Luiz Felipe Pondé: sobre fé, livros e política

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Luiz Felipe Pondé cursou filosofia na Universidade de São Paulo e fez doutorado pela mesma instituição em parceria com a Universidade de Paris. Realizou pós-doutorado da Universidade de Tel Aviv. Escreve semanalmente no jornal Folha de São Paulo e é autor de diversas obras, além de comentarista do Jornal da Cultura e da Rádio Bandeirantes.1

Em setembro o editor de Teologia Brasileira, Franklin Ferreira, falou no V Encontro Teológico da Igreja Batista do Morumbi-SP, que tratou do tema “cristianismo, arte e cultura”, com Luiz Felipe Pondé, que lhe concedeu esta rápida entrevista.

1) O senhor foi ateu durante muito tempo. Hoje crê em Deus. Por que tal mudança?

Permaneço um ateu filosoficamente, no sentido de que não me sinto atraído ou necessitado de religião, apesar de não julgá-las uma experiência menor. Acho o ateísmo uma versão filosófica simplista. Interesso-me pela mística porque muitas vezes tenho a impressão de que o mundo é sustentado por alguma forma de beleza e misericórdia.

2) Qual a importância da Bíblia para o senhor?
Livro de sabedoria, memória ocidental, “lugar” onde tomamos conhecimento deste “personagem” Deus, que acho de uma elegância inigualável. Ler a Bíblia me acalma.

3) Quais os autores cristãos que o senhor leu que foram mais significativos?
Santo Agostinho, literatura monástica, Pascal e Dostoievski. Aprendi um pouco mais acerca da minha humanidade lendo-os.

4) Há espaço para a fé cristã na esfera pública?

Sim, se a população cristã eleger representantes que defendam valores a ver com a crença, mas jamais fundamentando-os em argumentos bíblicos porque o Estado é laico. Os cristãos devem encontrar formas de defender suas ideias dentro de um jogo conceitual sem referência a fé, mas usando termos da filosofia e do comportamento humano histórico.

5) Que livros o senhor julga importantes para formar uma mentalidade crítica frente à esquerda?
Pra começar, a coleção de cinco livros que acaba de sair pela É Realizações chamada Biblioteca de Crítica Social. Os livros de Roger Scruton são muito contemporâneos e úteis nesse debate.

6) Qual a importância da fé cristã na civilização ocidental?
Fundamento dela. A fé cristã é a cultura sobre a qual grande parte dos valores ocidentais se desenvolveram, como a ideia de igualdade entre os seres humanos, a ideia de caridade como amor social ao próximo, a ideia de pecado e autoconhecimento, a busca de uma verdade interior, e com isso se deu as bases da psicologia profunda, entre outras coisas.

7) Por que as esquerdas enfatizam tanto a noção da “privatização da fé” (laicização)?
Para manter a religião diante da TV e do computador. Para garantir que a dogmática religiosa não invadirá o espaço público.

8) Em que o cristianismo é superior à esquerda?

Entre outras coisas pela sua sensibilidade a uma natureza humana sofrida e confusa, presente no conceito de pecado.

9) A teologia da libertação seria uma interpretação legítima da fé cristã?
Só no seu aspecto de herdeira do carisma profético hebraico de crítica social, não na sua hermenêutica marxista.

10) Quais serão suas próximas publicações?
Estou trabalhando num livro de História da filosofia para corajosos (título provisório), inspirado na crítica nietzschiana. Também pretendo escrever um livro sobre os Salmos, texto místico por excelência da Bíblia hebraica.

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1Os cinco episódios da primeira temporada, com 26 minutos cada, estão disponíveis no YouTube, e cobrem os seguintes temas: “vaidade” (https://www.youtube.com/watch?v=RjedYKxNTHo), “sexo” (https://www.youtube.com/watch?v=xKlY1iPx16I), “fé” (https://www.youtube.com/watch?v=RK6RrRM3bJc), “melancolia” (https://www.youtube.com/watch?v=s60vqERiOJ4) e “casamento” (https://www.youtube.com/watch?v=VQ_xqHcRJNs).

6 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom! Não creio que o Pond‚ seja ateu, mas algu‚m que precisa de mais luz para ser aproximado da verdade. Embora se descreva como ateu filosoficamente, suas outras palavras revelam um teísmo que escapou do agnosticismo.

  2. A qualidade das respostas dão a dimensão de um pensador que em algum momento do seu percurso histórico se deu conta de que ele próprio ‚ resultado de misericórdia. E a consciência disso, com certeza, torna a todos muito pequenos frente … grandiosidade do universo e dos seus mist‚rios. As respostas …s perguntas nº 4 e 8 foram as melhores, na perspectiva do ser político. Mas tudo est  excelente!

  3. Grande Pond‚. Conheci Pond‚ por meio do blog da Regina Brasília (Velvet Poison), que disse que leria esse livro. Dependemos da graça para sermos virtuosos, nossa natureza vaidosa e orgulhosa por si mesma nunca sair  do seu pântano pessoal
    Luiz Felipe Pond‚, em O gosto da culpa. Tive a certeza de que a dica dela seria uma maravilhosa viagem liter ria. E foi. Depois que li o livro, vi que me identifico com Pond‚ pelo amor … Filosofia, Psican lise, Religião e Dostoievski. além disso, um dos mais interessantes temas que o Pond‚ discute em seus ensaios do afeto ‚ a relação entre o homem e a mulher, mas sob uma perspectiva muito diferente da que estamos acostumados a ouvir nessa mesmice da mídia comum.Talvez seja preciso esclarecer que ele não ‚ contra o casamento gay (embora j  tenha sido chamado de homofóbico diversas vezes), mas ele ‚ contra o aborto (sustentando essa posição apenas por razäes filosóficas) – este ‚ Luiz Felipe Pond‚.

  4. Não sei se apenas de forma comum, mas acredito que ele j  tenha recebido a graça de entender algumas coisas espirituais. Oro e espero que, seja, também, alcançado pela graça especial.

  5. A postura de se ler e ouvir os mais variados autores ‚, de certa forma, salutar. Pond‚ instiga o pensamento. Isso ‚ bom. O que soa estranho ‚ o fato de um não regenerado ser convidado para falar sobre Teologia. Mais: numa Igreja. Mais: para cristãos. É impossível não ouvir a voz de Tertuliano reverberar em nosso coração: O que Atenas tem a ver com Jerusalém?. Esta entrevista, em certo sentido, ‚ muito boa e talvez caiba, de algum modo, dentro da proposta da revista. Tudo bem. O estranho são os elogios dispens veis dispensados a Pond‚. A impressão que d  ‚ que ele est  vivo (Ef 2 e Rm 3). O menor dos vivos ‚ sobremodo melhor do que o maior dos mortos. Não por algum algum m‚rito próprio. Posso ouvir Paulo falando: “por mais que vocês tenham muita sabedoria, todo conhecimento plat“nico e aristot‚lico… enfim, Deus não levou em conta este tempo de ignorância”. O lugar de um não regenerado ‚ no banco, ouvindo o evangelho at‚ que seu coração fique compungido e haja arrependimento.

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