Introdução
Observando o conhecimento por vias históricas, nem sempre ele esteve disponível para todas as pessoas, pois dominar o saber e controlar sua divulgação gera controle das grandes massas. Portanto, eram guardados para o uso de algumas pessoas e colocado fora do alcance da maioria dos homens (SILVA, 2016, p. 02). Apenas os que eram iniciados na administração ou sacerdócio, poderiam ter acesso ao conhecimento. Pois, o saber era concebido como sagrado e as divindades permitiam a poucos mortais.
Devido às questões de natureza física e naturais do tempo, bem como culturais, surgiu a primeira modificação do suporte, passando do material argiloso para o papiro que mais tarde foi substituído por uma nova tecnologia denominada de pergaminho. Mudança que claramente foi efetuada devido a questões políticas como as guerras, que impediam a chegada do material necessário para a transcrição e inscrição nos documentos.
Em Roma, a característica particular dos acervos permaneceu aparecendo também como espólios de Guerra, e nesses, eram as obras helênicas que formavam substancial formação intelectual aos aristocratas romanos. Já no medievo, onde os mosteiros serviam como lugares de estudos para copistas, e de bibliotecas para os monges, o manejo do livro era estimulado por parte da igreja.
Foi em lugares como esse que promoveu-se a formação de muitos eruditos da época, e com o crescimento das cidades foram os responsáveis por darem continuidade aos estudos, sendo as escolas catedrais a base para a formação das universidades. Portanto, antes mesmo do período moderno, o livro pôde garantir ao cristianismo a manutenção da ortodoxia e ortopraxia.
Entretanto, com a aparição do novo suporte para a escrita, o papel, que a circulação e organização dos grandes acervos ficou facilitada. É onde percebemos uma maior inserção daqueles que não compuseram as comunidades administrativas ou sacerdotais, na aquisição de obras literárias provenientes das impressões no período da Reforma. “Assim, os que podem, criam espaço em casa para acomodar os volumes que adquirem. No século XVI o livro já era comum, o que está demonstrado por pinturas da época.” (SILVA, 2016, p.16).
O período da Reforma e a impresa
Ameaçado de morte, ele escondeu-se sob a proteção de seus seguidores e admiradores, aproveitando esse tempo de “exílio” para traduzir a Bíblia para o alemão, tal qual fizera Wycliffe para o inglês, abrindo-a ao exame de todos. O desejo de conhecer as Escrituras produziu uma corrida das massas ignorantes em busca da alfabetização, abrindo caminho para o desenvolvimento cultural da Europa. (FERREIRA, 2017, p. 31).
O que observamos no século XVI, é um crescimento considerável de escritos e uma multiplicação das impressões de obras da Antiguidade clássica e suas traduções, porém, as literaturas de espécie religiosa continuavam-se ainda a serem impressas. Segundo Febvre (2017), é sob a ação de Erasmo, de Lefevre e de seus amigos, que toda uma literatura começa a se constituir em torno dos textos sagrados. Por isso, as obras de cunho religioso continuam a ser impressas em grande número no início deste século – possivelmente ainda maior do que no século anterior.
Ainda devido ao evento de 1517, há uma certa mudança nas aquisições livrescas religiosas, Febvre (2017) afirma que no total, os livros desse gênero quase não atingem, até cerca de 1520, senão os círculos religiosos letrados e de humanistas. Porém, por conta das alterações brutais que moveram as paixões, passaram a pôr os problemas religiosos em primeiro plano de onde surge o que hoje poderia ser chamado de uma campanha de imprensa.
Apontando para a coesão e a conquista do povo por meio do livro, Febvre e Martin afirma que:
Um livro só talvez nunca tenha convencido ninguém. Mas se ele não convence, o livro é em todo caso a prova tangível da convicção, que ele materializa por sua posse; ele também fornece argumento àqueles que já estão convencidos, permite-lhes aprofundar e precisar sua fé, dá-lhes os elementos que os ajudarão a triunfar nas discussões, a reunir os hesitantes. (FEBVRE; MARTIN, 2017, p. 395).
Por essas razões expostas, é que o livro desempenhou um papel fundamental nesse período, e no desenvolvimento do protestantismo. Pois, é da prensa que Lutero e Calvino se serviram tão bem para difundir os novos dogmas, e sobretudo, sistematizar os textos sagrados e por eles nas mãos de cada um e em sua própria língua. É também por meio da imprensa, graças aos editais e cartazes, que o público foi informado das ações dos reformadores, das controvérsias, dos progressos das “heresias” e das medidas que foram tomadas para combatê-las.
Acredita-se que, cada grande episódio da Reforma possuiu um edital. Quando Lutero começou a lutar contra o tráfico de indulgências, o ato que marca o início da luta, mais do que sermões cujas palavras passam, foi edital afixado em 31 de outubro de 1517 na porta da Capela dos Agostinianos de Wittenberg (FEBVRE; MARTIN, 2017 p. 397).
As proporções atingidas pelos escritos de Lutero o espantaram e ao mesmo tempo apresentam uma Alemanha que estava à espera de apenas um sinal para revelar seus desejos escondidos, este sinal estaria sob a tutela de divulgação da imprensa. O monge, ao mesmo tempo que respondia em latim aos teólogos da época, também escreveu em alemão com o objetivo de atingir um público cada vez maior, multiplicando seus sermões, os livros de edificação, e as obras polêmicas na língua de seu país de origem.
Essas ações só foram possíveis por conta de que em Wittenberg saíam os livrinhos manipuláveis, leves, porém de uma tipografia clara, possuindo títulos nítidos e inscritos com um bom enquadramento seguindo a maneira alemã, trazendo no topo da obra o nome do autor. E em alguns, um retrato gravado do reformador que permitiu que o povo o conhecesse. A Alemanha logo se inflama com tamanha divulgação das obras luteranas.
Os livros impressos de Lutero são singularmente numerosos, pode se afirmar que eles representam no total mais de um terço dos escritos alemães vendidos entre 1518 e 1525. A partir disso, a maior parte das impressoras alemãs se consagraram à publicação dos escritos reformados. Boa parte, por puros interesses financeiros, haja vista que as obras revolucionárias dos agitadores geravam um grande lucro, e aqueles que não se adaptaram a essa mudança perdiam espaço no comércio e seus clientes. “Lutero ao contrário, faz fortuna de seus impressores” (FEBVRE; MARTIN, 2017, p. 399).
Mesmo diante de uma luta travada contra o catolicismo, Lutero prossegue nos seus escritos “perigosos”, consultando amigos como Melanchton, publicando obras de maneira sucessiva, como por exemplo, o Antigo Testamento com oitenta e sete edições em alto-alemão e dezenove em baixo-alemão de seu Novo Testamento, entre 1519 e 1535.
Os resultados dessas ações do teólogo foram conhecidas, pois as regiões mais humildes de cardadores e tecelões foram alcançadas pelo Evangelho, e isso também fora resultado das metodologias adotadas pelos huguenotes, que se reuniam em círculo para ler, comentar a própria Bíblia e cantar hinos. Tudo acessível aos que não sabiam ler, essas ações ocorreram tanto na França como na Alemanha, lugares onde se originaram as igrejas reformadas.
Considerações finais
O historiador Carlo Ginzburg, afirma que a memória é algo plástico[1], moldável. Por isso a recorrência a novos suportes e novas formas de armazenamento e divulgação do conhecimento. A possibilidade de abrangência cada vez maior por meio dos livros já impressos em papel, contribuiu para a animosidade dos reformadores e de muitos que os seguiram na empreitada de combater o poderio católico.
A importância da pesquisa se encontra no fato de compreendermos não apenas o evento escolhido, mas também as dinâmicas dos reformadores e dos livreiros, bem como das tipografias e sua expansão. E o quanto o livro torna-se algo comum entre as pessoas, mesmo ainda sendo objeto de luxo por um bom tempo, o que levou muitos a uma busca por letramento para compreensão das verdades e princípios cristãos expostos escritos dos reformadores e na própria Bíblia.
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Referências
Febvre, Lucien. O livro: este fermento. In: FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2017. Cap. 8. p. 345-427. Tradução de: Fulvia Moretto e Marisa Midori.
Ferreira, Paulo. A reforma em quatro tempos: desdobramentos na Europa e no Brasil (Rio de Janeiro: Cpad, 2017). 111 p.
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1GINZBURG, Carlo. Da Memória a História.Youtube, 2010.
Exelente e edificante este artigo gostei muito louvado seja o nosso bom DEUS.👏🙏
Excelente!!!