Sobre trindades politicamente corretas – Parte 1

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Deus é o centro de tudo. Ou seja, se Deus realmente está “nos bastidores do universo”, se nada está por trás ou além de Deus, então tudo existe em função de sua vontade, e tudo foi projetado para refletir algo a respeito de sua pessoa. Por “centro” não se pode confundir o Criador com a Criação. Tudo que Deus fez é pura arte, e existe por sua graça. Além disso, podemos supor, com propriedade, que se a humanidade foi criada à imagem desse Deus, então conhecer quem ele é ajuda a definir por que você e eu existimos.

 No pensamento teísta ocidental, costumamos começar a falar sobre Deus com a descrição do quê ele é. Em quase todas as teologias sistemáticas – em parte, devido a Santo Agostinho, e mais ainda a Peter Lombard, Tomás de Aquino e os escolásticos posteriores –, iniciamos nosso estudo de Deus com longas listas de atributos divinos. Tanto Lutero quanto Calvino formaram sua teologia a partir de textos desses mestres que os precederam, e nós, como evangélicos, demos continuidade a este legado. Nossas teologias geralmente começam com argumentos em favor da existência de Deus e explicações sobre a natureza ou a essência divina.

No entanto, mais do que aquilo que Deus é (seus atributos), as Escrituras enfatizam quem Deus é (sua personalidade). Ele vem a nós. Depois de haver formado Adão e Eva, o Criador conversa intimamente com eles no jardim a cada manhã. Ele lida pessoalmente com a desobediência do casal. Ele alerta Caim para controlar seu ciúme e seu ódio contra Abel. O relacionamento divino com a humanidade continua através da Bíblia, e por toda a história do mundo. Além disso, como a revelação bíblica demonstra, o Deus pessoal revela-se como tri-pessoal: o Pai glorioso, o Filho encarnado e o Santo Espírito. Em cerca de 75 oportunidades nas Escrituras, encontramos o Pai, o Filho e o Espírito Santo juntos, em ordens variadas, mas exercendo papéis importantes. O Deus único da Bíblia é revelado progressivamente como três pessoas em relacionamento genuíno uma com as outras. E todo cristão verdadeiro se relaciona com Deus como trino e uno – ao orar, louvar e expor o Evangelho. Embora isso não aconteça exclusivamente desta forma, em primeira instância aprendemos o quê Deus é ao compreender quem ele se permitiu revelar. Ao conhecer as pessoas, podemos dizer alguma coisa a respeito do quê elas são. Podemos atribuir a elas aquilo que descobrimos por conta própria. A Igreja primitiva conheceu o Pai, Jesus Cristo e o derramamento pentecostal do Espírito Santo, mas levou séculos de reflexão até que pudesse chegar à definição do quê Deus é enquanto Santíssima Trindade.

A Bíblia, porém, tanto revela este Deus triuno quanto o oculta . Quando Manoá pergunta ao Anjo do Senhor: “Qual é o seu nome? Nós precisamos saber para poder prestar-lhe uma homenagem quando acontecer aquilo que você disse”, a resposta que recebe é: “Por que você quer saber o meu nome? (…) O meu nome é um mistério” (ou “maravilhoso”, Jz 13.17-18 NTLH). O livro de Provérbios declara: “A glória de Deus é encobrir as coisas, mas a glória dos reis é esquadrinhá-las” (Pv 25.2, ARA). Isaías afirma: “Verdadeiramente, tu és o Deus que te ocultas” (Is 45.15, ARC). Os pais da Igreja entendiam que as palavras podem, vez por outra, somente descrever o que Deus não é : não é visívelá, não muda, não tem limites, não pode ser compreendido totalmente. Esta “teologia negativa” ( via negativa ), conhecida como “teologia apofática”, voltou a chamar a atenção hoje em dia. O mistério de Deus deve sempre ser relacionado com a integridade de sua revelação pessoal. Como alguém já disse, “o mistério não é a ausência de sentido, mas a presença de mais sentido do que podemos compreender”. Em outras palavras, nunca podemos conceber o Senhor Deus de forma definitiva. Ele não pode ser contido em nossos padrões políticos de correção.

Por essa razão, ao falar de Deus como Trindade devemos ser humildes e muito cuidadosos para que não o façamos à nossa imagem. O chamado “pai do ateísmo moderno”, Ludwig Feuerbach, acusava os cristãos de simplesmente projetar os ideais humanos ao infinito e chamar a isso “Deus” (de fato, ele se ressentia do fato de os protestantes não terem, em suas palavras, uma divindade feminina como Maria). Ao longo do século passado, Deus foi recriado sob as mais diversas formas: o Pai de todos benevolente de Harnack; o Deus crístico da evolução de Teillard de Chardin; o Solo de todo ser de Tillich; o Deus bipolar da Teologia Processual. Teólogos da Libertação se protegeram da imagem idólatra do Deus do cristianismo tradicional. As feministas consideravam “machismo” a imagem de Deus como homem. Muitos continuam introduzindo concepções não trinitarianas ou subtrinitarianas de Deus dentro do cristianismo como um todo.

Revolução

Todavia, uma revolução teológica surpreendente ocorreu há 25 anos, quando Jürgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg, assim como inúmeros teólogos católicos romanos, chamaram novamente a atenção à doutrina clássica da Trindade. Na América Latina, Leonardo Boff propôs uma doutrina trinitariana imaculada de igualdade e mutualidade como modelo de comunhão humana. Representando a Igreja Ortodoxa do Oriente, Persons in Communion (Gente em comunhão ), de Giancarlo Zizola, fez a mesma coisa. Moltmann, Boff e Zizola ajudaram a formar o coro daqueles que assumiram uma posição amplamente definida como trinitarianismo social, um novo paradigma para a compreensão dos relacionamentos pessoais da vida. Se Deus é o centro de tudo, então o Reino de Deus – o reinado de Deus sobre nossas vidas na Terra – deve refletir quem este Deus é enquanto três pessoas em comunhão jubilosa e generosa.

Com um novo pensamento trinitariano, porém, não são poucos os que estão criando novas configurações para a Trindade. Cada vez mais surgem conjecturas a respeito do Pai, do Filho e do Espírito Santo serem iguais não apenas em sua natureza eterna – a confissão do Credo de Nicéia-Constantinopla (325-381) e de toda a história cristã –, mas também seus papéis e suas funções eternas são, em última análise, os mesmos. Num outro universo, afirma-se, o Pai tem que ser o Espírito Santo, e o Espírito tem que ser o Pai. Ou seja, a tri-unidade de Deus é, no fim das contas, uma espécie de democracia ou uma organização igualitária. Embora se admita que a Divindade é revelada de forma particular a nós na história deste mundo (a economia divina), é ponto pacífico a idéia de que a Trindade imanente (Deus à parte de toda a Criação) deve ser totalmente igualitária em todos os aspectos, sem qualquer possibilidade de que alguma das três pessoas tenha autoridade ou prioridade em relação às demais. Além disso, se a Trindade imanente é, em última análise, igualitária, então este é o modelo para todos os relacionamentos humanos também – no casamento, na família e na igreja local. Duas questões em particular ganham foco: a liderança do marido no lar e as diretrizes neotestamentárias relacionadas com a liderança pastoral masculina na igreja. Cada diretriz do Novo Testamento, defende-se, deve ser colocada de lado enquanto resquício de um passado patriarcal (veja The Trinity and Subordinationism: The Doctrine of God and the Contemporary Gender Debate [ Trindade e subordinação: a doutrina de Deus e o debate contemporâneo sobre gênero ], de Kevin Giles – InterVarsity, 2002). Seja em São Paulo, no Cairo, em Pequim ou em Washington D.C., a resposta à questão “quem é Deus” tem implicações sociais muito amplas.

2 COMENTÁRIOS

  1. J.Scott não estou comentando o seu texto por Eu queria compartilhar contigo o minist‚rio que o Senhor nos entregou por isto me mande o seu email.
    um abraço do irmão que talvez tu não lembre mais mas ‚ramos da aliança Bíblica de Sapiranga por 32 anos.

  2. Acredito que esse artigo foi abençoado é e na verdade deveria continuar em outras oportunidades é espero que os editores deveriam pedir a esse colunista que viesse dar continuidade a ela.
    Espero que os leitores tenham gostado também.

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