TEMA: A celebração do drama da redenção
As imagens de Cristo no Brasil se resumem a retratá-lo como o bebê inofensivo na manjedoura, numa espécie de mágico ou guru ou na figura impotente sangrando na cruz. A partir destas caricaturas, explica-se o abismo impressionante entre o que se afirma sobre o cristianismo e a ética dos que se chamam cristãos. Na epístola aos Filipenses temos o grande apóstolo dos gentios apelando apaixonadamente por unidade (Fp 2.2), humildade (2.3) e dedicação entre os crentes (2.3-4). Para que os cristãos vivam nesta nova vida, ele coloca diante deles o drama da redenção, numa das mais magníficas passagens da Bíblia.
TEXTO
Filipenses 2.5-11
ANÁLISE
v. 5: “Tende” (φρονεῖτε): Tanto um apelo como uma exortação a se imitar a Cristo, por ser esta a regra da vida cristã. “Em vós” (ἐνὑμῖν): o apóstolo tem em mente a comunidade cristã. “Mesmo sentimento”: “Em seu ser interior continuem a pôr sua mente nisto, que também (está) em Cristo Jesus” ou “isto esteja constantemente posto em sua mente e em seu interior, aquilo que também está em Cristo Jesus”: a unidade, a humildade e a solicitude (cf Fp 2.1-4). “Em Cristo Jesus” (ἐν χριστῶ ἰησοῦ): Significa o drama da salvação, em que os crentes foram “inseridos” em sua conversão e batismo, quando os eventos salvadores da história de Cristo adquiriram significado pessoal, e os crentes passaram do domínio da velha natureza para a “nova vida” inaugurada pela vitória de Cristo sobre os poderes das trevas.
v. 6: “Existindo” (ὑπάρχων): tem o sentido de permanente, isto é, Cristo Jesus existia e existe eternamente na forma de Deus. “Forma” (μορφῇ) se refere aquilo que é anterior, essencial e permanente na natureza de uma pessoa ou coisa, “sendo igual a Deus”; enquanto “reconhecido” (σχήματι) (2.7) aponta para seu aspecto externo, acidental ou aparente. “Cristo Jesus sempre foi (e continuará sendo) Deus por natureza, a expressa imagem da Deidade. O caráter específico da Divindade, segundo se manifesta em todos os atributos divinos, foi e é sua eternidade”. A fim de mostrar a grandeza do sacrifício de nosso Senhor, o ponto de partida é o Cristo pré-encarnado. E o que vem em seguida, necessariamente, é o Cristo em seu estado encarnado (cf. 2Co 8.9).
v. 6-7: Ele não considerou sua existência numa forma igual a Deus (ἴσα, “numa forma de igualdade”) como um privilégio ao qual apegar-se ou a usurpar (ἁρπαγμὸν); mas “a si mesmo se esvaziou” (ἐκένωσεν), “deu-se a si mesmo”: Se uma pessoa recusa apegar-se a uma coisa, quer dizer que se despoja dela, ou “se esvazia” dela. Ao esvaziar-se ou despojar-se, Cristo se esvazia ou se despoja de algo. “O significado da sentença ‘a si mesmo se esvaziou’ ou ‘se despojou’ se explica de forma mais detalhada nas palavras que seguem, ou seja: ‘ao tomar a forma de servo … ele a si mesmo se humilhou e se fez obediente até à morte, sim, e morte de cruz’”. Cristo jamais deixou de ser o Possuidor na natureza divina. “Mesmo em sua morte, ele teve que ser o poderoso Deus, a fim de, por sua morte, conquistar a morte” (R. C. H. Lenski). Ele renunciou suas riquezas (2Co 8.9), sua própria vida (Mt 20.28; Mc 10.45; Jo 10.11), sua própria glória celestial (Jo 17.5) e, em liberdade, o uso de seus atributos incomunicáveis.
“Assumindo a forma de servo”: está incluído aqui o assumir a aparência e maneiras de um ser humano, se humilhando e sendo obediente até a morte, e morte de cruz. Ele se fez “servo” (δούλου). Cristo identificou-se com a humanidade não-redimida, escravizada às forças malignas, porque ele nasceu à semelhança dos homens, trilhando o caminho da obediência no sofrimento. “Eis aqui uma grande notícia! De fato, é uma espantosa notícia! Ele, o soberano Dono de todas as coisas, se torna Servo de todos. E ainda mais: ele continua o Dono”. Martinho Lutero, Canção infantil para o Natal de Cristo:
Atentem! Este é o sinal:
No cocho, em fraldas, muito mal
Deitado está o que mantém
O céu e a terra, e os sustém.
Ele assumiu a forma de servo enquanto, ao mesmo tempo, conservava a forma de Deus. Servo (dou,lou) aqui faz referência aos cânticos do Servo em Isaías (cf. 42.1-9; 49.1-9a; 50.4-11; 52.13-53.12). A única pessoa no mundo que tinha razão de fazer valer seus direitos abriu mão deles (Mt 20.28; Mc 10.45; Lc 22.27), cumprindo sua missão como Servo de Yahweh. “Tornando-se em semelhança de homens”: assumiu a natureza humana em fraqueza. No fim, δούλου é usado em antítese direta com κύριος: aquilo que ele poderia ter usurpado, ele entregou, e aceitou justamente o oposto, uma vida de total dependência de Seu Deus, como um filho obediente.
v. 8: As marcas da vida terrena de Cristo: “Se humilhou”, “se fez obediente”, “até a morte”, “morte de cruz”: dolorosa, ultrajante e maldita (cf. Is 53.12). Ele se entregou ao limite máximo da submissão, a um tipo de morte reservado para aqueles que não têm direitos na sociedade: “da luz de Deus para a escuridão da morte” (E. Lohmeyer). Todo o seu caminho é um caminho em direção a sua morte, morte de cruz.
“Em outra passagem de Paulo, porém, existe alusão à relação da obediência de Cristo até a morte com o pecado de Adão, a saber, no hino cristológico de Fl 2.6-11. Se ali é dito a respeito de Jesus Cristo que ele não usurpou a igualdade com Deus como despojo (Fl 2.6), antes se humilhou na obediência a Deus até a morte na cruz (Fl 2.8), deverá existir nisso uma alusão à tentação de Eva pela serpente do paraíso, à qual também sucumbiu Adão juntamente com Eva: Sereis como Deus (Gn 3.5). A obediência filial de Jesus Cristo (Fl 2.8) se encontra, portanto, numa relação (contrária) com o ato de Adão, pelo fato de que Jesus Cristo justamente não sucumbiu à tentação de ser igual a Deus, como o primeiro ser humano – e isso apesar de ele, em sua preexistência, em contraste com Adão, com efeito, subsistiu ‘em forma de Deus’ (Fl 2.6). Portanto, embora a obediência demonstrada por Jesus Cristo tenha outro conteúdo do que aquela outrora exigida de Adão, seu ato de obediência se encontra, não obstante, em correspondência antitética ao ato de Adão, conquanto a obediência procede da mentalidade de Cristo de não querer ser igual a Deus, mas de assumir a diferencialidade de Deus em subordinação a ele” (W. Pannenberg).
v. 9: Enquanto nos versículos 6-8 a ênfase está naquilo que Cristo fez, agora acentua-se aquilo que Deus fez para ele e por ele. “Sobremaneira” (ὑπερύψωσεν): “Deus o exaltou ao máximo”: o mesmo que se humilhou foi exaltado, mas com uma diferença: ele foi “superexaltado”, enaltecido de uma forma “transcendentemente gloriosa” ou “à mais elevada excelsitude”. Estão implícitas aqui a ressurreição, a ascensão e a coroação – temos aqui uma reascensão à glória.
v. 10: A consumação de sua glória quando, no dia de sua vinda, todo joelho se dobrará diante dele e toda língua proclamará seu senhorio universal. “Deu o nome”: ἐχαρίσατο, graciosa e gratuitamente lhe deu não um nome, mas o nome que está acima de toda a criação. “Ao nome de Jesus”: o nome completo ainda é omitido, aguardando o clímax. “Se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra”: Em seu regresso em glória, Jesus será adorado por todos – os anjos e os seres humanos redimidos farão isso com intensa alegria; os condenados farão isso com profunda tristeza e remorso, sem ocasião para arrependimento. Mas tão intensa será sua glória que todos, no céu, na terra e debaixo da terra, se sentirão impelidos a render-lhe adoração.
v. 11: O clímax: “E toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor”. Toda a criação proclamará publicamente o soberano senhorio de Jesus, o ponto mais alto do drama da salvação. O humilde “servo” Jesus foi coroado com glória e honra, e como o grande Vencedor continua celebrando seu triunfo e governa ativamente todas as coisas no interesse de seu povo. Esta é a mais antiga confissão de fé da igreja: Jesus Cristo é o verdadeiro e único Senhor. “Pela virtude do poder e majestade de Jesus Cristo, e pelo reconhecimento de que ele é o Senhor, toda língua o proclamará”.
“Por causa de sua obediência, o Crucificado recebe com sua exaltação por Deus (Fp 2.9) o nome de Kyrios (cf. 2.11), e com isso ele também está comprovado como o preexistente, que está com o Pai desde a eternidade” (W. Pannenberg).
Cristo rege a criação “para glória (δόξαν) de Deus Pai”, que é sempre o alvo, o propósito final de todas as coisas. Por meio da proclamação universal do senhorio de Jesus, a glória de Deus o Pai, que o ressuscitou e o exaltou soberanamente, e lhe deu o mais excelente nome, naturalmente será intensificada.
IDEIA CENTRAL
Todo o evangelho é resumido neste “cântico de salvação” que descreve o “caminho de Cristo”. O Filho, que é Deus em plena igualdade com o Pai na glória da Trindade, assumiu a humilhação da condição humana, exposto à miséria, pobreza e tentação. Permaneceu obediente e sem pecado, algo que ninguém mais conseguiu. E por isto foi morto na cruz por amor a pecadores. Mas, por sua morte foi exaltado sobre toda a criação, como o soberano Senhor de todo o universo – para a glória de Deus o Pai.
APLICAÇÃO
1. É necessário confessar Cristo como Senhor, pois somente por meio dele podemos nos aproximar de Deus como Pai. Por isto é necessário crer em Cristo e dobrar os joelhos diante dele. Para aqueles que ainda não creem em Cristo, é necessário que ele se torne seu Senhor pessoal. E, para toda a igreja cristã, é imperativo reafirmar sempre esta confissão, “Jesus Cristo é Senhor”, crendo neste artigo de fé e o professando em entrega obediente ao senhorio de Cristo.
2. Como aprendemos com Cristo, o poder de Deus não é simbolizado pela espada ou por uma carruagem ou palácio, símbolos do poder na época de Jesus, mas pela cruz, associada à infâmia e ao fracasso. A cruz nos ensina que Deus escolhe ficar ao lado das pessoas em sua dor. “Só o Deus que sofre é que pode ajudar” (D. Bonhoeffer), pois ele toma sobre si o peso dos nossos pecados, da nossa dor e da nossa angústia. O sentido da cruz de Cristo é que não existe sofrimento que não tenha sido padecido por Deus. E o Deus sofredor não abandona seu povo: o companheiro de nosso sofrimento triunfa sobre este na cruz, e conduz-nos a um lugar onde não haverá dor.
3. Necessitamos reconhecer que Cristo governa nossas vidas e igrejas; por isso devemos imitar a Cristo no trato com aqueles que pertencem à comunidade da fé, inaugurada em Cristo, em unidade, humildade e entrega ao próximo (cf. Fp 2.1-4).
4. Sob o senhorio de Cristo somos introduzidos numa nova dimensão da vida, recebendo a segurança e a certeza inquebrantável de que, sendo Cristo o Senhor de toda a criação, no último dia todo o universo se prostrará diante do Cristo triunfante.
5. Que nossa vida seja para o louvor, glória e exaltação de Deus o Pai – pois este é o fim e o alvo de todo o drama da redenção.
Excelente artigo!! Exalta a pessoa de Jesus Cristo, exatamente como a Bíblia nos exorta a crer! Ver a Jesus como um bebê inofensivo na manjedoura ou um guru ou uma figura impotente sangrando na cruz realmente, conforme claramente demonstrado no excelente texto, não ‚ a forma correta e bíblica de se ver a Jesus. Ele ‚ o Filho de Deus que se encarnou, morreu e ressuscitou!! Am‚m.
Paz do senhor !
Deixo aqui meu coment rio como uma Dr. Teólogo me prepara um sermão tem bem elaborado para uma data que não tem nada a ver com Jesus e sim para quem não sabe a um deus pagão e a data era chamada solstício comemoração essa volta ao deus que deu início na torre de babel de ninrode.
Excelente abordagem,sobre a visão que herdamos de nossa cultura, e … que Deus ortogou do nosso salvador e remido,Jesus cristo para a salvação dos que creiam.