Resenha crítica ao livro Fundamento do calvinismo-agostiniano

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Introdução

O livro Fundamento do calvinismo-agostiniano foi escrito pelo Dr. Ken Wilson e é um resumo de sua tese de doutorado na Universidade de Oxford. A tese defende que Agostinho, o Bispo de Hipona, foi o grande corruptor do cristianismo ao introduzir o maniqueísmo, estoicismo, gnose e neoplatonismo na fé cristã, especificamente a partir do ano 412 d.C.

O livro de Ken Wilson apresenta as seguintes ideias:

  1. Todos os pais da Igreja antes de Agostinho rejeitaram o determinismo e defenderam um livre-arbítrio libertário. O estoicismo introduzido por Agostinho gerou o determinismo e, portanto, deve ser rejeitado. Segundo Wilson, Agostinho introduziu o maniqueísmo, estoicismo, gnose e neoplatonismo no cristianismo.
  2. Todos os pais da Igreja defenderam que o homem nasce bom, com a imagem divina intacta como a de Adão, e com livre-arbítrio para fazer o bem ou o mal, mesmo os bens sobrenaturais, sem a assistência da graça. A ideia de uma vontade caída seria gnóstica e maniqueísta, supostamente introduzida por Agostinho no cristianismo.
  3. A predestinação sem ser baseada na presciência dos atos livres não existia antes de Agostinho, mas foi introduzida no cristianismo por ele.

Nenhuma dessas teses é verdadeira, como mostraremos a seguir.

Análise crítica[1]

1 – Falso dilema de Ken Wilson

O primeiro erro de Ken Wilson é colocar o determinismo em oposição direta ao livre-arbítrio. Para o autor, se um pai da Igreja mencionou o livre-arbítrio, isso implica automaticamente que ele negou o determinismo. Essa afirmação é falsa. Se fosse verdadeira, então a lógica inversa também se aplicaria: se algum pai da Igreja defendeu o determinismo, ele necessariamente teria negado o livre-arbítrio. No entanto, uma análise dos escritos patrísticos revela que nenhum deles foi tão extremo a ponto de negar a providência divina sobre todos os eventos, incluindo os atos pecaminosos dos homens. Pelo contrário, os pais da Igreja afirmaram ambas as realidades: o determinismo e o livre-arbítrio.

1.1 – O posicionamento Agostiniano-Reformado sobre a determinação dos atos livres

No pensamento popular, mesmo entre os reformados, esse conflito parece ser real. Não é raro que alguns recorram ao mistério como solução[2]. Contudo, não foi assim para Agostinho, nem para os Reformados. Tanto Agostinho quanto os Reformados acreditavam que o determinismo divino não anula a liberdade humana, mas que ambos são conciliáveis. Veja o que afirma a Confissão de Fé de Westminster:

“I. Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes são estabelecidas.” (seção 3.1).

A Confissão de Fé Batista de 1689:

“1. Desde toda a eternidade, Deus mesmo decretou todas as coisas que aconteceriam no tempo; e isto Ele fez segundo o conselho da sua própria vontade, muita sábia e muito santa. 1 Fê-lo, porém, de um modo em que Deus em nenhum sentido é o autor do pecado, 2 nem se torna co-responsável pelo pecado, nem faz violência à vontade de suas criaturas, nem impede a livre ação das causas secundárias ou contingentes. Pelo contrário, estas causas secundárias são confirmadas;” (seção 3.1).

O mesmo Calvino que defendeu uma forte visão da providência divina:

“Por isso, pois, ele é tido por onipotente, não porque de fato possa agir, contudo às vezes cesse e permaneça inativo; ou, por um impulso geral de continuidade ao curso da natureza que prefixou, mas porque, governando céu e terra por sua providência, a tudo regula de tal modo que nada ocorra senão por sua determinação.” (Institutas,1.16.3)

Também afirma a liberdade humana:

“Portanto, Adão podia manter-se, se o quisesse, visto que não caiu senão de sua própria vontade. Entretanto, já que sua perseverança era flexível, por isso veio tão facilmente a cair. Contudo, a escolha do bem e do mal lhe era livre. Não só isso, mas ainda suma retidão havia em sua mente e em sua vontade, e todas as partes orgânicas estavam adequadamente ajustadas à sua obediência, até que, perdendo-se a si próprio, corrompeu todo o bem que nele havia.” (Institutas 1.15.8).

O próprio Calvino afirmará que é heresia negar o livre arbítrio:

“Se se fala de liberdade em oposição à coerção (coactio), confesso e afirmo constantemente que a vontade é livre (liberum esse arbitrium) e considero herege quem pensa o contrário. Se, repito, alguém o chamar de livre no sentido de que a vontade não é coagida (coagatur) ou puxada violentamente por algum movimento externo, mas tem seus atos por sua própria iniciativa (sponte agatur sua), não tenho objeção.”[3]

William Twisse, o presidente da Assembleia de Westminster, diz:

É totalmente falso que qualquer um de nossos Divinos, de meu conhecimento, diga que pelo pecado de Adão, toda a sua posteridade perdeu seu livre arbítrio; No tempo de minha mentoria na Universidade, em disputas de divindade, ouvíamos a respeito do livre arbítrio, uma distinção como esta de curso comum. As ações dos homens são naturais, morais ou espirituais; a resolução da verdade, no que diz respeito ao livre arbítrio, de acordo com a distinção mencionada, foi esta: não perdemos nosso livre arbítrio, em ações naturais, nem em ações morais, mas tão somente em ações espirituais.”[4]

É importante destacar que esse livre arbítrio não é o pelagiano, que foi rejeitado pelos reformadores. No entanto, não há nenhuma regra que nos impeça de adotar um conceito mais adequado de livre arbítrio, nem devemos ser desencorajados a usar o termo. Como afirma François Turretini:

“Não obstante, embora esse nome pareça ufanoso demais, se considerado precisamente em si mesmo (como se o homem existisse por seu próprio poder, o qual pertence própria e tão-somente a Deus, o qual, além do mais, é verdadeira e perfeitamente independente [autexousios] e irresponsável [anvpeuthvnos], e por seu direito ele não depende nem pode depender absolutamente de ninguém). Entretanto, o homem é sempre responsável (hypeuthynos) e sob autoridade (hypexousios). Por essa razão, alguns têm desejado remover o termo do uso da igreja a fim de coibir o abuso dos pelagianos, que disseminaram a peçonha que há sob ele. Contudo, uma vez que ele agora já foi recebido na igreja por um longo uso, não cremos que seja enviado de volta aos filósofos, nos quais tudo indica teve sua origem, mas que deve ser mantido com proveito, se seu sentido correto for ensinado e seu abuso evitado. Por isso, não é possível, sem calúnia, que sejamos acusados de não tolerar nem o nome nem a coisa (livre arbítrio). Pois estamos para demonstrar (mais adiante em referência à coisa) que estabelecemos o livre arbítrio muito mais realmente do que nossos oponentes; assim os escritos de nossos homens ensinam sobejamente que de modo algum repudiamos esse termo quando propriamente entendido”[5]

A determinação divina em relação aos atos pecaminosos envolvia um conceito de permissão.

Calvino, ao citar Agostinho, afirma:

“Donde exclama: “Grandes são as obras de Deus, excelentes em todas as suas vontades [Sl 111.2]; e assim, de maneira mirífica e inefável, não se faça, exceto por sua vontade, o que se faz mesmo contra sua vontade, porque não se faria se ele não o permitisse; nem o permite, como se de qualquer forma não o quisesse; ao contrário, porque o quer; mesmo sendo bom não permitiria que mal se fizesse, exceto que, onipotente, até em relação ao mal pudesse fazer bem.”[6]

Novamente:

“Nada, portanto, é feito a não ser aquilo que o Onipotente desejou que fosse feito, seja permitindo que fosse feito ou fazendo ele mesmo. Nem se deve duvidar de que Deus age de maneira justa ao permitir que sejam feitas todas as coisas que são feitas de maneira maligna. Pois Ele não permite isso, senão como meio de um julgamento justo. Embora, portanto, as coisas que são más, na medida em que são más, não são boas, ainda assim é bom que não só haja coisas boas, mas também coisas más. Pois, se não houvesse um bem, com a existência das coisas más, a existência das coisas más não seriam permitidas pelo Grande e Bom Onipotente. Pois Ele, sem dúvida, pode tão facilmente recusar-se a permitir que seja feito o que Ele não deseja que seja feito, como pode fazer o que Ele deseja que seja feito. A menos que acreditemos totalmente nisso, o início de nossa fé está comprometido, pela qual professamos acreditar em Deus Todo Poderoso!”[7]

As citações são abundantes, mas, pela natureza deste trabalho, não podemos ser exaustivos.

Resumindo, a crença agostiniana-reformada defende:

  1. Que todos os atos são determinados, mas essa determinação não anula a liberdade nem a responsabilidade humana;
  2. Que os decretos divinos não são uniformes, podendo ser de ação ou de permissão.

1.2 – Estoicismo e determinismo[8]

Ken Wilson, na página 20 de seu livro, afirma que o “arranha-céu lógico calvinista-agostiniano foi construído sobre uma base instável de areia sincretista pagã”. Segundo o autor, três filosofias pagãs influenciaram especificamente Agostinho: estoicismo, neoplatonismo e maniqueísmo (p. 20-29). Começaremos tratando do estoicismo.

De acordo com Wilson, Agostinho adotou um determinismo estoico, que ele denomina “determinismo unilateral”, introduzindo uma inovação e promovendo um sincretismo que, segundo o autor, não existia nos pais da Igreja antes de Agostinho. Uma crítica semelhante é feita a João Calvino, com destaque para o fato de que “João Calvino foi influenciado pelo estoicismo e escreveu seu primeiro livro sobre o De Clementia, do filósofo estoico Sêneca” (p. 107).

Entretanto, essa afirmação contém diversos erros. Primeiro, é falso que Agostinho tenha introduzido o estoicismo na Igreja ou tenha sido o primeiro a ensinar um determinismo. Além disso, o chamado “determinismo unilateral”, que Wilson acusa o Bispo de Hipona de ter ensinado, jamais foi de fato defendido por Agostinho, muito menos por Calvino.

O Apóstolo Paulo, por exemplo, cita com aprovação os filósofos estoicos Cleanto e Arato ao usar o Hino a Zeus em seu discurso no Areópago, conforme registrado em Atos 17:28: “Como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração.” O poema utilizado pelo Apóstolo declara: “Soberano da natureza, e que guias com tua mão tudo quanto existe[9], uma afirmação claramente determinista.

O Apóstolo Paulo, em outra ocasião (1 Co 15:33), também cita Menandro, outro poeta estoico. Devemos então chamá-lo de “corruptor do cristianismo” por mencionar filósofos estoicos com aprovação? Se Wilson estiver certo, a resposta é sim. Devemos nos unir aos teólogos liberais e afirmar que o Apóstolo Paulo corrompeu o cristianismo de Nosso Senhor Jesus.

Além disso, Justino Mártir (100–165 d.C.) afirma que os cristãos ensinam doutrinas semelhantes às dos estoicos e platônicos, destacando tanto as semelhanças quanto as diferenças:

Os filósofos estoicos têm por dogma que o próprio Deus se dissolverá em fogo e afirmam que novamente, por transformação, o mundo renascerá. Nós, porém, consideramos Deus, o criador de todas as coisas, superior a todas as transformações. 3. Por fim, se há coisas que dizemos de maneira semelhante aos poetas e filósofos que estimais, e outras de modo superior e divinamente, e somos os únicos que apresentamos demonstração, por que se nos odeiam injustamente mais do que a todos os outros? 4. Assim, quando dizemos que tudo foi ordenado e feito por deus, parecerá apenas que enunciamos um dogma de platão; ao falar sobre conflagração, outro dogma dos estoicos; ao dizer que são castigadas as almas dos iníquos que, ainda depois da morte, conservarão a consciência, e que as dos bons, livres de todo castigo, serão felizes, parecerá que falamos como vossos poetas e filósofos; 5. que não se deve adorar obras de mãos humanas, não é senão repetir o que disseram Menandro, o poeta cômico, e outros com ele, que afirmaram que o artífice é maior do que aquele que o fabrica.”[10] .

Justino destaca como uma semelhança entre os gregos e os cristãos a doutrina de que Deus ordena todas as coisas. “Ordenar”, nesse contexto, significa colocar em ordem, organizar, pré-determinar, submeter todas as coisas à providência divina (De Ordine). Ken Wilson parece ignorar que a doutrina da razão seminal (logoi spermatikoi), defendida por Justino, estava fundamentada na filosofia estoica.[11] Curiosamente, na página 35 de seu livro, Ken Wilson destaca que Justino defendeu a responsabilidade moral e, por isso, rejeitou o determinismo estoico. Mas quem disse que qualquer agostiniano ou reformado negou que o homem tenha responsabilidade moral? Quem disse que isso é suficiente para negar todo e qualquer tipo de determinismo? E quem disse que o determinismo agostiniano e reformado é exatamente igual ao estoico? Por acaso atribuímos os eventos ao destino? Por acaso defendemos um Deus ocioso? Aqui está o grande erro de Ken Wilson: ele simplesmente mistura suas próprias ideias com as ideias dos pais da Igreja. Ele não procura o que o próprio pai da Igreja afirmou, mas busca sua própria concepção nos pais da Igreja.

Ken Wilson deixa de considerar todo o contexto dos primeiros pais da Igreja. Segundo Frosbery[12] a disputa sobre o uso da filosofia pagã na Igreja começa desde cedo. Autores como Tertuliano, Dionísio, Hipólito, Epifânio e Lactâncio defenderam que a Igreja nunca deveria usar a filosofia pagã a seu favor, pois ela era idólatra e falsa. Outros autores, como Justino (100-165 d.C.), o Mártir, defenderam que todas as criaturas tinham a imagem de Deus (Imago Dei); portanto, os pagãos falavam muitas verdades que poderiam ajudar a explicar os segredos da fé cristã. Desde então, temos não só Justino, mas toda a escola de Alexandria, incluindo Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa, etc., defendendo o uso da filosofia pagã. O entendimento era que o uso correto da filosofia, como auxiliar do teólogo, era permitido. Com o tempo, o partido de Justino prevalece, de modo que no final do século III o uso da filosofia se tornou generalizado. Condenar somente Agostinho nesse contexto é um total absurdo. Mais à frente, trataremos mais sobre esse assunto.

O historiador Peter Brown faz uma afirmação que coloca Ken Wilson em uma posição desconfortável. Segundo Wilson, Agostinho foi o grande corruptor da fé cristã ao introduzir filosofias pagãs, como o estoicismo, no cristianismo, enquanto Pelágio seria um injustiçado defensor da ortodoxia. No entanto, Brown afirma: “É que, por mais conscientemente cristão que fosse o movimento pelagiano, ele se apoiava solidamente no leito dos antigos ideais éticos do paganismo, sobretudo o estoicismo.[13] Também Joseph Pohle: “Para explicar psicologicamente toda a linha de pensamento de Pelágio, não basta voltar ao ideal do homem sábio, que ele moldou segundo os princípios éticos dos estoicos e sobre o qual sua visão estava centrada.”[14]

Se, conforme Wilson, Agostinho foi quem introduziu o estoicismo no cristianismo, então Pelágio teria sido influenciado por Agostinho? Essa contradição revela uma incoerência: o estoicismo já estava presente no cristianismo primitivo e também no cristianismo da época de Agostinho. Era uma influência tão abrangente que até mesmo partidos opostos, como Agostinho e Pelágio, poderiam ser classificados como influenciados por essa filosofia.

Outro pai da Igreja que pode ser mencionado é Minúcio Félix (150–270?). Ele preside um debate entre um cristão, chamado Otávio, e um filósofo pagão, Cecílio. Em seu discurso, Otávio cita com aprovação Aristóteles, Platão, praticamente todos os pré-socráticos, além de Aristo e Cleanto, dois filósofos estoicos.[15] Para quem não se lembra, Cleanto e Arato são os dois filósofos estoicos também citados com aprovação por São Paulo no Areópago.

Um fato curioso é que Cecílio acusa o cristianismo de ser uma falsa religião justamente por ensinar o determinismo. Ele afirma:

“Já mostrei, e não me esforço mais para provar, que eles próprios são injustos; embora, mesmo que eu os admitisse como justos, ainda assim seu acordo também concorda com as opiniões de muitos, que a culpa e a inocência são atribuídas pelo destino. pois tudo o que fazemos, como alguns atribuem ao destino, você o refere a deus: assim é de acordo com sua seita acreditar que os homens querem, não por sua própria vontade, mas como eleitos para querer. portanto, você finge um juiz iníquo, que pune nos homens, não sua vontade, mas seu destino.[16]

Novamente:

“Todas essas invenções de uma crença doentia e vãs fontes de conforto, com as quais poetas enganadores brincaram na doçura de seus versos, foram vergonhosamente remodeladas por você, acreditando sem dúvida no seu Deus.”[17]

Ken Wilson parece repetir as afirmações de Cecílio; contudo, como podemos observar, Cecílio era um pagão, e não um cristão. Wilson ignora que o livre-arbítrio, associado à ausência de providência, também foi defendido por pagãos, especialmente pelos epicuristas. No entanto, em sua análise, ele classifica exclusivamente o determinismo como uma doutrina pagã.

É importante destacar que, ao falar dos primeiros pais da Igreja, Wilson simplesmente ignora Clemente de Roma (35-100 d.C.), o mais antigo deles, o homem que, segundo Tertuliano, foi ordenado bispo pelo próprio apóstolo Pedro[18]. Clemente ensina claramente em sua Carta aos Coríntios, seção 27, que a vontade de Deus é irresistível e que absolutamente tudo está debaixo do decreto divino:

“1. Nessa esperança, nossas almas se juntam àquele que é fiel nas promessas e justo nos julgamentos. 2. Aquele que ordena não mentir, não mentirá! Nada é impossível para Deus, exceto mentir. 3. Reacenda-se, portanto, em nós a fé nele, e reflitamos que todas as coisas estão próximas dele. 4. Com uma palavra sua de majestade, ele constituiu todas as coisas, e com uma palavra ele pode destruí-las. 5. “Quem lhe perguntará: ‘Que fizeste?’ Ou quem resistirá ao poder de sua força?” Ele fará tudo o que quiser e como quiser, e nada passará daquilo que foi por ele decretado. 6. Tudo é presente para ele, e nada escapa à sua vontade.”

Se, para Wilson, quando o livre-arbítrio é verdadeiro, o determinismo é falso, então segue-se que, se o determinismo for verdadeiro, o livre-arbítrio seria falso. Nesse caso, teríamos que afirmar que o “corruptor da fé cristã” e introdutor do determinismo estoico no cristianismo foi Clemente, ainda com os apóstolos vivos. No entanto, Clemente também não negou a responsabilidade moral humana, nem a liberdade, como é notório nas seções 29 e 30 de sua carta. Ele ensinava o que Agostinho e os reformados ensinaram com mais precisão posteriormente: o determinismo em compatibilidade com a liberdade e responsabilidade humana.

O Didaqué, o primeiro catecismo da Igreja, também afirma que tudo o que acontece com o cristão deve ser encarado como algo bom, porque tudo o que acontece é da vontade de Deus, logo, é bom. O catecismo ensina aos primeiros cristãos que o fato de Deus determinar todas as coisas (sim, porque a permissão é uma forma de determinação de evento, já que nada aconteceria sem a permissão divina) deve servir de consolo aos seres humanos, não para o desespero. No Didaquê está escrito: “Aceite tudo o que acontece contigo como coisa boa e saiba que nada acontece sem a permissão de Deus[19]. Algo curioso, é que esse mesmíssimo texto aparece ipsis literis na Carta de Barnabé (19.6): “Aceite tudo o que acontece contigo como coisa boa e saiba que nada acontece sem a permissão de Deus.”

Policarpo de Esmirna (69-155 d.C.), aquele que a tradição ensina ter sido discípulo do apóstolo João,[20] quando caminhava para o martírio, não atribuiu primeiramente ao diabo seu infortúnio ou a qualquer maldade humana. Embora, certamente, tanto o diabo quanto os homens estivessem concorrendo para esse evento, ele diz: “Seja feita a vontade de Deus[21], pois “A Ele todas as coisas no céu e na terra estão sujeitas. Todo espírito serve a ele.”[22]. Ele tinha ciência de que tudo que acontecia estava debaixo da vontade soberana e onipotente de Deus. No relato do seu martírio, escrito pela Igreja de Esmirna, está escrito: “Felizes e generosos todos os mártires que surgem segundo a vontade de Deus. De fato, é necessário que tenhamos fé, para atribuir a Deus o poder sobre todas as coisas.”[23] Esse é o martírio mais antigo relatado e mostra a confiança dos pais da Igreja na providência divina. Destaco que Wilson simplesmente não citou os pais da Igreja mais antigos, nem os documentos mais antigos. Na verdade, ele tem como seu carro-chefe Irineu de Lyon (130-202 d.C.).

Irineu de Lyon esteve ocupado combatendo os gnósticos de seu tempo, muitos deles defendendo um fatalismo, o que o fez enfatizar a liberdade humana e a responsabilidade moral. Isso não quer dizer que Irineu negou o controle divino sobre todas as coisas, nem que ele tenha rejeitado completamente a filosofia pagã. Muito pelo contrário, Irineu cita Platão com aprovação, e nas próprias palavras de Ken Wilson, a noção de Irineu é “estranha”, pois ele defende simultaneamente o livre-arbítrio e uma forte visão da soberania divina. Wilson diz:

“Irineu negou que qualquer evento pudesse ocorrer fora da soberania de Deus, mas simultaneamente enfatizou da livre escolha humana residual para receber o dom de Deus, o que só resulta em regeneração. ‘O princípio essencial do conceito de liberdade aparece primeiro no status de Cristo como Senhor Soberano, porque, para Irineu, a liberdade do homem é, estranhamente, uma expressão direta da onipotência de Deus…” (WILSON, p. 39).

Porém, o que ele chama de noção “estranha” é exatamente o que o calvinismo denomina de doutrina da concorrência: a ideia de que a soberania exaustiva de Deus é compatível com a liberdade humana, sendo ambas conciliáveis e sem que uma anule a outra. Note que, ao declarar seu espanto diante das duas afirmações aparentemente contraditórias de Irineu, o autor revela desconhecer as soluções dadas pelos teólogos para essa noção “estranha”. A noção é exatamente a de que a onipotência de Deus estabelece e confirma a causa segunda livre, como revela a Confissão de Fé de Westminster (seção 3.1).

O renomado patrologista Christian Charles Josias von Bunsen explica que Irineu acreditava em uma doutrina da providência exaustiva, e que o amor divino é irresistível pelo seu poder de convencimento, o que claramente é a mesma doutrina da graça irresistível defendida pelos reformados:

“O decreto eterno da redenção é, para Irineu, por completo, um ato do amor de Deus. A expiação é, segundo ele, uma satisfação paga, não a Deus, mas ao Diabo, sob cujo poder a mente e o corpo humanos estavam. Mas o próprio Diabo serve apenas ao propósito de Deus, pois nada pode resistir até o fim, ao poder Todo-Poderoso do amor divino, que não opera por constrangimento (o caminho do Diabo), mas por persuasão.”[24]

Certamente, Irineu ensina uma providência exaustiva: “Ora, se alguém perguntasse: foi, então, sem motivo e ao acaso que se deu a imposição dos nomes, a escolha dos apóstolos, a atividade do Senhor, o ordenamento das coisas criadas? Nós responderíamos: absolutamente não.”[25]

Novamente:

“Se alguém nos perguntar se Deus conhece o número total de todas as coisas que foram e são feitas, e se cada uma recebeu a própria quantidade conforme a providência de Deus, lhe responderemos afirmativamente. Com efeito, absolutamente nada do que foi e é feito escapa ao conhecimento de Deus, e pela sua providência tudo recebeu e recebe a forma, a ordem, o número e a quantidade próprios e nada foi ou é feito sem motivo e ao acaso, mas tudo com profunda harmonia e arte sublime; e há um Intelecto admirável que pode entender e dar a conhecer as causas das coisas.”[26]

Irineu não só defende que nada ocorre por acaso, mas também defende que Deus concede a forma e o Ser das coisas: “Com efeito, não há orgulho maior do que se julgar melhor e mais perfeito do que o próprio criador, modelador, doador do hálito de vida e do próprio ser.”[27]

Não podemos subestimar a inteligência dos pais da Igreja; eles eram homens capazes e sabiam do que estavam falando. É impossível que Deus conceda o ser das criaturas, as coloque em harmonia, que nada aconteça por sorte ou acaso e que haja uma eleição baseada numa presciência de atos totalmente indeterminados, como se Deus estivesse sentado em um cinema assistindo a um filme. Essas duas afirmações são metafisicamente impossíveis. Certamente, uma vez que a providência divina esteja sobre todos os eventos, a eleição poderia se dar pela presciência, mas não podemos supor que essa presciência fosse a constatação de eventos que não fossem determinados por esse mesmo Deus. Isso fica muito evidente quando o próprio Irineu condena um gnóstico por defender um deus que não mantém sua providência sobre tudo, acusando-o de epicurismo, uma doutrina que ensina que os atos humanos não são determinados e que Deus apenas constata e assiste ao que acontece, nas palavras de Irineu: “um deus sem providência”[28]. Será justo, diante dessa constatação, acusarmos Wilson de epicurismo e, portanto, de paganismo?

Após admitir que Irineu ensinou uma forte noção de soberania divina, o autor faz uma ressalva: “Embora ele (Irineu) tenha exaltado a soberania de Deus, não foi (erroneamente) definido como Deus recebendo tudo o que deseja” (pág. 39). Bem, isso é totalmente falso. Deixemos o próprio Irineu falar:

“Mas não é conveniente dizer que Deus, que está acima de todas as coisas e é livre e independente, seja escravo da necessidade e haja alguma coisa por ele permitida e não aprovada;… Se o Pai de todas as coisas é escravo da necessidade, fica submetido ao destino e deve suportar, contra a vontade, o que acontece; está incapacitado de fazer alguma coisa que não seja exigida pela necessidade ou pelo destino; fica semelhante ao Júpiter Homérico que, constrangido pela necessidade, diz: ‘eu te entreguei Tróia de minha livre vontade, mas não de boa vontade’. É neste dilema que se encontra o seu Abismo, escravo da necessidade e do destino.”[29].

Irineu argumenta que, se algo acontece fora da boa vontade divina, então Deus se torna escravo do destino, o que é o fatalismo. Ora, o texto é claro ao afirmar que tudo o que acontece está debaixo da vontade divina, e não apenas da livre vontade, mas da boa vontade. De fato, em termos de presciência, há uma diferença gritante entre se um evento acontecerá porque Deus previu, ou se Deus previu porque de fato acontecerá. Bem, a primeira opção é agostiniana-reformada, e a segunda é a opção dos opositores. A grande questão é que, para que Deus preveja algo com certeza, esse evento deve necessariamente acontecer. Mas, se acontece por necessidade e por isso Deus prevê, então Deus é escravo da necessidade, portanto, do destino. Irineu, com essa argumentação, refuta cabalmente a eleição por presciência que Wilson defende. Ironicamente, uma eleição por presciência que constata o que não foi determinado nos leva ao verdadeiro fatalismo que Irineu combateu.

O argumento de Wilson é apelar para a defesa que Irineu faz do livre arbítrio, porém, esse livre arbítrio não produz eventos indeterminados para Deus, exatamente como os agostinianos-reformados ensinam. Irineu não está do lado de Wilson.

Por último, Ken Wilson diz que Irineu ficaria horrorizado com a noção de que Deus preferiria uns a outros (pág. 39), porém, não esclarece que Irineu estava lutando contra os gnósticos que ensinavam que dentre os cristãos, ou seja, dentro da Igreja, haviam uns perfeitos que receberiam o verdadeiro conhecimento e outros que seriam preteridos, pois “os gnósticos afirmavam que nem todos os cristãos possuíam a gnose, transmitida pelos apóstolos a poucos.”[30], mas Irineu defende que “não existem mistérios ocultos recebidos dos apóstolos, nem segredos reservados aos perfeitos, uma vez que todos na Igreja são chamados a ser perfeitos[31]. Isso nunca passou pela mente de Agostinho. Além disso, os gnósticos não eram um grupo homogêneo; como vimos, Irineu combateu um grupo por defender um Deus sem providência, o que é o oposto do fatalismo, mas, em outro momento, está combatendo o fatalismo. Outro ponto é que o livre arbítrio não era descartado nos grupos gnósticos. Valentino, por exemplo, tinha uma visão de três tipos de almas: as pneumáticas (necessariamente salvas), as hílicas (necessariamente condenadas), e as psíquicas (que poderiam ser salvas através do livre arbítrio)[32]. Agora, vejamos: é possível que eu diga que a ideia de que as pessoas são salvas pelo seu livre arbítrio, como defende Wilson, também tem origem gnóstica, somente porque um gnóstico defendeu essa ideia? É muito conveniente para Wilson reduzir o ensino gnóstico apenas às almas predestinadas a serem salvas ou condenadas, mas omitir as que seriam salvas pelo livre arbítrio.

Como nosso espaço é limitado, visto que este trabalho é apenas uma resenha crítica, além dos pais da Igreja já analisados, tratarei apenas de Orígenes, por ser provavelmente o mais influente, e não farei isso de forma tão detalhada quanto o ideal, mas o suficiente para nossa intenção.      Primeiro, o próprio Orígenes é um bom exemplo de que a tese de Wilson está errada quanto à introdução do estoicismo, gnosticismo e neoplatonismo no cristianismo. Orígenes compartilha crenças com os estoicos, Aristóteles e Platão,[33] além disso, defendeu teses gnósticas, como a de que a matéria é essencialmente má. Porém, parece que o estoicismo, gnosticismo e neoplatonismo só são considerados suficientemente pagãos quando discordam do Dr. Ken Wilson.

Wilson afirma, contra o agostinianismo-reformado, que Orígenes defendeu o livre arbítrio, que Deus não força as pessoas, que todos são racionais e têm vontade; por fim, Orígenes negou toda a forma de determinismo ao afirmar o livre arbítrio. O primeiro problema com essa tese é que nenhum agostiniano-reformado defende que as pessoas não sejam racionais, não tenham vontade e sejam forçadas por Deus contra sua vontade a crer. Certamente, Orígenes defendeu o livre arbítrio, algo que Ken Wilson faz um grande esforço para destacar, mas não menciona que Orígenes também defendeu que até mesmo os demônios têm livre arbítrio, pois são racionais. Logo, eles também poderiam se arrepender e se voltar para Deus.[34]. Bem, supondo que Wilson não acredite que os demônios serão salvos (isso é uma suposição; se assim não for, pelo menos a cristandade não acredita nisso), por que Ken Wilson não se compromete totalmente com o pensamento de Orígenes sobre o livre arbítrio? E se não se compromete, isso prova que a crença de Orígenes e Wilson sobre o livre arbítrio não são as mesmas. No máximo, seriam semelhantes, mas, se ele acredita que os demônios podem ser salvos, tampouco poderá exigir ortodoxia de alguém. Porém, nossa argumentação mostrará que a crença no livre arbítrio origenista não é tão simples como Wilson demonstra ser.

Orígenes realmente enfatiza um livre arbítrio que poderia ser considerado libertário, dadas as devidas proporções do anacronismo, mas não se segue que ele condenou uma liberdade limitada como não sendo liberdade. Orígenes comenta que “a liberdade da vontade será limitada de modo que o pecado será impossível”[35] por ocasião da grande restauração de todas as coisas (apokatástasis). J. W. Hanson diz:

“Orígenes ensinou que em algum período no futuro, o amor e a santidade serão tão absorvidos por todas as almas que, embora, teoricamente, sejam livres, elas o serão tanto que o lapso será impossível… Em seus comentários sobre Romanos 6. 9,10, ele diz: ‘O apóstolo decide, por uma decisão absoluta, que agora Cristo não morre mais, para que aqueles que vivem junto com ele possam estar seguros da eternidade de sua vida. O livre-arbítrio de fato permanece, mas o poder da cruz é suficiente para todas as ordens e todas as eras, passadas e futuras. E que o livre-arbítrio não levará ao pecado é claro, porque o amor nunca falha, e quando Deus é amado de todo o coração, alma, mente e força, e nosso próximo como a nós mesmos, onde está o lugar para o pecado?’ Em sua grande obra ‘De Principiis’, ele declara: ‘A natureza deste nosso corpo será transformada na glória do corpo espiritual, em cujo estado devemos acreditar que ele permanecerá sempre e imutavelmente pela vontade do Criador’, etc. Embora Orígenes insistisse que a vontade humana deve ser livre para sempre, ele não admitiu que a alma poderia abusar de sua liberdade continuando a cair para sempre no pecado.”[36]         

Fica claro que Orígenes não pensou que uma liberdade atraída infalivelmente pelo amor fosse menos liberdade. Fica claro que, para Orígenes, a liberdade está muito mais atrelada à ordenação última do homem do que ao abuso dela, afastando-se de sua ordenação. Bem, nesse aspecto, há bastante semelhança com o pensamento de Agostinho de Hipona.

Wilson cita a seção 3.1.21 do Tratado dos Princípios de Orígenes para provar que Orígenes defendeu que, se a salvação do homem não fosse também obra humana, então não haveria responsabilidade, nem verdadeiro louvor, nem verdadeiro castigo. Porém, Wilson omite totalmente que, na próxima seção (3.1.22), Orígenes, ao interpretar porque Deus amou Jacó e odiou Esaú antes de nascerem, explica que Jacó e Esaú estavam recebendo recompensas de uma vida anterior, onde teriam feito o bem e o mal antes de virem para este mundo. Ele diz:

“Portanto, se admitimos de uma vez que há certas causas que precedem o fato de ser vasos dignos ou vasos indignos, não é despropositado pensar, no que se refere à questão das almas, que certas causas precederam Jacó ser amado e Esaú ser odiado; no que diz respeito a Jacó antes que se fizesse corpo, e a respeito de Esaú quando ainda estava no seio de Rebeca.” (Tratado sobre os Princípios 3.1.22)

Novamente:

“Pode acontecer que aquele que, pelo que houve antes desta vida, se tornou aqui embaixo um vaso indigno, se corrija e venha a ser na nova ordem um vaso digno, santificado e útil ao seu dono, preparado para toda obra boa.” (Tratado sobre os Princípios 3.1.23).

Na filosofia origenista, há uma ligação direta entre a preexistência da alma e a presciência divina. Deus elege pela sua presciência porque conhece as almas de outras vidas e, portanto, sabe o que elas farão. Note que, ao contrário do que Wilson defende, a eleição por presciência tem uma base pagã na doutrina da preexistência da alma. A presciência em Orígenes não é causa dos eventos, mas os eventos são a causa do conhecimento divino. Em outras palavras, Deus é escravo da necessidade dos eventos, e Orígenes acaba por cair no mesmo fatalismo que ele tenta evitar, o mesmo que Irineu condenou. Orígenes também ensina que a paciência divina está para além deste mundo, e que aqueles que se perdem aqui, Deus tem uma ocasião apropriada para convencê-los quando fizerem penitência no mundo após a morte. São Jerônimo acusa Orígenes de epicurismo,[37] dado sua crença no livre arbítrio, o que foi falado sobre Orígenes cair em fatalismo, é devido uma consequência lógica presciência simples. Tudo isso é omitido por Wilson, que está disposto a citar somente o que lhe convém a fim de estabelecer sua tese.

1.2.1 – Incoerência interna do trabalho de Ken Wilson

Ken Wilson cita 22 pais da Igreja para provar a ausência de uma providência divina exaustiva; no entanto, pelo menos 9 deles eram defensores da apocatástasis (universalismo). Se o autor preza pela pureza da doutrina, como pode justificar o uso de pais da Igreja, que estão imersos nas filosofias que ele tenta condenar em seu trabalho, para sustentar a existência de um livre-arbítrio libertário e de uma vontade salvífica universal? Além disso, o universalismo é um tipo de fatalismo, e citar esses autores é, portanto, totalmente contraproducente. Wilson menciona Orígenes, Clemente de Alexandria, Hilário de Poitiers, Gregório Nazianzo, Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa, Teodoro de Mopsuéstia e Ambrósio de Milão, todos defensores da apocatástasis[38], como exemplos da mais alta ortodoxia. Todos esses autores incluíram elementos do estoicismo, gnosticismo e neoplatonismo em seu repertório. O intuito aqui não é atacar os pais da Igreja, que são dignos da mais alta honra, mas revelar a incoerência interna do pensamento de Wilson. Se ele ataca o agostinianismo e a teologia reformada por uma suposta influência pagã, entende-se que ele acredita que o cristianismo autêntico não pode ter qualquer influência filosófica que não lhe seja própria. Logo, ele não deveria fazer uso de teólogos que se apropriaram ou defenderam elementos do estoicismo, neoplatonismo e gnosticismo, pois, por necessidade lógica, estariam tão corrompidos quanto Agostinho. Wilson se apresenta como sendo ele mesmo o padrão de ortodoxia, pois, ao que tudo indica, o estoicismo, neoplatonismo e gnosticismo só são prejudiciais quando discordam de seu próprio posicionamento. Wilson cria um dualismo nos pais da Igreja, defendendo que antes de Agostinho não havia nenhuma influência pagã nesses teólogos, mas isso é falso, como estamos demonstrando.

1.3 – Maniqueísmo

Como vimos, Wilson erra ao afirmar que o estoicismo foi introduzido na Igreja por Santo Agostinho, além de descontextualizar o uso da filosofia no mundo antigo. Outra acusação que o autor faz é que Agostinho se voltou ao maniqueísmo no fim da vida, interpretando as Escrituras com as lentes maniqueístas.

A acusação feita por Ken Wilson não é nova; foi originalmente levantada por Juliano de Eclano, um famoso pelagiano que debateu contra Agostinho. Calvino enfrentou a mesma acusação. A alegação de que Calvino era maniqueísta é tão absurda que até mesmo seus adversários, anacronicamente falando, o defenderam. Jacó Armínio afirmou: “Tampouco a blasfêmia dos maniqueístas deve ser atribuída a Calvino, porque embora ele use a fraseologia inadequada, em outras passagens ele claramente defende a si mesmo dessa acusação”.[39]

Sim, Calvino se defendeu dessa acusação da mesma forma que Agostinho o fez, e com sucesso. O renomado historiador Peter Brown afirma que Agostinho foi bem-sucedido ao corrigir[40] Juliano. Como demonstra a citação abaixo, Juliano atacou uma caricatura:

“Se Juliano acusou Agostinho de ser maniqueísta. Como vimos, isso foi uma boa tática de sua parte, até certo ponto. Na verdade, Juliano não tinha o mesmo domínio de Agostinho sobre a doutrina maniqueísta. A grande Carta da fundação, de Mani, estava à mão nas estantes de livros de Hipona, com as margens repletas de anotações críticas: assim equipado, era tão fácil para Agostinho quanto para o estudioso moderno da literatura maniqueísta perceber a diferença entre seu próprio sistema e o de Mani e descartar as acusações de Juliano como uma caricatura de ambos.”[41]

Perceba que o Dr. Brown afirma que qualquer conhecedor das teses de Mani, seja moderno ou antigo, identifica claramente a diferença entre o sistema de Mani e o de Agostinho. Sendo essa afirmação verdadeira, torna-se evidente que Ken Wilson comete o mesmo erro de Juliano: a falta de conhecimento sobre ambos os sistemas, tanto o de Mani quanto o de Agostinho.

Não posso deixar de observar que Agostinho se utilizou de uma retórica maniqueísta quando foi explicar a existência do sofrimento no mundo, mas entre usar uma retórica e endossar uma metafísica dualista, há uma grande diferença. Argumentos podem ser semelhantes e até iguais, mas com ontologias diferentes. Por exemplo, uma Testemunha de Jeová pode endossar o credo apostólico da mesma forma que o cristão trinitariano, sem concordar com a ontologia trinitariana, mesmo que as palavras sejam as mesmas. Embora Agostinho tenha atribuído uma força muito grande aos poderes malignos, tendo em vista a quantidade de sofrimento no mundo, ele nunca endossou uma ontologia dualista, pois é impossível ser dualista e atribuir tudo a um só Deus. Wilson deve escolher se Agostinho e Calvino fizeram de Deus o autor do pecado, ou se eles deixaram todo o mal na conta de um deus rival; ambas as acusações são impossíveis.

Sobre o maniqueísmo, há, pelo menos, dois erros conceituais cometidos por Wilson. O primeiro é afirmar que o maniqueísmo ensina que o primeiro homem foi criado bom e usou seu livre arbítrio para cair nas trevas do mundo material, abandonando o reino de luz (pág. 30). O segundo, corolário do primeiro, é tratar a teontologia maniqueísta como monista.

É totalmente falso que o agostinianismo ou o calvinismo se assemelhem à doutrina de Mani em sua metafísica. A diferença entre a doutrina de Mani e a doutrina agostiniana não está somente no fato de que o primeiro acreditava na existência de duas forças cósmicas, mas também no fato de que, na doutrina agostiniana e calvinista, o mal não é um ente, não é uma substância criada, mas antes uma ausência de ser, uma privação da perfeição devida a algo. Portanto, não sendo uma substância, é impossível de ser criado, logo, não pode ser um princípio em si mesmo, como pensava Mani. Assim, o agostinianismo e o calvinismo fogem da heresia maniqueísta-gnóstica. Não existe, no agostinianismo-reformado, essa origem “monista” do pecado, como se defendêssemos que Deus criou certas substâncias boas e certas substâncias más. Tampouco Wilson acerta ao afirmar que, no maniqueísmo, a substância má se dá pela corrupção do bem; essa tese é mais corretamente atribuída ao neoplatonismo, não ao maniqueísmo. Se no maniqueísmo o mal fosse uma corrupção do bem, o maniqueísmo não poderia ser dualista.

Theophilus Gale (1628–1678), teólogo calvinista do século XVII, explica muito bem essa diferença ao dizer que “não podemos ceder, que o pecado é uma relação positiva moral, muito menos um ato positivo ou um ser real, como é o termo de uma produção natural: tal afirmação forçará necessariamente os homens a concederem, que Deus é o Autor do Pecado, ou para manter com os maniqueus, que existem duas primeiras Causas, uma do bem e outra do mal.”[42]

Calvino mesmo declara que Mani só estava certo em uma coisa: um Deus bom não pode criar nada mau. Como se segue:

“Mas o único fundamento que os maniqueus têm – não ser próprio atribuir-se a um Deus bom a criação de qualquer coisa má –, isto nem de leve fere a fé ortodoxa, a qual não admite que no universo inteiro haja alguma natureza má, porquanto nem a depravação e malignidade, seja do homem, seja do Diabo, ou os pecados que daí nascem, provêm da natureza, mas da corrupção da natureza;”[43]

A segunda confissão Helvética, um dos documentos oficiais de doutrina calvinista, declara como herética a posição maniqueísta: “Heresias. Nesta questão, condenamos os maniqueus, os quais afirmam que o início do mal, para o homem bom, não foi de seu livre arbítrio.”[44]

Novamente:

“Os regenerados operam não só passiva, mas ativamente. Entretanto, ensinamos que há duas coisas a serem observadas: Primeiro, que os regenerados, na sua eleição e operação, não agem só passiva mas ativamente. São levados por Deus a fazer por si mesmos o que fazem. Santo Agostinho muito bem afirma que “Deus é nosso ajudador. Mas ninguém pode ser ajudado, se não aquele que faz alguma coisa”. Os maniqueus despojavam o homem de toda ação e o faziam semelhante a uma pedra ou a um pedaço de pau.”[45]

Que a Teologia Reformada nega que Deus criou o mal, fica claro também nos escritos de Calvino que diz:

“Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do pecado. Essa é uma calúnia tão estúpida, que num piscar de olhos se desfaria em nada, se tais pessoas não sofressem de coceira nos ouvidos e não sentissem profundo prazer em nutrir-se com tais discursos.”[46]

Novamente:

“Só uma exceção se deve fazer, a saber: que a causa do pecado, as raízes do qual sempre reside no próprio pecador; não têm sua origem em Deus, pois resulta sempre verdadeiro que “A tua ruína, ó Israel, vem de ti, e só de mim o teu socorro.”[47]

1.4 – Gnosticismo

A defesa de Ken Wilson se resume a mostrar que Agostinho introduziu o gnosticismo no cristianismo, principalmente no tocante ao determinismo, pecado original e à eleição incondicional. Porém, a descrição que o autor faz do gnosticismo é bem limitada e, na pior das hipóteses, tendenciosa. No entanto, estamos cientes de que esse livro é um resumo da sua tese de doutorado, e o autor pode não ter sido bem-sucedido em realizar o resumo, mas pode ter tido sucesso na tese completa. De qualquer forma, vamos trabalhar com o que temos no momento.

Na página 27 de seu livro, Wilson começa o texto afirmando que o elemento essencial do gnosticismo “é a crença dualista, de um deus do mal rival que criou o cosmos do mal composto de matéria física”. Porém, Wilson não explica por que os gnósticos acreditavam assim. Os gnósticos queriam livrar o Deus cristão de causar qualquer tipo de mal, mesmo que remotamente, logo, o mal não deveria estar debaixo da providência divina, mas no controle de outro deus. A pergunta que os gnósticos queriam responder era: “Como pode um Deus totalmente bom criar um mundo como esse?”. Tendo em vista o muito sofrimento no mundo, deveria haver uma explicação para a existência da maldade e da crueldade. Aqui entra o argumento gnóstico: “Um Deus totalmente bom não pode ser causa do que é mau em nenhuma instância, nem como permissor”. Esse pressuposto se assemelha muito mais aos argumentos dos opositores do agostinianismo-reformado, que, por muitas vezes, acusam os reformados de tornar Deus o autor do pecado pelo simples fato de Ele ser um permissor do pecado. Ou seja, na mente dessas pessoas, o mal deve existir em total independência de Deus, o que equivale a tornar o mal um princípio em si mesmo, caindo assim no gnosticismo. Como solução, os gnósticos deram a resposta de que outro deus criou o mal, o pecado e tudo o que é ruim. Os ortodoxos, por sua vez, colocaram o mal subordinado à providência de um só Deus.

É falso também que tenha havido uma dicotomia radical entre os gnósticos e o grupo ortodoxo. Ao contrário do que Wilson tenta nos passar “Clemente, Orígenes e os grandes alexandrinos e seus associados eram cristãos gnósticos”.[48] Assim explica Jaroslav Pelikan:

“A relação entre o gnosticismo que temos examinado e a ‘gnose crista’ de ‘Clemente e de Orígenes é consideravelmente mais ambígua. Não só porque o termo ‘gnóstico’, especialmente em Clemente, foi usado como um título para o intelectual cristão, mas porque esses teólogos alexandrinos compartilhavam muitas das ideias que estivemos descrevendo. Algumas passagens dos escritos de Clemente sugerem a preexistência da alma humana, e a doutrina de Orígenes de uma queda pré-histórica da essência para a existência apresenta mais que afinidades formais com o mito gnóstico da descida cosmológica. Orígenes, de forma mais geral, parece ter compartilhado as pressuposições gnósticas de que ‘os eventos temporais são uma imagem do que acontece no mundo de puros espíritos’ (Danielou [1955], p. 194), que determinou sua forma de interpretar a história bíblica. A escatologia de Orígenes lembrava a ascensão soteriológica do ensinamento gnóstico. Para ele, a alma também tinha descido de uma condição puramente espiritual e, no fim, seria restaurada a essa condição; isso se aplicava a todos os espíritos, ate mesmo do demônio. Finalmente, ninguém deixa de se lembrar do gnosticismo quando lê a declaração de Clemente de ter uma tradição secreta, não publicada no Novo Testamento nem conhecida pelas pessoas comuns; um de seus termos para essa tradição secreta era ‘gnose’. Com base nesse substancial corpo de ensinamentos em comum entre o gnosticismo e o pensamento dos teólogos alexandrinos, seria justificado considerar Clemente e Orígenes como a ala direita do gnosticismo cristão.”[49]            

Agora, vejamos, segundo Jaroslav Pelikan, foram as crenças gnósticas que influenciaram a forma como Orígenes interpretava as Escrituras. Isso é bem diferente do que Wilson defende, pois ele afirma que Agostinho usou pressupostos gnósticos em suas interpretações, enquanto cita Orígenes como ortodoxo, pressupondo que sua interpretação das Escrituras estava isenta de qualquer influência.

A patrologista Ilaria Ramelli, do Centro de Estudos Helênicos da Universidade de Harvard, afirma que o pensamento de Orígenes era guiado por pressupostos filosóficos, especialmente pela teoria da apocatástasis, a qual não pode ser aceita apenas parcialmente:

“No pensamento de Orígenes, a doutrina da apocatástase está entrelaçada com sua antropologia, escatologia, teologia, filosofia da história, teodiceia e exegese; para qualquer um que leve o pensamento de Orígenes a sério e com uma compreensão profunda dele, é impossível separar a teoria da apocatástase de todo o resto, de modo a rejeitá-la, mas aceitar o resto.”[50]

Devemos refletir sobre os seguintes pontos:

  1. Wilson está errado ao afirmar que Agostinho tenha iniciado uma tradição gnóstica no cristianismo, pois não apenas Orígenes e Clemente, mas toda a escola origenista já possuía essa influência muito antes de Agostinho.
  2. O problema de Wilson não é com o gnosticismo em si, mas com as doutrinas do gnosticismo com as quais ele não concorda. Wilson cita nove pais da Igreja origenistas, todos com influências gnósticas, especialmente Clemente e Orígenes. Se o problema fosse o gnosticismo em sua totalidade, ele não utilizaria como referência cristãos gnósticos.

Segundo Ken Wilson, as teses gnósticas introduzidas por Agostinho são: a eleição sem presciência, a doutrina do pecado original, em que a vontade é corrompida e necessita da graça para desejar o bem. Essas afirmações são falsas, como veremos a seguir.

1.4.1 – Eleição sem ser pela presciência simples

Segundo Ken Wilson, nenhum pai da Igreja ensinou a predestinação agostiniana antes de Agostinho. O padre Antônio Alvares derruba tal afirmação, dizendo:

“VI. Esta gratuita predestinação dos Santos prova-se admiravelmente no Velho e no Novo Testamento, e abertamente a ensinaram os Santos Padres anteriores a Santo Agostinho, dos quais os mais ilustres são: S. Clemente Romano, Santo Ireneu, S. Cipriano, S. Efrém, Santo Hilário, S. Basílio Magno, S. Gregório de Nissa, S. João Crisóstomo, Santo Ambrósio e S. Jerónimo. Contudo, os Santos Doutores mais antigos, como ainda não tinham tido que combater homens pelagianos, algumas vezes tocavam esta verdade de passagem e levemente; a qual depois tratou muitas vezes Santo Agostinho com mais clareza e mais cuidado.”[51]

São Jerônimo, ao debater com Rufino no ano de 405, sete anos antes da data estabelecida por Wilson para a introdução dessa doutrina por Agostinho, diz:

“Escuta bem minha conclusão sobre este capítulo, depois da exposição da interpretação deste: “Paulo não diz, pois: ‘Ele nos elegeu antes da formação do mundo, quando então éramos santos e imaculados’, mas ‘Ele nos elegeu para que sejamos santos e imaculados’. Isto é, nós que anteriormente não éramos santos e imaculados, para que o sejamos em seguida; o que se pode dizer também dos pecadores convertidos a uma vida melhor. Então aquela sentença subsistirá: ‘Nenhum vivente será justificado a teus olhos’, a saber: ao longo de toda a sua vida, passado todo tempo neste mundo. Assim compreendido, em todo caso, esta passagem vai de encontro àquele que diz que, antes da existência do mundo, houve almas eleitas por sua santidade e ausência de toda corrupção devida aos pecados. Com efeito, dissemos anteriormente, Paulo e os que lhe são semelhantes não são eleitos e predestinados porque eram santos e imaculados, mas são eleitos e predestinados para que suas obras e virtudes os tornem santos e imaculados na vida que se seguirá”. E alguém ousa acusar-nos de heresia de Orígenes, após tal opinião?[52]

São Jerônimo acusa a eleição pela presciência simples de heresia, bem antes de Agostinho começar seu debate contra Pelágio. São Jerônimo também afirma que abandonou a interpretação de Orígenes porque escolheu ficar com o parecer da Igreja. Ora, isso nos prova que o parecer da Igreja, antes do debate de Agostinho contra Pelágio, era de rejeitar a eleição baseada em presciência simples. Ele diz:

“Desde o primeiro volume, nossa interpretação do texto de Paulo, em que declara: ‘Como ele nos elegeu nele antes da formação do mundo, para que sejamos santos e imaculados em sua presença…’, não ia dizer em Orígenes que se tratava da eleição daqueles que teriam uma existência anterior, mas a relacionaríamos à presciência de Deus. Com efeito, nós dissemos: ‘A afirmação de Paulo, declarando que nós fomos eleitos para sermos santos e imaculados em sua presença, isto é, em presença de Deus, antes da criação do mundo, concerne à presciência de Deus, para quem tudo o que há de ser feito já foi feito, e conhece todas as coisas antes que elas aconteçam. Da mesma forma que o próprio Paulo é predestinado nas entranhas de sua mãe, e Jeremias encontra-se santificado no seio de sua mãe, eleito, fortificado, enviado, figura do Cristo, como profeta às nações.’ Esta exposição não contém seguramente nada de repreensível e, porque Orígenes dizia o contrário, nós adotamos o sentimento da Igreja.”[53]

O próprio São Jerônimo afirma que autores anteriores e contemporâneos a ele rejeitavam as teses de Orígenes. Antes de Agostinho, as teses origenistas de uma eleição por presciência simples, entre outras, foram taxadas como heréticas; esse era o pensamento comum da Igreja, segundo o parecer de São Jerônimo, que diz:

“Aliás, o que quer que seja que é dito contra Orígenes e seus adeptos, tu julgas que é dito contra ti. Portanto, as epístolas do papa Teófilo e Epifânio e dos outros bispos, que ultimamente traduzi sob ordem dos mesmos, também te atacam, te dilaceram? Os rescritos dos imperadores igualmente, que ordenam que os origenistas sejam expulsos de Alexandria e do Egito, foram compostos sob meu aconselhamento? Terá sido meu conselho que fez com que o pontífice da cidade de Roma com ódio tremendo os deteste? Se o mundo inteiro se inflamou, depois de tua tradução, em ódio a Orígenes, o qual anteriormente em boa-fé o mundo lia e relia, isto foi obra de minha pena? Se tão grande é meu poder, admiro-me que tu não me temas!”[54]

O movimento na Igreja contra o origenismo começa bem antes de Agostinho, pois São Jerônimo cita São Metódio, um mártir que morreu em 311 d.C., como o primeiro bispo a escrever sistematicamente contra as interpretações origenistas. Todos esses fatos mostram que Wilson está errado em sua interpretação histórica sobre Agostinho.

1.4.2 – A doutrina do pecado original, vontade caída e batismo infantil

No capítulo 3 de seu livro, Wilson defende que a doutrina da vontade caída e a doutrina do batismo infantil como salvífico têm origens gnósticas. Segundo o autor, antes de Agostinho, os pais da Igreja acreditavam que o ser humano nascia com liberdade para o bem e o mal, sem a necessidade de assistência divina para fazer o bem, e que a fé não era considerada um dom de Deus. Ele afirma que Agostinho começou a defender essas doutrinas apenas a partir de 412 d.C. (guarde bem essa data), quando iniciou seu debate com Pelágio. Além disso, o autor argumenta que as obras agostinianas anteriores a 412 d.C., que contêm elementos dessas doutrinas, foram revisadas por Agostinho em um momento posterior. Segundo ele, essas passagens, que sugerem ideias como a escravidão da vontade e a fé como dom, seriam revisões ou adições feitas tardiamente, tratando essas ideias como “anomalias”. Por fim, o autor sustenta que a doutrina da necessidade de assistência divina para escolher os bens salutíferos teria origem na gnose, e não seria ensinada pela Escritura.           

Todas essas afirmações estão equivocadas, como mostraremos a seguir. Ken Wilson simplesmente ignora que a ideia de uma vontade naturalmente livre e de uma natureza não caída foi condenada no Concílio de Cartago em 411 d.C., evento ocorrido antes de Agostinho entrar no debate, o que se deu apenas em 412 d.C. Como menciona Peter Brown[55], em sua excelente biografia sobre Agostinho, o Bispo de Hipona soube desse concílio por uma carta, mas não demonstrou interesse imediato, pois estava ocupado com a controvérsia donatista.

A tese 3, condenada no Concílio, diz: “Se quiser, o homem pode viver sem pecado.”

Agora, a pergunta: como a doutrina da vontade caída poderia ter surgido apenas em 412, com Agostinho, se a doutrina pelagiana de uma vontade naturalmente livre foi condenada em um concílio antes de Agostinho entrar nesse debate? Esse fato, por si só, é bastante desconfortável para Wilson, pois os fatos não sustentam sua tese. A conclusão é óbvia: já havia na Igreja, antes de 412, uma consciência do pecado original e da vontade cativa, independentemente de Agostinho.

Celéstio, um seguidor de Pelágio, foi denunciado por Paulino quando se candidatou ao sacerdócio, justamente por negar que os seres humanos nascem com uma natureza caída e com uma inclinação inevitável ao pecado. Vale ressaltar que essa inclinação decorre da queda, sendo fruto de uma corrupção da criação original, e não de uma criação originalmente má, como sustentavam os maniqueístas.

Como afirma novamente Peter Brown[56], o primeiro grande obstáculo enfrentado por Pelágio foi a crença absoluta e universal no batismo infantil. O batismo infantil era ministrado porque a Igreja acreditava que as crianças nasciam caídas, herdando não apenas a natureza adâmica, mas também a culpa pelos pecados alheios, mesmo que ainda não tivessem cometido pecados pessoais. Essa crença é exemplificada nas palavras de São Cipriano (?–258 d.C.), em sua carta escrita ao presbítero Fido, no ano 253 d.C.:

Quanto ao que diz respeito ao caso das crianças… o quanto está em nós, se puder ser feito, nenhuma alma deve ser perdida. Por causa disso julgamos que ninguém deve ser impedido de alcançar a graça por aquela lei outrora estabelecida [por Moisés de circuncidar as crianças só no oitavo dia], nem a circuncisão espiritual deve ser impedida pela circuncisão carnal, mas todo homem deve ser admitido à graça de Cristo, conforme Pedro nos diz nos Atos dos Apóstolos: ‘O Senhor me revelou que nenhum homem deve ser considerado impuro’. Ademais, se algo pudesse impedir os homens de alcançarem a graça, os pecados mais graves poderiam impedir os mais adultos e desenvolvidos. Ao contrário, porém, se mesmo aos mais graves e delinquentes, e aqueles que muito pecaram diante de Deus, vindo posteriormente a acreditar, se lhes oferece a remissão dos pecados e a nenhum deles se lhe proíbe a graça do batismo, quanto mais não se o deve proibir à criança, que, ainda recém-nascida, em nada pecou, a não ser na medida em que, nascida de adão segundo a carne, contraiu o contágio da morte antiga pelo primeiro nascimento, e que por isso mesmo mais facilmente se aproxima da remissão dos pecados porque lhe são perdoados não os pecados próprios, mas os alheios.”[57]

São Cipriano claramente ensinou a doutrina do pecado original, afirmando que as crianças precisavam da graça de Deus porque nasciam em pecado, não os próprios, mas os alheios.

Orígenes (184–253) também ensina que o motivo para batizar as crianças é que elas nascem impuras e não poderiam herdar o reino dos céus sem o batismo. Isso demonstra a forte crença no pecado original, conforme se observa:

“Movido pela ocasião da passagem, volto a tratar uma questão sobre a qual [nossos] irmãos frequentemente se interrogam entre si. As crianças são batizadas “para a remissão dos pecados”; de quais pecados? Ou, em qual tempo pecaram? Ou, como pode subsistir um motivo para o lavacro dos pequeninos, se não segundo aquela interpretação da qual falamos há pouco: “ninguém é isento de impureza, nem se de um único dia absolutamente for a sua vida sobre a terra?” E porque, pelo mistério do batismo, as impurezas do nascimento são tiradas, por esse motivo são batizados também os pequeninos, porque “se alguém não tiver renascido da água e do espírito, não poderá entrar no reino dos céus”.[58]

Ferdinand Prat afirma: “Entre outras coisas, Orígenes dizia que a semelhança do homem com seu criador cessou com o pecado”.[59]

Como podemos observar, Orígenes e Cipriano são autores que viveram muito antes de Agostinho, mas já defendiam o batismo infantil e a remissão dos pecados da criança, que, embora não tivesse cometido pecados pessoais, carregava um pecado herdado — um “pecado alheio”, segundo a expressão de Cipriano. Isso prova que Ken Wilson erra ao afirmar que a doutrina do pecado original foi introduzida no cristianismo por Agostinho, assim como ao alegar que o batismo infantil, entendido como remédio para a impureza herdada, também tenha sido introduzido por ele.

Outras fontes que defenderam a doutrina da vontade caída:

Carta de Barnabé (70 – 132? d.C): “Isso significa que descemos para a água carregados de pecados e poluição, mas subimos dela para dar frutos em nosso coração, tendo no Espírito o temor e a esperança em Jesus” (Cap. 11). “Aprendei: antes que acreditássemos em Deus, nossos corações eram uma habitação corruptível e frágil, exatamente como um templo construído por mão humana. Com efeito, estava cheio de idolatria e era casa de demônios pois todas as nossas ações se opunham a Deus” (Cap 16.).

Justino Mártir (100-165) afirma que as Escrituras só podem ser compreendidas se a graça conceder ao homem essa capacidade, o que pressupõe uma impotência humana para realizar bens sobrenaturais sem a assistência divina: “Amigos, por acaso pensais que poderíamos entender esses mistérios nas Escrituras SE NÃO TIVÉSSEMOS RECEBIDO GRAÇA PARA ENTENDÊ-LOS, POR VONTADE DAQUELE QUE ASSIM QUIS?” Diálogo com Trifão. 119.

O Pastor de Hermas, obra escrita entre os anos 142 a 155 d.C: “De fato, antes de levar o nome do Filho de Deus o homem está morto. Quando recebe o selo, deixa a morte e retoma a vida. O selo é a água: eles descem à água e daí saem vivos.”[60]

Santo Ambrósio, em De Mysteriis (390-391 d.C.), ensina que, mesmo um catecúmeno, ainda que tenha fé, não receberá a remissão dos pecados sem o batismo, evidenciando a crença de que o batismo lava o pecado original, seja em adultos, seja em crianças:

Igualmente lestes, pois, que os três testemunhos no Batismo são um: água, sangue e Espírito, e se um destes é retirado, o Sacramento do Batismo não é válido. O que é, pois, a água sem a cruz de Cristo? Um simples elemento sem qualquer efeito sacramental. Por outro lado, nem tampouco há mistério da regeneração sem água: porque ‘quem não renascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus’ [João 3:5]. Até um catecúmeno crê na cruz do Senhor Jesus, pela qual ele próprio é assinalado; no entanto, ao menos que seja batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, não pode receber a remissão dos pecados nem o dom da graça espiritual.”

São Jerônimo, em 393 d.C., 19 anos antes da data em que Agostinho introduziu a doutrina do pecado original e da vontade caída, segundo o parecer de Ken Wilson, diz:

“A ele veio o príncipe deste mundo, e nada achou nele: embora ele não tivesse cometido pecado, Deus o fez pecado por nós. Mas nós, de acordo com a Epístola de Tiago, Tiago 3:2 ‘todos tropeçamos em muitas coisas’, e ‘ninguém é puro do pecado , mesmo que sua vida seja apenas um dia’.  Provérbios 20:9 ‘Pois quem se gabará de ter um coração limpo? Ou quem terá certeza de que ele é puro do pecado?’ E somos considerados culpados à semelhança da transgressão de Adão. Por isso Davi diz: ‘Eis que eu fui formado em iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe.’ E o bendito Jó: ‘Ainda que eu seja justo, minha boca falará iniquidade, e ainda que eu seja perfeito, serei achado perverso. Se eu me lavar com água de neve e deixar minhas mãos nunca tão limpas, ainda assim você me jogará na vala e minhas próprias roupas me abominarão’”[61].

Agostinho, em uma carta a Jerônimo, repete o ensino de Orígenes e Cipriano ao apelar para o costume universal e apostólico da Igreja de batizar crianças:

“Da mesma forma, quem quer que diga que os filhos que partem desta vida sem participar desse sacramento serão vivificados em cristo, certamente contradiz a declaração apostólica, e condena a igreja universal, na qual é prática não perder tempo e correr apressadamente para administrar o batismo a crianças pequenas, porque se acredita, como uma verdade indubitável, que de outra forma elas não podem ser feitos vivos em Cristo. Agora, aquele que não é vivificado em Cristo deve necessariamente permanecer sob a condenação, da qual o apóstolo diz, que pela ofensa de um julgamento veio sobre todos os homens para condenação (Romanos 5:18). Toda a igreja acredita que as crianças nascem sob a culpa desta ofensa. É também uma doutrina que o senhor expôs com mais fidelidade, tanto em seu tratado contra Joviniano quanto em sua exposição de Jonas, como mencionei acima, e, se não me engano, em outras partes de suas obras que não li ou no momento esqueci.”[62]           

Agostinho apela para uma consciência, uma crença universal da Igreja, que ele sabia que ninguém duvidaria: a crença de que o batismo infantil era necessário porque as crianças nasciam caídas e perdidas. Esse mesmo argumento será repetido em seu debate contra Juliano, o último discípulo de Pelágio, sem nunca ser contestado a respeito dessa crença. Aliás, Agostinho, em sua obra contra Pelágio, o desafia diversas vezes a não batizar as crianças, já que ele acredita que elas não nascem caídas, apelando mais uma vez para uma crença universal da Igreja Antiga: as crianças precisam ser batizadas porque herdam o pecado de Adão.

Diante de tantas evidências, como a tese de Ken Wilson pode permanecer de pé?

Conclusão

São Jerônimo, contemporâneo de Santo Agostinho, afirmou a seu respeito, após a condenação de Pelágio em 418, que Agostinho era o restaurador da fé antiga. Assim, ele era reconhecido no mundo católico: “Você é conhecido por todo o mundo; católicos honram e estimam sua pessoa como aquele que restabeleceu a antiga fé.”           

Agostinho e vários pais da Igreja anteriores tiveram diversas influências filosóficas, mas no debate com Pelágio, apenas um deles foi reconhecido por ter restaurado a fé antiga – Santo Agostinho. Agostinho não foi considerado um inovador, mas sim o defensor da ortodoxia, enquanto Pelágio, esse sim, foi visto como o verdadeiro inovador e corruptor da fé antiga. O próprio Agostinho, na carta 194 dirigida a Sisto, afirma diversas vezes que os pelagianos eram inovadores e agradece pela Igreja de Roma concordar com a Igreja da África ao condenar os pelagianos.

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[1]Todos os destaques em negrito são do autor.

[2]Haverá uma discussão sobre isso na versão ampliada desse trabalho que sairá em físico pela Editora Theophilus.

[3]CUNITZ, Edouard (Ed.), BAUM, Johann-Wilhelm (Ed.), REUSS, Eduard Wilhelm Eugen (Ed.). Joannis Calvini opera quae supersunt omnia. Brunsvigae : C.A. Schwetschke, 1863, 59 tomes en 58 vol.: ill. ; 27 cm. Defensio sanae et orthodoxae doctrinae de servitute et liberatione humani arbitrii adversüs calumnias Alberti Pighii Campensis. p 279.

[4]TWISSE. W. The Five Points of Grace & of Predestination: Defined and Defended Against an Arminian Remonstrant – p 8

[5]TURRETIN, F. Compêndio de Teologia Apologética. Vol 1. São Paulo-SP. Cultura Cristã. 2011. p 818

[6]CALVINO, J. Institutas 1.18.3

[7]CALVINO, J. Da Eterna Predestinação: uma resposta a Pigius. Theóphilus Editora. São Luis – MA. 2021. p 34-35

[8]Estamos usando esse termo no sentido em que Agostinho e os escolásticos empregaram, não estamos usando em um sentido materialista, fatalista ou ocasionalista.

[9]Cleantes de Assos. Hino a Zeus. Disponível em: https://viciodapoesia.com/2014/08/11/cleantes-de-assos-hino-a-zeus/. Acesso em 15/12/2024.

[10]JUSTINO. Apologia, 20.

[11]FROSBERY, Aníbal Ernesto. La Doctrina de la Iluminación y el Medioevo. 2a ed. Mar del Plata: Universidad FASTA, 2011. p 43.

[12]Ibid. p 3.

[13]BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record. 2020. p 459.

[14]POHLE, Joseph. Enciclopédia Católica-Pelágio e o Pelagianismo. 1913. Disponível em: https://en.m.wikisource.org/wiki/Catholic_Encyclopedia_(1913)/Pelagius_and_Pelagianism. Acesso em: 14/01/2025.

[15]FELIX, Minucius. The Octavius. Ante-Nicene Fathers/Volume IV/Minucius Felix/The Octavius of Minucius Felix/Chapter 19. Disponível em: https://en.wikisource.org/wiki/Ante-Nicene_Fathers/Volume_IV/Minucius_Felix/The_Octavius_of_Minucius_Felix/Chapter_19

[16]Ibid. Cap 11.

[17]Ibid. Cap 11.

[18]TERTULIANO. De Praescriptione Haereticorum. 32.

[19]DIDAQUÊ. 3.10. Disponível em: https://spurgeonline.com.br/wp-content/uploads/2021/09/DIDAQUE_-_A_Instrucao_dos_Doze_Apostolos.pdf. Acesso em 21/11/2021.

[20]TERTULIANO. De Praescriptione Haereticorum. 32.

[21]Série Pais da Igreja. Carta de Policarpo aos Filipenses e o Martírio de Policarpo. Porto Alegre. Repositório Cristão. 2021. Cap 7.

[22]Policarpo. Segunda Carta aos Filipenses. Cap 2

[23]Martírio de São Policarpo. Cap 2.

[24]BUNSEN apud HANSON, J. W. Universalism The Prevailing Doctrine Of The Christian Church During Its First Five Hundred Years. Boston and Chicago Universalist Publishing House. 1899. Disponível em: https://www.tentmaker.org/books/Prevailing.html. Acesso em 08/01/2025.

[25]LIÃO, Irineu. Contra Heresias. Livro II. 25.1.

[26]LIÃO, Irineu. Contra Heresias. Livro II. 26.3.

[27]LIÃO, Irineu. Contra Heresias. Livro II. 26.1.

[28]LIÃO, Irineu. Contra Heresias. Livro III. 24.2.

[29]LIÃO. Irineu. Contra Heresias. Livro II.5.4.

[30]LIÃO, Irineu. Demonstração da Pregação Apostólica. Patrística 33. Paulus. p 16.

[31]Ibid 18. p 29

[32]ORÍGENES. Tratado sobre os Princípios. Introdução.

[33]EDWARDS, Mark, J. Origen. The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Summer 2022 Edition. Edward N. Zalta (ed.). Disponível em https://plato.stanford.edu/archives/sum2022/entries/origen/. Acesso em: 08/01/2025.

[34]“Mas quando se faz qualquer coisa – esses dizem – é inevitável que se faça qualquer coisa de justo, ou qualquer coisa de menos justo, e o mesmo acontece com o agir: alguns progridem e vêm a ser melhores, outros, piores. A liberdade do arbítrio, de fato, resultará sempre da natureza racional, e é possível que até mesmo aquele, que pelo esplendor de sua glória, era Lúcifer, e que, pela luz da ciência que surgia ao amanhecer, fosse transformado, da glória que possuía, em trevas, por causa da maldade que o assolava” (Rm 6,8-10 Livro, Livro V, X).

[35]ORÍGENES. Comentário aos Romanos 5.10.

[36]HANSON, J. W. Universalism The Prevailing Doctrine Of The Christian Church During Its First Five Hundred Years. Boston and Chicago Universalist Publishing House. 1899. Disponível em: https://www.tentmaker.org/books/Prevailing.html. Acesso em 08/01/2025.

[37]JERÔNIMO. Apologia Contra os Livros de Rufino. Livro I.6.

[38]Estamos cientes de que há variações nas crenças desses pais, mas esse não é o local apropriado para esse debate.

[39]ARMÍNIO, Jacó. As Obras de Armínio. Vol 3. Rio de Janeiro: CPAD. 2015. p 378.

[40]BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record. 2020. p 494

[41]BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record. 2020. p 487.

[42]GALE, T. Filosofia Reformada: Da Predeterminação Divina quanto ao ato entitativo do pecado. Livro III. Parte IV. Theóphilus Editora. São Luís – MA. 2023. p 30.

[43]CALVINO, J. Institutas 1.15.3.

[44]Segunda Confissão de Fé Helvética por Heinrich Bullinger. Seção 9.

[45]Ibid.

[46]CALVINO, J. Dedicatória do comentário de Salmos. Vol 1, p. 37.

[47]CALVINO, J. Comentário da Carta Aos Romanos. Edições Parakletos, 2001, p. 71.

[48]HANSON, J. W. Universalism The Prevailing Doctrine Of The Christian Church During Its First Five Hundred Years. Boston and Chicago Universalist Publishing House. 1899. Disponível em: https://www.tentmaker.org/books/Prevailing.html. Acesso em 08/01/2025.

[49]PELIKAN, Jaroslav. Tradição Cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina. Vol 1. Surgimento da Tradição Católica 100-600. SHEDD Publicações. 2014. p 113.

[50]RAMELLI, Ilária. Origen, Eusebius, the Doctrine of Apokatastasis, and Its Relation to Christology. Center for Hellenic Studies. Harvard University. Disponível em: https://web.archive.org/web/20180809152801/https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/5881.15-origen-eusebius-the-doctrine-of-apokatastasis-and-its-relation-to-christology-ilaria-ramelli. Acesso em: 13/01/2025.

[51]DOS SANTOS, Cândido. Jansenismo em Portugal. Faculdade de Letras da Universidade do Porto Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais. Porto. 2007.  p 183.

[52]JERÔNIMO. Apologia Contra os Livros de Rufino. Livro I.22

[53]JERÔNIMO. Apologia Contra os Livros de Rufino. Livro I.22

[54]JERÔNIMO. Apologia Contra os Livros de Rufino. Livro I.12

[55]BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record. 2020. p 429.

[56]Ibid.

[57]CIPRIANO. Carta de São Cipriano, bispo de Cartago, e de outros 66 bispos do norte da África, dirigida ao presbítero Fido, no ano 253 da era cristã. Disponível em: https://www.cristianismo.org.br/batismo-documentos-5.htm . Acesso em 06/01/25.

[58]ORÍGENES. Homilia 14. Lc 2,21-24. Patrística 34. Paulus

[59]PRAT, Ferdinand. “Orígenes e Origenismo.” The Catholic Encyclopedia. Vol. 11. Nova York: Robert Appleton Company, 1911. Disponível em: <http://www.newadvent.org/cathen/11306b.htm>. Acesso em 06/01/25.

[60]HERMAS. O Pastor. Parábola 9.93

[61]JERÔNIMO. Contra Joviniano. Livro II. 393 d.C. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/1102166.htm. Acesso em 13/01/2025.

[62]AGOSTINHO. Carta 166. 415. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/1102166.htm. Acesso em 06/01/25.

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