Não vai lavar as mãos, doutor?

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Ignaz Semmelweis (1818-1865), médico com especialização em obstetrícia pela Universidade de Viena em 1844, enfrentou uma terrível epidemia de febre puerperal no Hospital Geral de Viena onde trabalhou por cerca de quatro anos logo após se formar. 

A hipótese aceita quando Semmelweis passou a lidar com o elevado número de óbitos de parturientes admitia “Influências epidêmicas”, como alterações atmosféricas, que poderiam afetar bairros inteiros e causar a febre nas mulheres internadas.

Esta explicação, além de vaga, se torna intrigante pelo fato de existirem no Hospital de Viena, dois serviços de maternidade, situados bem próximos um do outro. Sendo a incidência da febre na maternidade um maior do que na maternidade dois; como uma influência atmosférica poderia atuar diferencialmente entre as duas maternidades? Outra tentativa de explicação associava as mortes à superlotação. Mas, cientes que o número de óbitos na um era maior, as mulheres se esforçavam para serem atendidas na maternidade dois. Logo, a maternidade mais cheia apresentava a menor taxa de casos da febre puerperal. Mesmo explicações psicológicas foram propostas e Semmelweis precisou desconsiderar estas explicações, afim de buscar a real causa desse terrível problema no Hospital de Viena.

Uma diferença entre as duas maternidades foi encontrada. A posição adotada para o parto. De costas na um e de lado na dois. A posição lateral foi adotada na maternidade um, mas não houve qualquer mudança na incidência da febre.

Em 1847, Kolletschka, colega de Semmelweis, se feriu com um bisturi, ao realizar uma autópsia, e veio a morrer com os sintomas da febre puerperal. Semmelweis então, percebeu que a causa da morte foi a introdução de “material cadavérico” na corrente sanguínea pelo bisturi. E a solução para o problema da febre puerperal explodiu em sua mente.
Era muito intensa a prática de dissecação de cadáveres pelos estudantes de medicina no Hospital, e também muito usual, passarem dos cadáveres às parturientes sem adequadamente lavarem as mãos.  Então para Semmelweis a morte de Kolletschka e das parturientes tinham a mesma causa. Mas por que então a diferença na taxa de óbitos entre as duas maternidades? Elementar, meu caro leitor, na maternidade dois, os partos eram realizados por parteiras, que não tinham o habito de dissecar cadáveres.

Para testar sua hipótese, Semmelweis deduziu que a contaminação poderia ser evitada pela destruição química da matéria patogênica. Determinou então que todos os médicos e estudantes lavassem as mãos com uma solução de cal clorada antes de procederem qualquer exame. O índice de mortalidade pela febre na maternidade um, que em 1844, 1845 e 1846 havia sido respectivamente 8,2; 6,8; e 11,4 %, abaixou após a intervenção de Semmelweis para 1,27%.

Pode ser assustador pensar que houve um tempo em que os médicos não lavavam suas mãos, os microscópios eram recém inventados, suas implicações não estavam difundidas, por isso o mundo microbiológico era desconhecido.  Semmelweis é um gênio e um herói, se torna um ícone da ciência e termina a história. 

Bem. Para a lição que pretendo ensinar, esse é o começo. O fazer científico e as aplicações dessas conquistas geralmente são apresentadas nos moldes que expus acima. O método científico é fundamental, mas, ele não é capaz de aplicar a ciência que veio por meio dele. Essa forma de apresentar a história da ciência, além de induzir um olhar anacrônico, impede quem está buscando entender de enxergar as dificuldades que a verdade científica encontra para se estabelecer.

Explicando. Semmelweis acertou na solução do problema, apesar disso, as mães continuaram sofrendo de febre puerperal e nosso herói, morreu sem qualquer reconhecimento e assistindo seus colegas negligenciando seus pacientes por se recusarem a lavar as mãos. Somente décadas após suas acertadas conclusões e demonstrações, ele foi realmente aceito. Como assim? Ora, ele sofreu forte resistência na comunidade médica. Por quê?

Temos primeiramente que levar em conta o contexto político. Com a formação do Império Austro-Húngaro, estudantes das nacionalidades conquistadas, que iam estudar na capital, sofriam forte constrangimento.1

“Quando Semmelweis assumiu seu cargo como assistente no Primeiro Serviço de maternidade no Hospital Geral de Viena, em julho de 1846, havia mais de duas décadas Johann Klein era o diretor da Obstetrícia. Klein é amiúde descrito como o protótipo do autoritarismo – um nacionalista fervoroso e de postura essencialmente conservadora.  Como chegou à diretoria por indicação política (e mantinha relações pessoais próximas com os políticos do ministério da saúde) era de seu interesse simplesmente conservar as coisas como estavam, inclusive no que dizia respeito à teoria vigente. Em que pesassem as evidências contrárias – a disparatada situação de duas clínicas vizinhas com índices de mortalidade tão diversos -, ele continuava insistindo na explicação baseada nas “influências epidêmicas”.1

Ocorre que Semmelweis era húngaro, e a validação de suas descobertas implicavam em, além de engrandece-lo, transferir a culpa de milhares de mortes para os próprios médicos de Viena.

Muito contrariado e frustrado com o tratamento dado a suas descobertas, Semmelweis chegou a escrever cartas abertas como a que dirigiu a Friedrich Sacanzoni, um de seus críticos mais influentes:


“[…] caso o senhor, […] sem ter refutado minha doutrina, continue a escrever […] defendendo e ensinando a seus alunos a doutrina da febre puerperal epidêmica, eu o denuncio a Deus e ao mundo como um assassino, e a história da febre puerperal não lhe fará um injustiça quando, por ter sido o primeiro a se opor a minha doutrina salvadora de vidas, perpetuar su nome como o Nero da medicina.”
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A verdade é que na ciência existe sim, jogos de poder, preconceitos, injustiças e sofrimento.  A quebra de um paradigma implica em destronar não apenas aqueles que dele obtêm vantagens, mas aqueles que do paradigma, obtém a si mesmos.  Imagine um professor universitário, que dedicou boa parte da sua vida a estudar Karl Marx.  Desde a graduação, pós-graduação, concurso público, publicações, aulas, palestras, tudo fundamentado em Marx.  Digamos que sua ligação a Marx não é apenas profissional, ele se casou com uma Marxista, tiveram um filho, a quem deram o nome de Engels. Agora vá até ele, com um corpo de evidências, mostre a ele de forma irrefutável que A+B = Marx está errado. Você acha mesmo que terá sucesso? Agora pense em termos de comunidade acadêmica. Eles dependem de que o paradigma por eles adotado esteja certo. Darwin continua em alta no território da “origem das espécies” não graças ao seu alinhamento com as descobertas da ciência moderna, mas, apesar delas. Muito mais difícil que mostrar os problemas, insuficiência ou inconsistência da explicação darwinista, é superar a excelente proteção com a qual este paradigma conta.3

Mas, o que impressiona mesmo em tudo isso, é que, pelo menos uns 3.000 anos antes de Semmelweis, práticas semelhantes às que ele tentou implementar, eram conhecidas e usadas.

“Acampai-vos sete dias fora do arraial; […] qualquer que tiver tocado em algum morto, ao terceiro dia e ao sétimo dia, vós purificareis, tanto vós como os vossos cativos. Também purificareis toda veste, e toda obra de peles, e toda obra de pelos de cabra, e todo artigo madeira. Então, disse o sacerdote Eleazar aos homens do exército que partiram à guerra: Este é o estatuto da lei que o Senhor ordenou a Moisés. Contudo, o ouro, a prata, o bronze, o ferro, o estanho e o chumbo, tudo o que pode suportar o fogo fareis passar pelo fogo, para que fique limpo; todavia, se purificará com a água purificadora; mas tudo o que não pode suportar o fogo fareis passar pela água. Também lavareis as vossas vestes ao sétimo dia, para que fiqueis limpos; e, depois, entrareis no arraial.” (Números 31: 19-24).4

“Quando, pois, o que tem o fluxo estiver limpo do seu fluxo, contar-se-ão 7 dias para a sua purificação; e lavará os seus vestidos, e banhará a sua carne em águas vivas, e será limpo.”   (Levítico 15:13 .4

“A vasilha de barro em que a carne for cozida deverá ser quebrada; mas, se for cozida numa vasilha de bronze, a vasilha deverá ser esfregada e enxaguada com água.” (Levítico 6:28) .4

É um conhecimento extremamente avançado para a época, não é mesmo? Eram instruções que Moisés deu ao povo Judeu. E quem deu essas instruções a Moisés? Deus. Essa realidade evidencia algo que muitos se esforçam para negar ou esconder em relação a Bíblia. Mostra sua relevância cultural, fortalece a prerrogativa bíblica de livro divino, e, acima de tudo, revela um Deus bondoso.  

Então, será que o pioneirismo em “lavar as mãos”, é mesmo do povo, cuja história lemos na Bíblia? A cultura Egípcia, era próxima e paralela. E o Egito antigo, é merecidamente reconhecido por ser adiantado em medicina.

Um documento importante é o livro Ancient Egyptian Herbal (Ervas do Antigo Egito) de autoria de Lise Maunniche,5 descreve vários remédios egípcios que utilizavam ingredientes tais como “excremento de gato, de hipopótamo, casco de jumento, excremento de gazela, pele de cobra”, e o muito importante “excremento de mosca”. Vejamos o remédio para choro excessivo numa criança: sementes; excremento de mosca tirado da parede; fazer uma pasta, amassar bem e beber por quatro dias. O choro irá parar imediatamente. Para dor de cabeça, foi publicada pela revista Super Interessante a seguinte receita:

“O paciente entra na sala do médico e se queixa de dor de cabeça. Sai de lá aliviado, com a promessa de que seu mal terá fim. Para isso, garante-lhe o especialista, há uma receita infalível: beber, três vezes ao dia, a mistura de gordura de crocodilo, sêmen e fezes dissolvidas em urina. Consultas como essa eram comuns no Antigo Egito, em que a prosaica beberagem era, de fato, tão popular quanto os comprimidos de analgésicos, hoje em dia. Em diversos papiros, são citados medicamentos com ingredientes ainda mais estranhos do que os dessa prescrição contra dores de cabeça.”6

Já em uma matéria da “Nova Acrópole”7 lemos:

“Os oftalmologistas egípcios para tratar as formas mais resistentes de tracoma e outras inflamações oftálmicas utilizavam um mistura de fezes ressequidas e reduzidas a pó com mel, especialmente mel em estado de “fermentação” e com a urina realizavam lavagens que também misturada com lodo e terra faziam compressas.”

Interessante como essas revistas em geral engrandecem o legado do antigo Egito para medicina, valorizando até mesmo seus erros, mas se calam em relação aos acertos e a grande contribuição do povo judeu, da mesma época, para a saúde pública.

O Papiro Ebers é um dos tratados médicos mais antigos e importantes produzido pelo Antigo Egito, datado de aproximadamente 1555 a.C. Este papiro recebeu o nome do monge Alemão Georg Ebers, que teve acesso aos documentos em 1873. Pode ser visto atualmente na biblioteca da Universidade de Leipzig8. Só neste papiro são encontradas 55 receitas de uso externo e interno com a utilização de fezes e urina como componentes importantes. De fato, as fezes eram muito valorizadas como agente medicinal no antigo Egito.

Já o Antigo Testamento, de mãos dadas com a ciência, tratava as fezes como agentes causadores de doenças4. Gerard Tortora e mais dois autores, escreveram um dos livros de microbiologia mais utilizados em cursos de graduação na área da saúde. Ele nos informa que 40% da massa fecal de mamíferos é constituída por bactérias9. O Dr. Gwilt em seu artigo “Saúde Pública na Bíblia”10 afirma:

“Em cada parque de acampamento, a área para latrinas era sinalizada, e as fezes eram imediatamente cobertas (Deut. 23:12-13). Este procedimento também foi seguido durante a Segunda Guerra Mundial no deserto. O objetivo era evitar a propagação da infecção; fezes expostas poderia atrair moscas, o que, em seguida, contaminar os alimentos e lesões ou feridas abertas; em segundo lugar, fezes expostas na areia iria secar ao sol e a poeira trazida pelo vento também pode espalhar infecções por organismos intestinais.”

A Bíblia diz que Moisés foi instruído em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em suas palavras e obras (Atos 7:22). Flávio Josefo, em sua obra Antiguidades dos Judeus, aponta para o mesmo fato11. Contudo, a saúde pública moderna é um legado Bíblico e não Egípcio. Não está na “Super Interessante”, mas uma das maiores autoridades em saúde pública do Brasil, o Dr. Moacyr Scliar em sua dissertação de doutorado na Fiocruz mostra isso muito bem.12
O que temos então? Em resumo, aprenderam a evitar infecções lavando as mãos: Semmelweis em 1844 d.C., comunidade científica e população em geral em 1880 d.C., comunidade Judaica em 1500 a.C..

A descoberta de Semmelweis era simples e demonstrável, mesmo assim, foi rejeitada pela cultura de sua época. A cultura de hoje rejeita a Deus e a seu livro. Contudo, o que é belo em tudo isso é o seguinte: o egoísmo, a arrogância e a perversão humana podem até sufocar a verdade, mas, não podem anulá-la. Assim como todo o empenho contra Semmelweis não anulava o fato de que, se os cirurgiões lavassem corretamente as mãos, pouparia a vida da mãe e da criança, também é verdade que a comunidade pioneira nesta prática, foi a de Israel, orientada pelo mais renomado microbiologista de toda a história. Ele não fez observações diretas com um microscópio, tão pouco se valeu do método científico, e ainda assim tem instruído acertadamente, individual e coletivamente a todos aqueles que leem o seu livro.

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1 Oliveira MB & Fernandez BPM. Hempel, Semmelweis e a verdadeira tragédia da febre puerperal. Scientle Studia, 5(1):49-79, 2007.
2Sinclair WJ. Semmelweis, his life and his doctrine: a chapter in the history of medicine. Manchester: Manchester University Press, 1909.
3Oliveira AS. Darwin e o Falso Dilema. Teologia Brasileira, 34, 2014. Disponível em: http://161.35.55.174/teologiadet.asp?codigo=415.
4Versão Almeida Revista e Atualizada.
5Maunnice L. Ancient Egyptian Herbal. 2 ed. London: British Museum Press, 1999.
6Carvalho FM. Faraós no consultório: a medicina que veio do Egito. Super Interessante, 71, 1993. Disponível em: http://super.abril.com.br/cotidiano/faraos-consultorio-medicina-veio-egito-440858.shtml.
7Ramos J. Segredos Médicos na Antiguidade. Nova Acrópole, 2009. Disponível em: http://www.nova-acropole.pt/a_segredos_medicos_antiguidade.html.
8Tomazzoni MI, Negrelle RRB, Centa ML. Fitoterapia popular: a busca instrumental enquanto prática terapeuta. Texto & Contexto – Enfermagem, 15(1):115-121, 2006.
9Tortora GJ, Funke BR, Case CL. Microbiologia. 10. ed., Porto Alegre: Artmed, 2010.
10 Gwilt JR. Public Health in the Bible. J.R. Soc. Health, 107(6):247-248, 1987.
11 Josefo F. Antiguidades dos Judeus contra Apion. Curitiba:Juruá, 2001.
12 Scliar MJ. Da Bíblia à psicanálise: saúde, doença e medicina na cultura judaica. 1999. 168 cf. Tese (Doutorado em Ciências) – Escola Nacional de Saúde Pública, Departamento de Ciências, Rio de Janeiro, 1999.

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