J. I. Packer (1926–2020)

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J. I. Packer partiu para o Senhor em 17 de julho de 2020. Ele tinha 93 anos.

Ao longo de sua vida, Packer foi membro da igreja anglicana. Passou a primeira metade de sua vida na Inglaterra e a segunda metade no Canadá, mas talvez tenha sido mais popular nos Estados Unidos. Ele é amplamente reconhecido como um dos popularizadores teológicos mais influentes do século XX.

Ao longo de seus quase 70 anos de escrita e ministério, Packer enfatizou a importância de conhecer, orar e se comunicar com o Deus trino. Pediu que a igreja levasse a santidade e o arrependimento a sério, andando no Espírito e lutando contra o pecado interior. Defendeu a autoridade bíblica e defendeu o discipulado por meio da catequese. Reintroduziu várias gerações aos seus amados antepassados ​​puritanos, a quem ele considerava como sequoias gigantes da fé cristã.

Ele se via como “uma voz que chamava as pessoas de volta aos velhos caminhos da verdade e da sabedoria”. Toda a sua vida foi gasta resistindo à ideia de que “o mais novo é o mais verdadeiro, de que apenas o que é recente é decente, de que toda mudança de terreno é um passo à frente e que cada palavra mais atual deve ser aclamada como a última palavra sobre o assunto”.

Embora estivesse disposto a abordar e se envolver nas controvérsias de sua época, ele escreveu: “Gostaria de ser lembrado como alguém que apontou para as pastagens”.

Primeiros anos

James Innell Packer nasceu em 22 de julho de 1926, na vila de Twyning, no norte de Gloucestershire, Inglaterra, o primogênito de James e Dorothy Packer. Sua única irmã, Margaret, nasceu em 1929.

Os Packers eram uma família de classe média baixa, com uma fé anglicana nominal. Frequentavam fielmente a igreja de St. Catharine nas proximidades, mas nunca falavam sobre as coisas de Deus ou mesmo oravam antes das refeições.

Em setembro de 1933, aos sete anos de idade, o jovem Packer foi perseguido por um valentão na escola secundária na rua e colidiu violentamente com uma van que passava, o que resultou em uma cirurgia cerebral, internação por três semanas e seis meses, e uma recuperação de um mês em casa, longe da escola. Ele havia sofrido uma fratura composta deprimida do osso frontal no lado direito da testa. Mais tarde, ele comparou o caso como quando se bate o topo de uma casca de ovo com uma colher, e disse que um cirurgião habilidoso em seu hospital local removeu os pedaços de ossos quebrados. O médico exigiu que ele usasse sobre a lesão uma placa de alumínio preta protetora, que se mantinha no lugar por um elástico. Ele foi proibido de praticar qualquer esporte, fazendo com que o jovem solitário se restringisse ainda mais a coisas como leitura e escrita. Ele usou a placa protetora durante os oito anos seguintes e, então, aos quinze anos de idade, se recusou a usá-la novamente.

Na manhã do seu décimo primeiro aniversário, em 1937, Packer acordou na esperança de encontrar uma bicicleta esperando por ele – um presente tradicional para a maioridade, para o qual ele havia deixado sugestões. Em vez disso, seus pais lhe deram uma velha e pesada máquina de escrever Oliver em excelente estado. Seu biógrafo, Alister McGrath, observa a lição espiritual: “Não foi o que Packer pediu; no entanto, provou ser o que ele precisava… seu melhor presente e o bem mais precioso de sua infância.”

Naquele outono, em 1937, Packer fez a transição da escola secundária para a Crypt School, onde se tornou o único aluno de sua turma a se especializar em “clássicos”. Leland Ryken escreve:

A escola em si mantinha uma reputação prestigiosa desde 1539, aproximadamente quando Henrique VIII rompeu com a Igreja de Roma e estabeleceu a Igreja da Inglaterra. A escola recebeu esse nome pelo fato de ter sido fundada na cripta ou na sala subterrânea de um prédio da igreja paroquial. Ironicamente, em vista do cristianismo nominal de Packer na época, mas profeticamente em vista do que ele se tornou, a Crypt School contava com o pregador e evangelista inglês George Whitefield entre seus ex-alunos.

Packer jogava xadrez com um colega de classe cujo pai era um ministro unitarista, e o garoto tentou convencê-lo acerca do Unitarismo, mas Packer se perguntou por que alguém aceitava algumas partes do Novo Testamento, mas rejeitava a divindade de Jesus. Ele leu Cartas de um diabo a seu aprendiz, de C. S. Lewis, durante a adolescência, seguido por Cristianismo puro e simples, e passou algum tempo lendo a Bíblia King James de sua avó – foi tudo o que precisou para solidificar a estrutura básica da cosmovisão cristã, mesmo que ainda não tivesse fé salvadora. Mais tarde, ele se caracterizou como estando na metade do caminho.

Packer foi confirmado na igreja de St. Catherine aos catorze anos de idade, nunca tendo ouvido falar sobre conversão ou fé salvadora.

Conversão

Aos dezoito anos, Packer ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Oxford, estudando clássicos no Corpus Christi College. Ele chegou a Oxford como um estranho, tímido, intelectual (suas descrições), com uma única mala na mão. Seu pai era funcionário da Great Western Railway, o que permitia ao jovem Packer ter passagem grátis para a viagem de trem de uma hora.

Três semanas depois, em 22 de outubro de 1944, Packer participou de um sermão evangelístico de domingo à noite na igreja de St. Aldate. Um pastor anglicano idoso fez a pregação. A exposição bíblica deixou Packer entediado, mas, na segunda metade do sermão, o pastor contou como ele foi desafiado a saber se era realmente um cristão quando estava em um acampamento para meninos. Packer se reconheceu na história e percebeu que não conhecia a Cristo. Após o apelo, que terminou com o hino “Just As I Am”, Packer entregou sua vida a Cristo. Ele estava a poucos metros de onde o evangelista do século XVIII, George Whitefield, se converteu em 1735.

Os puritanos

Nesse mesmo ano, em 1944, um clérigo anglicano aposentado, perdendo a visão, doou sua grande biblioteca para a União Cristã Inter-Colegiada de Oxford (UCICO). Os líderes da UCICO guardaram os livros em um porão e perguntaram a Packer, o devorador de livros, se ele gostaria de olhar as coleções, incluindo clássicos dos séculos XVI e XVII.

Packer logo se deparou com uma coleção de escritos do puritano do século XVII, John Owen. Packer observou com interesse o volume sobre tentação e pecado. Ele abriu o livro e devorou ​​o conteúdo. Mais tarde, ele escreveu: “Acho que devo mais a John Owen do que a qualquer outro teólogo, antigo ou moderno, e tenho certeza de que devo mais ao seu livrinho sobre mortificação do que a qualquer outra coisa que ele tenha escrito”.

Mais tarde, ele pediu que as pessoas pensassem nele como um puritano dos últimos dias: “alguém que, assim como os grandes líderes do século XVII dos dois lados do Atlântico, procura combinar em si os papéis de acadêmico, pregador e pastor, e fala com você com esse objetivo. ”

Ele costumava contrastar a espiritualidade dos puritanos com os evangélicos contemporâneos, chamando os últimos a imitar os primeiros, especialmente quando se tratava de comunhão com Deus:

Quando os cristãos se encontram, conversam entre si sobre seu trabalho e interesses cristãos, seus conhecidos cristãos, o estado das igrejas e os problemas da teologia – mas raramente sobre sua experiência diária de Deus.

Os livros e revistas cristãos modernos contêm muito sobre doutrina cristã, padrões cristãos, problemas de conduta cristã, técnicas de serviço cristão – mas pouco sobre as realidades internas da comunhão com Deus.

Nossos sermões contêm muita sã doutrina – mas pouco relacionado ao diálogo entre a alma e o Salvador.

Não passamos muito tempo, sozinhos ou juntos, pensando na maravilha do fato de que Deus e os pecadores têm comunhão; não, nós apenas consideramos isso algo natural e dedicamos nossa mente a outros assuntos.

Assim, deixamos claro que a comunhão com Deus é algo pequeno para nós.

Primeiros escritos e posições

O primeiro artigo publicado de Packer, escrito em 1952, foi sobre “O Tratamento Puritano da Justificação pela Fé” (Evangelical Quarterly 24, no. 3 [1952], 131-43).

Após obter seu diploma de bacharel na Corpus Christi, em Oxford (1948), ele assumiu seu primeiro cargo de professor no Oak Hill Theological College, em Londres, como tutor (instrutor) em grego e latim (com um pouco de filosofia). Durante esse ano letivo de 1948 a 1949, Packer, com 22 anos, ia todos os domingos à noite para a capela de Westminster para ouvir a pregação do Dr. Martyn Lloyd-Jones, que tinha 50 anos. Packer nunca tinha ouvido tal tipo de pregação – ela chegou “com a força do choque elétrico, trazendo, a pelo menos um de seus ouvintes, um senso maior de Deus do que qualquer outro homem”. “Ele foi o melhor homem que eu já conheci”, escreveu Packer, “e tenho certeza de que há mais dele sob minha pele do que qualquer outro professor humano”. Quando os dois homens se conheceram, Packer sugeriu a Lloyd-Jones que iniciassem uma reunião regular para ajudar as pessoas a entender e aplicar as ideias dos puritanos. Eles cofundaram a Conferência Puritana e a organizaram juntos por quase duas décadas.

Nos três anos seguintes, Packer estudou para sua ordenação no Wycliffe Hall, Oxford, e depois fez sua pesquisa de doutorado. Foi ordenado diácono na Igreja da Inglaterra em 1952, depois como sacerdote na Catedral de Birmingham em 1953.

De 1952 a 1954, atuou como curador (pastor associado) na igreja de St. John em Harborne, um subúrbio de Birmingham, enquanto terminava sua dissertação de doutorado de 400 páginas sobre o puritano Richard Baxter na Universidade de Oxford. Ele foi premiado com o MA e o DPhil em 1954.

Em 17 de julho de 1954, Packer casou-se com uma galesa, Kit Mullett, uma jovem enfermeira que ele conhecera após uma palestra em Surrey, no final da primavera de 1952. Juntos, adotaram três filhos: Ruth, Naomi e Martin.

Os Packers se mudaram para Bristol em 1955, onde Packer atuou como professor no Tyndale Hall pelos próximos seis anos. Duas obras importantes emergiram durante essa ocupação.

A primeira foi um ensaio intitulado “’Keswick’ e a Doutrina Reformada da Santificação” (Evangelical Quarterly  27 [1955]: 153–67), acusando o ensino da Vida Superior sobre santificação como um completo pelagianismo. Esse foi Packer em sua forma mais polêmica, em parte por conta de sua experiência pessoal e seu coração pastoral para que outros evitassem a “bobagem pietista” que quase o levara ao desespero como estudante. Mais tarde, ele escreveu:

Não é lá uma recomendação quando tudo o que se pode dizer é que esse ensinamento pode ajudá-lo se você não levar os detalhes muito a sério.

É absolutamente condenável dizer, como acho que devemos neste caso, que se levarmos os detalhes a sério, eles tenderão a não ajudá-lo, mas a destruí-lo.

Seu biógrafo, Alister McGrath, analisou os efeitos desse artigo e escreveu:

Não houve nenhuma resposta da facção de Keswick, que rejeitou a crítica oferecida por Packer. É amplamente aceito que a revisão de Packer marcou o fim do domínio da abordagem de Keswick entre os evangélicos mais jovens… [O] peso teológico da crítica de Packer parecia se mostrar irrespondível para muitos.

Em março de 1958, aos 31 anos, Packer publicou seu primeiro livro, “Fundamentalism and the Word of God” (IVP no Reino Unido; Eerdmans nos EUA), uma defesa da posição protestante histórica sobre a autoridade das Escrituras.

Michael Reeves escreve:

Esse livro serviu como um grito de mobilização moral para evangélicos com uma visão elevada da Bíblia, elevou o nível de sofisticação e nuances com que eles podiam pensar sobre as Escrituras e estabeleceu Packer como um líder teológico do movimento.

Em 1961, os Packers voltaram para Oxford, onde, pelos nove anos seguintes, ele serviu como bibliotecário e depois como diretor da Latimer House – um centro de pesquisa evangélica iniciado por Packer e John Stott para fortalecer teologicamente a Igreja da Inglaterra.

Durante a década de 1960, a editora Elizabeth Braund convidou Packer a escrever uma série de artigos para sua pequena revista bimestral chamada Evangelical Magazine, oferecendo um guia para o cristianismo básico. Packer escrevia quase duas dúzias de peças a cada dois meses, durante cinco anos.

Em 1970, Packer retornou à Tyndale Hall como diretor. No ano seguinte, a Tyndale Hall foi incorporada ao novo Trinity College, Bristol, onde Alec Motyer foi nomeado diretor e Packer o diretor associado. Essa ação, no entanto, liberou Packer para ter mais tempo para escrever.

O conhecimento de Deus

No início dos anos 1970, Packer procurou a Inter-Varsity Press para transformar sua série de artigos da Evangelical Magazine em um livro. A editora respondeu que precisava que ele escrevesse sobre a questão carismática que varria a Grã-Bretanha antes de considerar um livro dele sobre outro assunto.

Ele então levou projeto à Hodder & Stoughton, que o aceitou de bom grado para publicação. A InterVarsity Press nos Estados Unidos concordou em adquirir os direitos norte-americanos. O livro foi publicado em 1973 com o título O conhecimento de Deus. O livro estabeleceu sua fama internacional e vendeu mais de um milhão e meio de cópias. “A convicção por trás do livro”, escreveu Packer, “é que a ignorância sobre a pessoa de Deus está na raiz de grande parte das fraquezas da igreja hoje”.

Inerrância

Em fevereiro de 1977, Packer se reuniu com R. C. Sproul, John Gerstner, Norman Geisler e Greg Bahnsen para uma conferência sobre a Autoridade das Escrituras em Mount Hermon, Califórnia. Mais tarde naquele ano, foi formado o Conselho Internacional de Inerrância Bíblica, que produziu a Declaração de Inerrância Bíblica de Chicago um ano depois, tendo Sproul como autor principal.

Regent College em Vancouver

Em 1979, James Houston, que era amigo de Packer desde os tempos de graduação em Oxford, o convidou para ingressar no Regent College, em Vancouver. Packer aceitou o convite, o que lhe permitiu lecionar sem deveres administrativos, e sua família fez a mudança transatlântica. Packer manteve sua posição na universidade até o final de sua vida, aposentando-se do ensino em tempo integral em 1996, e depois lecionando em período parcial.

Controvérsias e separações

A vida de Packer não foi isenta de controvérsias doutrinárias e ruptura relacional.

Em outubro de 1966, durante a Assembleia Nacional dos Evangélicos, Lloyd-Jones emitiu um apelo aos evangélicos para que abandonassem denominações doutrinariamente mistas (como a Igreja da Inglaterra) e, em vez disso, para que tivessem comunhão com uma associação de igrejas evangélicas independentes. John Stott, que presidia a sessão, violou as regras não escritas ao se opor publicamente à proposta depois que Lloyd-Jones terminou de falar. Packer não estava no evento (ele soube do ocorrido por telefone naquela noite), mas estava do lado de Stott. A divergência se tornou uma ruptura total em 1970, quando Packer se uniu ao colega evangélico anglicano Colin Buchanan e a dois anglo-católicos para publicar o livro Growing into Union: Proposals for Forming a United Church in England. O livro levou Lloyd-Jones a se separar de Packer, retirando-o do conselho da The Evangelical Magazine e cancelando a Conferência Puritana que eles haviam fundado.

Em março de 1994, as inclinações ecumênicas de Packer novamente causaram problemas. Ele se juntou a vários evangélicos e católicos romanos para assinar uma declaração conjunta intitulada “Evangelicals and Catholics Together”, em coautoria com Charles Colson e Richard John Neuhaus. R. C. Sproul havia dito anteriormente: “Quando a batalha ficar sangrenta, quero Jim Packer na minha trincheira”. Mas a assinatura do documento por Packer intrigou Sproul e outros, que viram uma ambiguidade estudada na redação que implicava consenso sobre o evangelho, mesmo quando outras diferenças teológicas permaneciam presentes. Tanto Sproul quanto Packer concordavam doutrinariamente com a justificação, mas Sproul insistia que a doutrina era essencial, enquanto Packer preferia dizer que era central. Packer escreveu mais tarde sobre o motivo de ter subscrito a declaração.

A terceira dolorosa separação ocorreu em 2002, quando o sínodo da Diocese Anglicana de New Westminster, em Vancouver, autorizou seu bispo a realizar uma cerimônia para abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo. Packer estava entre os membros do sínodo que saíram em protesto. Ele explicou o porquê:

Porque essa decisão, tomada em seu contexto, falsifica o evangelho de Cristo, abandona a autoridade das Escrituras, põe em risco a salvação de outros seres humanos e trai a igreja em seu papel designado por Deus como bastião e baluarte da verdade divina.

Em 2008, a igreja de Packer (St. John’s Shaughnessy, a maior igreja da Igreja Anglicana do Canadá) votou para deixar a ACC (Anglican Church of Canada) e se alinhar com uma província mais ortodoxa da Argentina. Como resultado, Packer e o outro clero foram suspensos (sua autoridade como ministros da Palavra e do Sacramento, conferidos em suas ordenações, foi revogada) por (1) renunciar publicamente à doutrina e disciplina da Igreja Anglicana do Canadá, e (2) ter procurado ou pretender obter admissão em outro órgão religioso fora da Igreja Anglicana do Canadá.

Packer explicou em sua decisão original sobre sua saída:

Por muitas décadas, eu me pergunto a cada passo do meu caminho teológico: Paulo estaria comigo nisso? O que ele diria se estivesse no meu lugar? Nunca ousei oferecer uma visão de algo que não tivesse boas razões para pensar que ele aprovaria.

Packer: autor e leitor

Seu biógrafo, Leland Ryken, observa que é praticamente impossível construir uma bibliografia abrangente de seus escritos:

Tanto em sua fala quanto em sua escrita, Packer seguiu uma política de ingressar em praticamente todas as portas que se abriam diante dele. A lista de suas publicações desafia a tentativa de classificá-los, em parte devido ao grande número de escritos, em parte porque a variedade de gêneros é tão ampla que é difícil saber o que constitui uma publicação e o que é um documento impresso para uso particular, em parte porque Packer costuma publicar o mesmo livro nos EUA e na Grã-Bretanha com títulos diferentes, e em parte porque muitos de seus escritos foram republicados, às vezes com novos títulos.

Além de O conhecimento de Deus, suas obras mais lidas e influentes incluem Evangelização e a soberania de Deus (1971) e Entre os gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã (1990), juntamente com os ensaios Salvos por seu precioso sangue: uma introdução à Morte da morte na morte de Cristo, de John Owen (1958) e O que a cruz conquistou? A lógica da substituição penal (1974).

Além de escrever e ensinar, Packer também atuou como consultor teológico e endossador de livros. Após o editor-teólogo Kenneth Kantzer voltar a lecionar na Trinity Evangelical Divinity School, Packer foi contratado pela Christianity Today em Carol Stream, Illinois, como editor sênior, no início dos anos 1980. Packer fazia visitas regulares ao escritório, apresentando revisões teológicas, criticando cada questão do ponto de vista da boa teologia, sociologia e jornalismo. Incluía também pontos sobre o que funcionou bem em termos gráficos e conceituais.

A disposição de Packer de endossar livros era um trabalho de amor destinado a ajudar os leitores leigos. Ele era muitas vezes generoso, talvez culpado, embora ele insistisse (para quem questionasse uma decisão em particular), que lessem o endosso com atenção, observando não apenas o que ele disse, mas o que ele não disse e como ele disse! Suas recomendações eram em si muitas vezes clássicos concisos.

Muitas vezes lhe perguntavam quais os livros que mais o influenciaram e ele geralmente dava uma variação da lista a seguir:

  • João Calvino, As Institutas da Religião Cristã
  • J. C. Ryle, Santidade: sem a qual ninguém verá a Deus
  • John Bunyan, O peregrino
  • Richard Baxter, Manual pastoral de discipulado
  • Martinho Lutero, Nascido escravo
  • As obras de John Owen (especialmente o Indwelling Sin a Mortificação do pecadoJustificaçãoO Espírito Santo A morte da morte na morte de Cristo)

Seu romance favorito era Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, e seu gênero favorito para leitura recreativa era mistério envolvendo assassinatos e romances policiais, devorando sua primeira série de livros de Agatha Christie aos sete anos de idade. (“O que eu aprecio é a perplexidade pungente do quebra-cabeça, o trabalho cerebral superior do detetive e a aplicação da justiça, eximindo os inocentes e expondo os culpados.”)

Todavia, seu livro favorito de todos os tempos era O peregrino, que ele lia todos os anos de sua vida cristã até que a degeneração macular o impediu de ler.

Outro interesse pessoal de Packer era o jazz antigo. Aos 13 anos, Packer estava fazendo sua lição de casa uma noite, enquanto ouvia rádio, e o locutor decidiu tocar jazz da década de 1920: “Steamboat Stomp”, de Jelly Roll Morton. “Lembro-me de me levantar e ir até o rádio, colocar meu ouvido no alto-falante e ser levado pela música. Fiquei ofegante. Fiquei literalmente sem ar.” Em Oxford, Packer tocou clarinete para uma banda de jazz chamada Bandits, embora tenha desistido porque isso interferia na reunião de sábado do grupo da Inter-Varsity e porque haviam lhe dito que o jazz era diabólico. Mais tarde, porém, ele declarou que “pelos padrões cristãos”, acreditava que “o jazz antigo estava entre os produtos culturais mais valiosos do século XX”.

Em uma carta de 1970 a Packer na qual encerrava seu envolvimento com a Conferência Puritana, Lloyd-Jones escreveu:

Ao longo dos anos, você conheceu não apenas minha admiração por seu grande dom de espírito e intelecto, mas também meu profundo respeito por você. Eu esperava que muito antes disso, você tivesse produzido um grande trabalho na tradição de Warfield, mas você sentiu-se chamado a se envolver em assuntos eclesiásticos. Isso para mim é nada menos que uma grande tragédia e uma perda real para a Igreja.

A obra mais próxima de uma teologia sistemática que Packer chegou a escrever foi sua Teologia concisa, esboçando 94 doutrinas utilizando cerca de 600 palavras para cada uma delas. (A Crossway está pronta para publicar uma edição de capa dura, que estará disponível para a celebração do aniversário de 94 anos de Packer.) Em uma frase tipicamente Packeriana – simultaneamente compacta e ampla –, ele explicou o projeto:

Como atividade, a teologia é uma cama de gato de disciplinas inter-relacionadas, embora distintas: elucida textos (exegese), sintetiza o que diz sobre assuntos com os quais lida (teologia bíblica), vê como a fé era declarada no passado (teologia histórica), formula-a para hoje (teologia sistemática), encontra suas implicações para a conduta (ética), enaltece e defende-a como verdade e sabedoria (apologética), define a tarefa cristã no mundo (missiologia), acumula recursos para a vida em Cristo (espiritualidade) e o culto corporativo (liturgia) e explora o ministério (teologia prática).

Perto do final do século XX, surgiu uma oportunidade que Packer achava que poderia ser um projeto que poderia estar entre os investimentos mais significativos que ele poderia fazer na igreja global. Lane Dennis, presidente da Crossway Books em Wheaton, Illinois, convidou-o para servir como editor geral de uma tradução da Bíblia. Packer foi quem sugeriu o nome: The English Standard Version.

Publicada em 2001, mais tarde Packer refletiu:

Tive o privilégio de atuar como editor geral da English Standard Version (ESV) e, agora que olho para o que fizemos ao produzir essa versão, me pego suspeitando fortemente que essa foi a coisa mais importante que já fiz pelo Reino.

A “última cruzada” de Packer foi dedicada a ajudar a igreja a recuperar a catequese. Seus últimos anos foram dedicados a convencer a igreja norte-americana da necessidade de renovar a catequese (a instrução na fé cristã). Esse trabalho culminou na obra To Be a Christian: An Anglican Catechism – o catecismo da Igreja Anglicana na América do Norte (CAAN).

O último trabalho que ele conseguiu concluir nesta vida foi fazer edições verbais enquanto sua esposa lia em voz alta para ele o rascunho final de seu manuscrito de The Heritage of Anglican Theology em sua casa. A obra foi escrita durante seus anos de ensino em sala de aula e deve ser publicada pela Crossway em maio de 2021.

Packer, o homem

Às vezes, ele se perguntava se os comentaristas de sua carreira teológica e ministerial haviam se esquecido do lado pessoal de Packer, incluindo o humor que via na vida e o brilho em seus olhos. Ele não queria ser retratado como um cérebro em uma cuba ou como um mero fornecedor de ideias.

Timothy George, seu amigo de longa data, descreveu como era assistir o homem em ação:

Seu sorriso é irreprimível e sua risada pode trazer luz para as reuniões mais sombrias.

Seu amor por todas as coisas humanas e humanitárias transparece.

Seu domínio das ideias e das palavras mais adequadas para expressá-las é inigualável.

Sempre impaciente com todos os tipos de embustes, seu caráter santo e espiritualidade são profundos.

No nível pessoal, só posso acrescentar que, em todos os encontros que tive o privilégio de ter com ele, saí pensando nele não como um grande homem, mas como um homem que havia encontrado pessoalmente um Grande Salvador. Cada vez eu sentia profundamente o desejo de não ser mais como Packer, mas de ser mais como Cristo.

Em O conhecimento de Deus, ele escreveu:

Se você quiser julgar até que ponto uma pessoa entende o cristianismo, descubra quanto ele pensa em ser filho de Deus e ter Deus como seu pai.

Se esse não é o pensamento que o incita e controla sua adoração, suas orações e toda sua visão da vida, significa que ele não entende muito bem o cristianismo.

Embora seu pensamento espiritual fosse o mais maduro possível (1Co 14.20), durante toda a vida ele manteve a humildade como a de uma criança e a confiança em Deus (Mt 18.12) e nunca superou a maravilha de ser conhecido e adotado por seu Pai celestial, de ser unido a Cristo, e de andar pelo Espírito.

Em 2015, enquanto eu filmava um pequeno documentário sobre Packer para a Crossway, chegou o momento da minha pergunta final. Eu estava fora do ângulo das câmeras e perguntei como ele gostaria de ser lembrado um dia quando partisse.

Ele fez uma pausa, de um modo característico, antes de responder a qualquer pergunta, independentemente da rotina, e respondeu:

Ao relembrar a vida que vivi, gostaria de ser lembrado como uma voz – uma voz que se concentrava na autoridade da Bíblia, na glória de nosso Senhor Jesus Cristo e na maravilha de seu sacrifício e expiação substitutivos pelos nossos pecados.

Gostaria de ser lembrado como uma voz que chama o povo cristão à santidade e a desafiar lapsos nos padrões morais cristãos.

Gostaria de ser lembrado como alguém que sempre foi cortês em controvérsias, mas sem se comprometer.

Peço-lhe que agradeça a Deus comigo pela maneira que ele me guiou, e desejo, espero e oro para que você desfrute da mesma liderança clara dele e do mesmo auxílio para realizar as tarefas que ele define e que eu desfrutei.

Leitura adicional

Alister McGrath, J. I. Packer: A Biography

Leland Ryken, J. I. Packer: An Evangelical Life

Sam Storms, Packer on the Christian Life

Mike Reeves, “The Puritan Theologizer: J. I. Packer,” in Theologians You Should Know

Timothy George, ed., J. I. Packer and the Evangelical Future: The Impact of His Life and Thought

Traduzido por Jonathan Silveira.

Texto original: J. I. Packer (1926-2020). The Gospel Coalition. Traduzido e publicado com autorização.

Em "Fé ativa", o renomado teólogo J. I. Packer explica as doutrinas essenciais da fé cristã e descreve os principais compromissos que aqueles que professam a fé em Jesus devem ter em mente. Por meio desta obra, Packer nos convida a um discipulado genuíno e nos inspira a levar Deus a sério.

Publicado por Vida Nova.

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