Compaixão e convicção de mãos dadas

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Introdução

O propósito desse artigo é o de refletir, ainda que brevemente, como a igreja evangélica no Brasil tem sido influenciada pelas ideologias liberais que discutem as questões da sexualidade na atualidade. Tal reflexão, surgiu inicialmente como uma reação a um número crescente de notícias sobre o caso envolvendo o nome da pastora Ana Paula Valadão e de seu irmão André Valadão acusados de homofobia, após afirmarem que a homossexualidade estaria contrariando os ensinamentos bíblicos cristãos.  Apesar de acreditar que estes acontecimentos poderiam ser uma excelente oportunidade para criar caminhos para uma conversa bem estruturada sobre a liberdade religiosa no Brasil, o que se vê posto, ao contrário, é o fortalecimento do movimento cristão progressista e do movimento autointitulado Cristão-Gay brasileiro. Estes, se levantaram em defesa dos homossexuais e seus pares, e se posicionaram contrários aos pastores e as igrejas brasileiras cristãs conservadoras. A Aliança Nacional LGBTI+ entrou com um processo na Justiça contra a pastora, assim como a pré-candidata a vereadora pelo (PSOL-SP) Erika Hilton também o fez. Em entrevista ao El Pais – Brasil[1] o Pastor Ricardo Gondim, conhecido por suas posições mais liberais, aproveitou a oportunidade para afirmar que hoje se arrepende por ter no passado “promovido uma religião que condena, exclui e prefere punir ao invés de compreender”. Da ala mais conservadora, entretanto, não se vê até o presente momento nenhuma fala pública em defesa dos pastores acusados de homofobia, nem tão pouco em defesa da igreja Cristã em sua posição contra a prática da homossexualidade.

Conviver e sobreviver aos ataques direcionados aos ideais e valores cristãos não é algo novo para a igreja do Brasil ou do mundo. O ateu e escritor renomado San Harris em seu livro Carta a uma nação cristã, declarou que o Cristianismo é uma “religião violenta”. Ele afirma que, apesar de concordar que a natureza humana é cheia de ódio, no caso dos cristãos, existiria “apoio na Bíblia para tal”. Este autor afirma que o ensino da Bíblia é “confuso e contraditório”, sendo essa a explicação para os cristãos ao longo da história da humanidade terem “abusado, oprimido, escravizado, insultado, atormentado, torturado, e matado tantas pessoas, especialmente mulheres, em nome de Deus.

Todavia, para que seja possível entender as implicações reais dessa conversa para a sociedade brasileira, é preciso antes refletir: O que aconteceria se todos os cristãos começassem a ser repreendidos e processados na justiça ao falarem sobre os elementos morais pertinentes a sua fé? Quais as implicações para a igreja cristã, no Brasil, se pastores de representatividade nacional, tiverem suas falas criminalizadas? Deveriam existir limites restringindo o que pastores e lideres religiosos podem pregar sobre a sexualidade, quando tendo como público alvo os membros de suas igrejas?  Historicamente, uma das armas mais poderosas de controle e repressão social usados contra a igreja Cristã tem sido o medo, já que muitas pessoas ao se depararem com as consequências negativas que suas ações ou palavras possam ter, optam por se calarem, mesmo quando diante de suas crenças e convicções. Mas para além do medo, é possível pensar que existam mais elementos formatadores da postura de silêncio de muitos. A falta de conhecimento por parte de muitos líderes conservadores cristãos a respeito dos “panos de fundo” da chamada “ciência da sexualidade” e dos conceitos norteadores dos grupos LGBTI+. Sem conhecer o embasamento teórico e o histórico das pesquisas na área da sexualidade, muitos cristãos não conseguem ver o “quadro todo” e acabam por não perceber a urgência de se posicionarem sobre o tema. Além disso, a falta de convicções bíblicas a respeito das questões da sexualidade pode estar impedindo que muitos cristãos se posicionem de forma mais radical. Saber o que a Bíblia diz sobre o casamento, a família e a sexualidade é crucial para que uma pessoa se sinta segura para “Destruir argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus” (Coríntios 10:5).

Todavia, antes de prosseguir, é preciso fazer uma pausa para dizer que todo o diálogo que considere a temática da sexualidade em uma perspectiva bíblica precisa estar envolto de um profundo sentimento de responsabilidade. Isso, porque existe hoje uma urgência na conversa sobre o tema, uma vez que muitos cristãos têm dúvidas e buscam em suas igrejas respostas para as complexidades da vida na sociedade pós-moderna. Além disso, é preciso que junto a leitura do presente texto, se tenha em mente que dois grupos principais podem ser grandemente afetados por esta discussão: de um lado, a Igreja Cristã que busca estratégias para alcançar a sociedade para Cristo, e tem recebido continuamente em suas comunidades pessoas que lutam contra a homossexualidade e contra a atração por pessoas do mesmo sexo; e do outro lado, estão pessoas que se identificam com a nomenclatura LGBTI+, mas não com os movimentos sociais e buscam por ajuda nas igrejas cristãs.  Pessoas amadas por Cristo e por Sua Igreja e que ao contrário do que afirma a grande mídia, têm sido acolhidas por estas comunidades.

1. A “ciência da sexualidade”

A importância de se compreender a trajetória dos estudos da sexualidade reside no fato de que, apesar da igreja Cristã ter sempre sido acusada de ser repressora em relação a sexualidade, é possível perceber diferentes períodos da história em que a própria “ciência da sexualidade” tinha como propósito: produzir uma raça sem defeitos, controlar os comportamentos relacionados a sexualidade e determinar padrões para o comportamento “normal”. Sendo assim, a repressão da sexualidade, tendo como subsídio o discurso “é científico”, sempre foi o caminho mais efetivo. Importante dizer que, desde seu início, muitos pesquisadores da área da sexualidade estiveram envoltos por controvérsias. Ivan Bloch, considerado por alguns autores[2] como o pai dos estudos sobre sexualidade do século XIX para o XX, através da publicação de um de seus principais manuscritos “The Sexual Life of Our Time In its Relations to Modern Civilisation[3] citando Darwin, afirma a importância social da higiene[4] sexual, que seria nada mais do que uma tentativa de controlar, pelo discurso científico, o comportamento sexual das pessoas. O próprio Darwin, nas últimas páginas de “The Descent of man” (1871) afirma: “Os membros de ambos os sexos deviam abster-se de casar em caso de marcada inferioridade do corpo”.

Enquanto a igreja pregava a monogamia e o cuidado com a família como sendo elementos da disciplina espiritual e da vida em comunidade, as pesquisas na área do comportamento humano eram o meio eficaz usado para o controle e quantificação do comportamento na sociedade. A criação da terminologia “homossexual” foi feita inicialmente junto as ciências médicas que associavam a prática homossexual à ideia de patologia (doença), sendo que médicos criminologistas inclusive propunham inicialmente a relação entre sexualidade desviante e a prática de delitos criminosos. Um olhar mais cuidadoso para a chamada “ciência da sexualidade” revela o quanto esta tem sido usada como mecanismo de imposição de ideias e valores sobre o comportamento humano nas sociedades ao longo da história, e suas “verdades’ são geralmente recebidas sem contestação por muitos. O biólogo Alfred Kinsey apresentou suas primeiras pesquisas oficiais a fim de estabelecer padrões normativos de comportamento sexual em torno de 1984. Se antes a repressão era a palavra de ordem, agora a Escala Kinsey tinha como objetivo avaliar a orientação afetivo-sexual[5] se espalhando por todo mundo com a mensagem de que o prazer sexual precisava ser explorado, passando a ser um método de referência para os estudos da sexualidade. Sobre Kinsey o jornal New York Times escreveu[6]:

Graças a ele, agora é de conhecimento comum que quase todos os homens se masturbam, que as mulheres atingem o auge sexualmente na casa dos 30 anos e que a homossexualidade não é uma anomalia de um em um milhão. Seus estudos ajudaram a tirar o sexo – todos os tipos de sexo, não apenas o tipo que invoca cegonhas – do armário para a luz do dia.

Todavia, pouco se falava de como haviam sido desenvolvidas tais pesquisas. Kinsey utilizava dados que incluíam o abuso sexual de crianças com apenas dois meses de idade para sua pesquisa, mas mesmo assim ele foi um dos nomes mais importantes para a revolução sexual americana com a publicação de seu livro em 1948 Sexual Behavior in the Human Male. Em suas pesquisas Kinsey registrou crianças sendo abusadas por “parceiros” adultos e insistia em afirmar que o “prazer definitivo da situação” das crianças era evidenciado em seus “gritos”, “convulsões”, “choro histérico”, “brigas” e “bater no parceiro (adulto)”.[7] Mesmo assim, foi reverenciado pelo mundo como autoridade das pesquisas sobre o comportamento sexual. Se no início a ciência da sexualidade buscava reprimir o comportamento sexual para fazer existir famílias “perfeitas”, agora a ciência passa a incentivar o comportamento sexual livre.

Joe Dallas, pregador que se auto identifica como ex-homossexual afirma que antes de 1977 “houve poucos embates entre o movimento dos direitos dos homossexuais e a igreja conservadora.” Com o discurso científico fundamentando uma sexualidade a ser explorada, não era mais possível permitir a existência de uma sociedade que seguisse os preceitos bíblicos para a vivência da sexualidade. Dallas afirma que a cada ano, tem sido possível ver um avanço sistemático nas investidas dos grupos LGBTI+ contra a Igreja Cristã a respeito do tema. Destruir o modelo tradicional de família e a “heteronormatividade” se tornou uma pauta urgente, e mais uma vez a ciência da sexualidade fundamenta o discurso ideológico. Aliás hoje em dia, o que se vê na sociedade atual é uma tendência de nomear como “discurso de ódio” qualquer fala que pressuponha uma imposição da chamada “heteronormatividade”, ou que apresente posição contrária ao relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.

Apesar de os movimentos pró LGBTI+ estarem cada vez mais audaciosos, o que se percebe é que as pessoas comuns estão cada vez mais cheias de dúvidas e confusas no que se refere a compreensão da sexualidade.[8] De acordo com os grupos LGBTI+ e em artigos de universidades liberais que escrevem sobre o tema, uma pessoa não nasce homem ou mulher, mas pode nascer “o que quiser ser”, sendo possível passear (a sexualidade seria fluida e poderia ser mudada ao longo da vida) entre 72 possibilidades de sexualidade. O Facebook em sua plataforma coloca à disposição de seus usuários nos Estados Unidos 52 opções, levando a revista Época[9] a escrever: “Para quem escreveu a Bíblia, era fácil. Deus fez Adão e Eva – e pronto”. Muitos dos resultados amplamente divulgados pela mídia sobre a sexualidade são na verdade resultado de “pesquisas em andamento”, ou Teorias da Sexualidade, o que significa que o tema ainda está sendo estudado e não chegou em sua fase conclusiva, estando aberto à contestação. Mas em geral, o movimento LGBTI+ tem a tendência de divulgar amplamente as teorias e pesquisas que apresentam afirmações que correspondem às suas pautas e rejeitam as pesquisas que contrariam seus argumentos. Além disso, não divulgam as especificidades de pesquisas que submetem crianças a experimentos sexuais ou que possuem uma ética contestável. Mas integrantes do movimento LGBTI+ afirmam o uso da ciência como fundamento para suas conclusões sobre “as sexualidades”, todavia é preciso deixar claro que estes o fazem de forma completamente parcial. Muitos dos estudos realizados na área da sexualidade hoje, iniciam por solicitação das lideranças dos grupos LGBTI+[10] e são patrocinados e desenvolvidos por grandes corporações da área da saúde.[11] A Planned Parenthood (conhecida como a maior agência de “abortos legais” da América) é uma conhecida parceira das pesquisas no tema e em seu site afirma: “Por mais de um século, a Planned Parenthood tem sido o principal provedor, educador e defensor de saúde sexual e reprodutiva do país.[12]

Pesquisas mais descritivas e objetivas, com dados numéricos, tendem a ter maior credibilidade no meio científico e acadêmico, mas muitas destas têm sido amplamente descartadas por estes grupos. Nas últimas semanas, pessoas ligadas a estes grupos, criaram vídeos afirmando que a pastora Ana Paula e demais cristãos seriam ignorantes ao associarem o vírus do HIV com a prática da homossexualidade. Todavia, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos em uma pesquisa detalhada concluiu que: “Gays, bissexuais e outros homens que relataram contato sexual de homem para homem são a população mais afetada pelo HIV nos Estados Unidos. Em 2018, gays e bissexuais masculinos representavam 69% dos 37.968 novos diagnósticos de HIV nos Estados Unidos (EUA) e áreas dependentes. Aproximadamente 492.000 homens gays e bissexuais sexualmente ativos estão sob alto risco de HIV.[13]. Ainda de acordo com site HIV.gov, “Gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) são a população mais afetada pelo HIV nos EUA em 2018. Os HSH foram responsáveis ​​por 69% dos 37.968 novos diagnósticos de HIV nos Estados Unidos.”[14] Pesquisadores sociais progressistas resolveram questionar os números, afirmando que os dados apresentados por estes órgãos não levavam em consideração o método qualitativo e que por isso, não poderiam aceitar como verdadeira o resultado da pesquisa destes órgãos.[15] Interessante que é muito comum que alguns evangélicos progressistas e integrantes do chamado movimento “Gay Cristão” afirmem que cristãos conservadores tenham por hábito escolher versículos isolados para falarem sobre a homossexualidade como sendo pecado e afirmam que os “crentes” não aceitam as verdades da ciência sobre as questões da sexualidade. Todavia, o que se vê é exatamente o contrário. Os integrantes destes grupos escolhem qual ciência pode ser chamada de ciência, e quais os textos bíblicos seriam aceitáveis, decidindo conforme a conveniência, a fim de fundamentar suas ideias de vida e suas ambições políticas e ideológicas.   

2. A Bíblia e as questões da sexualidade

 É importante lembrar que a perspectiva utilizada para analisar um texto bíblico, sempre revela a cosmovisão de quem lê os textos, traduzindo também uma determinada posição político/cultural. Por isso hoje, muitas questões ainda surgem ao se pensar o tema da homossexualidade em sua relação com Cristo e a igreja. Muitos dos ataques aos cristãos sobre a temática da sexualidade nascem com a afirmação de que a Bíblia seria um livro cheio de violência contra a mulher e de repressão à liberdade sexual. A pregação sobre a vivência da sexualidade, tal como apresentada pela Bíblia, sempre fez parte do ensino e da catequese Cristã. Católicos e protestantes conservadores que pregam em seus púlpitos sobre a aliança do casamento, afirmam que esta aliança só é possível quando resultado da união entre um homem e uma mulher, comprometidos em um relacionamento de exclusividade sexual, emocional e espiritual. Seguindo esse entendimento o pastor conservador americano John MacArthur foi ainda mais além e declarou: “Ninguém é gay. As pessoas cometem adultério, cometem o pecado da homossexualidade, mentem, trapaceiam”, e ainda continuou: “um dos aspectos disso é permitir que as pessoas se definam como gays.” Sua afirmação foi baseada em sua fé e em pesquisas da ala mais conservadora da ciência que afirma que biologicamente existe apenas duas possibilidades para a sexualidade: ser macho ou ser fêmea. Além disso é importante lembrar que mulçumanos, judeus e demais religiões também possuem suas crenças a respeito da sexualidade e pregam abertamente sobre suas convicções sem nenhuma resistência desses movimentos, mas os cristãos têm sido atacados continuamente pela mídia brasileira ao se posicionarem sobre o tema.

É possível perceber que existe um certo avanço de um tipo de cristianismo pro-gay, com um evangelho liberal pouco defensor das doutrinas elementares da fé cristã. Nessa linha, o discurso sobre a compaixão sobrepõe as convicções. Pregam o amor, retirando os elementos fundantes e norteados da vida cristã, justificando que Jesus era amoroso e aceitava as pessoas como eram. Com isso, muitos cristãos, especialmente os mais jovens, ficam confusos e frustrados por não terem respostas para o sofrimento do dia a dia nas pautas relacionadas à sexualidade. Afinal, a homossexualidade é mesmo pecado? Por que deveria ser a Bíblia autoridade sobre o assunto? Um dos princípios norteadores da Reforma Protestante é o Sola Scriptura, que seria crer que toda a verdade necessária para a salvação e para a condução da vida estaria ensinada, explicitamente ou implicitamente, nas Escrituras. De fato, existem diversos textos bíblicos que tratam sobre a temática do pecado, e que incluem a prática da relação sexual entre pessoas do mesmo sexo como sendo reprovada por Deus. Falar sobre o pecado é princípio elementar do discipulado e da catequese cristã, da mesma forma que o são a pregação sobre o casamento no modelo bíblico e a fala sobre a pureza para vida sexual. Aliás, esses argumentos não são de uso exclusivo de protestantes. No catecismo da Igreja Católica, que é a exposição autorizada dessa igreja, está escrito:

2357 A homossexualidade designa as relações entre homens e mulheres que sentem atração sexual, exclusiva ou predominante, por pessoas do mesmo sexo. A homossexualidade se reveste de formas muito variáveis ao longo dos séculos e das culturas. Sua gênese psíquica continua amplamente inexplicada. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a tradição sempre declarou que “os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados”. São contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum podem ser aprovados.

Na Bíblia, a carta de Paulo aos Romanos é um dos mais importantes textos sobre o assunto da homossexualidade. Especificamente, em Romanos 1:18-32, o autor escreve aos cristãos de Roma e trata do tema do comportamento sexual ao explicar sobre uma situação geral de depravação e pecado. Ele afirma que as pessoas eram “perversas”, e aborda vários pecados, incluindo o comportamento homossexual em sua lista enquanto cita uma lista de outros pecados que são, da mesma forma, resultado da concupiscência do coração humano, e consequência da rebelião a Deus. Outros textos importantes para a compreensão da orientação de Paulo sobre a homossexualidade estão em sua primeira carta aos coríntios no capítulo 6 e nos versos 8 a 10 do mesmo capítulo. Paulo, falando sobre as injustiças que estavam acontecendo entre os cristãos, está ensinando o que é contrário ao comportamento dos cristãos, e cita uma lista de atos que não poderiam fazer parte da vida dos crentes e afirma: “Ou você não sabe que os malfeitores não herdarão o reino de Deus? Não se deixem enganar: nem os imorais, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os homens que fazem sexo com homens”.

Mas se as palavras do apóstolo Paulo não são suficientes para ajudar os cristãos a entenderem a temática da sexualidade, o que dizer sobre ensinos de Jesus sobre o tema? Afinal, seria Jesus mais tolerante com as questões da sexualidade do que os cristãos conservadores se propõem a ser na atualidade? Teria Jesus dado orientações diferentes das dadas por Paulo sobre o comportamento sexual? Jesus nunca foi tímido para expressar suas posições a respeito das questões da vida incluindo a temática da sexualidade, mas muitos cristãos progressistas afirmam que não existiria uma orientação específica dada por Jesus sobre tais questões. Robert Gagnon, ao escrever sobre A Bíblia e a prática da homossexualidade, apresenta argumento oposto a tal declaração. Ele aponta que se Jesus tivesse a intenção de se posicionar a favor do relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo, ele precisaria, antes, fazer uma contextualização ampla sobre a temática, pois falar de “casamento” homossexual não faria sentido ao contexto judaico da época e causaria um “salto” na lógica do casamento para os discípulos. Nada das palavras de Jesus sugere que Ele estava revogando a Torá[16], pelo contrário. É possível ver que ele priorizava e expandia as demandas das leis judaicas. O autor aponta que a lógica usada por Jesus sobre o tema do divórcio, deixa claro que a perspectiva que Jesus adotava em relação a ética sexual possuía na verdade um padrão ainda mais restrito e mais elevado quando comparado a seus contemporâneos judeus. No texto de Mateus 5:31-32, por exemplo, Jesus afirma:

Também foi dito: Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar com a repudiada comete adultério.

Gagnon (2001) aponta que existem evidências nas cartas de Paulo e nos Evangelhos de que algumas comunidades da igreja primitiva chegavam a achar os ensinos de Jesus muito severos quando comparados aos costumes da época e afirma que olhar para os ensinos de Jesus a partir de uma perspectiva histórica e contextualizada é importante para que se possa desconstruir a ideia de um Jesus humanista e holístico tal como posto por alguns evangélicos liberais. De fato, a fala de Jesus sobre o divórcio[17] aponta para como ele dava grande significado à aliança entre um homem e uma mulher, ao mesmo tempo que demonstrava a seriedade do pecado nessa área. Em Mateus 5:27-28 Jesus vai além do que estabelecia a lei de Moisés e os costumes da Palestina do primeiro Século, em que mencionando a Lei “Não adulterarás” afirma: “Mas eu vos digo que aquele que olhar para uma mulher com intensão impura, já cometeu adultério.” Aqueles que consideram Jesus apenas o profeta do amor e da tolerância, que perdoa todas as ações sem exigir mudança de comportamento, estão na verdade, distorcendo o contexto histórico dos relatos bíblicos e negando que Jesus é também histórico. Mas há que se lembrar que a atitude de Jesus com o pecado da sexualidade era condizente com suas ações em relação aos demais pecados, e suas ações de amor tinham como objetivo final gerar arrependimento no pecador, bem como anunciar a mensagem do Reino de Deus. Jesus deu novo significado para os elementos ritualísticos e simbólicos de culto, como por exemplo, a Lei do Sábado, os sacrifícios no templo e os rituais de pureza para a oração e de fato estabeleceu o amor a Deus e ao próximo como o ápice da Lei Cristã. Mas é preciso atentar para o fato de que suas orientações sobre as questões da vida elevaram o padrão de santidade, e por afirmar que Jesus possui a filosofia “Deus é amor e basta”, é omitir a mensagem completa da redenção e da reconciliação.

Considerações finais

Diante da convicção de que o fazer ciência não é algo parcial ou desprovido de motor ideológico, faz-se necessário que, mais do que nunca, Cristãos sejam capazes de se posicionar nas diferentes áreas do conhecimento para contrapor os argumentos que tem se levantado contra a Liberdade Religiosa no Brasil. É fato que uma das estratégias dos grupos que se auto intitulam “em defesa das minorias” ocuparem as universidades e centro de pesquisas ao redor do mundo. Por isso é preciso que a igreja esteja disponível para ser agente do Reino de Deus também onde a ciência é produzida. Além disso, tal reflexão traz também a confirmação da importância do resgate de uma hermenêutica que seja acessível e que dê significado a vida cotidiana da igreja, sem perder de vista a mensagem completa do evangelho: a criação de Deus, queda da humanidade, a cruz de Jesus, a redenção e da reconciliação entre Deus e os homens. É preciso uma igreja que se levante para defender o que crê, e quando necessário, se levante para defender publicamente os seus.

Ao contrário do que se vê posto hoje na mídia, é preciso dizer que não é prática comum por parte dos cristãos firmar que o HIV atinge apenas pessoas do grupo LGBTI+, ou que mulheres e homens casados estariam imunes à doença caso optem por relações extraconjugais[18]. O que de fato há nas igrejas cristãs, tal como foi possível observar na fala dos pastores acusados pelo movimento LGBTI+, é o ensino de que um homem e uma mulher, que preservam a aliança do casamento e que possuem apenas um parceiro durante a sua vida, estariam mais protegidos do HIV transmitido por via sexual. Para os cristãos, os textos bíblicos revelam que a aliança do casamento é um sacramento que só pode ser realizado na união de um homem com uma mulher. Portanto, a palavra pregada a respeito do tema não poderia ser tomada como ataque a nenhum grupo específico, mas sim, deveria ser entendida como a pregação dos valores e conceitos da fé cristã, tendo como público-alvo a igreja e todas as demais pessoas que queiram ouvir a mensagem pregada, cabendo ao ouvinte aceitá-la ou não.

Além disso, ao longo da história, a igreja cristã tem sido agente de compaixão e de caridade no mundo, mas nas últimas semanas a mídia tem tentado semear a ideia de que a igreja Cristã é homofóbica e que pastores estariam promovendo o discurso de ódio. A verdade, no entanto, é bem contrária a essas afirmações. Em quase todas as cidades do Brasil é possível encontrar uma igreja protestante ou católica, um líder comunitário cristão, ou uma agência missionária que tem como prioridade ajudar pessoas a terem uma vida mais digna. Além disso, são muitos os trabalhos no Brasil focados no público LGBTI+. São cristãos conservadores no que se refere a autoridade da Palavra de Deus e que amam e cuidam de pessoas homossexuais, trans e travestis que pedem por ajuda. Muitas dessas pessoas são moradores de rua que foram abandonados por suas famílias e que nunca foram acolhidos pelos movimentos sociais em questão. A mídia não mostra tantas organizações cristãs que tem acolhido, cuidado e amado pessoas independente de sua sexualidade. Por isso, usar o argumento de que a igreja cristã é homofóbica é uma generalização e uma falácia inescrupulosa, que tem como único propósito a tentativa de silenciar o discurso religioso da igreja cristã no Brasil. Afirmar que os cristãos desprezam as pessoas homossexuais é não conhecer a realidade da igreja, nem a vida de muitos cristãos.

Muitos cristãos já não aceitam mais pesquisas enviesadas, com argumentos fracos e dicotômicos sobre a sexualidade, e exatamente por isso, é possível encontrar muitos desses dedicando-se à pesquisa em diferentes áreas do conhecimento nas universidades e institutos de pesquisa pelo mundo. Pessoas que estão genuinamente interessadas em encontrar caminhos para as crises vivenciadas pelas pessoas que sofrem nessa área, e que não possuem qualquer interesse político ou viés ideológico para tal. Cristãos acreditam que existem verdades absolutas reveladas na Bíblia, e devem continuar a pregar sobre a temática do pecado e da redenção a todas as pessoas que desejarem ouvir. A compaixão e a convicção precisam andar de mãos dadas e por isso é preciso amar as pessoas e ao mesmo tempo, continuar a defender as verdades reveladas pelas escrituras.

Referências bibliográficas 

ALBERRY, Sam. Is God Anti-Gay? And other questions about Homossexuality, the Biblie and same sex attraction. 2013. The good Book Company.

GAGNON, Robert A.J. The Bible and Homossexual Proactice. Texts and Hermeneutics. 2001.

HARRIS, Sam. Letter to a Christian Nation.  2008

MACARTHUR, John. Evangelism: How to show the gospel Faithfully. 2011

BRAGA, Eliane Rose Maio. Sexualidade Infantil: uma investigação acerca da concepção das educadoras de uma creche universitária sobre educação sexual. 2002. 195f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – UNESP, Assis.

__________________________________________
[1]https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-20/evangelicos-progressistas-reagem-contra-homofobia-de-pastores-e-ensaiam-avanco-na-politica.html

[2] Braga (2008)

[3] A vida sexual de nosso tempo e sua relação com a civilização moderna.

[4] Higiene sexual tal como definida pelo movimento Higienista de purificação das raças.

[5] Masters, Johnson e Kolodny, 1982

[6] https://www.nytimes.com/2004/10/03/movies/alfred-kinsey-liberator-or-pervert.html

[7] Sexual Behavior in the Human Male – volume sobre o masculino p. 161.

[8] https://www.youtube.com/watch?v=iqqaZQI1kI4

[9] https://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/03/52-opcoes-de-bidentidade-sexual-no-facebookb.html

[10] https://scopeblog.stanford.edu/2019/06/04/landmark-lgbtq-study-comes-to-stanford/

[11] https://lgbtfunders.org/funding-forward-2020/sponsors/

[12]https://www.plannedparenthood.org/uploads/filer_public/59/9d/599dbbaf-10be-4f49-a6f3-97999027e3d9/who_we_are_lgbtq_community_september_2017.pdf

[13] https://www.cdc.gov/hiv/group/msm/index.html

[14] https://www.hiv.gov/hiv-basics/overview/data-and-trends/statistics

[15] https://catracalivre.com.br/entretenimento/jornalista-da-cnn-e-detonado-ao-distorcer-pesquisa-sobre-gays-e-hiv/

[16] Mateus 5:17-18; Lucas 16:16,17.

[17] Lucas 16:18; Marcos 10:11-12; Mateus 19:9

[18] Apesar da pastora Ana Paula Valadão estar sendo acusada de afirmar que o HIV é doença “causada por homossexuais” ou que “pessoas casadas estariam imunes a doença”, ao ver o vídeo na integra é possível ver que sua afirmação esta contextualizada e de acordo com as pesquisas do CDC Americano.

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