Atualmente, diversas teorias da tradução têm sido expostas por teóricos e por tradutores. Uns, como Van Bruggen (1978), acreditam ser necessário traduzir literalmente conservando a estrutura do texto-fonte e fazendo somente algumas adaptações advindas das diferenças entre a língua-fonte e a língua-alvo. Outros, como Nida e Taber (1982), acreditam que seja possível encontrar um equivalente na língua-alvo de forma que o receptor tenha a reprodução do texto com a mesma relevância que teve na época bíblica. Ainda outros, como Derrida (1998) e Arrojo (1992), veem a tradução como ‘desconstrução’, ou seja, como uma prática linguística que ‘descanoniza’ o original, fazendo com que um texto sobreviva.
Essa concepção teórica que entende o original fora do centro dificilmente é aceita por um receptor de tradução de texto sagrado. Uma das prioridades desse leitor é a reprodução do original. Suas expectativas voltam-se à revelação do que Deus disse em sua palavra. Logo, não há espaço para uma recriação, pois esta se tornaria uma reprodução humana e não a retransmissão da voz divina.
Beekman e Callow (1992) apresentam quatro tipos de tradução analisando seus estilos e a aceitabilidade de cada uma. São elas: a) literal demais; b) literal modificada; c) idiomática; d) livre demais. O quadro abaixo resume a questão da aceitação de cada uma delas.
Van Bruggen (1978, p. 97), como teólogo, teoriza a questão da tradução tendo especificamente como foco a Bíblia. Para ele, esta é a Palavra de Deus e, como tal, não precisa ser adaptada nem alterada.
Nota-se, pelo quadro, que os dois extremos são considerados inaceitáveis, e os tipos intermediários apresentam-se como aceitáveis. Os autores comentam primeiramente os dois extremos: a ‘literal demais’ e a ‘livre demais’. Em relação ao primeiro tipo, indicam que a tradução visa a reproduzir as características da língua original tal como se encontra no texto-fonte. Isso dificulta a compreensão, pois as estruturas das línguas divergem e, sem uma adaptação, a tradução não alcançará seu propósito comunicativo. Além disso, a reprodução da estrutura original poderá provocar entendimentos equivocados sobre a mensagem. Sem identificar a mensagem, o leitor não conseguirá acessar esse tipo de tradução. Já, na tradução ‘livre demais’, não há preocupação com as formas linguísticas da mensagem original. Sua intenção é tornar o texto tão claro e relevante quanto possível. Isso proporciona distorções de conteúdo que comprometem a tradução.
Os dois tipos intermediários, a ‘literal modificada’ e a ‘idiomática’, buscam encontrar um equilíbrio entre os dois extremos citados. O primeiro tipo de tradução, a ‘literal modificada’, é uma adaptação da tradução ‘literal demais’. Esse tipo de tradução tem por finalidade fazer alguns ajustes gramaticais e lexicais para corrigir erros na língua-alvo. Contudo, a tradução torna-se aceitável para um grupo de pessoas que tenha acesso a obras de referência sobre contexto bíblico e que aprecie o estudo do texto. O outro tipo de tradução, a ‘idiomática’, é aquela em que o tradutor busca reproduzir para os leitores da língua-alvo o significado do original, usando as formas lexicais e a gramática natural dessa língua. Nesse tipo, entende-se que as línguas possuem formas diferentes devendo a tradução adaptar-se às especificidades de cada língua. A aceitação desse tipo de tradução advém justamente da clareza do texto expressa na língua-alvo.
Pode-se, então, perceber, observando esses dois tipos aceitáveis de tradução, que o receptor cria pelo menos duas expectativas essenciais em relação à tradução. A primeira que mais se espera é a retransmissão do ‘Original’. O leitor de um texto sagrado quer ler o original apesar de saber que ele é mediado por uma tradução. A segunda expectativa, por sua vez, é a de que a tradução seja clara, compreensível e que alcance seu objetivo comunicativo. As duas expectativas colocam o tradutor em uma difícil tarefa: buscar o equilíbrio mesmo sabendo das limitações linguísticas, históricas e sociais a que um texto se sujeita.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARROJO, R. A tradução passada a limpo e a visibilidade do tradutor. Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992.
BEEKMAN, J.; CALLOW, J. A arte de interpretar e comunicar a Palavra escrita: técnicas de tradução da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1992.
DERRIDA, J. Carta a um amigo japonês. In: OTTONI, P. (Org.). Tradução: a prática da diferença. Campinas, UNICAMP, 1998.
NIDA, E. A.; TABER, C. R. The theory and practice of translation. Leiden: Brill, 1982.
VAN BRUGGEN, J. The future of the bible. Nashville: Thomas Nelson, 1978.
Tanto este quanto o outro artigo de Mariú Lopes são importantíssimos por tratarem de uma questão fundamental para as comunidades cristãs: a escolha de uma tradução da Bíblia. A reflexão a esse respeito muitas vezes ‚ deixada de lado e trocada por escolhas apaixonadas, seja em um pretenso respeito ao Original, seja em uma supostamente progressista aprovação da novidade Funcional. Esses breves textos servem, no mínimo, de ponto de partida para uma conversa mais apurada e produtiva sobre o tema. Espero que a autora contribua com mais trabalhos assim.