A posição do ser humano no relato da criação

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  1. Introdução 

A questão ecológica e o meio ambiente são temas relevantes e complexos que frequentemente têm destaque nos meios de comunicação. Queimadas, desgelo, aquecimento global, alterações climáticas, mudanças de estações, longos períodos de estiagem, mau uso de recursos naturais, extinção de espécie de animais. Este artigo abordará sobre o tema da teologia, ecologia e a posição do ser humano no relato da criação.

Apresenta-se como ideia central, a tese de que a Bíblia ensina que Deus é o criador de toda a natureza, e o homem é o guardião deste mundo magnificente e glorioso, sendo nosso dever, manter e preservá-la. O objetivo deste texto será refletir sobre a posição do ser humano no relato da criação, e apresentar posições antibíblicas no trato com o meio ambiente, como: o materialismo e o panteísmo; e por fim expor a posição bíblica sobre o lugar do homem na criação.

Como breve menção da teoria que fundamento este texto, temos que o ser humano foi ordenado na criação como mordomo de Deus. Todavia, ele não conseguiu fazer o uso correto e racional da terra, em razão do pecado que entrou na humanidade, mas isso não exime da tarefa que lhe foi entregue por Deus.

Para uma reflexão acerca da disposição do homem no relato da criação dentro do binômio: Teologia/Ecologia, torna-se necessário recorrer a Bíblia que é a fonte de revelação de Deus. Não obstante, a temática ecológica e o meio ambiente ocupam um lugar de importância na Palavra de Deus.

  1. Posições antibíblicas perante o meio ambiente

Existem várias posições antibíblicas perante a questão do meio ambiente, dentre as quais se destacam duas – o materialismo e a panteísmo. Essas concepções serão apresentadas e avaliadas através da lente da cosmovisão bíblica.

  • Materialismo

Segundo Norman Geisler (2010), embora nem todos os materialistas sejam ateus a maioria dos ateus é de uma maneira ou de outra, materialista. A base filosófica da visão materialista do meio ambiente é produto de uma cosmovisão ateísta ou humanista.

Geisler, citando o Manifesto Humanista (1933), diz que após negar o Criador e a existência de qualquer aspecto espiritual distinto nos seres humanos, o materialismo enfatiza uma crença na habilidade humana de resolver seus próprios problemas. O materialismo pode ser entendido tanto em sentido filosófico como em sentido econômico. Uma suposição da cosmovisão materialista é a genialidade humana que irá sempre criar novas formas para suprir as necessidades. Isso leva a crer que a ciência pode resolver qualquer tipo de problema.

Contudo, sabe-se que a tecnologia não pode solucionar todos os problemas. Há muitas razões por que a tecnologia e a genialidade humana não podem resolver todos os problemas. Segundo Geisler, o homem não tem a capacidade de conhecer, nem de acumular, de forma antecipada, toda a informação relevante que possa ser utilizada na solução dos problemas. Não podem sequer saber de antemão quais perguntas deverão ser feitas. Mesmo que soubessem todos os fatos relevantes, ainda não seria capaz de chegar a conclusões infalíveis.

Ainda segundo o autor, o materialismo ao explicar por que a maior parte da população sofre, muitos humanistas apontam para o problema da má distribuição dos recursos. Eles acreditam que o mundo é demasiadamente rico e que a redistribuição dos recursos poderia resolver o problema da necessidade de alguns. Tanto os recursos naturais, como os meios de produção estão disponíveis; uma distribuição apropriada seria o que está faltando.

Com certeza, há um desequilíbrio. Nem todas as pessoas que necessitam de recursos têm acesso a eles. Todavia, esse não é o problema; mas o resultado do problema que é a pecaminosidade humana. O homem não reconhece a pecaminosidade de sua própria carne como causa de tudo isso “De onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde, senão dos prazeres que militam na vossa carne” (Tg 4.1). O egoísmo humano e a ganância são o centro da questão, mas os humanistas não estão dispostos a aceitarem a visão bíblica da natureza do homem decaído.  

A ganância e o lucro têm levado a uma devastação de vários recursos naturais. Em nome da tecnologia e do progresso, muitos dos mares tem se transformados em fossas, a terra tem se sido feita em depósito de lixo e as florestas viçosas tem se reduzidas em terras desoladas por causa das queimadas. Segundo Geisler, em reação a toda essa destruição, muitas vozes têm se levantado; algumas delas nasceram de uma cosmovisão panteísta que será a próxima visão abordada.

  • Panteísmo

De acordo com Geisler, a visão panteísta do meio ambiente é distintamente antimaterialista e resolutamente anticristã. Panteísmo é a crença de que Deus é tudo, e tudo é Deus. Seus adeptos, portanto, reverenciam a natureza, porque a natureza é considera divina. Trata-se realmente da natureza com “N” maiúsculo. Esse é o problema central da visão panteísta. A natureza deve ser respeitada, mas não venerada. O panteísmo confunde criação com manifestação. A natureza procede de Deus; mas não é o Senhor. Ela é um reflexo do Criador; mas não é o próprio Deus.

Para o panteísmo as espécies vivas são a manifestação de Deus. Assim, a preservação das espécies é uma obrigação ética, pois quando a tecnologia humana, com a construção de uma barragem ameaça destruir uma espécie de peixes, precisa-se opor a essa construção, pois, todas as vezes que uma espécie se torna extinta, perde-se uma manifestação de Deus. Como criaturas, todas as espécies realmente refletem a mão do Criador. Mas o Deus é eterno e infinito; as criaturas são temporais e finitas.

Uma vez que as espécies não são Deus, conclui-se que, quando uma espécie entra em extinção, não se perde uma parte (manifestação) de Deus. Porque o Senhor existe de forma independente de suas criaturas. A totalidade da criação, seres vivos e inanimados, pode entrar em extinção, mas Deus continuará existindo. Ele é o EU SOU.

  1. A posição do ser humano na criação

Entre a devastação materialista da natureza e a adoração panteísta, encontra-se o cristão que acredita tanto no respeito à natureza (mas não na veneração) quanto ao uso apropriado dos recursos naturais. Essa utilização respeitosa do meio ambiente nasce de uma cosmovisão cristã biblicamente orientada acerca da criação e da obrigação do ser humano como mordomo daquilo que Deus lhe tem confiado. “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai […] (Gn 1.28).

Dentro de uma hermenêutica do texto sagrado, com uma perspectiva ecológica, destaca-se que: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). A Bíblia é objetiva, foi Deus quem criou os céus, a terra e tudo que neles existem.

Produza a terra relva, ervas que deem semente e arvores frutíferas que deem furto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nele, sobre a terra. E assim se fez. A terra, pois, produziu relva, ervas que davam semente segundo a sua espécie e árvores que davam fruto, cuja semente estava nele, conforme a sua espécie. E viu Deus que isso era bom (Gn 1.11-12).

Continuando a narrativa da criação:

Disse também Deus: Povoem-se as águas de enxames de seres viventes; e voem as aves sobre a terra, sob o firmamento dos céus. Criou, pois, Deus os grandes animais marinhos e todos os seres viventes que rastejam, os quais povoavam as águas, segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom (Gn 1.20-21).

O Senhor fez todo o ecossistema marinho e as aves do céu. Após concluir essa etapa, o escritor declara: “E viu Deus que isso era bom”, e prossegue: “Disse também Deus: Produza a terra seres viventes, conforme à sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selváticos, segundo a sua espécie. E assim se fez” (Gn 1.24). Novamente, o escritor frisa: “E viu Deus que isso era bom” (v. 25).

Essa é a a narrativa da criação. É importante destacar que ao concluir cada etapa, o Senhor declara “que isso era bom” (Gn 1.10, 12, 18, 21 e 25). A bondade de Deus se faz presente na criação que é naturalmente estabelecida de forma equilibrada com animais, plantas, sementes, árvores frutíferas segundo as suas espécies, cardumes de peixes e aves no céu. Deus é o Criador de todo ecossistema e recursos naturais.

O Senhor decidiu fazer o homem a sua imagem e semelhança, dando domínio sobre a criação. Deus deu o mandamento para os seres humanos se multiplicarem, sujeitarem a terra e dominarem os animais, colocando o homem na condição de mordomo da criação: “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (Gn 1.26).

O salmista Davi, em tom poético, declarou:

Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: ovelhas e bois, todos e também os animais do campo; as aves do céu, e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares (Sl 8.5-8).

Nesse sentido, Hermann Bavinck ensina que:

O registro da origem do céu e da terra no primeiro capítulo de Gênesis converge para a criação do homem. A criação das outras criaturas, do céu e da terra, do sol, da lua e das estrelas, das plantas e dos animais, é registrada em breves palavras e não se faz menção de toda a criação dos anjos. Mas quando a Escritura menciona a criação do homem ela o faz demoradamente, descrevendo não apenas o fato, mas também a maneira pela qual ele foi criado e volta ao assunto para maiores considerações, no segundo capítulo. Essa especial atenção dedicada à origem do homem serve como evidência de que o homem é o propósito e o fim, a cabeça e a coroa de toda a obra de criação (BAVINCK, 2001, p. 199, grifei).

Dominar e sujeitar a criação são mandamentos de Deus para o homem, o qual é uma honra concedida pelo Criador e o seu cumprimento reflete a nossa adoração para com o Senhor. “As atividades de trabalho e cuidado (cultivar e guardar) implicam em usufruto das benesses da criação e na dimensão do cuidado por esta criação também em vista das gerações futuras” (REIMER, 2006, p. 41).

No livro Ética cristã: opções e questões contemporâneas, o teólogo e filósofo norte-americano Norman Geiler diz que: “O cristianismo sustenta que Deus é o criador e que a humanidade é a guardiã deste mundo magnificente e glorioso. É nosso dever manter e não corromper, preservar e não poluir. A natureza não é Deus, mas a natureza é o jardim de Deus (Sl 24.1)” (GEILER, 2010, p. 395), sendo o homem o seu jardineiro. “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2.15).

Essa é a posição do ser humano na narrativa da criação. O homem situa-se como mordomo (ou vice-regente). Compete ao ser humano cultivar e extrair os recursos naturais, de forma equilibrada, que Deus reservou para o uso comum, e pôs o homem, como cabeça de toda criação, para vigiar e proteger a terra, a fim de preservá-la.

  1. Conclusão

Com a Queda, a natureza do homem foi corrompida pelo pecado e a sua consciência ficou maculada. O pecado corrompeu o intelecto, vontade e a moral do ser humano. O homem recebeu a tarefa de dominar e sujeitar a criação, cultivar e guardar a terra. Todavia, ele tem degradado o meio ambiente por meio da ganância que leva ao manejo incorreto do solo, a destruição da fauna e da flora.

Em virtude disso, toda a natureza tem sofrido por causa do pecado do homem, “maldita é a terra por tua causa” (Gn 3.17). “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora” (Rm 8.22).

A consciência, sob uma perspectiva biblicamente orientada é que o ser humano foi posto na criação como mordomo de Deus. No entanto, ele não conseguiu fazer o uso correto e racional da terra em razão do pecado que entrou na humanidade. Mas isso não exime da tarefa que lhe foi entregue pelo Criador.

Um olhar teorreferente para a crise ambiental revela que naquele grande Dia se verá a criação restaurada em Cristo: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2Pe 3.13).

Por fim, com essa mesma perspectiva o apóstolo João disse: “Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe” (Ap 21.1). Esta é a nossa bendita esperança. Um dia toda a criação será restaurada.

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  1. Bibliografia

Bavinck, H. Teologia Sistemática (Santa Barbara d’Oeste: SOCEP, 2001).

Bíblia. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada. 2ª ed. (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999).

Geisler, Norman L. Ética cristã: opções e questões contemporâneas (São Paulo: Vida Nova, 2010).

Manifesto humanista. In: CRIAÇÃOWIKI: enciclopédia de ciência e criação. Disponível em: https://creationwiki.org/pt/Manifesto_Humanista. Acesso em 24 set, 2024.

Reimer, Haroldo. Toda a criação. Ensaios de Bíblia e ecologia (São Leopoldo: Oikos, 2006).

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