O Concílio Vaticano II em perspectiva evangélica

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Existem tarefas que podem ser postergadas no tempo, mas que não podem ser evitadas ao infinito. Cedo ou tarde, exigem ser executadas, sob pena de fracasso. Existem responsabilidades que podem ser procrastinadas até tempos melhores, mas não adiadas continuamente. Cedo ou tarde, é preciso tomar para si o encargo de enfrentá-las, sob risco de estagnação na inação. Em certo sentido, a teologia evangélica se encontra em situação parecida em relação ao Concílio Vaticano II (1962-1965). A uma distância de cinquenta anos, a interpretação teológica do Vaticano II ainda é uma tarefa que não foi executada seriamente, uma responsabilidade que não foi assumida pela teologia evangélica. O Vaticano II foi substancialmente negligenciado, visto de modo apressado ou tratado com grande superficialidade.

No nosso tempo favorável ao diálogo, muitos evangélicos em diferentes organismos institucionais (de igrejas, de movimentos etc.) lançaram-se em iniciativas de confronto teológico com o catolicismo. Ao norte e ao sul do mundo, então, constatam-se comprometedoras declarações de evangélicos que tomam posição acerca da “renovação” dentro da Igreja Católica ou que difundem entendimentos do catolicismo com base em uma radical diferença em relação à estrutura pós-tridentina. “O catolicismo mudou”: esta é a síntese. ­­

O problema é que muitas destas iniciativas evangélicas são viciadas por uma deficiência de base. Pretendem confrontar-se com o catolicismo sem ter feito o esforço de entender o Vaticano II. Exprimem uma avaliação do catolicismo que não foi filtrada pela análise teológica do Vaticano II. Chegam até a “pontificar” sobre o catolicismo contemporâneo sem ter feito a lição sobre o Concílio. O resultado é que, com muita frequência, os evangélicos chegam ao confronto com Roma em jejum e acabam por comer quase tudo o que veem pela frente, sem ter as enzimas necessárias para metabolizar o diálogo. A tarefa ignorada dá a ilusão de poder ser postergada, mas o preço de tal negligência corre o risco de ser muito salgado.

Confrontar-se com o Vaticano II é uma exigência que não pode ser adiada. Quem deseja entender o universo católico romano contemporâneo precisa passar necessariamente pelo Concílio Vaticano II. Trata-se de uma passagem obrigatória que não admite atalhos ou rotas alternativas. Isto não significa, necessariamente, fechar-se no Concílio, na medida em que o catolicismo é uma religião histórica e viva que precede e sucede ao Vaticano II — em suma, ultrapassa-o. Em todo caso, lidar com ele, avaliar os seus documentos e o seu “espírito”, fazer a relação entre o que o catolicismo foi antes do Concílio e o que teria se tornado em seguida, é um ato de responsabilidade teológica para quem quer que deseje desembaraçar-se nas dinâmicas religiosas do mundo contemporâneo. O Vaticano II é, portanto, um meio imprescindível para tentar se orientar, sem se perder ou sem decair em entendimentos precipitados ou excessivamente parciais, no universo católico e, através deste, no cenário religioso e ecumênico atual.

Para qualquer pessoa, o risco de contentar-se com leituras descuidadas do catolicismo contemporâneo é elevado, ainda que não faltem os instrumentos úteis para penetrá-lo teologicamente.[1]

Para os evangélicos, em particular, isto tem como custo serem esmagados, mais ou menos conscientemente, com o abraço do catolicismo atual, que transformou os “hereges” de um tempo nos “irmãos separados” do pós-Concílio. A sedução nos confrontos dos evangélicos, a partir do Concílio, começou com o catolicismo missionário e combativo sobre os valores “inegociáveis” de João Paulo II, passando pelo catolicismo “ortodoxo” e “agostiniano” de Bento XVI e aumentando a sua força atrativa com o catolicismo amigável e “espiritual” do papa Francisco. Os evangélicos ficaram sem rumo diante de tais movimentos, em certa medida impensáveis numa época pré-conciliar. Enfim, se não partirmos do Vaticano II, não compreenderemos nada do que ocorreu nos últimos cinquenta anos e nos condenaremos a ser enredados, talvez inconscientemente, pelo abraço vigoroso e envolvente do catolicismo romano.

Vaticano II: a teologia evangélica posta à prova

É opinião já difundida que, no âmbito da cristandade contemporânea, as entidades que gozam de certa vitalidade e que têm um futuro, ao menos aparente, são o catolicismo romano e o evangelicalismo.[2] Depois de terem por décadas apostado bastante atenção ao diálogo com as igrejas protestantes históricas, que hoje se arrastam e não dão sinais de retomada, cada vez mais expoentes da Igreja Católica estão se apercebendo que não podem mais dar-se ao luxo de ignorar ou subestimar o confronto com o mundo multifacetado do evangelicalismo. Os evangélicos tornaram-se um interlocutor ecumênico “interessante”, a ponto de determinar um deslocamento do eixo de atenção da parte de Roma no confronto com eles. Em contrapartida, os evangélicos, historicamente tão abertos à unidade cristã que foram os “inventores” do ecumenismo moderno, com a formação da Aliança Evangélica em Londres, em 1846,[3] mas igualmente opostos ao catolicismo romano, por um lado, e ao liberalismo protestante, por outro lado, afastaram-se da sua marginalidade conflituosa nas últimas décadas e entraram em círculos outrora impensáveis. Ao se tornarem uma realidade numericamente impressionante e globalmente difundida, abriram-se a diversas formas de “diálogo”, sem saber bem o que estivessem fazendo, além de não mostrar uma consciência teológica à altura da situação. O desejo justamente de refutar o estigma de “seita” os levou rapidamente a aceitar uma postura mais branda, menos abrasiva, fluida em muitas frentes.

Isto se aplica, sobretudo, nos confrontos com o catolicismo romano. E, aqui, entra em jogo o Vaticano II, na medida em que o Concílio foi o evento que redefiniu a agenda católica no século XX e assinalou uma troca de marcha nas relações externas a ele. Redesenhando a abordagem católica nos confrontos com outras igrejas e movimentos cristãos, segundo o princípio da “fraternidade separada”, o Vaticano II atenuou as asperezas do passado, marcado pela luta contra os “hereges”e tentou alinhavar relações espiritualmente amigáveis, pacíficas e até colaborativas. Este “aggiornamento” ou “atualização” do lado católico surpreendeu, em certa medida, os interlocutores evangélicos que, timidamente, dispuseram-se a participar da interlocução, estupefatos com a tal “novidade”, mas talvez despreparados para encarar tal desafio.[4]

Depois de aprofundarmos os diferentes contextos nos quais se desenvolveu o interesse recíproco entre catolicismo e evangelicalismo a partir dos anos de 1960, avaliaremos as leituras do Vaticano II por parte de teólogos evangélicos que se aventuraram, em diversas funções e com diferentes níveis de aprofundamento, na tarefa de aferir os textos do Concílio, para, então, abrirmos uma série de reflexões que permitam uma leitura teologicamente consciente do Vaticano II, de uma perspectiva evangélica.

I. Entrelaçamentos de mundos distantes

O quadro em movimento das relações globais entre catolicismo e evangelicalismo encontra, no Concílio Vaticano II, um ponto de inflexão fundamental, sendo oportuno prestar mais atenção ao novo contexto que ele abriu no mundo católico e que teve importantes paralelos no mundo evangélico, do Congresso Missionário em Berlim em diante. O debate relativo às complexas dinâmicas do mundo católico não pertence ao enfoque de interesse deste estudo. Aqui, a tentativa de aprofundamento dirá respeito à vertente do mundo evangélico: o modo como ele se articulou depois da Segunda Guerra e os pontos de intersecção registrados com o mundo católico. Abordaremos três âmbitos para mostrar a rede de contatos que, após o Concílio, desenvolveram-se com o mundo evangélico e que podem ser considerados a substância espiritual, cultural e institucional em que aconteceu e ainda acontece a compreensão do Vaticano II no mundo evangélico.

  1. O interesse pela missão

O Vaticano II foi celebrado num tempo em que o cristianismo não-católico estava se reorganizando, após a tragédia das duas guerras mundiais. Com o estabelecimento do Conselho Mundial de Igrejas (Amsterdam, 1948), o movimento ecumênico, expressão do protestantismo “histórico”, recobrara vigor, depois das origens no começo do século e ganhara uma plataforma comum para o futuro.[5] À margem das igrejas históricas, nos primeiros anos da década de 1960, o mundo evangélico não havia ainda totalmente se recuperado do choque do pós-guerra e estava cerrando mais uma vez as próprias fileiras depois de esgotar-se com o sobressalto desencadeado pelo Fundamentalismo no começo do século. Em 1951, a Aliança Evangélica retomara as próprias atividades, dispondo de um perfil mundial que a levaria a se transformar em organismo representativo em escala global nas décadas seguintes. Além disso, apareceu do outro lado do Oceano Atlântico o ativismo que rodeava o emergente evangelista americano Billy Graham (1921-2018).

Foi somente em 1966, com o Concílio Vaticano II já terminado havia um ano, que o Congresso de Berlim sobre a missão, por iniciativa de Graham, contribuiu para a ressurgência do evangelicalismo como movimento suficientemente dotado de uma fisionomia e projeção próprias. De Berlim em diante, seriam criadas as bases que tornariam possível o Congresso de Lausanne para a evangelização do mundo (1974), verdadeira plataforma de lançamento e referência internacional do movimento evangélico contemporâneo, cujos efeitos reverberaram e tiveram seus desdobramentos nos congressos de Manila-Lausanne II (1989) e Cidade do Cabo-Lausanne III (2010).[6] A teologia evangélica foi significativamente influenciada pelo “espírito” de Lausanne.[7]

Em Lausanne, na verdade, o impulso evangelístico e a força financeira americana se reuniram sob a direção teológica de John Stott e com o apelo à “missão integral” apresentado pelo evangelicalismo emergente da América Latina (E. Padilla, S. Escobar), resultando na “teologia de Lausanne”. Ela reiterava as propostas clássicas da Reforma (a autoridade das Escrituras e a justificação somente pela graça) e as dos Avivamentos (a necessidade da conversão pessoal) com a urgência da missão cristã de uma perspectiva holística. Não por acaso, apenas depois de Lausanne se deu o diálogo informal sobre a missão entre grupos de trabalho evangélicos e católicos (1977-1984), sob a presidência de John Stott e Basil Meeking.[8]

Os últimos vinte e cinco anos de relações entre católicos e evangélicos podem ser lidos pelo prisma que mostra um percurso paralelo sobre temas e sensibilidades parecidas, conduzido em encontros e contatos cada vez mais frequentes. Em suma, pode-se entrelaçar as histórias do evangelicalismo contemporâneo e do catolicismo romano, por exemplo, pelo tema da missão. De maneira esquemática, pode-se simplificar o paralelismo histórico que continua em curso.

Ao decreto Ad gentes do Vaticano II (1965) sobre a atividade missionária da igreja, seguiu-se a Declaração de Berlim (1966) sobre a missão, fruto de um congresso missionário internacional patrocinado por Billy Graham e presidido por Carl Henry. Berlim é considerado o pai do Movimento de Lausanne.

Ao Pacto de Lausanne (1974), seguiu-se a exortação apostólica Evangelii nuntiandi de Paulo VI, em 1975, dando então lugar ao já citado diálogo informal Evangelical RomanCatholic dialogue on mission [Diálogo evangélico e católico-romano sobre missão] (1977-1994), que viu o envolvimento direto de John Stott.

Ao Manifesto de Manila ou Lausanne II (1989), seguiu-se a encíclica Redemptoris missio de João Paulo II, em 1990. Também neste caso, o tema da missão no mundo contemporâneo foi o plano de fundo para a reflexão dos respectivos mundos de referência.

Por fim, ao Compromisso da Cidade do Cabo ou Lausanne III (2010), seguiram-se a constituição, por parte de Bento XVI, do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização (2010) e a convocação do Sínodo dos bispos sobre o mesmo tema (2012). Neste caso, a missão foi assumida como “nova evangelização” do mundo ocidental, mas é evidente que a sensibilidade em que ela se alicerça é missionária.

É como se os dois movimentos estivessem percorrendo caminhos ora paralelos, ora entrecruzados, concentrando-se sobre temas comuns da missão no mundo contemporâneo. Seria interessante estudar estes entrelaçamentos para estabelecer o nível de efetiva distância ou convergência teológica presentes nos documentos e nas dinâmicas missiológicas correspondentes. Em todo caso, convém registrar a constatação de que a atenção evangélica pareça estar concentrada na missiologia e que o interesse com relação ao catolicismo tenha sido mediado pela missão. A impressão é que, para além do uso de um vocabulário parecido (que orbita no universo da missão), resta ainda elaborar uma compreensão evangélica da missão católica. A proximidade das linguagens sobre a missão não significa, necessariamente, convergência das teologias da missão. De todo modo, é a partir da missão que o evangelicalismo começou a receber e a enviar sinais de interesse, nas suas confrontações com o catolicismo.

  1. As guerras culturais

Há outra frente em que os dois mundos se encontraram, sobretudo em certos contextos geográfico-culturais do ocidente. Após a queda da ideologia totalitária do comunismo, que fazia contraponto àquela das democracias liberais, a secularização das sociedades ocidentais progressivamente erodiu o patrimônio dos “valores” religiosos que as impregnava. Paradoxalmente, tanto o catolicismo quanto o evangelicalismo do pós-guerra desenvolveram leituras ferrenhamente críticas da ideologia ateísta do comunismo, mas sem reduzir as distâncias siderais entre ambos. Em seguida à implosão do comunismo, o ocidente veio a conhecer a aceleração da secularização, e a esta altura começou-se a registrar as convergências entre as almas religiosamente “conservadoras” da sociedade, acuadas com o avanço dos impulsos libertários da cultura contemporânea, em detrimento da ordem tradicional sobre temas da vida e da família.

A controvérsia sobre a legalização do aborto por demanda foi emblemática desta aproximação entre as partes, em nome dos “valores cristãos”. O caso Roe vs. Wade de 1973, nos Estados Unidos, polarizou a frente “pró-vida”, guiada pelo pensamento católico tradicionalista e pelo evangélico, em relação ao pensamento “pró-escolha”, impulsionado pelo pensamento secularizado e pelos componentes liberais do protestantismo, determinando um alinhamento transversal entre católicos e evangélicos. Diferentemente do que se passou nos confrontos com o comunismo, desta vez o inimigo comum da secularização realmente aproximou as duas áreas, desencadeando processos de reconhecimento recíproco e de descoberta mútua. O caso do aborto foi apenas o primeiro que viu a emergência das “guerras culturais” (culture wars) comuns no campo da ética social e da bioética. Do aborto, passou-se à eutanásia, depois à defesa do embrião, depois ao reconhecimento das uniões homossexuais e, então, à preservação da família tradicional. Os dois mundos se descobriram alinhados por todos os lados na arena do debate público e, a partir desta convergência, deram início à interlocução de modo amplo, certamente sem precedentes no passado de ambos, marcado pela abrasividade recíproca. A batalha pela vida foi um terreno mais fecundo do que as questões doutrinárias, que, por sua vez, foram postas de lado, uma vez que toda a atenção se voltou para as controvérsias éticas e sociais.

Neste clima cultural, nos Estados Unidos teve início um diálogo informal dirigido por Chuck Colson, do lado evangélico, e Richard Neuhaus, do lado católico. Em 1994, a iniciativa elaborou um documento intitulado Evangelicals and catholics together [Evangélicos e católicos unidos],[9] buscando passar da convergência em assuntos éticos para a exploração de possíveis aproximações em temas espirituais e missionários. Uma certa superficialidade teológica, certamente animada por boa vontade e impulsionada por preocupações compreensíveis, levou os participantes a identificar uma substancial convergência doutrinária, a ponto de poderem trabalhar juntos não só na arena pública, mas também numa “missão comum” bem mais empenhada. É como se entraves teológicos fundamentais e cinco séculos de história tivessem sido cancelados, num passe de mágica, tendo em conta a secularização galopante e os seus riscos sentidos.

Em 1997, um segundo documento, “The gift of salvation” [O dom da salvação], aumentava ainda mais a dose, chegando a declarar que a secular controvérsia sobre sola fide fora substancialmente superada. Em não mais do que algumas páginas, Lutero e Trento foram, de fato, considerados peças de museu, com a consequência de que o documento ficou mais próximo de Trento, sendo-lhe mesmo compatível, mas, sem dúvida, afastou-se da Reforma, atenuando a força radical de sola fide que é incompatível com a visão sacramental da salvação e da igreja.[10] Os subscritores católicos exerceram um pouco de elasticidade na linguagem, sem assim haverem contradito a doutrina tridentina, enquanto os evangélicos pagaram a taxa mais onerosa com o afrouxamento das categorias forenses da mensagem bíblica apropriada pela Reforma. Comentários semelhantes poderiam ser estendidos a todos os documentos produzidos na série “Evangélicos e católicos unidos”.

Na esteira desse clima cooperativo nos Estados Unidos, houve também vozes destacadas que se indagaram se, na realidade, a Reforma não teria esgotado a sua carga propulsiva e, depois de cinco séculos, não poderia declarar-se definitivamente completada.[11] Semelhante pragmatismo pode ser atribuído à dificuldade evangélica de pensar teologicamente os desafios culturais e, portanto, de ler adequadamente as questões herdadas pela história. Isto torna particularmente vulnerável e superficial a interpretação evangélica da teologia católica e da sua sinuosa catolicidade, que está em posição de se flexionar, mas não de se curvar.

Além disso, este tipo de diálogo se vê afetado por uma síndrome de confusão daquilo que, pelo contrário, deve permanecer distinto. No caso, transforma as legítimas ocasiões de colaboração transversal na sociedade entre forças heterogêneas e em torno de objetivos comuns (co-beligerância) em uma forma de “aliança” que, presumidamente, fundamenta-se numa convergência sobre pontos cardeais da fé.[12] De todo modo, era como se o clima amigável inaugurado a partir do Concílio tivesse inibido ainda mais a capacidade de crítica saudável por parte da teologia evangélica, muita mais requisitada por causa do avanço da secularização que então representava o verdadeiro perigo à igreja contemporânea. O Vaticano II não figura diretamente nos diálogos de “Evangélicos e católicos unidos”, mas a longa onda provocada pelo clima pós-conciliar foi um dos fatores determinantes da iniciativa, sem que os participantes evangélicos tivessem até então demonstrado suficiente consciência disto.

  1. Os diálogos institucionais

Além da reflexão sobre temas da missão e do contexto das guerras culturais, a “descoberta” evangélica do Vaticano II e do catolicismo pós-conciliar passou também por uma temporada, ainda em curso, de diálogos oficiais entre a Aliança Evangélica Mundial (AEM) e o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos.

A história do diálogo apresenta aspectos muito interessantes.[13] Ele teve como plataforma de lançamento um documento que a Aliança Evangélica Mundial comissionou a uma força-tarefa de teólogos especialmente designada, dando-lhe o mandato de redigir uma perspectiva evangélica sobre o catolicismo. O resultado de tal trabalho, o Documento de Cingapura, foi a análise evangélica mais clara, concisa e eficaz sobre o catolicismo já lançada desde o Vaticano II.[14] Nele está presente um sumário de leitura evangélica que se esforça em ler o Concílio situando-o no contexto da história milenar da Igreja de Roma e tentando interligar os diversos elementos que compõem o universo católico. A conclusão a que chega o Documento de Cingapura é que, com base na sugerida leitura do catolicismo, existem “obstáculos insuperáveis” que impedem seriamente qualquer tipo de comunhão “enquanto não houver na igreja de Roma uma reforma fundamental em conformidade com a Palavra de Deus”. Ora, foi exatamente um documento assim, marcado pela parrésia evangélica e com traços pouco propensos à linguagem ecumenicamente correta, que incentivou o início de um diálogo institucional entre o organismo mais representativo do evangelicalismo global e o departamento vaticano responsável pelo diálogo ecumênico.

Não é este o lugar de examinar as várias etapas do diálogo iniciado em 1993 e ainda em andamento (Veneza 1993, Jerusalém 1997; Williams Bay 1999; Mundelein 2001; Swanwick 2002; São Paulo 2009; Roma 2011; Wheaton 2012). Um relatório provisório também foi publicado em italiano com o título “Chiesa, evangelizzazione e vincoli di koinonia” [Igreja, evangelização e vínculos de koinonia] (2002). Igualmente após críticas expressas por várias Alianças evangélicas em países de maioria católica, ele permaneceu no estágio de documento de estudo e não foi ratificado por nenhum dos dois organismos envolvidos no diálogo.[15]

Inúmeros materiais do diálogo foram publicados na revista do Comitê Teológico da AEM, Evangelical Review of Theology. Eles representam um exercício teológico não insignificante sobre temas cruciais, como a relação entre Escrituras e tradição, a justificação pela fé, a missão, até porque são fruto do trabalho de teólogos evangélicos experientes. Permanecem, porém, no estágio de colaborações de tendência fragmentária que se contentam em constatar o status quaestionis de uma doutrina particular ou de determinado tema, sem ter a força de sugerir uma análise no nível do sistema, extraindo-lhe as devidas consequências. Permanecem aquém de uma leitura abrangente do catolicismo e tocam somente na necessidade de acertar as contas com o Vaticano II, ajudando apenas em parte na tarefa de conscientizar teologicamente o movimento evangélico do peso que o Concílio teve para o catolicismo contemporâneo.

II. Ensaios de interpretação evangélica do Vaticano II

Os elementos até aqui reunidos mostram como a temporada do “diálogo” ocorrida no Vaticano II e no Congresso de Lausanne foi abordada com uma tendência bem intencionada do lado evangélico, que saltou de cabeça nas várias oportunidades de encontro e de confronto com a Igreja Católica e buscou interagir sobre as diversas questões colocadas na ordem do dia, sem, porém, indagar-se seriamente sobre o evento conciliar que reorientara o catolicismo, alterando-lhe os aspectos aparentes, ao menos nas relações externas.

É necessário, a esta altura, dar um passo para o lado e debruçar-se sobre tentativas de leitura do Vaticano II do lado evangélico. O fato de que, geralmente falando, o Concílio não foi assimilado nas suas dinâmicas basilares não significa que ele não tenha sido levado em conta num sentido absoluto. Nesta seção, portanto, será apresentado um panorama comentado dos modos como o Concílio foi lido e interpretado no mundo evangélico internacional. Esta breve resenha permitirá evidenciar as principais linhas interpretativas que caracterizaram a aproximação com o Vaticano II, bem como a precariedade delas em relação à complexidade do catolicismo contemporâneo.[16]

  1. O concílio que introduziu o “novo catolicismo”: Gerrit Berkouwer

O Vaticano II foi realizado num tempo em que as fileiras do evangelicalismo enquanto movimento suficientemente orgânico eram ainda bastante soltas para poderem formular uma representação unitária sobre o evento. Aconteceu, assim, que o único teólogo do campo evangélico a participar da assembleia conciliar na qualidade de observador foi o holandês Gerrit Berkouwer (1903-1996), em nome das Gereformeerde Kerken [Igrejas Reformadas] holandesas.[17]

Berkouwer é um dos “grandes” da teologia evangélica do século XX, embora não desprovido de aspectos deficientes na sua doutrina das Escrituras. Na sua obra dogmática de envergadura, o confronto com o catolicismo foi presente e constante. Em particular no volume de 1948, Conflict met Rome [O conflito com Roma],[18] portanto em plena fase pré-conciliar, Berkouwer sustenta a necessidade de uma abordagem sistêmica ao catolicismo. Diante de um universo histórica, teológica e institucionalmente complexo como a Igreja de Roma, reduzir a análise evangélica à somatória de leituras “atomísticas” das suas partes significa condenar-se a uma compreensão superficial e totalmente inadequada. Nisto, Berkouwer segue a tradição reformada de seu compatriota Abraham Kuyper, que, nas Lições sobre o calvinismo proferidas cinquenta anos antes em Princeton (1898), defendera a fundamentação de análises centradas na “visão de mundo” expressa pelas diversas orientações ideológicas e religiosas.[19] Para o Berkouwer pré-conciliar, o núcleo do catolicismo é constituído pela doutrina da encarnação contínua de Cristo na Igreja, pela doutrina romana da graça de caráter sinergista e pela deificação da natureza que é evidente, por exemplo, na mariologia católica. Nos confrontos com este catolicismo, da parte evangélica só pode haver um “conflito” teológico radical motivado pelo “coração” diferente que pulsa nas duas fés.

Depois de ter prestado atenção aos desdobramentos na teologia católica imediatamente anteriores aos anos do Concílio (sobretudo ligados à nouvelle théologie de Y. Congar, H. Bouillard e J. Daniélou),[20] Berkouwer participa do Vaticano II como observador e, com o Concílio ainda em andamento e durante as duas importantes constituições sobre a igreja (Lumen gentium e Gaudium et spes ainda não haviam sido aprovadas), publica, em 1964, a sua segunda monografia importante sobre o catolicismo: Vatikaans Concilie en nieuwe theologie (O Concílio Vaticano e a nova teologia).[21] O próprio título é programático. Para Berkouwer, o Concílio encorajou a “nova” teologia que levou a um “novo” catolicismo.

A “pressa” em publicar é indicação de um fervor devido a uma descoberta que se quer comunicar, sem tomar o tempo de penetrá-la de maneira mais aprofundada. O teólogo holandês se impressionou com a mudança de ênfases que foi se delineando no Concílio. Na eclesiologia, por exemplo, enfatizou-se a categoria bíblica do povo de Deus no caminho, com menos destaque para a sociedade hierárquica perfeita. Na revelação, o papel das Escrituras foi sublinhado na economia geral da teologia conciliar, e o papel da razão, a seu modo mantido pelo Vaticano, foi posto em segundo plano. Tudo isto implica, para Berkouwer, a quebra de uma teologia católica estática e autorreferencial e a simultânea abertura de oportunidades de diálogo com os evangélicos. O catolicismo está em movimento, e não se pode permitir ficar apenas a observar passivamente, vivendo das rendas históricas da polêmica confessional. É preciso aproveitar o momento de participar, externamente, de um confronto que pode empurrar essa dinâmica interna ainda mais adiante. Para o teólogo holandês, se a palavra de ordem de 1948 é “conflito”, a de 1964 é “diálogo”. Se, antes do Concílio, a linha de demarcação entre catolicismo e fé reformada passava pela orientação fundamental das respectivas teologias da graça, durante o Vaticano II a verdadeira questão que precisa ser aprofundada são as distintas articulações da eclesiologia.[22] Não é uma mudança pequena. A teologia da graça está na base de cada locus doutrinário e atravessa cada manifestação do sistema. A eclesiologia é, por sua vez, um locus específico e dá por certa uma abordagem de fundo comum no que diz respeito à graça. A primeira é uma questão que incide sobre toda a teologia e impõe um confronto em todos os campos; a segunda é um âmbito circunscrito em relação à totalidade e demanda um aprofundamento mais setorial. A primeira dá lugar a uma alternativa evangélica; a segunda se enquadra no terreno da compatibilidade ecumênica.

O que Berkouwer subestima é que o Concílio, sem dúvida, redistribuiu as tônicas doutrinárias e pastorais, mas, mesmo assim, sempre se tratou de deslocamentos de ênfases no interior de uma teologia cujos eixos de apoio não foram modificados e que permaneceu intacta na sua estrutura geral. A oportunidade de participar diretamente de um evento é a outra face da moeda do risco de perder a distância necessária e a lucidez crítica em relação ao que se vê e experimenta. Uma leitura menos impulsiva e mais ponderada sobre o Vaticano II talvez tivesse evitado em Berkouwer a ingenuidade de se surpreender com a visão da mudança católica que, na realidade, o fez perder de vista a continuidade substancial que o Concílio reiterou. Não é possível interpretar responsavelmente o catolicismo esquecendo o longuíssimo caminho histórico-doutrinário da Igreja de Roma e concentrando-se, quase exclusivamente, num dado momento histórico. O catolicismo não é jamais só aquilo que aparece num dado momento histórico. É isto e, ao mesmo tempo, tudo que o precede.

  1. O concílio que criou polarizações sem resolução: David Wells

Talvez não haja teólogo evangélico vivo que tenha, tanto quanto David Wells (1939- ), refletido teologicamente sobre a parábola ascendente do movimento evangélico nos anos de 1960 e sobre os seus sintomas de crise a partir dos anos de 1990. Olhando sobretudo para o contexto americano, Wells é a alma crítica e autocrítica do evangelicalismo ocidental, cujo crescimento numérico e decréscimo identitário ele observa simultaneamente, à custa do nivelamento à cultura consumista totalmente centrada no culto de si.[23]

Nos seus anos de juventude, Wells foi teólogo evangélico que levou a sério a exigência de dar atenção às dinâmicas do catolicismo que surgiu a partir do Vaticano II. O seu livro de 1972, Revolution in Rome [Revolução em Roma],[24] foi um dos pouquíssimos escritos evangélicos de certa espessura sobre os textos do Concílio. No estudo dos documentos, Wells percebe imediatamente ter diante de si um complexo teológico fruto de hábeis e sábias concessões que foram reunidas, não por meio de uma operação de síntese ponderada, mas mediante um amontoamento provisório de dados divergentes. A argumentação do Concílio procede por justaposição de ideias, conceitos, pensamentos, em que “teologias incompatíveis entre si” são colocadas umas ao lado das outras, numa obra de complexio oppositorum.

Os títulos dados aos capítulos do livro ilustram a perplexidade de Wells ao lidar com o Concílio: “Quem fala por Roma hoje?”; “Autoridade: interna ou externa?”; “Deus: na cidade terrena ou na celeste?”; “O cristianismo: uma definição aberta ou fechada?”; “A igreja: o povo ou o papa?”. Os documentos do Vaticano são perpassados por uma cisão longitudinal. Para o teólogo evangélico, eles suscitam perguntas abertas às quais se pode responder de modos distintos, seguindo alguns textos em detrimento de outros, mas que poderiam ser invertidas, se os textos de referência fossem uns, e não outros. No Concílio, Roma mostrou ter uma “mente dividida” que gera uma fluidez em que ainda não se diz qual corrente prevalecerá. Por ora, a tensão entre tradição e atualização não fora resolvida, mas simplesmente constatada, à espera de desdobramentos posteriores.

É claro que a persistente, coerente e científica aplicação da epistemologia católica do et-et (e-e), despista e confunde o teólogo evangélico acostumado a escolher entre Deus e os ídolos, entre a Bíblia e as tradições humanas, entre a graça e as obras, entre Cristo e os santos. A teologia do Concílio desempata as cartas em relação ao aut-aut (ou-ou) evangélico e adota uma abordagem radicalmente diferente. Em vez de fazer escolhas claras que rompem com o passado ou que simplesmente o reformulem, a teologia do Concílio quer ser uma teologia que reitera Trento e o Vaticano I, mas que adota de bom grado os ímpetos da nouvelle théologie, acrescentando-os ao patrimônio tradicional. Diante deste evidente contorcionismo, Wells mostra a dificuldade evangélica de lidar com a gramática da catolicidade romana que expande, mediante o ousado procedimento do et-et, a síntese teológica. Para Wells, o ponto de equilíbrio do Concílio é frágil e destinado, cedo ou tarde, a romper-se por ser intrinsicamente fraco. Uma teologia não pode resistir por muito tempo, caso se apoie em uma polarização sem soluções e em uma dialética entre pontos muito distantes. A justaposição é apenas um artifício transitório destinado a dar lugar a uma nova estrutura que verá o acerto de contas teológico entre frentes opostas. Ou, então, seguirá o fluxo rumo à reafirmação da tradição ou rumo ao avanço de tendências inovadoras. O Concílio é uma etapa que conduzirá o catolicismo para trás ou para frente, mas não poderá fazê-lo permanecer onde está. Com certeza, para Wells, a era das leituras evangélicas estereotipadas de um catolicismo granítico e imóvel está definitivamente superada. Roma não é um monolito, mas um corpo em movimento. Restará ver onde ele irá parar: eppur si muove — “ele ainda se mexe”, não está parado. A teologia evangélica deve adotar uma postura de espera: por ora, ela tem só um punhado de perguntas sem solução, mas, cedo ou tarde, algo acontecerá que desfará os nós que o Concílio fez surgir.

Embora este convite seja compreensível, é necessário destacar um dado factual que, em relação a Wells, é mais fácil notarmos a cinquenta anos de distância do Vaticano II. Diferentemente do que anunciava Revolution in Rome, em 1972, o catolicismo não se partiu, e a justaposição não foi resolvida. Nenhum “partido” venceu sobre o outro. Às perguntas abertas de Wells, o catolicismo não deu respostas unívocas, mas manteve a fluidez católica que continua a assegurar a polaridade. É preciso, pois, reconhecer que é a hermenêutica do catolicismo de Wells que foi incapaz de explicar até ao fim as dinâmicas da catolicidade. O catolicismo do Concílio não escolhe entre duas polaridades, mas acresce, engloba, expande, abre numa e noutra direção. E o faz sem negar a tradição ou criar rupturas com esta. Simplesmente a desenvolve, a “vive”, a projeta plenamente adiante, fazendo-a “crescer” com a história. As polaridades criam um campo de tensão que o catolicismo é capaz de suportar e que lhe constitui a plataforma móvel. Wells leu o catolicismo com uma hermenêutica evangélica da “escolha” e o achou fundamentalmente incoerente e instável, mas o catolicismo possui outra forma mentis teológica: não a da escolha esquadriada que exclui, mas a da escolha elíptica que catoliciza.

  1. O concílio que não mudou nada: Herbert Carson

Numa direção muito diferente se dá a abordagem ao Concílio por parte de Herbert Carson (m. 2004), pastor britânico das igrejas livres. Carson não é teólogo no sentido estrito, mas os seus três livros sobre o catolicismo dão voz a uma hermenêutica difundida em certas províncias conservadoras do movimento evangélico. Na realidade, embora sejam três volumes escritos em 1964, 1976 e 1996, trata-se de um único livro atualizado em sua bibliografia e nos detalhes argumentativos, mas reiterado no sistema interpretativo. São três variantes de uma trama única. O primeiro livro, Roman Catholicism Today [Catolicismo romano hoje] foi lançado em 1964,[25] com o Vaticano II ainda em curso, e tem como principal interlocutor crítico Grundriss der Katholischen Dogmatik [Esboço da dogmática católica] de Ludwig Ott, de 1954, compêndio clássico de orientação tomista. O segundo volume, Dawn or Twilight? A Study of Contemporary Roman Catholicism [Aurora ou crepúsculo? Estudo do catolicismo romano contemporâneo],[26] saiu em 1976 e tem o corpus do Concílio como referência católica preeminente. A última obra é de 1996 e interage, predominantemente, com o Catecismo da Igreja Católica de 1992.[27] Como se deduz, Carson foi sucessivamente atualizando os textos católicos sobre os quais definia a sua leitura polemista, à medida que se lançavam textos autorizados do ponto de vista magistral.

A tese básica, todavia, é idêntica. Roma se atualiza e produz novos documentos, mas é semper eadem, sempre a mesma, na sua configuração básica. Nas suas estruturas teológicas basilares, que, para Carson, são a autoridade — a relação entre Escrituras e tradição, os sacramentos, o sacerdócio, a missa, a mariologia, o purgatório e a justificação pela fé —, Roma não modifica a sua organização. A atualização é, na verdade, a camuflagem de uma identidade que permanece a mesma, ainda que busque, por vezes com êxito, representar-se de modo cosmeticamente dinâmico. Enfim, o catolicismo romano é uma ideologia estática, fincada na história, cimentada no dogma, presa na instituição. Ele pode decidir se moldar segundo as estruturas de plausibilidade do momento, mas está determinado a não se renegar a si próprio. Permanece onde está e ali sempre permanecerá.

A leitura de Carson capta um dado da realidade que é importante reter. O Concílio não pensou em romper a continuidade da tradição e a estabilidade das instituições. Não foi um Concílio “reformador” no sentido evangélico do termo, nem “revolucionário” no sentido político da palavra. O catolicismo não é a religião da mudança alçada a programa. Dito isto, o Vaticano II não foi tampouco um Concílio fotocópia que mecânica e servilmente reproduziu o que o catolicismo já era antes de ser realizado o evento. Aqui está o limite da hermenêutica de Carson, que corretamente constata a firmeza do sistema católico, mas subestima-se a capacidade de desenvolvimento autônomo. Não captar a real vitalidade católica significa representar um catolicismo deveras engessado para ser verdadeiramente católico.

Para resumir, o movimento evangélico elaborou, substancialmente, três chaves de leitura do Concílio que podem ser rastreadas nos três autores brevemente examinados aqui. Roma verdadeiramente iniciou um caminho “novo” que inaugura uma nova fase em que pouco será igual ao que era antes, e muito será diferente (Berkouwer). Roma é profundamente dividida no seu interior e precisa ainda decidir em qual lado deverá ficar: a tradição ou a atualização (Wells). Roma é sempre a mesma e não mudará jamais (Carson). Pode-se dizer que os desdobramentos posteriores nas relações globais entre catolicismo e evangelicalismo foram remodelados à luz destas propostas interpretativas, sobretudo a primeira.

III. Pistas para a interpretação evangélica do Vaticano II

A temporada pós-conciliar viu a gradual dissolução da aspereza das avaliações evangélicas do catolicismo que se haviam consolidado nos séculos de controvérsia doutrinária. O Vaticano II foi o evento que, do lado católico, despistou a crítica evangélica, obrigando-a a reposicionar-se ou, até mesmo, a repensar a secular abordagem conflituosa. Em alguns casos, da total estranheza, senão mesmo da convicta adversidade, passou-se a tomadas de posição marcadas pela “fraternidade” calorosa, imediatamente acompanhada de substanciais aberturas de crédito, sem nenhuma tentativa de se indagar “como”, “quanto” e “para qual direção” o catolicismo se transformara no Vaticano II. É como se, depois de séculos de discussões e contrastes, quase da noite para o dia, o Vaticano II tivesse trazido uma lufada de ar fresco, e os evangélicos tivessem assim se encantado de modo superficial.

Algumas leituras do Vaticano II imediatamente posteriores ao Concílio deram voz à surpresa evangélica, em reação ao que estava surgindo em Roma, surpresa que foi transmitida na necessidade de alinhavar um “diálogo” (Berkouwer). Outras iniciativas evangélicas pensaram ser possível fazer, pelo menos, um sério trabalho teológico sobre o Vaticano II, mantendo que uma abordagem baseada na “espiritualidade” dos interlocutores, no contato interpessoal, nas amizades, fosse mais do que suficiente para encarar com responsabilidade o diálogo. No entanto, as lentes hermenêuticas para aproximar-se do Concílio devem ser testadas, em última instância, à luz de uma consciência mais profunda da natureza histórica e doutrinária do catolicismo romano.

  1. A trajetória histórica

O Vaticano II deve ser pensado na ótica da longa jornada da Igreja de Roma, sobretudo em relação ao Concílios que o precederam e que se seguiram à ruptura com a Reforma protestante do século XVI. Embora fosse um concílio profundamente arraigado no século XX, ele não foi singular na história da igreja, mas deve ser pensado no contexto de macro-períodos e de micro-períodos históricos. A compreensão do Vaticano II deve explicar uma tendência de longo prazo iniciada com a Contrarreforma e marcada por um enrijecimento polêmico contra o protestantismo e a modernidade. Os diversos “aggiornamenti” e atualizações internos, por mais recorrentes e influentes que tenham sido (vide o Vaticano II), devem ser incluídos nessa “megatendência de matriz contrarreformista”[28] que parte de Trento (1545-1563), passa pelos dogmas marianos (1854: imaculada conceição; 1950: assunção corpórea), o Vaticano I (1869-1870), e chega aos pontificados contemporâneos.[29]

Em Trento, o catolicismo rejeitou as reivindicações da Reforma sobre a justificação somente pela graça, mediante a fé somente, e, a jusante ou a montante, enrijeceu a própria teologia sobre o pecado original e os sacramentos, acertando com uma série de “anátemas” quem sustentasse as posições protestantes. De fato, decretou a incompatibilidade da Reforma com a doutrina oficial da Igreja de Roma e com a indisposição de Roma em empreender um percurso de revisão radical por uma perspectiva bíblica. Cinco séculos mais tarde, o Vaticano II teve, sem dúvida, um “estilo” eclesial e pastoral diferente em relação a Trento,[30] mas não o modificou na substância, nem tampouco o renegou ao todo ou em parte. Após ter aprofundado a relação entre os dois concílios, o estudioso do Vaticano II Komonchak escreveu: “Não há nenhum ponto em que o Vaticano II se afaste do ensino dogmático do Concílio de Trento, mas, no Vaticano II, Trento e as suas problemáticas deixaram de servir como critérios supremos de fé. A tradição não foi mais lida à luz de Trento; Trento foi lido à luz da tradição”.[31]

No Vaticano II, Trento foi mantido ao fundo, sem hesitações, mas acrescentando-se a Trento mais outras preocupações, temas e questões. Trento permanece no quadro do Vaticano II, mesmo que, neste último concílio, tivessem em mente as reivindicações da modernidade ao lado daquelas de Trento. O “paradigma tridentino” foi, por assim dizer, historicizado, e a Trento se sobrepõem os desafios que a igreja vive no século XX.[32] Após o Vaticano II, Trento deve ser lido à luz do último Concílio, que oferece uma hermenêutica atualizada da sua teologia. Na realidade, porém, o Vaticano II metabolizou Trento e não o renegou.

Se o Concílio de Trento foi uma resposta à Reforma, o Vaticano I foi, substancialmente, uma tentativa de reação nos confrontos com as pretensões da modernidade de caráter ideológico e político. Sob ataque não estava tão-somente a teologia da Igreja de Roma (como no caso da Reforma), mas as prerrogativas culturais da instituição-símbolo dela: o papado. A modernidade questionou teológica, política, institucional e culturalmente o catolicismo. Enquanto o evangelicalismo, no embate com as reivindicações da modernidade, defendia os “fundamentos” da fé cristã (daí, o Fundamentalismo do início do século XX), o catolicismo se punha na retaguarda das instituições da religião romana, blindando-lhes a legitimidade. Por receio de uma “revolução”, com o Vaticano I, a Igreja se encastela em si mesma e proclama a infalibilidade papal. A instituição ameaçada se torna indefectível. O ponto crítico se transforma em ponto inatacável. Não só a Igreja não escuta o mundo moderno, mas esfrega-lhe na cara o próprio símbolo identitário, carregado num sentido ainda mais absolutista, e condena, sem apelo, todos os movimentos próprios da cultura moderna: dos direitos das pessoas ao desenvolvimento das ciências, da liberdade de expressão à crítica à teocracia vaticana. O resultado é que o Vaticano I cria um deserto ao redor da igreja, incendeia-lhe o terreno circundante, corta as pontes com o mundo e cria um estado de beligerância contínua. Seria esta uma escolha estratégica digna de ser “católica”? Talvez fosse romana, demasiadamente romana, mas pouco católica.

É exatamente aí que nasce, nas décadas seguintes, a necessidade de um Concílio Vaticano II; um concílio que encerrasse formalmente aquele inconcluso em 1870, interrompido pela incursão, em Roma, do exército italiano, mas também um Concílio que retomasse o Vaticano I e trouxesse a formulação da Igreja Católica em confronto com o mundo moderno, num estágio significativamente diferente, de modo mais católico, mais dialógico, mais pronto para ouvir, menos crassamente autorreferencial, menos opositivo, mais acolhedor. Até mesmo no nome que lhe foi conferido, o Vaticano II está visceralmente ligado ao Vaticano I, do qual representa a continuação e a transformação, no segundo tempo do Concílio em confronto com a modernidade. O Vaticano I foi demasiado unilateral para ser autenticamente católico. O Vaticano II prosseguiu-lhe o trabalho, modificando a postura pastoral nos confrontos com o mundo moderno e abrindo-se à globalidade das experiências eclesiais e sociais.[33]

A Igreja Católica não sentiu a necessidade de celebrar um segundo Concílio de Trento, um Trento II, mas mostrou a urgência de celebrar um Vaticano II. O protestantismo histórico primeiro se “liberalizou”, afastando-se da herança teológica da Reforma, e então se ecumenicizou, perdendo a sua carga alternativa. Com a Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação entre católicos e luteranos, em 1999, Trento foi atualizado e reiterado na sua substância, enquanto a Reforma foi domesticada e compatibilizada com as reivindicações tridentinas. Não foi necessário celebrar um Trento II porque o interlocutor histórico da Reforma primeiro esvaziou-se e, então, pacificou-se, enquadrando-se num esquema tridentino inalterado. Evidentemente, o “estilo” católico mudou em relação a Trento, e os “anátemas” foram suspensos para aqueles que interpretam ecumenicamente as doutrinas da Reforma, mas a substância teológica do catolicismo contemporâneo ainda está impregnada de conteúdos tridentinos: é a igreja que medeia a graça de Deus mediante o seu sistema sacramental. Sola gratia continua rejeitada. Por outro lado, o evangelicalismo cresceu numericamente somente após o Vaticano II e recentemente se dispôs ao “diálogo” com Roma. O risco é que, num clima de fortes pressões ecumênicas e de escassas iniciativas evangélicas, ele sofra de amnésia quanto à própria identidade protestante e relegue Trento a um passado remoto, hoje considerado definitivamente superado. Uma leitura evangélica do Vaticano II, pelo contrário, deve se esforçar por manter sempre presente Trento, o Vaticano I e os dogmas marianos no plano de fundo. O Vaticano II, de fato, é filho legítimo de todo esse percurso e intérprete de toda essa herança. Mais do que seguir as vozes que pressionam pela convocação de um “Concílio Vaticano III” (o sonho do cardeal Martini) que enfrente os nós sem solução do Vaticano II, a teologia evangélica deveria modestamente sugerir a necessidade de um “Concílio de Trento II”, para reabrir e modificar, da perspectiva do Evangelho, a postura contrarreformista da Igreja Católica.

Para a Igreja de Roma, a partida com a Reforma foi vencida em Trento e, do liberalismo teológico em diante, a Reforma não quis mais jogá-la, primeiro aceitando a compatibilidade ecumênica e, então, a rendição em torno do artigo decisivo da justificação pela fé. Com esta encerrada, a verdadeira partida, portanto, foi com o outro desafio que o catolicismo encontrou nos últimos séculos: a modernidade. O Vaticano II teve de retomar a agenda do confronto com o mundo moderno, adotando, porém, outro “estilo” em relação àquele abrasivo e opositivo do Vaticano I.

  1. O fator “estilístico”

Deve-se entender o Vaticano II como continuação do Vaticano I numa direção diferente: não mais em oposição ao mundo moderno, mas em diálogo com ele. Não mais contra, mas ao lado e possivelmente dentro do mundo. Para assim fazer, o Concílio precisou “inventar” outro “estilo”, mais consoante à catolicidade e capaz de superar a “sectarização” do Vaticano I. O Concílio, pois, trabalhou para aprimorar um estilo diferente de linguagem, um novo estilo em matéria de atitude, uma diferente postura interna e externa.[34] Para O’Malley, “o contraste entre o Vaticano II e os concílios precedentes é evidente na terminologia, mais do que em qualquer outro aspecto: nas palavras que usa normalmente e nas que evita. Quais tipos de palavras estão ausentes? Aquelas ligadas à alienação, exclusão, inimizade, as de ameaça e intimidação, as de patrulhamento e punição”.[35] Desaparecem os “anátemas” lançados contra os inimigos, a linguagem jurídica perde importância em favor da linguagem humanista de tom pastoral, o gênero literário não tem como escopo denunciar erros e mostrar a prova racional, mas suscitar consenso e induzir o interlocutor à aprovação. A busca da persuasão toma o lugar da arma da coerção. A argumentação é parenética e exortativa, mais do que apodítica e definitiva. Este estilo tornou-se o prisma através do qual se deve olhar o Vaticano II, a peculiaridade do evento conciliar, assim como a categoria hermenêutica capaz de dar a razão da atualização na continuidade.[36]

O estilo do Vaticano II não é apenas uma questão formal, a nova camuflagem de um sistema em dificuldade. Pelo contrário, quer ser o novo modo de ser da Igreja Católica, e há teólogos que estão empregando a categoria do “estilo” para repensar o sentido abrangente do testemunho cristão.[37] O estilo vira parte integral da mensagem e contribui de modo determinante para a sua apresentação. Para testar a plausibilidade da interpretação estilística do Concílio, basta ler os discursos de abertura de João XXIII (11 de outubro de 1962) e de encerramento de Paulo VI (07 de dezembro de 1965).[38]

Divergindo dos “profetas da desgraça” que anunciam o fim do mundo, o Papa Roncalli defende que, aderindo plenamente ao ensino de Trento e do Vaticano I, o mundo inteiro “aguarda um salto adiante rumo a um aprofundamento doutrinário”, ainda mais perfeitamente fiel à autêntica doutrina, que preserve “o mesmo sentido e a mesma sentença” da tradição. Como fazê-lo? Por meio da “medicina da misericórdia, mais do que da severidade”; a Igreja vai ao encontro “das necessidades de hoje, mostrando a validade da sua doutrina, mais do que a condenação”. Para João XXIII, a Igreja “quer mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e de bondade para com os filhos dela separados”. Este é o estilo materno do Vaticano II que modifica o estilo inquisitório de Trento e do Vaticano I. Para fazê-lo, a Igreja deseja recuperar a própria catolicidade, valorizando a unidade dos católicos entre si, a unidade com os “cristãos separados” e a unidade com aqueles que “seguem religiões ainda não-cristãs”. Assim fazendo, o papa traça a agenda do Concílio e a especifica no crescimento da catolicidade interna e externa. Se Trento e o Vaticano I quiseram dividir com base na doutrina, o Vaticano II haveria de reunir todos mediante a humanidade da Igreja, alçada a estilo identificador.

No discurso de encerramento, Paulo VI exprime já desde o primeiro parágrafo o sentido profundo do Concílio recém-concluído. Pode ser sintetizado na “confiança no homem” e no “diálogo com o mundo”. São palavras de ordem muito distintas daquelas dos concílios anteriores. O Vaticano II “esteve vivamente interessado no estudo do mundo moderno” para mostrar-lhe “a caridade”. Apesar de ter acertado as contas com o humanismo secular, o Concílio não procurou o conflito, a luta, nem emitiu nenhum “anátema”. Pelo contrário, “uma simpatia imensa o permeou”; “uma corrente de afeto e de admiração foi derramada do Concílio sobre o mundo humano moderno”. “Em vez de diagnósticos deprimentes, remédios encorajadores; em vez de presságios funestos, mensagens de confiança partiram do Concílio para o mundo contemporâneo”. O estilo próprio do Vaticano II é claramente realçado e, indiretamente, distanciado daqueles dos concílios que o precederam.

A teologia evangélica deve familiarizar-se com a conversão estilística da Igreja pós-conciliar. Roma hoje não fala mais a linguagem áspera, pontiaguda, dogmática, afiada de Trento e do Vaticano I. Fala um idioma sinuoso, envolvente, inclusivo, amigável, materno, não mais aridamente jurídico, mas dinamicamente sacramental. Dilatou a capacidade englobante da escuta aparente e do diálogo indefinido, sem para isso operar uma cisão teologicamente definitiva com o passado. Se antes afastava os dissidentes, hoje deseja acolher-lhes o aspecto positivo para o reconfigurar na síntese católica. Se antes silenciava os não-católicos, hoje os considera, em certa medida, mais além, dispondo-se a valorizá-los ao abrir a própria síntese. Se, por um tempo, anatemizava os hereges, hoje os considera almas em busca de algo cujos tormentos refletem igualmente uma verdade parcial que se deve tornar “católica”.

O catolicismo mudou de estilo, e tal mudança deve ser levada em conta por aqueles que interagem com o universo católico. Quem não compreende a gramática do estilo católico pode assim sofrer uma fascinação imediata e constatar que, de fato, tudo mudou, e nada é como antes. Este encanto apanha quem não compreende o que se passou no Vaticano II. Todavia, como sugerido na seção anterior, a trajetória histórica do catolicismo moderno historicizou Trento, mas não o declarou oficialmente superado. O Vaticano II não pagou nenhum preço teológico para mudar de estilo: nenhum repúdio, nenhuma autocrítica, nenhum reconhecimento de pecado. O “estilo novo” desenvolveu o velho para relançar a nova projeção da Igreja no intricado e inevitável confronto com o mundo. Para utilizar uma expressão cara a Bento XVI, o que se passou no Vaticano II foi uma operação de “reforma na continuidade”.[39] Não se trata mais de interagir com o mundo para dominá-lo do alto, mas de abraçá-lo do lado. O catolicismo não desce do degrau das prerrogativas absolutistas acumuladas ao longo dos séculos, mas se dobra para condescender ao mundo e parecer-se ao nível dele. O estilo é o instrumento empregado para atingir este objetivo, sem, contudo, repudiar a própria autocompreensão moldada por Trento e pelo Vaticano I.

  1. A arquitetura abrangente

O Concílio produziu uma quantidade considerável de documentos. Longe de serem um aglomerado de textos díspares, eles constituem um corpus que reflete uma coerência própria e que responde a uma visão de conjunto. Certamente, não se trata de uma unidade plana e repetitiva, mas de uma unidade católica, repleta de tensões e de polaridades que o Concílio soube manter unidas, inserindo-as numa estrutura teológica capaz de suportá-las.

É dito, com razão, que o Vaticano II foi um Concílio eclesiológico. A Igreja Católica refletiu, antes de tudo, acerca de si mesma para atualizar a sua auto-narrativa e a sua missão no mundo moderno, para além da rigidez herdada de Trento e do Vaticano I. No seio desta reflexão eclesiológica renovada cujo centro propulsor é a Lumen gentium, segundo Karl Rahner, o Concílio amadureceu uma compreensão atualizada da própria igreja, ad intra (a liturgia, a revelação, os leigos), e uma exposição atualizada da missão externa, ad extra (o ecumenismo, as relações com os judeus, a missão, o mundo moderno e a dignidade humana).[40] O “dentro” e o “fora” são duas faces da mesma moeda. Adotando uma metáfora lacustre, há quem tenha imaginado o corpus do Concílio como uma bacia hídrica em que “a constituição sobre a igreja (Lumen gentium) pode ser comparada a um lago com dois afluentes e dois emissários: os primeiros são dados da Revelação (constituição Dei verbum) e da liturgia (constituição Sacrosanctum concilium); os segundos são a relação com o mundo contemporâneo (constituição pastoral Gaudium et spes) e a atividade missionária (decreto Ad gentes)”.[41]

No centro do Concílio, encontra-se a Igreja, que reflete “a luz dos povos” e que se faz missionária “aos povos” no mundo moderno. É interessante notar como a contribuição de todos os principais movimentos inspiradores que precederam e acompanharam o Vaticano II tenha sido reconhecida, cada qual com um documento específico. O movimento litúrgico viu reconhecida a primazia da liturgia em Sacrosanctum concilium. O movimento bíblico se viu correspondido na nova ênfase sobre a Palavra de Deus de Dei verbum. O movimento ecumênico teve, no decreto Unitatis redintegratio, o impulso para a participação católica no ecumenismo. O movimento missionário se viu revitalizado com o decreto Ad gentes. A reflexão sobre o “mistério” da igreja enquanto corpo místico, ao qual deu voz a encíclica Mystici corporis Christi de Pio XII, em 1943, encontrou em Lumen gentium o seu enriquecimento adicional e o seu palco eclesiológico. O envolvimento social da reconstrução do pós-guerra achou em Gaudium et spes uma plataforma para classificar, em sentido católico, a presença da Igreja na sociedade. Em suma, é como se o Concílio tivesse coligido e unido de modo católico as ideias, os anseios, as expectativas, os ímpetos dos movimentos que sopravam dentro da Igreja nas décadas anteriores. O Vaticano II fez amadurecer as sementes espalhadas pelos movimentos e as inseriu na vida da Igreja, dando-lhes uma organicidade teológica e colocando-as a serviço da revitalização católica do século XX.

Para a teologia evangélica, isto significa que a leitura do Concílio não poderá ser fragmentada e atomística, mas deverá ter em mente a orientação eclesiológica abrangente, com critérios hermenêuticos suficientemente unitários que saibam especificar o cerne das questões. O catolicismo continua a ser um sistema que requer ser tratado como tal.[42] Cada constituição do Concílio está teologicamente ligada às demais, podendo e devendo ser lida à luz do todo. A autocompreensão da Igreja rege o ecumenismo, a liturgia, a teologia da Palavra, a mariologia, a liberdade religiosa etc. Convém esforçar-se para conseguir ver nas entrelinhas a eclesiologia católica que informa e molda as direções indicadas pelo Concílio. Não existe um ecumenismo católico que seja eclesiologicamente “leve”, sacramentalmente de baixo perfil, mariologicamente livre e institucionalmente reformável. O Vaticano II nos recorda que a Igreja Católica se adapta a todos e deles se aproxima, mas não dá descontos eclesiológicos a si mesma e, muito menos, aos demais.

  1. A catolicidade estendida[43]

Logo em seguida à conclusão do Concílio, o teólogo protestante italiano Vittorio Subilia publicaria um livro em que eram examinados os documentos aprovados e em que se propunha uma interpretação abrangente do catolicismo que surgiu a partir do Concílio. O título desse livro, La nuova cattolicità del cattolicesimo [A nova catolicidade do catolicismo],[44] sintetiza bem a análise que se concentra na chave de leitura da catolicidade. A catolicidade do catolicismo é a capacidade de englobar ideias divergentes, valores distintos, movimentos heterogêneos, fermentos ainda em contraposição entre si, integrando-os ao seio de um sistema de referência unitário, justamente o católico.[45] Se a fé evangélica escolhe (sola Scriptura, solus Christus, sola gratia, sola fide), o catolicismo adiciona (Escrituras e tradição, Cristo e igreja, graça e méritos, fé e obras); se a fé evangélica se exprime com “sim, sim” e “não, não” (segundo a expressão de 2Coríntios 1.17-18), a católica opta pelo “sim” e o “não” ao mesmo tempo. O catolicismo possui, na verdade, uma plataforma de pensamento tão ampla a ponto de conter tudo, uma tese e sua antítese, uma afirmação e a outra, um elemento e outro.

Na visão católica do mundo que o Concílio corroborou numa estrutura renovada, mas consolidada, a natureza vem conjugada à graça, as Escrituras à tradição, Cristo à igreja, a graça aos sacramentos, a fé às obras, a vida cristã à religião popular, a piedade evangélica ao folclore pagão, a filosofia especulativa às crendices supersticiosas, o centralismo eclesiástico ao universalismo católico. Em resumo, obstinadamente et-et, e-e, uma coisa e outra. Não há escolhas límpidas, nítidas, exclusivas ou inspiradas por uma integridade de pensamento capaz de escolher de modo coerente. Pelo contrário, a capacidade receptora católica torna o catolicismo um sistema sempre aberto a novas integrações, em vista da progressiva expansão do próprio sistema.

O critério teológico de fundo do catolicismo não é a pureza evangélica ou a autenticidade cristã, mas a integração do particular num horizonte universal a serviço da instituição que detém as rédeas de todo o esquema. O único “não” que o catolicismo sabe dizer diz respeito ao que ameaça o seu projeto, desejoso de reconduzir o múltiplo ao uno da Igreja Católica. Quando este pilar não é questionado, tudo pode ser integrado e catolicizado. As capacidades de integração do catolicismo, os seus recursos de absorção, são deveras extraordinários. Por isso, é necessário ter ciência do sistema do catolicismo e analisar a realidade do catolicismo segundo uma abordagem sistêmica.

De acordo com as intenções expressas por João XIII no discurso de abertura, a catolicidade do Concílio se dirige, em particular, aos cristãos não-católicos, e é óbvio que assim o seja. Não existe, de fato, um contexto melhor do que a cristandade inteira para favorecer a universalidade do catolicismo romano. O ecumenismo, portanto, é um laboratório privilegiado da catolicidade, um terreno particularmente fértil para tal projeto.

A propósito do ecumenismo católico, é preciso registrar um dado significativo. Antes do Concílio Vaticano II, os cristãos não-católicos, e em especial os protestantes, eram considerados como “hereges”. As excomunhões e os “anátemas” pronunciados pelo Concílio de Trento nos confrontos com os protestantes fizeram mesmo que a Reforma protestante fosse considerada na categoria de heresia e que os evangélicos fossem taxados com o nome de hereges. Nos países de maioria católica, esta designação condicionou pesadamente o testemunho evangélico e, muitas vezes, alimentou fortes discriminações nos confrontos com os evangélicos. Em relação a este epíteto, o Vaticano II introduziu uma novidade substancial na visão que o catolicismo tem dos outros cristãos. Nos textos do Concílio, eles não são mais definidos hereges, mas, sim, “irmãos separados” (Unitatis redintegratio 3). São reconhecidos como irmãos, ainda que permaneça a “separação” derivada do fato de que os outros cristãos não se colocam na Igreja Católica, que detém a plenitude dos meios da graça divina. De qualquer maneira, trata-se de “irmãos” e, da heresia à fraternidade, o passo é notável. Igualmente, o estilo das atitudes nos confrontos com cristãos não-católicos mudou radicalmente após o Concílio: não mais aversão, mas simpatia; não mais distância, mas aproximação.[46] No ímpeto do Vaticano II, a Igreja Católica entrou integralmente no movimento ecumênico, tornando-se uma das entidades mais enérgicas e ativas. Nos últimos anos, aliás, registrou-se mais um passo adiante. Na encíclica sobre o ecumenismo Ut unum sint, de 1995, João Paulo II define os cristãos não-católicos como “irmãos reencontrados”, demonstrando o fato de que o elemento da separação que subsiste não deve lançar sombra na dimensão da redescoberta que caracteriza as novas relações entre católicos e não-católicos. A catolicidade se tornou a gramática do ecumenismo católico.[47]

Hereges, irmãos separados, irmãos reencontrados: três etapas que assinalam uma inversão de tendência surpreendente que não pode passar batida. Evidentemente, deve-se compreender a nova configuração ecumênica à luz da estrutura mais ampla da catolicidade. Os impulsos para uma realização mais plena da catolicidade devem encontrar a solução na tentativa de integrar, antes de tudo, a cristandade ao catolicismo. Todas as formas históricas e confessionais da cristandade podem ser reconduzidas para o interior do sistema católico, e é este um terreno sensível do envolvimento católico contemporâneo. Os custos desta catolicidade são, naturalmente, altos para a teologia evangélica. Na verdade, a dimensão da comunhão com Roma e da submissão a Roma são aspectos inseparáveis e indissolúveis da visão ecumênica do catolicismo. Não existe um sem o outro. Não se pode estar cum Petro, senão sub Petro. Não por acaso, trata-se ainda assim de catolicismo, mas de catolicismo que é e permanece visceralmente romano, papal, mariano, vaticano. As aberturas ecumênicas do catolicismo são, portanto, finalizadas na catolicização da cristandade inteira. É o sistema católico que a demanda e é o sistema católico que tem os recursos para realizá-la.

O discurso sobre o ecumenismo católico poderia ser estendido também à relação com as outras religiões — obviamente, com os devidos ajustes. Na verdade, a tradição católica consolidada ao longo dos séculos consagrara-se pelo princípio segundo o qual extra ecclesiam nulla salus, fora da igreja não há salvação. De acordo com uma interpretação rígida do dito de Cipriano que foi imposta na igreja medieval, a pertença à Igreja Católica era a condição determinante para a salvação. É claro que os seguidores de outras religiões ficavam excluídos da possibilidade de ser salvos, pelo fato de estarem fora da instituição romana. Aqui também convém sublinhar a profunda transformação que ocorreu com o Vaticano II. Nos textos conciliares, deveras, os seguidores das religiões não-cristãs mudaram de status, assim como as religiões não-cristãs passaram a ser vistas sob uma nova luz. As pessoas adeptas de outras religiões, por mais estranhas ao cristianismo, não são consideradas estranhas em relação a Cristo. São, pelo contrário, de algum modo ligadas a Cristo (Lumen gentium 16), quer queiram ou não, quer saibam ou não. Caso se considere o fato de que, ainda segundo o Concílio, os católicos gozam de uma relação privilegiada com Cristo, sendo “incorporados” a ele (Lumen gentium 11.14.31), o catolicismo é visto como a conclusão, o cumprimento das aspirações presentes nas religiões não-cristãs. A Igreja Católica “subsistit in” Cristo (Lumen gentium 8),[48] mas a graça de Deus já está presente na natureza das religiões, e a igreja, por suas prerrogativas especiais, é o lugar onde elas podem ser elevadas à sua concretização. Mais uma vez, o universalismo da salvação vem conjugado ao particularismo da igreja.[49] Fica claro que a catolicidade do catolicismo transcende os confins um tanto estreitos da cristandade e se volta ao mundo das religiões, propondo a Igreja Católica como o lugar onde as legítimas reivindicações das religiões encontram a sua realização. A cristandade, as religiões, a cultura, a sociedade, o mundo inteiro: eis as fronteiras da catolicidade do catolicismo.

Os exemplos poderiam ser ainda mais numerosos. De fato, no catolicismo, vê-se uma ambiguidade básica entre a afirmação simultânea do “sim” e do “não” ao evangelho, que passam a ser inseridos no interior do sistema. Isto determina a coexistência de motivos bíblicos e de motivos não-bíblicos. Como disse o grande pregador galês do século passado, Martyn Lloyd-Jones, no catolicismo, “não se verifica tanto uma negação da verdade quanto um acréscimo à verdade que se torna, de fato, um afastamento desta”.[50] O sistema assim concebido fica em contínua oscilação, em contínuo desenvolvimento. Ele está em contínua expansão porque não é controlado por um “sim” ou um “não” que funcionem como critérios vinculativos, mas por um “sim” e um “não” simultâneos que abrem espaços enormes, à custa, porém, da integridade bíblica.

IV. Conclusão: o “sim” e o “não” ao evangelho

Depois deste longo passeio, que registrou o entrelaçamento entre catolicismo e evangelicalismo no cenário contemporâneo, elencou leituras evangélicas do Vaticano II e sugeriu pistas para orientar-se no legado do Concílio, chegou a hora de tirar algumas conclusões.[51] Para fazê-lo, pode-se remeter a um texto bíblico que ajuda a ver a diferença entre catolicismo e fé evangélica, diferença esta reduzida aos seus termos mais radicais. Uma passagem bíblica de 2 Coríntios permite captar o que realmente está em jogo. Segue o trecho:

Pois nosso motivo de orgulho é este: o testemunho da nossa consciência de que temos vivido no mundo, principalmente em relação a vós, em santidade e sinceridade que vêm de Deus, não em sabedoria carnal, mas na graça de Deus… E, confiante nisso, quis primeiro visitar-vos, para que recebêsseis o segundo benefício de visitá-los enquanto ia para a Macedônia, e de lá voltar até vós, e por vosso intermédio ser encaminhado à Judeia. Será que, ao decidir isso, usei de leviandade? Ou será que, ao decidir algo, faço-o como homem, para que haja de minha parte tanto um sim quanto um não? Mas, assim como Deus é fiel, a nossa palavra em relação a vós não é um sim e um não, pois Jesus Cristo, o Filho de Deus, que entre vós foi pregado … não foi um sim e um não; mas nele sempre houve sim. Pois, tantas quantas forem as promessas de Deus, nele está o sim. Portanto, também é por meio dele que o amém é dado para a glória de Deus por nosso intermédio  (2 Coríntios 1.12-20).

O contexto do trecho lido pode ser resumido assim: no decorrer do exercício do serviço de Paulo, verificou-se uma mudança de planos no itinerário apostólico. As razões deste replanejamento seriam explicadas mais à frente na carta (cf. 1.23—2.4). De qualquer forma, sabe-se que a alteração suscitara uma série de perplexidades no seio da igreja de Corinto. Nesta passagem, Paulo encara os críticos que ficaram revoltados com ele pela suposta leviandade no planejamento dos deslocamentos relativos à missão dele.

Ora, a questão da mudança de itinerário é a ocasião que Paulo utiliza para confrontar um assunto mais básico. Paulo parece estar ciente do fato de que as críticas não visam simplesmente a questionar a sua capacidade de programar a sua atividade, mas têm um objetivo muito mais alto: minar nas bases o serviço apostólico, desacreditar a sua pregação, negar a autoridade apostólica de Paulo. Não está tanto em jogo o programa apostólico quanto a mensagem apostólica, não tanto as etapas da viagem de Paulo quanto a pregação do evangelho de Paulo. A situação é muito mais séria do que uma mudança na agenda do apóstolo, e o discurso de Paulo enfrenta as verdadeiras questões subjacentes às críticas. Às acusações de instabilidade e de irresponsabilidade, Paulo responde invocando os traços distintivos da sua pregação do evangelho: “a nossa palavra em relação a vós não é um sim e um não”, diz ele no v. 18. A mensagem não foi ambígua e contraditória, como as acusações parecem levar a crer. Em seguida, Paulo dá um passo a mais ao reivindicar a linearidade do anúncio do evangelho e o seu enraizamento nas promessas de Deus cumpridas em Cristo. A mensagem foi coerente, na medida em que, diz ele no v. 19, “o Filho de Deus, que entre vós foi pregado … não foi um sim e um não; mas nele sempre houve sim”. A pregação não foi um “sim” e um “não” porque o próprio Cristo é o “sim” às promessas de Deus. Neste sentido, a pregação apostólica foi “o amém … para a glória de Deus”, o “sim” obediente da fé ao “sim” das promessas realizadas em Cristo.

Pois bem, o que este texto tem a dizer sobre o catolicismo? Tomando emprestada a linguagem de 2 Coríntios, pode-se dizer que o catolicismo é a religião do “sim” e “não” à verdade de Deus, simultaneamente, da coexistência da afirmação e da negação da mensagem bíblica, da coabitação da adesão e da rejeição à Palavra de Deus. Não se pode dizer que, no catolicismo, o “sim” falte por completo; o problema é que não se trata de um “sim, sim”, mas de um “sim e não” ao mesmo tempo. O “sim” vem justaposto ao “não”, de modo a produzir um efeito de anulação do “sim”; não é nem “sim” nem “não”, é “sim” e “não” ao mesmo tempo.

De que modo isto se verifica? Por exemplo, a Cristo se diz “sim”, mas também “não”, porque, na visão católica, as prerrogativas da igreja acabam por usurpar o que compete exclusivamente a Jesus Cristo enquanto Senhor e Salvador. À graça se diz “sim”, mas também “não”, na medida em que, para o catolicismo, a natureza tem em si mesma a capacidade de reerguer-se, não obstante o pecado. À fé se diz “sim”, mas também “não”, pois, segundo o catolicismo, há a necessidade de alcançar a graça de Deus através do sistema sacramental da igreja, sem que a fé seja suficiente por si só. À Palavra de Deus se diz “sim”, mas também “não”, na medida em que, às Escrituras, acoplam-se a tradição da Igreja e o magistério, que acabam por refrear a Bíblia no controle eclesiástico. Ao culto rendido a Deus se diz “sim”, mas também “não”, porque se incentiva a veneração de Maria e de um universo de outras figuras que desviam do culto ao único Deus verdadeiro.

Esta teologia do “sim” e “não” foi dogmatizada em Trento, absolutizada com o Vaticano I e atualizada no Vaticano II. O percurso secular viu o contínuo consolidar-se da catolicidade romana. A catolicidade bíblica, entretanto, não está na dialética do “sim” e “não” gerida por uma instituição eclesiástica, mas na decisão de reconhecer, aderir e servir ao “sim” total ao evangelho. Apesar de todas as suas boas intenções de renovação, o Concílio tornou ainda mais elástica, extensa e acolhedora a plataforma da catolicidade do catolicismo, sem encarar a questão mais básica: o “sim” ao evangelho deve ser um “sim” completo; do contrário, é um “não”.

Publicado originalmente no fascículo “Il Vaticano II in ottica evangélica” de Studi di teologia 25.2 (2013), N. 50, pp. 97-125. Tradução: Djair Dias Filho.

_________________________
[1] Em 1997, a nossa revista publicou o importante fascículo Pensare il cattolicesimo, Studi di teologia NS 8.2 (1997), n. 18, ao qual remetemos para uma orientação sólida sobre o tema.

[2] T. P. Rausch (ed.), Catholics and Evangelicals: Do They Share a Common Future? (Nova Iorque: Paulist Press, 2000).

[3] R. Rouse, I movimenti volontari: mutamenti nel clima ecumenico”, in R. Rouse e S. C. Neill (eds.), Storia del movimento ecumênico dal 1517 al 1948, vol. 2 (Bolonha: il Mulino, 1973), pp. 203-216.

[4] Remeto ao meu artigo “Evangelicals and the Roman Catholic Church since Vatican II”, European Journal of Theology 10.1 (2001), pp. 25-35.

[5] A. Maffeis, “Concilio Vaticano II, dialogo ecumenico, recezione”, in M. Vergottini (ed.), La Chiesa e il Vaticano II. Problemi di ermeneutica e recezione conciliare (Milão: Glossa, 2005), pp. 305-330.

[6] Cf. P. Bolognesi, “Losanna, Patto di”, in Dizionario di teologia evangélica (DTE), ed. P. Bolognesi, L. de Chirico, A. Ferrari (Marchirolo (VA): EUN 2007), pp. 406-407. Os textos de Berlim (1966), Lausana (1974) e Manila (1989) estão contidos em P. Bolognesi (ed.), Dichiarazoni evangeliche. Il movimento evangelicale 1966-1996 (Bologna: EDB, 1997). O texto da Cidade do Cabo (2010) foi publicado no pequeno volume impegno di Città del Capo (2010) (Roma-Chietti: GBU, 2011).

[7] G. Rizza, “Per una teologia evangelica della missione dopo Losanna III”, Studi di teologia NS 23.2 (2011), N. 46, pp. 158-180.

[8] J. Stott e B. Meeking, The Evangelical-Roman Catholic Dialogue on Mission 1977-1984 (Grand Rapids; Exeter: Eerdmans; Paternoster, 1986). O texto também está disponível online: <http://www.prounione.urbe.it/dia-int/e-rc/doc/e_e-rc_ev-cath.html>.

[9] A tradução italiana “Evangelici e cattolici insieme” foi publicado em apêndice ao pequeno volume de M. Introvigne, Aspettando la Pentecoste. Il quarto ecumenismo (Pádua: Ed. Messaggero, 1996). Além dele, os dois documentos seguintes: “Il dono della salvezza” (1997) e “La tua Parola è verità” (2002) também foram publicados em G. Cereti e J. F. Puglisi (eds.), Enchiridion Oecumenicum. Documenti del dialogo teologico interconfessionale, vol. 8: Dialoghi locali 1995-2001 (Bolonha: EDB, 2007). A iniciativa “Evangelicals and catholics together” nos Estados Unidos continuou com mais outros documentos: “The communion of aints” (2003), “The call to holiness” (2004), “That they may have life” (2006) e “Do whatever he tells you: The blessed Virgin Mary in christian faith and life” (2009).

[10] Para uma perspectiva teológica crítica a este diálogo, remeto ao meu artigo “Christian Unity vis-à-vis roman catholicism: A critique of the evangelicals and catholics together dialogue”, Evangelical Review of Theology 27 (2003), pp. 337-352.

[11] É o caso de M. Noll e C. Nystrom, Is the Reformation Over? An Evangelical Assessment of Contemporary Roman Catholicism (Grand Rapids: Baker Academic, 2005).

[12] Na esteira da feliz distinção feita pelo apologista evangélico F. Schaeffer, La chiesa alla fine del XX secolo (Parma: Guanda, 1973), a “co-beligerência” literalmente significa “lutar ao lado de alguém”, concentra-se em um aspecto específico e é aberta a todos que dele partilham, independentemente das motivações e dos objetivos que os animam. “Aliança” pressupõe a unidade na verdade e diz respeito somente aos crentes nascidos de novo. Cf. o documento do Comitê de teologia e diálogo da Aliança Evangélica Italiana, “Alleanza e co-belligeranza: quando é biblicamente giusto collaborare?”, Ideaitalia 15.1 (2011), pp. 9-10.

[13] A história é contada exaustivamente por P. Bolognesi, “A history of the relationship of the Evangelical Alliance with the Roman Catholic Church”, Evangelical Review of Theology 32 (2008), pp. 210-233. Remeto a este artigo para as indicações bibliográficas dos materiais produzidos pelo diálogo.

[14] Este também se encontra no volume supracitado de P. Bolognesi (ed.), Dichiarazioni evangeliche, pp. 266-315.

[15] G. Cereti e J. F. Puglisi (eds.), Enchiridion Oecumenicum. Documenti del dialogo teologico interconfessionale, vol. 7: Dialoghi Internazionale 1995-2005 (Bolonha: EDB, 2006). Este volume contém também os resultados do diálogo entre católicos e alguns pentecostais que teve início em 1990.

[16] Para uma abordagem mais ampla (também do ponto de vista bibliográfico), remeto ao meu livro Evangelical Theological Perspectives on Post-Vatican II Roman Catholicism (Berna-Frankfurt-Oxford: Peter Lang, 2003).

[17] Para uma introdução a Berkouwer, cf. o verbete a ele dedicado em DTE.

[18] Trad. ingl.: The Conflict with Rome (Filadélfia: Presbyterian and Reformed, 1958).

[19] Ver P. S. Herlam, Creating a Christian Worldview: Abraham Kuyper’s Lectures on Calvinism (Grand Rapids; Carlisle: Eerdmans; Paternoster, 1998).

[20] G. Berkouwer, Recent Developments in Roman Catholic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1958).

[21] Trad. ingl.: The Second Vatican Council and the New Catholicism (Grand Rapids: Eerdmans, 1965).

[22] Uma leitura interessante do lado católico sobre a interpretação que Berkouwer fez do catolicismo encontra-se no recente volume de E. Echeverria, Berkouwer and Catholicism: Disputed Questions (Leiden: Brill, 2013).

[23] Por ocasião da jubilação de Wells, publicou-se um interessante volume de artigos que refletem sobre temas próprios ao trabalho dele: R. Lints (ed.), Renewing the Evangelical Mission (Grand Rapids: Eerdmans, 2013).

[24] D. Wells, Revolution in Rome (Downers Grove: IVP, 1972).

[25] H. Carson, Roman Catholicism Today (Londres: Inter-Varsity Fellowship, 1964).

[26] H. Carson, Dawn or Twilight? A Study of Contemporary Roman Catholicism (Leicester: IVP, 1976).

[27] H. Carson, The Faith of the Vatican: A Fresh Look at Roman Catholicism (Darlington: Evangelical Press, 1996).

[28] F. Ferrario, Tra crisi e speranza. Contributi al dialogo ecumênico (Turim: Claudiana, 2008), p. 17. Se a teologia evangélica tem uma tarefa específica, trata-se, segundo Ferrario, de propagar as leituras ecumênicas “otimistas” do catolicismo (p. 181). Todavia, corretamente relata o documento valdense de 1997 sobre o ecumenismo que este “não retoma a afirmação do caráter alternativo entre catolicismo e protestantismo” (p. 180). Ferrario também sabe que a postura do protestantismo histórico italiano diante do catolicismo preferiu a linha compatibilista de Valdo Vinay, em detrimento da postura crítica de Vittorio Subilia.

[29] Ver G. Alberigo (ed.), Storia dei concili ecumenici (Brescia: Queriniana, 1990).

[30] J. O’Malley, “Trent and Vatican II: Two Styles of Church”, in R. F. Bulman e F. J. Parrella (eds.), From Trent to Vatican II: Historical and Theological Investigations (Nova Iorque: Oxford University Press, 2006), pp. 301-320.

[31] Citado por M. Faggioli, Interpretare il Vaticano II. Storia di un dibattito (Bolonha: EDB, 2013), p. 136.

[32] P. Prodi, II paradigma tridentino. Un’epoca della storia della chiesa (Brescia: Morcelliana, 2010).

[33] Em obra publicada dez anos mais tarde (The Prophetic Theology of George Tyrrell [Chico: Scholars Press, 1981]), David Wells defende que muitas reivindicações feitas pelos modernos (a historicidade do dogma, a necessidade de questionar o esquema neotomista, a abertura à modernidade), anteriormente condenadas, serão, por sua vez, absorvidas pelo Vaticano II, numa inversão de tendência em quase 180 graus.

[34] O estudo que voltou sua atenção ao “estilo” e está suscitando um notável debate é J. O’Malley, Cosa è successo al Vaticano II? (Milão: Vita & Pensiero, 2010).

[35] Ibid., p. 50.

[36] Ver J. Famerée (ed.), Vatican II comme style. L’herméneutique théologique du Concile (Paris: Cerf, 2012). Sobre o idioma do Concílio, ver também G. Brancozzi, “L’impatto del concilio sulla lingua teologica. Neologismi e risignificazioni”, in Associazione Teologica Italiana, Concilio Vaticano II. Il “balzo innanzi” della teologia. (Milão: Glossa, 2012), pp. 147-180.

[37] C. Theobald, Il cristianesimo come stile. Un modo di fare teologia nella postmodernità, 2. vols. (Bolonha: EDB, 2009).

[38] Publicados, por exemplo, no volume Tutti i documenti del Concilio (Milão; Roma: Massimo; UCIIM, 198814), respectivamente pp. xi-xxi e xxiii-xxxii.

[39] Bento XVI, “Discorso alla curia romana” (22 de dezembro de 2005), in Insegnamenti di Benedetto XVI, vol. 1 (Cidade do Vaticano: LEV, 2006).

[40] Citado por Faggioli, Interpretare il Vaticano II, p. 128.

[41] F. Lambiasi, “La fioritura del Vaticano II. Le radici e i frutti del Concilio”, Parola e Tempo 11 (2012), p. 25.

[42] Ver as penetrantes observações de P. Bolognesi, “Catholicisme romain et protestantisme évangélique : réconciliation, mais sous quelles conditions?”, La revue réformée 63.4 (2012), N. 263, pp. 27-46.

[43] Nesta sessão, retomo parte do meu artigo “Das katholische Einheitsverstädnis und die evangelische Alternative”, Bibel und Gemeinde 3 (2004), pp. 23-31; trad. ingl.: “Roman Catholicism and the Evangelical Alternative”, Foundations 57 (Spring 2007), pp. 16-21; trad. esp.: Evangélicos y católicos: comparten un futuro común? El desafío del catolicismo romano para la fe evangélica (Barcelona: Centro Evangélico de Estudios Bíblicos, 2008).

[44] V. Subilia, La nuova cattolicità del cattolicesimo (Turim: Claudiana, 1967).

[45] Insuperável abordagem da catolicidade, no sentido católico, é A. Dulles, The Catholicity of the Church (Oxford: Clarendon Press, 1985). Cf. também o fascículo “La Chiesa Cattolica” da revista Communio 234 (2012), que contém muitos artigos sobre as diversas dimensões da catolicidade.

[46] Para aprofundamento sobre Unitatis redintegratio, cf. L. Sartori, L’unità dei cristiani. Commento al decreto conciliare sull’ecumenismo (Pádua: Messaggero, 1992).

[47] G. Bruni, Grammatica dell’ecumenismo. Verso uma nuova immagine di chiesa e di uomo (Assis: Cittadella, 2005).

[48] A. Maffeis, “Il dibattito sul significato della formula ‘subsistit in’ (LG 8) tra esegesi testuale e interpretazione teologica”, Teologia 38 (2013), pp. 26-58.

[49] Neste complexo debate, orienta a compreensão da teologia católica sobre o argumento o volume de P. Selvadagi, Teologia, Religioni, Dialogo (Roma: Lateran University Press, 2009). Por vezes, o magistério teve de intervir para sublinhar a diferença entre a catolicidade romana e um mero universalismo pluralístico. É o caso da declaração Dominus Iesus, de 2000, concernente à “unicidade e universalidade salvífica de Jesus Cristo e da igreja”, que recalibrou a tensão no sentido romano da catolicidade.

[50] M. Lloyd-Jones, Roman Catholicism (Londres: Evangelical Press, s.d.), p. 3.

[51] Ver também o documento da Aliança Evangélica Italiana, “Orientamenti evangelici per pensare il cattolicesimo”, Ideaitalia 3:5 (setembro de 1999).

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