O que é oração?

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O que é oração? Já se disse que “as definições devem ser sempre o ponto de partida para […] duas pessoas começarem uma discussão considerável”.[1] Sabemos que a oração é necessária. Sabemos que ela não ocorre naturalmente para nós. Assim como os discípulos, nós também precisamos aprender a orar. Contudo, é inútil falar sobre oração e como ela molda a igreja se primeiro não chegarmos a um acordo sobre o que é oração.

Talvez você esteja dizendo: “Isso é perda de tempo. Todos sabem o que é oração. Nem é preciso ser crente para saber o que é oração”. Vamos com calma! Às vezes as palavras mais comuns são as mais difíceis de definir.

Você usa com frequência a palavra “portanto”? Ninguém jamais lhe interrompeu no meio de sua frase pedindo que você esclareça o uso da palavra “portanto”. Parece que essa palavra dispensa definição. Mas, vamos lá, sem usar o dicionário ou o Google, defina-a.

Entende o que quero dizer? É uma palavra mais fácil de usar do que de definir. Por vezes, as palavras mais comuns causam mais embaraço, e “oração” é um exemplo disso. Há inúmeras definições de oração, vejamos algumas:

Orar é falar com Deus. Simplesmente fale com Deus como você falaria com seu melhor amigo. Não é necessário aprender a falar com Deus. Apenas fale.

Orar é pedir algo a Deus. A oração é o nosso decreto e exigência de que Deus faça o que queremos que ele faça. É lutar com Deus até que ele nos dê o que desejamos. Deus dificulta as coisas com o intuito de ver o quanto queremos aquilo por que oramos. Temos de exigir o que queremos dele. Precisamos mencionar o que queremos e reivindicar isso.

Orar é alinhar nossa vontade com a de Deus. Orar não diz respeito a obter algo de Deus nem a fazer que ele aja. Ele sabe o que você precisa e já decidiu se vai lhe dar isso ou não. Oração na verdade só diz respeito ao alinhamento da sua vontade com a dele. Oração diz mais respeito a você do que a Deus.

Orar é encaminhar o desejo na direção de Deus. Orar nada mais é do que desejar o melhor quando se toma conhecimento de uma tragédia, ou desejar o bem quando se sabe que alguém está esperançoso sobre um resultado.

Oração é uma mistura de tudo isso. Quem está certo? Não podemos nos contentar com uma definição qualquer. Precisamos da correta. Por quê? Porque a interpretação equivocada gera aplicação equivocada. Você já ouviu a história do homem que deu de presente à mãe um papagaio muito caro no Dias das Mães? Ele pagou dez mil dólares por um papagaio que falava quarenta línguas e cantava alguns hinos. Ele enviou o pássaro para a mãe e não teve nenhuma notícia nem comentário durante alguns dias. Apreensivo para saber se ela havia gostado do pássaro, ele telefonou para ela e perguntou:

— Mãe, o que a senhora achou da ave? —, ao que ela respondeu:

— Achei ótimo!

Orgulhoso, o filho perguntou:

— Qual foi sua parte favorita?

Ela respondeu:

— As coxas, estavam deliciosas.

Interpretação errada, aplicação errada.

O que a oração não é

Em razão do espaço, não poderemos abordar as definições uma por uma, todavia vamos falar, ainda que brevemente, sobre alguns conceitos comuns que as pessoas têm sobre a oração.

A passagem de Êxodo 33.11 nos diz que Moisés falou com Deus face a face, da mesma maneira que um homem fala com seu amigo. Acredito que é possível construir uma teologia errônea com base em uma aplicação equivocada desse versículo. Embora, em parte, oração seja falar com Deus como se fala com um amigo, essa definição, por si só, é uma simplificação exagerada.

Jesus era Deus de carne e osso. Portanto, todas as vezes que os discípulos conversavam com Jesus, eles conversavam com Deus da mesma maneira que conversavam com qualquer outra pessoa. Se orar significasse simplesmente falar com Deus, e Jesus era Deus, logo não deveríamos considerar todas as conversas que alguém teve com Jesus como oração? Não acredito que Jesus tinha essa visão.

Quando Filipe pede a Jesus que lhes mostre o Pai, Jesus responde: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14.9). Parece que Jesus lhe disse: “Não procure mais. Se você me viu, viu a Deus” (veja Hb 1.3). Quando os discípulos pedem a Jesus que lhes ensine a orar, ele, porém, não responde da mesma maneira. Ele não diz: “Bem, se você falou comigo, você falou com o Pai”. Ao contrário, ele lhes dá instruções, dá um modelo de como se dirigir a alguém que não é a pessoa diante deles: “Pai nosso” (Mt 6.9-15; veja tb. Lc 11.1-4).

Embora seja mais do que uma conversa informal com nosso Criador, a oração está longe do torcer o braço de Deus para conseguir o que queremos. Deus é todo-poderoso. Não podemos lhe torcer o braço. Ele é muito forte. Não podemos fazer permutas com ele assim como a minha filhinha não pode fazer permutas comigo: ela não tem nada que eu queira ou precise. Não podemos exigir nada de Deus, pois é impossível coagir alguém que não necessita de nada.

Você percebe o que quero dizer com dificuldade de entender o que é oração? Não é tão simples quanto as definições prontas e cristalizadas que crescemos ouvindo e temos como certas e imutáveis.

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[1] James R. Estep Jr.; Michael J. Anthony; Gregg R. Allison, A theology for Christian education (Nashville: B&H, 2008), p. 6.

Trecho extraído e adaptado da obra “Oração: como a oração comunitária molda a igreja“, de John Onwuchekwa, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2019, pp. 34-37. Traduzido por Ubevaldo G. Sampaio. Publicado no site Teologia Brasileira com permissão.

Para os cristãos, a oração é tão essencial à vida espiritual quanto a respiração para o corpo humano. Todavia, na maioria das vezes, ela não ocorre naturalmente. Na verdade, a igreja geralmente deixa a oração de lado e sutilmente volta a atenção para atividades pragmáticas que prometem resultados concretos.

Este livro tem como foco a necessidade da igreja local de retornar à oração como hábito fundamental e assim nos despertar para a necessidade e a bênção que é a oração coletiva. Neste volume da Série 9Marcas, John Onwuchekwa examina o que Jesus ensinou sobre a oração, como os primeiros cristãos lidaram com ela e como priorizá-la em nossos encontros.

Publicado por Vida Nova.

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