Parece que foi ontem que eu e tantos outros colegas corríamos pelos corredores da Escola Estadual Lucas Pacheco de Camargo na cidade de Rondonópolis. Naqueles dias, não tínhamos nenhuma compreensão de que estávamos inseridos num processo educacional dinâmico.
À medida que o tempo passava éramos treinados para um modelo específico de sociedade, de tal maneira que os sonhos não eram nossos, mas do projeto político-filosófico, que paulatinamente passava a fazer parte do nosso ser, através de práticas educativas aplicadas pelos professores em sala de aula.
Hoje, vivendo num cenário pós-moderno, em que a cultura midiática está presente tecendo uma maneira de ser, contemplo a minha pequena filha, Ana Luiza. Ela tem dado seus primeiros passos no ambiente educacional, tendo contato com uma nova maneira de alfabetizar, em que um conjunto de práticas sociais usa a escrita enquanto sistema simbólico, para tornar ainda mais dinâmica a alfabetização.
Todavia, apesar de todas as mudanças importantes nesse processo histórico, em que a educação tem a difícil missão de protagonizar o enredo cultural do Brasil, às vezes percebo que, por mais que estejamos num período de transformações culturais, de avanços tecnológicos e de discussão permanente da diversidade, infelizmente, não educamos nossos filhos ou alunos para liberdade.
Ao analisar a escola e a própria educação, Miguel Arroyo, um dos grandes pesquisadores nessa área em nosso país, sendo entrevistado por Marisa Vorraber Costa, outra pesquisadora de renome, disse que tanto a escola como a educação “tiveram um caráter propedêutico, preparatório: preparatório para a próxima série, para o próximo nível, preparatório para a sobrevivência.”
Ao olhar para o passado, percebo que muitos garotos e garotas, que hoje são professores, médicos, dentistas, vendedores, pedreiros, padeiros e tantos outros profissionais, foram preparados para o próximo nível e não para analisar com espírito filosófico a realidade social que se constrói diante de seus olhos.
Parece que fomos educados para obedecer aos ideais daqueles que possuem o poder de definir a realidade. Nesse sentido, creio que muitos já criticaram as religiões, afirmando que elas padronizam de maneira fundamentalista o agir e o caminhar das pessoas, excluindo outras formas de ver, analisar, explicar e construir o cotidiano sem dar ouvidos a elas. Acredito que tanto a religião quanto a educação cometem os mesmos erros quando não estão dispostas a revisitar seus conceitos e reconhecer que ambas possuem aspectos fundamentalistas.
Seríamos, por exemplo, simplistas ao imaginar que a cultura acadêmica produzida nas universidades é isenta de preconceitos, fundamentalismos e alienações. O mundo não pode ser compreendido tomando como base as lentes: marxista, piagetiana, vygotyskiana, freudiana e freireana. Existem outras formas de ver e conhecer os fenômenos.
Entretanto, se o som de seus argumentos no cenário universitário destoar do som produzido pelas correntes filosóficas que foram adotadas como verdade, possivelmente, a sua canção não será ouvida com teor científico. E, nesse aspecto, instaura-se também o fundamentalismo epistemológico, pois os dogmas acadêmicos não foram considerados e adotados como sistema doutrinário, à semelhança do que aconteceu no período da Reforma Protestante.
É de suma importância compreender que todas as vezes que destoamos da verdade adotada corremos o risco de não fazer parte do grupo.
Em face dessa constatação, indagamo-nos: Será que conseguimos ouvir aqueles que pensam de maneira diferente de nós? Quantos teriam a paciência e a maturidade acadêmica de ouvir hoje, num grupo de estudos, os argumentos de Tales de Mileto, que considerava a água como a origem de todas as coisas? Quem apreciaria a fala de Anaxímenes, que defendia a ideia de que o ar era a substância básica, que trouxe à existência o próprio mundo?
Dentre esses dois filósofos pré-socráticos, ainda tivemos outros com concepções distintas e estranhas. Todavia, a filosofia pré-socrática apesar de sua limitação foi o passo essencial para ler o mundo sob outra perspectiva epistemológica.
Dessa forma, o nosso desafio enquanto pais, professores e, principalmente, como pesquisadores no campo da educação é o de compreender que educamos para liberdade. Essa ação libertadora, que nos dá a capacidade de fazer vários tipos de leituras, precisa ser, em primeiro lugar, vivenciada e sentida na formação docente dos educadores.
A educação que partilhamos não pode produzir nenhuma espécie de dominação epistemológica. Não deve apontar apenas para a corrente filosófica que nos agrada como a única opção para compreender o que acontece no cotidiano. Para que essa forma de se fazer educação se propague nas escolas e universidades, é necessário que aprendamos com Sócrates que “nada sabemos”, ou com Paulo Freire, que somos “inacabados”; e por conta desse estado, não chegamos à compreensão exaustiva do todo.
Professores universitários, alfabetizadores, teólogos, filósofos, pais e toda a sociedade devem aceitar o fato, de que nem todos vão analisar o mundo sob a mesma perspectiva. Na diversidade de pensamentos, teremos a real possibilidade de ler o cenário cultural — não a partir dos nossos fundamentos.
O desafio da educação, neste exato momento, é o de educar para liberdade, de forma que o verdadeiro sentido da palavra “alteridade” seja conjugado nos diálogos, na luta contra os condicionamentos e no revisitar de conceitos que foram canonizados como absolutos. É necessária muita coragem para reaprender com cenários e pessoas que não seguem a nossa verdade e que não fazem parte de nosso gueto.
A minha esperança, como pai, líder de uma comunidade religiosa, professor e cidadão do mundo, é a de que meus filhos sejam tratados com dignidade e sensibilidade, uma vez que a formação que eles recebem em casa não segue os mesmos conceitos admitidos hoje, como verdade no ambiente acadêmico. Se os seus professores forem sensíveis a isso, começo a acreditar que estamos educando para a liberdade.