As principais fases do movimento fundamentalista nos Estados Unidos
Nesta parte, analisaremos o desenvolvimento histórico e teológico do fundamentalismo na Igreja Cristã nos Estados Unidos e no Brasil. Podemos dividir sua história em quatro fases.
Fase 1: Conflito e derrota (até meados da década de 1920)
Nesta fase inicial, líderes conservadores levantaram a bandeira contra o liberalismo ou modernismo dentro de suas denominações. Eles estavam lutando contra a incredulidade, antes que os liberais finalmente tomassem o controle dos seminários e da administração. O objetivo era expulsar os liberais das fileiras das igrejas. Várias medidas foram tomadas com este fim. Entre elas destacamos a publicação da série “Os fundamentos”. O alvo foi atacar o naturalismo, o liberalismo e todos os males a eles associados. A inerrância da Palavra de Deus é reafirmada nesta obra como sendo doutrina bíblica e fundamental. Os conservadores, a esta altura já conhecidos como “fundamentalistas”, se organizam em associações e em movimentos dentro das denominações. Surgem as listas dos “pontos fundamentais” que, embora variando quanto aos itens, concordam que a inerrância da Bíblia é essencial. As denominações realizam encontros e reuniões para debater o assunto.
Um importante fato ocorrido neste período foi que J. Gresham Machen e outros importantes professores conservadores deixam o Seminário Presbiteriano de Princeton, que fica nas mãos dos liberais, e fundam o Seminário de Westminster. É publicado o importante livro de Machen, Cristianismo e liberalismo (1923), um clássico sobre o assunto. Os fundamentalistas tentam também, através dos meios políticos, promulgar leis federais e nos Estados, proibindo o ensino do evolucionismo. Mas são derrotados no caso Scopes (1925), o julgamento de um professor de escola secundária que ensinava evolução em classe. Gradativamente, o movimento fundamentalista começa a adotar o pré-milenismo como um dos pontos fundamentais da fé cristã, o que provocará, na fase seguinte, um importante racha no movimento.
Fase 2: Separação e organização (até meados da década de 1940)
Nesta fase, o movimento fundamentalista percebe o fracasso em expulsar os liberais das fileiras das grandes denominações reformadas, muito embora os conservadores fossem a maioria nestas denominações. Como resultado, separam-se, formando novas instituições, associações, igrejas e denominações. São formadas novas denominações , como a Associação Geral de Igrejas Batistas Regulares (1932), a Igreja Presbiteriana da América – que, em seguida, mudou o nome para Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC), liderada por J. Machen (1936) –, a Associação Batista Conservadora da América (1947), as Igrejas Fundamentalistas Independentes da América (1930) e muitas outras. No sul dos Estados Unidos, os fundamentalistas dominaram a maior denominação batista, a Convenção Batista do Sul, a Igreja Presbiteriana do Sul, a Associação Batista Americana e muitas outras denominações. Todas estas defendem os pontos fundamentais, particularmente a inerrância da Palavra de Deus.
Os fundamentalistas formaram também muitas associações e juntas missionárias, seminários e institutos bíblicos, periódicos, conferências bíblicas pelo país afora para evangelização, defesa da fé e treinamento bíblico de pastores, missionários e obreiros. O movimento começa a associar-se com alguns valores morais da cultura americana, como a abstinência completa do álcool.
É nesta fase que o movimento fundamentalista se divide pela primeira vez. A causa da separação foi que muitos fundamentalistas queriam considerar o pré-milenismo como um dos pontos fundamentais do cristianismo. Além disto, havia a identificação crescente deles com a total abstinência de bebida alcoólica e rejeição das descobertas e avanços das ciências. Sai um grupo liderado por Carl McIntire para formar a Igreja Presbiteriana da Bíblia e o Seminário Teológico da Fé (1938). Com ele saíram Francis Schaeffer e Alan McRae, que posteriormente vieram também a afastar-se de McIntire.
O ponto principal é que nesta fase entra no movimento fundamentalista o conceito de separação organizacional de qualquer associação ou denominação que mantenha e tolere liberais em seu meio . Infelizmente, os fundamentalistas entenderam que a separação era a única forma bíblica para manter a pureza da fé e a integridade dos pontos fundamentais do cristianismo. Conseqüentemente, o termo “fundamentalista” começa a ter conotação de intransigência, divisionismo, intolerância, anti-intelectualismo e falta de preocupação com problemas sociais. Assim, no fim desta fase, o nome “fundamentalistas” se referia aos cristãos conservadores separatistas, que eram maioria dentro das denominações ao sul dos Estados Unidos, e aos que haviam saído de suas denominações, formando outras de caráter eminentemente fundamentalista.
Fase 3: Neo-evangelicalismo (até meados de 1970)
Nesta fase o fundamentalismo continua a batalha contra o liberalismo, de fora das denominações e contra um novo inimigo, o neo-evangelicalismo. O movimento ganha repercussão internacional. Os fundamentalistas criam programas de rádio e televisão e fundam faculdades que os mantêm unidos e ligados como numa rede invisível. É então que surge o neo-evangelicalismo ou evangelicalismo , uma ala dentro do movimento fundamentalista que deseja preservar os pontos fundamentais da fé, mas não deseja o espírito separatista da primeira geração de fundamentalistas. O evangelicalismo procura comunhão e associação com outros cristãos, pentecostais, conservadores e mesmo liberais, desejando fugir do rótulo “fundamentalista”, embora afirme, a princípio, a inerrância das Escrituras.
Esta segunda divisão no movimento atinge seriamente igrejas, denominações e seminários fundamentalistas. Os que se consideravam “evangélicos” saem do movimento fundamentalista para formar novas associações e igrejas “evangelicais”. Em termos organizacionais, surge nos Estados Unidos o Concílio Americano de Igrejas Cristãs, fundado por Carl McIntire (1941), representando os fundamentalistas, e a Associação Nacional de Evangélicos (1942), representando os evangelicais. Surgem o Seminário Fuller, a revista Christianity Today , o Wheaton College e a Associação Billy Graham, dentro da perspectiva “evangelical”. O fundamentalismo começa a atacar o evangelicalismo, considerando-o um grande perigo ao verdadeiro cristianismo por causa de sua abertura a outros cristãos, associação com liberais e tendência de acomodar a fé à ciência moderna.
Da parte dos fundamentalistas, é criado o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (1948), formado por denominações, igrejas e indivíduos que se identificaram com a bandeira fundamentalista, em oposição ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI), ecumênico e liberal em muitos aspectos. Nesta fase, o fundamentalismo se tornou menos proeminente, e alguns até pensaram que havia morrido. Na verdade, estava se expandindo através de evangelização, publicações, plantação de igrejas e programas de rádio.
Fase 4: Luta contra o humanismo secular (até meados de 1980)
A partir da campanha de Ronald Reagan para a presidência dos Estados Unidos, o fundamentalismo americano entrou numa nova fase. Ganhou proeminência por oferecer uma solução para a crise social, econômica, moral e religiosa da América, que envolvia legalização do aborto, proibição da leitura da Bíblia e oração nas escolas públicas etc. O inimigo era o humanismo secular , responsável por corroer os valores morais, as escolas, universidades, o Governo e a família. Os males associados ao humanismo eram: evolucionismo, liberalismo político e teológico, moralidade frouxa, perversão sexual, socialismo, comunismo e o ataque à autoridade das Escrituras. Para combater o novo inimigo, surgem de dentro do fundamentalismo novos ministérios fundados e liderados por uma nova geração de fundamentalistas, utilizando-se da mídia televisiva e impressa. Entre eles despontam Jerry Falwell, Tim LaHaye, Hal Lindsey, James Dobson e Pat Robertson. A base era a Convenção Batista do Sul, mas atingiram rapidamente todas as denominações e também outros países, como o Brasil. Ao contrário de gerações anteriores de fundamentalistas, envolveram-se com questões sócio-políticas. Fundamentalistas antigos, como Carl McIntire, somem do cenário por causa de desgaste político e extremo isolamento.
O alvo principal dos ataques fundamentalistas nesta época era o domínio do governo por humanistas e as conseqüências disto para a nação, em termos da libertinagem e relaxamento dos valores morais. Acreditavam que havia uma conspiração humanista para tomar a América e banir o cristianismo. A luta do fundamentalismo é contra os direitos dos homossexuais, do uso de drogas, o movimento feminista, associações com a Rússia, posse de armas. Por outro lado, os fundamentalistas se engajam na luta pelo ensino do criacionismo nas escolas, ao lado do evolucionismo.
Esses novos líderes fundamentalistas mantinham os mesmos pontos doutrinários e a mesma visão separatista da primeira geração de fundamentalistas, embora enfrentassem um outro inimigo, o humanismo secular. Sua mensagem foi de chamar a Igreja a retornar aos fundamentos da Palavra de Deus como chave para uma nova reforma na sociedade e na Igreja. Neste sentido, foi formada a Maioria Moral (1979), sob a liderança de Jerry Falwell, para combater o liberalismo moral e social nos Estados Unidos. Nisto se associam com católicos, pentecostais e judeus de pensamento igual ao deles.
O fundamentalismo ganhou mais força nesta época com o fato de que o movimento evangelical começou a dar mostras de que a política de boa vizinhança com liberais e católicos terminava em prejuízo para a fé bíblica. Líderes evangelicais, bem como seminários e publicações evangelicais, começaram a aceitar o evolucionismo teísta, o ecumenismo com católicos e liberais (Billy Graham). Associações evangelicais de teólogos começaram a tolerar teólogos que questionavam mesmo a onisciência de Deus. Por outro lado, os escândalos na década de 1980, envolvendo o casal Bakker, televangelistas fundamentalistas, causaram um grande revés no movimento fundamentalista nos Estados Unidos. Surgem movimentos radicais de dentro do fundamentalismo, como o Reconstrucionismo de Gary North e Rushdoony.
Apesar de tudo, o fundamentalismo nos Estados Unidos continua firme e crescendo. O crescimento, entretanto, não se faz em termos denominacionais, mas da multiplicação da mentalidade fundamentalista nos aspectos teológicos e apologéticos, dentro das denominações tradicionais e no crescimento de ministérios, missões, institutos e seminários de posição teológica fundamentalista.
(continua)