“O jeito, ou o jeitinho brasileiro, é a imposição do conveniente sobre o certo”. É a “filosofia” do: se dá certo é certo; desde, é claro, que “dar certo” signifique “resolver meu problema”, ainda que não definitivamente.
Assim é o brasileiro: dá jeito em tudo. Sua versatilidade abrange um sem-número de situações: é o pára-lama do carro amarrado, em vez de soldar; são os juros embutidos no valor da prestação “fixa”; é o “dar um por fora”; é matar a avó pela quinta vez para justificar a ausência a uma prova, na escola. Mas o jeitinho é também pedir a um médico amigo para atender uma pessoa carente ou para fazer uma cirurgia pela Previdência; é o revezamento dos vizinhos para socorrer uma pessoa doente; é conseguir um emprego para um pai desempregado.
O dilema está lançado! Que dizer, então, do jeitinho? Podemos fazer uso dele para resolver as questões do dia-a-dia? Será que todo jeito é desmoralizante, ilegal, burlador, inconveniente? Ou será que ele também pode ser criativo, solidário, benevolente? É esta discussão que eu lhe convido e desafio a participar no livro Dando um Jeito no Jeitinho – Como ser ético sem deixar de ser brasileiro (Editora Mundo Cristão).
Quando se fala em jeito ou jeitinho brasileiro, a primeira coisa em que pensamos é esperteza, suborno, ambição. Embora essa não seja a única maneira de definir o jeito brasileiro, o lado negativo dessa prática tão disseminada em nossa sociedade é o que mais se evidencia nos meios de comunicação.
O jeitinho é quase um código secreto de relacionamento. Basta apenas que algo dê errado ou tarde em solucionar para pensarmos em como “dar a volta” e, assim, abreviar seu desfecho. Ele revela o desejo do ser humano de não se prender às normas, mas sim de superá-las, subjugá-las. Suspende-se temporariamente a lei, cria-se a exceção e depois tudo volta ao normal.
O brasileiro seria, então, um anarquista, um fora-da-lei? Não. “O brasileiro não nega a existência da lei, o que ele nega é a sua aplicação naquele momento”. Simples assim. Justificamo-nos com todos os rigores da razão: se podemos pagar menos imposto de renda a um governo que não retribui adequadamente em benefícios sociais para seus contribuintes, por que fazê-lo? Por que pagar uma multa de trânsito – altíssima – se podemos dar um jeito de cancelá-la?
A corrupção, tema diariamente discutido na mídia escrita e falada, é outra faceta do jeito considerada neste livro. Ela está presente naquele jeito de conseguir uma concorrência, ou no jeito de “ajudar” o fiscal a esquecer determinada lei, ou mesmo no jeito de apressar um processo numa repartição pública. “O jeito não se contenta apenas em transgredir a norma. Às vezes, pela própria transgressão da norma, é preciso dar um jeito para não haver punição. Neste caso há a união incestuosa entre o jeito e a corrupção.”
Mas nem todo jeito é negativo. A inventividade e a criatividade são algumas das facetas mais relevantes do lado positivo do jeito. O brasileiro possui uma alta capacidade de adaptação às situações mais inesperadas, que muitas vezes pode significar a diferença entre viver ou morrer, entre estar desempregado ou “arranjar uma profissão alternativa” para manter a si próprio e à família.
O jeito é também conciliador, permitindo que se crie uma solução favorável para uma situação a princípio impossível. É o caso do operário que “cobre” o outro em seu turno enquanto aquele participa de um curso no supletivo, para ganhar o tempo perdido.
Enquanto o lado negativo do jeito gera situações delicadas e comprometedoras da conduta ética, o lado positivo muitas vezes vem aliviar o brasileiro da vida oprimida que ele precisa vencer. E é aqui que se estabelecem os dilemas éticos do jeito. A inconsistência da ação governamental em áreas como a segurança pública, a fiscalização e o planejamento da política tributária e financeira leva o cidadão a uma situação tal que sua única saída no momento é o jeito, a “escapada”, sob pena de perder o emprego ou inviabilizar sua empresa.
Em suma, o descaso generalizado das autoridades públicas quanto às reais necessidades do povo gera o “salve-se quem puder”, que por sua vez alimenta o jeito e incentiva a transgressão das normas. Desta à corrupção é apenas um passo. Tão logo se estabeleça, a corrupção generalizada acolhe a impunidade. E assim fecha-se o círculo.
E então, o Brasil tem jeito? Afirmo que sim.