Jonathan Edwards: A doutrina da ceia e sua demissão de Northampton ( Parte 2)

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Edwards, à semelhança de Lutero, foi um homem que buscou seguir sua consciência e ser sincero com seu rebanho. Isso lhe custou perder seu ministério em Northampton, além de toda tristeza envolvida na controvérsia que levou à sua demissão. Neste segundo artigo sobre a demissão de Jonathan Edwards, começarei com o problema em torno do Pacto do Meio Termo.

O PACTO DO MEIO TERMO
A fim de entendermos melhor o Pacto do Meio Termo, o qual causava espanto em Jonathan Edwards, é necessário que vejamos o pano de fundo histórico daquele século. A igreja Escocesa do século dezoito “esperava” que pessoas “não escandalosas” fossem regeneradas, presumindo o estado de convertido de tais pessoas embora exortando que aquilo poderia não ser assim. Gerstner menciona que o costume das igrejas reformadas daquele século, especialmente das igrejas europeias, era de receber à Ceia todos os que conheciam o credo e os catecismos, e não fossem escandalosos em seus comportamentos.

Já nos Estados Unidos, a “antiga escola presbiteriana” se posicionava de modo semelhante aos europeus. O pensamento basicamente era este: a regeneração era entendida como necessária para a participação na Ceia do Senhor, mas como a regeneração poderia não ser certamente apurada pelo homem, poderia não ser absolutamente necessária à admissão à Mesa. As pessoas eram amorosamente consideradas como regeneradas se não fossem heréticas ou imorais.

É neste contexto que surge, nos Estados Unidos, um problema quanto ao testemunho das pessoas. Em toda a Nova Inglaterra, se os pais não fossem membros da igreja, seus filhos não poderiam ser admitidos ao batismo. Embora muitos pais não se importavam em ficar de fora da comunhão, os mesmos não admitiam que seus filhos fossem impedidos do batismo. Gerstner afirma que é neste contexto que o Sínodo das igrejas de Massachusetts, em 1662, tomou um passo histórico: “eles adotaram o Pacto do Meio Termo”. Tal pacto consistia em admitir crianças ao batismo cujos pais nunca, talvez, houvessem sido admitidos à Ceia do Senhor. Nesta condição, tais pais não estavam admitidos a todos os benefícios da igreja, mas a uma parte deles. Gerstner comenta que, tomando tal decisão, os novos ingleses tornaram-se mais frouxos que os antigos ingleses, os quais nunca admitiram crianças de não crentes ao batismo.

Edwards em nenhum lugar de seus escritos descreve claramente ser contrário a tal Pacto. Contudo, o padrão de seu pensamento era implicitamente contrário a ele. Para Edwards, se os pais não pudessem ser admitidos à Ceia, seus filhos não poderiam ser admitidos ao batismo. Quando Edwards admitia uma criança ao batismo, isso se dava pelo fato de que seus pais tenham tido fé, no ato do batismo. As crianças seriam posteriormente chamadas a “exibir a mesma fé e confirmar a fé de seus pais pela sua própria”, segundo Gerstner. “Então, e somente então, seriam elas também admitidas à Ceia do Senhor.”

Tracy corrobora as afirmações de Gerstner quanto a Edwards rejeitar a atitude favorável de Stoddard quanto ao Pacto do Meio Termo. Tracy coloca que Edwards “teria a disposição infinitas evidências das Escrituras para a necessidade em distinguir entre uma ovelha e uma cabra espiritual neste mundo”. Para Edwards, o comportamento de seu avô era uma aberração. Quando Edwards começou a ensinar claramente o povo de sua congregação contra o Pacto do Meio Termo, “uma controvérsia fatal ao seu ministério entre eles foi provocada”. A razão desta controvérsia é que, para Edwards, a pessoa que há de ser admitida à Ceia, e cujos filhos podem ser admitidos ao batismo, deve professar a Sã Doutrina, viver uma vida externa moral exemplar, além de afirmar diante de todos uma fé salvadora. Segundo Gerstner, mais do que isso seria muito, e menos que isso seria pouco. Embora sua visão tenha prevalecido na Nova Inglaterra, “isso não se deu antes que ele fosse colocado entre a pedra de moinho inferior e superior”.

A CONTROVÉRSIA
Tracy visualiza esse momento como um tempo de grande dor para Edwards. Em seu livro Humble Inquiry (Humilde Averiguação), Edwards confessa sua dor em ir contra os princípios e práticas de seu reverenciado avô, Salomão Stoddard:
 

Eu fui, anteriormente, de sua opinião, a qual eu absorvi de seus livros, desde minha infância, e tenho procedido conforme a sua prática… Em deferência à autoridade de tão venerável homem, a força aparente de alguns de seus argumentos, juntos do sucesso que ele tinha em seu ministério, e sua grande reputação e influência, prevaleceram por muito tempo a fim de suportarem os meus escrúpulos… Está longe de uma circunstância agradável esta publicação, que é contrária ao que meu honrado avô tenazmente manteve, tanto do púlpito quanto da imprensa. Eu posso verdadeiramente dizer, por conta desta e de algumas outras considerações, que eu me envolvi com grande relutância, e que nunca comprometi qualquer culto público em minha vida.

 
Mas, como já dissemos antes, Edwards encontrou na Ceia Aberta de Stoddard vários erros, além de ser “intransitável nas verdades do Evangelho”.

Após a morte de John Stoddard (1748), período que Murray aponta como o início da controvérsia sobre a comunhão, alguns homens começaram a se levantar de modo hostil contra Edwards. Dentre eles, citamos Israel Williams, o qual se tornou o “conselheiro confidencial do partido dos descontentes” na igreja em Northampton.

Edwards não temeu a postura de tais homens ante sua nova percepção e entendimento quanto a doutrina da Ceia. Antes, aponta Gerstner, como um ministro de Cristo, Edwards aceitou a necessidade de fazer um julgamento pessoal sobre a profissão de fé e comportamento externo de seus paroquianos. Edwards os observava, julgava, e, só então, concluía quanto a sua impiedade ou não. Tracy afirma que, para o povo de Northampton, o maior obstáculo para a aceitação da nova doutrina que lhes era pregada, se constituía no fato de que as novas regras tornariam Edwards um juiz sobre as experiências espirituais de cada um deles.

Edwards pretendia uma visibilidade da salvação. Ele redefine a santidade visível como um critério para a membresia na igreja, e, consequentemente, para a participação na Ceia do Senhor. Para Edwards, nas Escrituras, não havia dois tipos de santos, mas apenas pessoas convertidas e pecadoras, sujeitas à condenação. Em dezembro de 1748, Edwards diz a um candidato à membresia e à Ceia que ele deveria professar ser um cristão antes de se tornar um comungante. Tal pessoa, após consultar outros acerca de tal postura do pastor, recusou. Edwards, naquele período, escreveu que sabia “que, se eu persistir em meus princípios, eu devo não continuar mais como o pastor desta igreja”.

De fato, o povo estava receoso quanto as atitudes e desejos de seu pastor. Dois pastores respeitados tiveram a postura de escreverem em resposta ao livro Humble Inquiry, onde Edwards apresenta suas propostas. Rev. Solomon Williams, neto de William Williams, respeitado pastor do século 18, escreveu que Edwards estava errado em querer julgar a alma das pessoas. Juntou-se a ele Rev. Peter Clark, “ministro a quem a cidade enviou um mensageiro pleiteando por um tratado anti-Edwards”, que, além de entender que Edwards estaria julgando as almas, protestou sobre sua postura tão contrária a de seu respeitado avô. Ambos estavam tecnicamente errados, segundo Tracy, pois em Humble Inquiry bem como em suas cartas a seus oponentes, Edwards explicitamente nega qualquer habilidade especial em julgar os corações. Ele invocaria, sim, a profissão de fé pessoal do indivíduo como o critério para a membresia e Ceia.

De acordo com Edwards, como aponta Tracy, pouca gente na cidade havia lido seu livro que havia acabado de ser posto à disposição em agosto de 1749. Além do desinteresse em conhecer realmente o que Edwards tinha a dizer, aqueles que o seguiram por dois avivamentos agora estavam a duvidar de sua postura. Tracy diz que a ira contra Edwards tinha pouco a ver com pontos teológicos. Era de se esperar que tudo isso levasse a sua demissão, como ele mesmo antevira. Como um ministro não podia ser despedido sem o julgamento do Conselho, “a chamada e composição de tal Conselho logo tornou-se outro grande assunto na controvérsia”. Embora Edwards visse como prematura a formação de um Conselho para julgá-lo, a situação não poderia levar à outro rumo.

Em uma declaração de Edwards antes de uma reunião do conselho ministerial, em dezembro de 1749, Edwards admitiu que ele desejava um veto sobre a membresia da igreja. Mas a igreja o tinha como “um revolucionário, desnecessário, e completamente inaceitável”. Nos seis meses que se seguiram, Tracy afirma que “muitas pessoas” pediram, apesar dos demais, para serem admitidos à igreja e à Ceia e até mesmo concordaram em fazer uma profissão de fé, mas eles foram proibidos de fazer isso pelo comitê da igreja.

Murray relata que, em 27 de dezembro de 1749, Edwards entregou ao Concílio uma declaração pedindo ao mesmo que aconselhasse o povo a “ouvir-me apresentar as razões de minha opinião do púlpito e a deixarem de lado toda agitação pública até a Primavera”. Contudo, o Conselho não concedeu a Edwards tal oportunidade. Em uma carta a seu amigo Joseph Bellamy, Edwards escreve:

 

As coisas estão em grande confusão: o tumulto é amplamente maior do que quando você esteve aqui, e está aumentando mais e mais continuamente. O povo tem um grande ressentimento… Tem havido uma abundância de encontros sobre nossos assuntos desde que você esteve aqui, encontros da sociedade,  encontros da igreja, e encontros dos Comitês, dos Comitês dos Paroquianos e Comitês da Igreja, Conferências, Debates, Relatórios, e Propostas elaboradas, e Respostas e Protestos… Eu tenho sido abertamente reprovado nos encontros da igreja.>

 

Como Marinho Lutero, Edwards possuía o simples desejo de seguir sua consciência e ser sincero com seu rebanho. Edwards sabia do preço que teria de pagar por isso. Tracy comenta que Edwards estava “com a maior expectativa de ser expulso do meu gabinete ministerial, e desprovido de uma manutenção para a minha família numerosa”. Na mesma carta, referida acima, Edwards diz:

 

Eu, portanto, desejo, querido senhor, suas ferventes orações a Deus. Se Ele é por mim, quem pode ser contra mim? Se Ele é comigo, eu não preciso temer dez mil do povo. Mas eu conheço minha própria indignidade de sua presença e ajuda, ainda que humildemente eu creia em sua graça infinita e toda suficiente.

Edwards não queria causar tumulto entre o povo. Na reunião do Conselho em fevereiro de 1750, o primeiro assunto foi marcar uma próxima reunião quando, enfim, dariam cabo ao assunto. Então, o pedido de Edwards mais uma vez foi trazido: falar do púlpito ao seu povo. Contudo, o Conselho mais uma vez se nega a ouvi-lo. Murray comenta as palavras do próprio Edwards pressentindo uma separação entre “o Pastor e seu Povo”.

O Conselho, pressentindo que poderia cometer o grave erro de silenciar Edwards de seus direitos de falar, e de, futuramente, ser acusado disso, decidiu, ao invés de acatar o pedido de Edwards, deixar para ele a decisão do que fazer. Edwards, então, marcou o dia de sua pregação:

Eu declaro que julgo ter o direito de pregar acerca do assunto no Sabbath; mas, para que eu possa fazê-lo de uma forma que ofenda o mínimo possível, eu devo primeiro fazer um teste se meu povo me ouviria as Palestras apontadas para aquele fim, e, para tanto, eu proponho ter minha primeira Palestra na próxima quinta-feira, 15 de fevereiro, às 14 horas; e, se eu achar que meu povo não gostaria de me ouvir nos dias de Palestra, eu gostaria de reservar a mim mesmo a liberdade de fazê-lo no Sabbath.

Edwards, então, seguiu seu cronograma de palestras, as quais tinham conseguido pouco do que ele esperava. Murray aponta para um momento em que Edwards pede às pessoas que estavam com ele que levantassem uma de suas mãos. E, para sua surpresa, muitos levantaram. Edwards, por fim, solicita ao Conselho que permitisse às pessoas de fora do mesmo participarem de seus encontros. O Conselho dividido, por fim, nega tal solicitação. Há, de acordo com Murray, no fim do encontro para tratar do assunto, uma grande desordem no encontro de Conselho, como jamais se vira antes. Isto se deu em 27 de março de 1750. Em 17 de abril de 1750, o pedido de Edwards finalmente foi aceito. Todavia, a presença de pessoas ao encontro do Conselho, que não fossem membros do mesmo, não causou nenhuma diferença em favor de Edwards.

A DEMISSÃO
Por fim, no encontro decisivo do Conselho, de 19 a 22 de junho de 1750, veio o pronunciamento da decisão de que, pela maioria dos votos, a relação entre Edwards e seu povo deveria ser dissolvida.

22 de junho de 1750 marca, então, o fim da carreira pastoral de Jonathan Edwards. Carreira esta que findou-se por Edwards permanecer firme em “sua convicção de que somente os santos – os verdadeiramente eleitos – podiam estar em plena comunhão” e participar da Ceia do Senhor. Ele permaneceu em Northampton por quase um ano e foi, ironicamente, contratado para pregar semana após semana, até novembro de 1750. De acordo com Tracy, Edwards havia comprado algumas propriedades na cidade que não podiam ser vendidas tão rapidamente. A amargura entre os amigos de Edwards e a maioria da igreja durou por, aproximadamente, dois anos, tempo no qual se recusavam em participar da Ceia. Enquanto Edwards ficava bem informado quanto a postura de seus amigos, tentava mudar a atitude deles com relação aos outros. Em seu último sermão, registrado parcialmente por Murray, Edwards revela alto espírito de altruísmo, além de pedir ao seu antigo rebanho que se lembrasse dele em suas orações.

Em junho de 1751, Edwards finalmente se mudou. Foi para Stockbridge, onde serviu como missionário entre os índios e pastor dos colonos, tempo no qual produziu grande volume de material escrito. Em 1757, Edwards foi convidado para presidir o então Colégio de Nova Jersey, futura Universidade de Princeton. No ano seguinte, em 22 de março de 1758, devido a complicações resultantes de uma vacina contra varíola, Edwards morreu.

CONCLUSÃO
Poderíamos concluir dizendo que Edwards nunca dissociou a doutrina da vida. Em seu sermão de despedida, Edwards evidencia seu caráter, mesmo a despeito de toda a injustiça e desrespeito com o qual foi tratado:

Portanto, quero exortá-los sinceramente, para o seu próprio bem futuro, que tomem cuidado daqui em diante com o espírito contencioso. Se querem ver dias felizes, busquem a paz e empenhem-se para alcança-la (1Pe 3.10-11). Que a recente contenda entre os termos da comunhão cristã, tendo sido a maior, seja também a última. Agora que lhes prego meu sermão de despedida, eu gostaria de dizer-lhes como o apóstolo Paulo disse aos coríntios em 2Co 13.11: “Quanto ao mais, irmãos, adeus! Aperfeiçoai-vos, consolai-vos, sede do mesmo parecer, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz estará convosco”.>

Edwards, sendo um grande um exemplo aos pastores da modernidade, serviu por vinte e quatro anos a igreja em Northampton, Massachusetts. Todo o problema com sua congregação deveu-se ao exercício de sua autoridade pastoral. A questão da disciplina e bases para admissão aos benefícios da igreja tornaram-se numa base de disputa entre a maioria da congregação e seu pastor. Para expor sua posição, Edwards publicou Humble Inquiry, cuja tese não foi aceita, nem lida, pela maioria de seus oponentes. O rompimento da vida com a igreja se deu, então, em 22 de junho de 1750, após o que, Edwards veio a publicar a maioria de seus livros. Como bem apontou Turnbull, após todo o período da controvérsia, veio a tona a revelação da mente brilhante do pregador puritano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAILEY, Richard A. Devoted Disciplinarian. Christian History, Carol Stream, v. XXII, n. 1, p.16-18, fev. 2002.
GERSTNER, John H. The racional biblical theology of Jonathan Edwards. Vol. 3. Powhatan: Berea Publications, 1993
MARSDEN, George M. Jonathan Edwards: a life. New Haven: Yale University Press, 2003
MATOS, Alderi S. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
MURRAY, Iain H. Jonathan Edwards: a new biography. Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1987.
TRACY, Patricia J. Jonathan Edwards, Pastor: religion and society in eighteenth-century Northampton. New York: Hill and Wang, 1980.
WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. Vol. 2. São Paulo: ASTE, 1967, p. 220. 60
TRACY, Patricia J. Jonathan Edwards, Pastor: religion and society in eighteenth-century. Northampton. New York: Hill and Wang, 1980.

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