. Talvez isso sirva. Mas, na verdade, vamos crescer! Não estamos falando de crianças de cinco anos aqui, estamos falando de homens e mulheres adultos que devem conhecer melhor, para ser honesto.

Parte da dificuldade então é política. Parte dela é uma falha em ler os evangelhos como eles são. Parte disto é na verdade uma falha em ver isso em Paulo também, que menciona a cruz centenas de vezes e, cada vez que ele menciona, o faz de um ângulo diferente porque está apresentando um ponto sutilmente diferente. Todos esses pontos se amarram, mas se você filtrar toda a questão sobre o Christus Victor, sobre a representação e assim por diante, então você não apenas perde esses elementos, mas perde os elementos chave da substituição penal em si mesma. Eu poderia tratar disto o dia inteiro.

Trevin Wax: Está se tornando cada vez mais claro no evangelicalismo que temos frequentemente enfatizado a cruz como centro do evangelho e então tratamos a ressurreição com um ponto secundário, apenas como uma vindicação de Jesus. Seu seu enorme trabalho sobre a ressurreição começou a incitar muitas ideias sobre como podemos integrar melhor a verdade da ressurreição corpórea de Jesus em nossa teologia e em nossa prática. Qual é o significado da ressurreição de Cristo para nós hoje? Eu sei que você tem 800 páginas sobre isso…

N. T. Wright: Deixe-me colocar da seguinte maneira. Para muitos e muitos cristãos, e eu ouvi esses sermões ao longo dos anos, o significado da ressurreição parece ser que realmente existe uma vida após a morte e que se você crê em Jesus também poderá ir para lá. Agora, isto simplesmente não é o que as narrativas pascais tratam.

Você colocou do seguinte modo. No Novo Testamento, à parte dos evangelhos e o início de Atos, vemos repetidas vezes que o fato da ressurreição de Jesus está intimamente ligado à nossa própria ressurreição final, que não é a vida após a morte e sim vida após a vida após a morte. O que quer que seja a vida após a morte, estar com Cristo que é muito melhor, estar no Paraíso como o ladrão etc., muitas moradas para onde vamos imediatamente … isto é um local temporário. A vida após a vida após a morte derradeira é a ressurreição no novo mundo de Deus.

Mas então, nos evangelhos, não se tem essa ideia ainda. Em Mateus, Marcos, Lucas e João e no início de Atos, ninguém está dizendo: “Jesus ressuscitou dos mortos! Assim, existe uma vida após a morte. Portanto, estamos indo para lá”. Eles dizem: “Jesus ressuscitou dos mortos… Portanto, ele é o Messias… Por isso, ele realmente é o Senhor do Mundo… Assim, a nova criação de Deus começou… Deste modo, temos trabalho a fazer!”. Isto disso que trata João 20-21. É disso também o que Lucas 24 trata. Esse é o espanto. A coisa aconteceu! E isso significa que temos que levar esta mensagem e fazê-la acontecer no mundo.

Em outras palavras, trata-se de uma nova criação. Trata-se da ressurreição corpórea de Jesus como o início da recriação do cosmos. Isto é tão impressionante!

A piada é que isso esteve nas Escrituras todos esses anos. Por que não temos visto isso? A resposta é que realmente pensamos que a única verdadeira história era: como se chega ao céu?. Porque é isso que a Capela Sistina nos diz, é isso que Dante nos diz e é isso o que até mesmo Bunyan (abençoado seja) nos diz. Então, forçamos as histórias em nossa história.

Aqui está o truque. Muitas vezes as pessoas veem as doutrinas como um checklist. Aqui estão as dezenove verdades que você tem que acreditar para ser um bom cristão. Tick, tick, tick, tick, tick e ufa! Aqui estamos!… sem perceber que na verdade as doutrinas têm o significado que têm dentro de uma história, e é possível checar todas as opções mas construir uma narrativa distinta que as conecta de maneira distinta. Assim, muito embora você as afirme, você está, desta forma, falsificando o que elas significam nas Escrituras. Nenhuma tradição cristã que eu conheça está isenta disto, incluindo a minha.

Trevin Wax: Você destaca a esperança escatológica cristã como os novos céus e a nova terra. Você também é fortemente comprometido com as questões concernentes à justiça social como uma forma de antecipar no presente a restauração de Deus do mundo no futuro. Alguns de seus trabalhos enfatizam a justiça social e dão pouco ou nenhuma atenção para evangelismo, plantação de igrejas, discipulado etc. Onde o evangelismo se encaixa nesta tarefa? E quão relevante é para cristãos evangelizarem ativamente pessoas incrédulas?

N. T. Wright: Eu acho engraçado que as pessoas tenham essa percepção, pois, se você perguntar às pessoas na Inglaterra aonde Tom Wright se encontra no espectro teológico, elas dirão: “Bem, ele é um evangélico, claro”, como se fosse algo com que se deve acostumar. E é só porque, como Stephen Sykes disse uma vez: “Quando se está escrevendo sobre teologia, você tem que dizer tudo o tempo todo, caso contrário as pessoas pensarão que você deliberadamente deixou escapar algo”.

Eu tenho falado a partir de e para uma tradição que tem tradicionalmente ignorado a justiça social, as questões ecológicas e a aflição dos pobres etc. Portanto, tenho martelado sobre isso, mas essas questões estão na Bíblia! Novamente, eu não inventei essas coisas! Tenho entendido o evangelismo como algo natural, embora, em outras ocasiões, eu tenha sido o primeiro a dizer: “Vamos lá! Temos que fazer isto!”

O meu novo livro que está prestes a ser lançado, que é a continuação de Simplesmente Cristão, chamado Surpreendido pela Esperança – a maior parte é sobre escatologia: novos céus, nova terra, ressurreição etc. Mas a última seção é sobre missões e é a missiologia que flui desta escatologia.

Eu tenho um capítulo no livro em que fiz o meu melhor para mostrar a completa integração do evangelismo com o que prazerosamente chamamos de “ação social” (esse é um termo tosco e não é uma boa maneira de se expressar). E diz o seguinte…

Como eu disse antes, Deus vai restaurar o mundo inteiro. Ele vai corrigir o mundo. Mas, na verdade, o plano prévio para isto é colocar os seres humanos no caminho certo. Quando isso acontece, que é o que acontece através do evangelho, não se trata apenas de algo como: “Ufa! Eu estou bem agora, então vou para o céu!”; mas sim: “De fato, estou sendo restaurado a fim de poder ser parte deste objetivo em curso”. Em outras palavras, isso é tanto conversão quanto chamado, como foi para Paulo… convertido para ver que Jesus é o Messias, o que ele jamais sonhou, chamado simultaneamente ipso facto (por esse motivo) para ser o apóstolo para os Gentios. Da mesma maneira, quando o evangelho alcança alguém é para que eles possam tomar parte no projeto maior do Reino de Deus.

Novamente, se tivéssemos os evangelhos como nossa base ao invés de simplesmente Paulo (e eu espero que ninguém me acuse de desqualificar Paulo por colocá-lo desta maneira, eu mais do ninguém), então eu acho que não teríamos tido essa dificuldade. Mas é porque temos diminuído o Novo Testamento para encaixar esses modelos muito posteriores que temos, então, nos permitido cair nas opções iluministas do tipo “isto ou isto”, ou seja, ou espiritualidade ou justiça social, mas não ambas… e eu sei o dano que este tipo de divisão tem causado. Seria assim como eu os uniria.

Quando você anuncia que Jesus Cristo é o Senhor do Mundo, crucificado e ressurreto, você está ao mesmo tempo dizendo: “você precisa crer nele para a sua própria justificação e salvação presente e eterna”, mas também “isso significa que ele está reivindicando toda a criação como sua e deseja renovar, restaurar e inundá-la com sua justiça e amor e, se você está se dispondo a crer nele, você tem que tomar parte deste projeto”. Se ele não é Senhor de tudo, ele não é Senhor de nada.

Trevin Wax: Então, como você compartilharia tudo isto com alguém em uma tarefa de evangelização, se alguém surgisse e dissesse: “O que eu devo fazer para ser salvo?” “Como eu posso fazer parte disto…”

N. T. Wright: Eu gostaria de saber muita coisa sobre o contexto de onde estão vindo. Quero dizer, se eu tivesse dois minutos, contaria de modo muito, muito simples, a história de Jesus.

Certa vez em um trem fui abordado por um estudante japonês que me viu lendo um livro sobre Jesus. Ele não sabia muito inglês. Ele disse: “Você pode me falar sobre Jesus?” Eu estava prestes a sair do trem. Eu simplesmente lhe disse (ele não conhecia a história) que existiu um homem que era judeu. Ele acreditava que os propósitos de Deus para resgatar todo o mundo estavam se cumprindo. Ele morreu para tomar o peso do mal sobre si. Ele ressuscitou para iniciar o projeto de Deus e convidar o mundo inteiro a se juntar e considerar isto por eles mesmos. Quanto tempo isso me tomou? 35 segundos? Mais ou menos isso.

No entanto, quando penso nas pessoas reais que eu encontro, penso tanto nos estudantes universitários brilhantes na Durham University quanto nos mineiros desempregados em sua vila há cinco milhas de distância da estrada. Pessoas completamente distintas. De fato, eu realmente acredito…

Olhe para o que Paulo faz em Atos. Não há dois discursos iguais. Ok, ele se repete aqui e ali, mas o diz de uma forma que as pessoas precisam ouvir.

E, embora a história seja muito simples… se alguém dissesse: “O que devo fazer para ser salvo?” Eu estaria inclinado a dizer: “Estamos falando sobre resgatar sua hipoteca, seu casamento, sua salvação eterna ou o quê?”. Porque as pessoas têm uma sucessão de coisas das quais devem ser salvas. Podemos lidar com todas elas, mas temos que encontrar a fonte dos problemas deles e, assim, este é o ponto de entrada para uma base autêntica do evangelho em suas realidades.

Trevin Wax: Você tem sido um crítico da secularização pós-iluminista do governo e da sociedade. Qual é a relação adequada entre a igreja ou a fé e o governo? Qual é o status adequado de religiões minoritárias em qualquer sociedade?

N. T. Wright: Isso é algo muito delicado. Não sou especialista nisso. Eu apenas observo em minha cultura e busco ecos disto de outras culturas.

Parece-me que a tentativa de separar a fé da vida pública, embora eu compreenda o motivo de isso acontecer, é geralmente uma questão de ganhar tempo para permitir que as coisas se acalmem. Mas quando se diz “ganhar tempo”, existe um preço a ser pago e, quando esse preço é cobrado ele pode ser bem desagradável.

Exemplo: A Turquia, confrontada no momento pelo possível fundamentalismo islâmico, está dizendo: “Não, estamos determinados em ser uma república secular”. Francamente, se me fosse apresentada a escolha de viver sob a Sharia (lei islâmica) ou ser uma república secular, acho que preferiria ser uma república secular, muito obrigado.

Mas é claro que foi precisamente essa escolha que foi enfrentada no século 18 por muitas pessoas na Europa depois das guerras da religião, onde temos grupos de Luteranos, Calvinistas, Católicos etc. Na Europa literalmente se matavam uns aos outros. Claro, alguém diz: “Bem, isso foi por razões políticas e essas religiões foram um tipo de desculpa, como na Irlanda do Norte. A questão Católico-Protestante é, na verdade, uma questão sociológica em uma divisão sócio-econômico-cultural com rótulos religiosos”. Mas a religião alimentou-a. Elas incitaram e instigaram as pessoas: “Você deve fazer isso porque eles são perversos, imundos, protestantes podres!”, “Você deve fazer isso porque eles são terríveis, eles são os exércitos do Papa.” Tudo isto estava fomentando a situação.

Então, diante disso, você pode entender porque o Iluminismo disse: “Deixe Deus lá em cima! Faça da religião um assunto privado! Então poderemos organizar o mundo de modo muito mais sensato aqui em baixo, não podemos?”. Mas, é claro, o problema é: qual foi a próxima coisa que aconteceu? A Revolução Francesa, onde mataram milhares de seu próprio povo secular, a fim de provar a questão a respeito da Liberté, Egalité e Fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade). Desculpe, mas você falsificou sua própria causa.

Em outras palavras, a religião matou seus milhares e a secularização suas dezenas de milhares! Assim são as coisas. Olhe para o Gulag**. Olhe para todas essas coisas. Isso não foi feito em nome da religião. Isso foi feito em nome do ateísmo.

Então, a ideia “vamos ganhar tempo colocando a religião em espera”, na verdade, pode lhe dar um espaço para respirar, mas você pode acumular problemas que retornarão e irão atacá-lo… e isso aconteceu de maneira intensa. Obviamente, o evento de 9 de setembro é um símbolo disso. Questões que jamais deveriam estar fora da agenda pública, especificamente como se faz religião na esfera pública, retornam e atacam-nos de maneira terrível.

O problema é que nós, no Ocidente, estamos reagindo de uma maneira terrivelmente imatura nesta polarização da secularização e do fundamentalismo. Temos esquecido que existem maneiras sábias de proceder entre esses extremos.

Por metade da Idade Média, cristãos, judeus e muçulmanos – Ok, havia algumas tensões, mas muitas vezes eles poderiam viver lado a lado em comunidades e negociar como ser uma boa comunidade com estas religiões distintas. Isso tem sido difícil, mas não é impossível. Apenas temos que aprender a fazer isso novamente.

Aqui, a grande questão que temos que trabalhar (e uma gratidão aos bispos católicos que dez anos atrás escreveram um documento chamado “o bem comum”)… temos que redescobrir que existem, como disse Oliver Donovan, “objetos comuns de amor”.

A grande maioria dos muçulmanos quer viver em paz, quer criar seus filhos em segurança, quer ser capaz de adorar da maneira que entende ser significativa a eles, de fato, não querem ser terroristas. No entanto, se persistirmos em tratar todos os muçulmanos com se fossem, basicamente, como a Al Quaeda que é uma organização horrível, cruel e má… (eu tenho sido acusado de pegar leve com a Al Quaeda… Por favor, me dá uma tempo!). Os muçulmanos que conheço não apenas não são assim, mas estão horrorizados com isso. Mas eles dirão: “Mas receio que o que vocês fizeram no Oriente Médio foi o melhor recrutamento de agentes para a Al Quaeda que poderia existir”.  Este é o meu governo tal como o seu.

Então, sim, temos que deixar claro que as discussões sobre Jesus ser ou não o filho de Deus não são discussões sobre a política de imigração. E dizer que, se você é um muçulmano, não é bem-vindo para viver nesta cidade ou o que quer que seja, é simplesmente devastadoramente mau, pois o evangelho é sobre a recriação do mundo inteiro e nisto estão incluídas as muitas questões sobre o bem comum sobre as quais realmente podemos concordar. Temos trabalhado nisto localmente, culturalmente, nacionalmente – para construir relações de confiança e respeito mútuos.

Isto não significa que não fazemos evangelismo. Paradoxalmente, isso significa que, se mostrarmos que respeitamos as pessoas, realmente mereceremos o direito de sermos ouvidos. Se mostrarmos que não as respeitamos, nunca seremos ouvidos.

Trevin Wax: Uma última pergunta… como anda sua produção literária? Qual é o próximo livro na série Christian Origins and the Question of God? Quando você planeja vê-los chegarem às prateleiras?

N. T. Wright: A produção literária no momento… Dois tipos de coisas acontecem. 1. Eu posso separar uma semana ou duas aqui e ali e escrever pequenos livros muito rapidamente. Eles ficam inquietos em minha mente, e então finalmente separo uma semana ou duas, me sento e eles simplesmente saem.

Trevin Wax: Eu acho que você escreve mais rápido do que eu consigo ler!

N. T. Wright: Provavelmente ainda não. Mas eu escrevo muito rápido, graças a Deus, e isso é algo que tive que fazer. Acts for Everyone está saindo muito em breve e foi ótimo escrevê-lo. Eu realmente gostei. Então, como eu disse, a sequência de Simplesmente Cristão, Surpreendido pela Esperança, estará saindo muito em breve, mas isso foi aumentando no processador de textos ao longo dos últimos cinco anos e fiz desses fragmentos palestras em todo o lugar. Finalmente me sentei (isso é o que há de excelente a respeito de processadores de texto), agrupei tudo e lá estava ele.

Há um pequeno livro que acaba de ser lançado na Inglaterra e o título em Inglês é The Cross and the Colliery. São sermões que eu preguei em uma pequena vila de mineiros, onde a mina havia fechado e a comunidade estava abalada e entristecida quanto a isso. Eu estava expondo-lhes a história da cruz como uma espécie de exercício em um aconselhamento coletivo do luto. Eu acho que o título estadunidense é simplesmente The Cross and the Christian ou algo parecido. Eu acho que eles não sabiam o que era uma mina de carvão.

Mas, o próximo livro da série ainda não foi iniciado. Foi iniciado na minha cabeça e em anotações em cadernos, mas não fiz qualquer escrito sério para ele. Deve ser sobre Paulo. O que eu quero fazer é um livro extenso no qual o título Paul: In Fresh Perspective seja apenas um tipo de prévia.

Em outras palavras, estou esperando e orando para que eu seja capaz de fazer um rápido panorama da teologia de Paulo de uma maneira razoavelmente tradicional, mas, simultaneamente, mostrar o lado político de tudo isso e demonstrar como isso é integrado. O que eu adoraria fazer em seguida ao mesmo tempo é mostrar como Paulo está trabalhando e subvertendo a atmosfera filosófica de sua época tempo, os estoicos, epicuristas e assim por diante. Ninguém basicamente está tratando dessas três questões conjuntamente.

Mas Paulo viveu nesses três mundos. O mundo judaico da adoração do único verdadeiro Deus e a compreensão do que isso significava, o mundo romano do qual ele era um cidadão (mas um mundo muito subversivo), e o mundo helenístico (o qual ele conhecia perfeitamente bem: a localidade do Areópago e assim por diante). Eu adoraria ser capaz de mostrar não apenas como estes três elementos se desenvolvem, mas como eles trabalham juntos. Cada parte do grupo de estudos Paulinos está trabalhando nas suas questões; não acho que alguém esteja fazendo a integração e essa é uma tarefa muito empolgante.

Talvez eu tenha um período sabático em 2009. Isso não foi negociado ainda (e se alguém aí fora está ouvindo e deseja vir e candidatar-se), mas preciso de um assistente de pesquisa que, de fato, me ajudará alinhar essas questões chaves que preciso trabalhar, pois, caso contrário, gastaria por volta de quatro meses do período sabático simplesmente sentado em uma biblioteca lendo o que ainda não alcancei da questão. Assim, o sabático acabaria no momento em que eu estivesse pronto para começar a escrever. Eu não posso gastar esse tempo, caso contrário, serão outros seis anos. Portanto, essa é a situação em que me encontro no momento.

Trevin Wax: Muito obrigado por estar conosco. Estamos honrados que você graciosamente tenha participado desta entrevista.

N. T. Wright: De modo algum. Muito obrigado, felicitações e Deus abençoe a todos que estão ouvindo.

Ouça a versão em áudio desta entrevista.

*Nota do Editor: Embora Wright tenha procurado qualificar minha citação dele nesta entrevista, apesar de seu protesto, em “Cross and the Caricatures”, Wright qualifica que Pierced for our Transgressions é tanto “desesperadamente sub-bíblica” quanto “perturbadoramente não bíblica”.

** Nota do Tradutor: Gulag é uma sigla em russo para “Administração Central dos Campos”. Eram campos de trabalhos forçados utilizados pelo regime soviético para aprisionar e punir dissidentes políticos e indesejados.

Traduzido por Tiago Alexandre Silva e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: Trevin Wax Interview with N. T. Wright. The Gospel Coalition.

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