A Igreja e a terceira idade: uma perspectiva teológica e pastoral

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O envelhecimento da população brasileira é uma realidade inquestionável. No ano de 2016 havia uma previsão de em 2050 o número de idosos triplicaria, passando de 19 milhões para 66,5 milhões, representando cerca de 29,3% da população[1]​. Na projeção deste ano (2024), o cálculo é que em 2070 a população idosa do Brasil alcançará o percentual de 37,8%, perfazendo um total de 75,3 milhões de pessoas. Um outro dado nesta pesquisa é que em 2042 a população brasileira entrará num estado de inflexão populacional, ou seja, começará a experimentar um declínio num contexto de expectativa de vida cada vez maior[2].

Essa mudança demográfica já apresenta desafios para o governo, sobretudo em áreas como saúde e previdência social, mas também podemos considerar grandes oportunidades para a igreja brasileira. Esse cenário exige preparação e estratégias específicas para atender a essa crescente parcela da sociedade.

Porém, mais do que uma questão de necessidade social, a atenção para com os idosos é um imperativo bíblico. A igreja moderna agora tem a oportunidade de ser uma referência em acolhimento, valorização e integração da terceira idade, proporcionando-lhes dignidade e participação ativa na comunidade cristã. Neste sentido, a igreja precisa se preparar para acolher essas pessoas e cuidar muito bem delas, honrando-os em todo o tempo.

Há um provérbio africano que diz: “Quando um idoso morre, uma biblioteca se incendeia.” Essa frase nos ensina que o conhecimento acumulado ao longo da vida, se perde com a morte dos mais velhos. Para evitar isso, é essencial incentivar os idosos a compartilhar seus conhecimentos e experiências com as gerações mais novas, ao mesmo tempo em que se cria estratégias para valorizar essas pessoas, reconhecendo sua importância e o impacto positivo que podem ter na sociedade e na igreja. Vejamos agora os argumentos que encontramos nas Escrituras para honrar os idosos:

  1. Argumento teológico: é um mandamento divino

A Bíblia apresenta diretrizes claras para cuidar dos idosos. Textos como Levítico 19.32 nos ensinam a respeitá-los e honrá-los, o que demonstra uma atitude de temor ao Senhor em nosso proceder. Efésios 6.2 repete um dos mandamentos a respeito da honra devida a nossos pais. Paulo, ensinando a Timóteo, diz que devemos honrar as viúvas mais velhas que se encontram totalmente desamparadas. Em Provérbios 16.31, os cabelos brancos são descritos como uma coroa de honra quando encontrados no caminho da justiça.

Porém, este chamado não se limita unicamente a uma atitude de respeito, mas inclui ações práticas que demonstrem cuidado e valorização. A igreja precisa ser intencional em estabelecer ministérios e ações que ajudem a terceira idade a se sentir acolhida, amada e útil em suas comunidades. Outros textos bíblicos nos ajudam a compreender o nosso proceder diante dos anciãos da igreja:

  • “Não repreendas ao homem idoso; antes, exorta-o como a um pai; aos jovens, como a irmãos; às mulheres idosas, como a mães; e às moças, como a irmãs, com toda pureza” (1Tm 5.1–2).
  • “Da mesma forma, exorto também aos jovens: sejam submissos aos mais velhos; tratem uns aos outros com humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas concede graça aos humildes” (1Pe 5.5).

Vejamos que a nossa atitude para com os mais velhos, descritas nestes versículos, deve ser de respeito e sujeição. E, mesmo quando algum idoso necessitar de repreensão, esta deve ser feita com o máximo de consideração.

  1. Argumento cristológico: Cristo nos deu o exemplo

O exemplo de Jesus é um modelo para todos os cristãos. Podemos afirmar que, neste sentido Ele também encarnou os princípios do AT sobre o cuidado para com os anciãos. Aliás, Ele ainda repreendeu líderes religiosos que desconsideravam a necessidade das viúvas (Mt 23.14) e exaltou a oferta da viúva pobre como um ato de fé e devoção (Mc 12.43), esta que era pouco percebida em suas necessidades pela sociedade. Sua preocupação com a sogra de Pedro (Mt 8.14-15) e com sua própria mãe (Jo 19.25-27) ilustram o amor ativo de Cristo para com os idosos e necessitados.

Essas atitudes não foram ocasionais, mas faziam parte integral de seu ministério. Como corpo de Cristo na Terra, a igreja é chamada a seguir este exemplo, cuidando dos idosos com dedicação e amor.

Sobre a relação entre os idosos e a vinda de Cristo, a revista Ultimato apresentou que entre as seis pessoas mais envolvidas com o nascimento de Jesus, três eram idosas: Zacarias, Isabel (Lc 1.7) e a profetisa Ana (Lc 2.36-38)[3]. Além disso, é altamente provável que Simeão, o homem que tomou o menino Jesus em seus braços, também fosse um idoso (Lc 2.25-32). Hendriksen destaca esta possibilidade: “Não vacilo em descrever Simeão como um ancião, ainda quando reconheço que carecemos de provas absolutas para esta posição”[4].

Esses relatos mostram claramente a dignidade que Deus conferiu aos idosos em sua encarnação, evidenciando seu papel significativo nos eventos que cercaram o nascimento e o ministério do Salvador.

  1. Argumento escatológico: A autorrevelação de Deus

Dentro da escatologia bíblica, por vezes são utilizados símbolos e figuras para representar aquilo que um dia ocorreria no futuro ou algum aspecto que carecia de um ponto de contato entre o que o Deus queria revelar ao profeta e o seu povo em questão. É por isso que sempre é um desafio interpretar estes textos, pois estamos um tanto distantes dos leitores originais e perdemos o “código” contextual para compreender muitas figuras de imediato. Porém, dentre as diversas figuras, uma que é fácil de compreender é a figura do idoso e, se por um lado a figura reveladora de uma criança destaca fragilidade e inocência, a do idoso enfatiza sabedoria e dignidade.

Na visão de Daniel 7, Deus é descrito como o “Ancião de Dias”, um título que exalta Sua sabedoria e autoridade como o juiz eterno. O verso 9 reforça essa ideia ao descrever: “O Ancião de Dias se assentou; sua veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça, como a pura lã”. Essa representação nos mostra que Deus, em Sua soberana vontade, escolheu manifestar Sua figura escatológica na forma de um ancião, atribuindo dignidade à velhice. Isso evidencia o valor que o idoso possui no plano divino, destacando sua sabedoria, experiência e autoridade.

No Apocalipse, a imagem do Cristo exaltado com cabelos brancos como a lã também destaca atributos associados à maturidade e experiência (Ap 1.14)​. Com isso, podemos afirmar que neste aspecto revelacional Deus escolheu utilizar a figura de um ancião para reforçar sua dignidade e sabedoria, ilustrada pela figura de alguém “mais velho”. Vejamos como Sweet, citado por Osborne, destaca:

Tal retrato dinâmico não deve ser visto como descrição literal, mas como figura metafórica. Não devemos juntar todos estes elementos como se perfizessem um retrato de Jesus: cabelos alvos, olhos flamejantes, pés de bronze, voz de trovão, uma espada saindo de sua boca. A combinação dessas imagens retrata não sua aparência, mas seu poder e glória[5].

Essa reflexão nos remete ao que a Bíblia declara sobre os idosos: “A beleza dos jovens está na sua força, e a glória dos idosos, nos seus cabelos brancos” (Pv 20.29). A aplicação desse aspecto revelacional para nós é clara: se o próprio Deus escolheu representar-se escatologicamente na figura de um ancião, isso demonstra a importância de reconhecer e valorizar a experiência e a sabedoria destes que se encontram em nosso meio.

Esse reconhecimento da figura do idoso deve inspirar a igreja a honrá-los em sua convivência diária. Afinal, se o próprio Deus escolheu apresentar-se dessa forma, a valorização dos mais velhos em nossas comunidades é uma atitude coerente com o evangelho.

  1. Ações práticas para a igreja honrar os anciãos

A terceira idade enfrenta desafios específicos, como solidão, abandono familiar e limitações físicas. Muitos idosos também sofrem de marginalização social e econômica, sendo frequentemente ignorados em políticas públicas e iniciativas comunitárias. A igreja deve posicionar-se como um lugar de refúgio, inclusão e assistência prática. Keddie enfatiza que o cuidado que as igrejas devem oferecer às viúvas – e, por extensão, a todos os idosos – deve ir muito além de simples visitas[6]. É essencial expandir nossa visão e abrir nossos corações para acolher os irmãos que enfrentam a dor da viuvez e outras dificuldades dessa fase da vida.

Purnell também alerta que muitas pessoas solitárias em nossas igrejas se sentem negligenciadas e excluídas das atividades gerais, o que pode causar grande tristeza e isolamento[7]. Em seu capítulo sobre ministérios familiares, ele observa que, embora se discuta a inclusão de solteiros e divorciados, pouco ou nada se fala sobre a realidade da viuvez. Se esses grupos já se sentem marginalizados, quanto mais os idosos, que muitas vezes enfrentam a falta de recursos e materiais apropriados para sua edificação.

A seguir, propomos alguns ministérios que podem ser desenvolvidos nas igrejas para atender às necessidades específicas dos idosos:

Ação social pró-terceira idade

Embora muitas igrejas já possuam ministérios de Ação Social, é importante considerar uma subdivisão voltada para os idosos, que exige cuidados específicos. Algumas áreas de atuação podem incluir:

  • Compra de remédios: Considerando que boa parte dos idosos sobrevive com menos de dois salários-mínimos, os custos de medicamentos são um grande desafio.
  • Acompanhamento médico: Voluntários das igrejas podem fazer companhia e auxiliar nestes atendimentos, organizando as agendas médicas destes irmãos.
  • Atendimento jurídico: Auxílio em questões como inventários, direitos previdenciários e outras demandas legais.
  • Cuidados domésticos: Serviços de limpeza e organização, especialmente para aqueles que não podem arcar com o custo de uma faxineira.
  • Pequenas reformas: Reparos básicos em suas casas, como pintura, manutenção elétrica ou hidráulica.

Para igrejas com recursos limitados, a realização dessas ações pode ser viabilizada por mutirões, envolvendo os membros da comunidade. O importante é não ignorar as necessidades práticas dos idosos, que, em sua maioria, incluem mulheres com escassos recursos financeiros.

Integração dos idosos

A solidão é um dos maiores desafios enfrentados pelos idosos. Por isso, é fundamental integrá-los com os demais grupos da igreja e promover atividades que os valorizem. Algumas sugestões incluem:

  • Entrevistas nas reuniões de jovens: Os idosos podem compartilhar testemunhos e experiências, o que edifica os jovens e aumenta a autoestima dos anciãos.
  • Atividades temáticas: Por exemplo, conselhos de anciãos para as famílias da igreja, reuniões nas casas dos idosos ou momentos de músicas que marcaram sua vida cristã.
  • Celebrações em datas especiais: Honrar aqueles que contribuíram para a história da igreja, relembrando seus feitos no passado.
  • Grupos evangélicos da terceira idade: Organizar excursões, eventos culturais e esportivos que promovam a integração e melhorem a qualidade de vida dos idosos.
  • Capacitação digital dos idosos: Isso permite que eles participem mais ativamente da vida social e comunitária.

A igreja brasileira, sendo composta por um bom número de jovens, frequentemente negligencia o legado e a experiência dos idosos que tanto contribuíram no passado. Muitas histórias e lições valiosas estão se perdendo com o tempo. Ao valorizar os idosos, a igreja pode preservar sua herança espiritual e aprender com sua sabedoria acumulada.

Ministério de oração

A oração é um campo fértil para o engajamento dos idosos. Sua experiência e maturidade espiritual são recursos valiosos para interceder pela igreja e pelas famílias. Diretrizes práticas incluem a criação de um caderno de oração, reuniões em horários acessíveis e boletins específicos que comuniquem as necessidades de oração da igreja​.

Os idosos podem também ser mobilizados para formar redes de oração, utilizando tecnologias como WhatsApp para compartilhar pedidos e informações em tempo real. Essas iniciativas não apenas fortalecem a espiritualidade, mas também promovem um senso de propósito e utilidade.

Ministério de aconselhamento

A experiência acumulada pelos idosos é essencial em momentos de aconselhamento, especialmente nos desafios conjugais e familiares. Mulheres mais velhas, como recomendado em Tito 2.3-5, podem orientar as jovens esposas na construção de lares sólidos. Homens idosos, por sua vez, podem compartilhar sabedoria sobre paciência, amor e liderança no lar​.

Além disso, envolver os idosos no aconselhamento pode prevenir situações sensíveis, como casos de vulnerabilidade emocional entre conselheiros e aconselhados de sexos opostos. Quanto mais conselheiros disponíveis tivermos, mais conseguiremos atender a demanda da atualidade.

Ministério de serviço

Embora a capacidade física dos idosos possa ser limitada, seu desejo de servir e seus dons espirituais permanecem valiosos. Ministérios de serviço podem incluir desde pequenos reparos domésticos até ações comunitárias mais amplas, aproveitando habilidades específicas, como costura, artesanato, culinária ou administração​.

Ministério de missões

Mesmo que não possam ir ao campo, e alguns ainda podem, os idosos podem contribuir para missões por meio de oração, doações, envio de cartas/mensagens e coordenação de equipes. Além disso, trabalhos manuais e outras iniciativas podem gerar recursos para apoiar missionários.

Ministério de hospitalidade

Muitos idosos, especialmente os que vivem sozinhos, podem abrir suas casas para acolher missionários, seminaristas e outros cristãos em viagem. Essa prática não só enriquece suas vidas, como também apoia aqueles que estão no ministério.

Conclusão

Valorizar os idosos não é apenas uma questão de obediência a Deus, mas também uma oportunidade para a igreja aprender com sua sabedoria e experiência acumuladas. Em um mundo que frequentemente despreza o que é antigo, a igreja deve ser um exemplo de contracultura, demonstrando honra e cuidado para com aqueles que tanto contribuíram para o Reino de Deus e ainda possuem um legado a ser passado adiante.

Os idosos são uma parte essencial da comunidade cristã. Eles carregam histórias de fé, testemunhos de perseverança e lições valiosas que podem guiar as gerações mais jovens em tempos de dúvida e dificuldade. Ao criar ministérios específicos para a terceira idade, a igreja não só oferece suporte prático e emocional, mas também resgata uma perspectiva bíblica de respeito e dignidade.

Além disso, ao integrar os idosos em atividades e serviços, a igreja fortalece seus laços como corpo de Cristo, onde cada membro tem um papel significativo. Os idosos podem ser mentores, intercessores, conselheiros e até pioneiros em novas iniciativas que abençoem a igreja e a sociedade.

A importância do envolvimento dos idosos vai além da igreja local. Em um contexto social onde muitos enfrentam o isolamento e o abandono, a igreja pode ser uma luz na escuridão, demonstrando o amor de Cristo de maneira prática e transformadora. Cuidar dos idosos é, também, uma forma de testemunho para o mundo, mostrando que o Reino de Deus valoriza cada fase da vida.

Portanto, que possamos enxergar a velhice como um dom e os idosos como pessoas muito preciosas em nosso meio. Que eles sejam ouvidos, respeitados e envolvidos em todas as esferas da vida comunitária. Assim, estaremos não apenas obedecendo aos mandamentos de Deus, mas também edificando uma igreja mais forte, unida e fiel ao chamado do Senhor.

Que a graça de Deus nos capacite a honrar e valorizar os anciãos em nosso meio, reconhecendo neles um reflexo do próprio caráter divino, cheio de sabedoria, paciência e amor. Ao fazermos isso, experimentaremos um crescimento saudável, onde todas as gerações caminham juntas, glorificando ao Senhor.

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[1]https://www.estadao.com.br/brasil/populacao-idosa-vai-triplicar-entre-2010-e-2050-aponta-publicacao-do-ibge.

2https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/41056-populacao-do-pais-vai-parar-de-crescer-em-2041.

[3]https://www.ultimato.com.br/conteudo/a-biblia-e-o-idoso.

[4]Hendriksen, William. Comentario al Nuevo Testamento: el evangelio según San Lucas (Grand Rapids: Libros Desafío, 2002), p. 171. Edição Logos Bible Software. Tradução do autor.

[5]Osborne, Grant R. Apocalipse: comentário exegético (São Paulo: Edições Vida Nova, 2014), p. 97-8.

[6][6]Keddie, Gordon. The practical christian (Darlington: Evangelical Press, 1989).

[7]Purnell, Dick. Adultos Solteiros em seu ministério: por que permanecem e por que se afastam. In: Grudem, Wayne; Rainey, Dennis, org., Famílias fortes, igrejas fortes: os desafios do aconselhamento familiar (São Paulo: Vida, 2005).

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